sexta-feira, 17 de agosto de 2018

20/08/2018

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VIVER A VIDA FAZENDO O BEM PARA ALCANÇAR A ETERNIDADE
Segunda-Feira da XX Semana Comum


Primeira Leitura: Ez 24,15-24
15 A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 16 “Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos. Mas não deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. 17 Geme em silêncio, sem fazer o luto dos mortos. Põe o turbante na cabeça, calça as sandálias nos pés, sem encobrir a barba, nem comer o pão dos enlutados”. 18 Eu tinha falado ao povo pela manhã, e à tarde minha esposa morreu. Na manhã seguinte, fiz como me foi ordenado. 19 Então o povo perguntou-me: “Não nos vais explicar o que têm a ver conosco as coisas que tu fazes?” 20 Eu respondi-lhes: “A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 21 Fala à casa de Israel: Assim diz o Senhor Deus: Vou profanar o meu santuário, o objeto do vosso orgulho, o encanto de vossos olhos, o alento de vossas vidas. Os filhos e as filhas, que lá deixastes, tombarão pela espada. 22 E fareis assim como eu fiz: Não cobrireis a barba, nem comereis o pão dos enlutados, 23 levareis o turbante na cabeça, as sandálias nos pés, sem vos lamentar nem chorar. Definhareis por causa de vossas próprias culpas, gemendo uns para os outros. 24 Ezequiel servirá para vós como sinal: Fareis exatamente o que ele fez; quando isso acontecer, sabereis que eu sou o Senhor Deus”.


Evangelho: Mt 19,16-22
Naquele tempo, 16 alguém aproximou-se de Jesus e disse: “Mestre, que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?” 17 Jesus respondeu: “Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é o Bom. Se queres entrar na vida, observa os mandamentos”. 18 O homem perguntou: “Quais mandamentos?” Jesus respondeu: “Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, 19 honra teu pai e tua mãe, e ama o teu próximo como a ti mesmo”. 20 O jovem disse a Jesus: “Tenho observado todas essas coisas. Que ainda me falta?” 21 Jesus respondeu: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. 22 Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
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Apesar De Nossas Fraquezas Deus Tem Ternura Para Conosco


Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos. Mas não deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. Geme em silêncio, sem fazer o luto dos mortos. Põe o turbante na cabeça, calça as sandálias nos pés, sem encobrir a barba, nem comer o pão dos enlutados” é o oráculo do Senhor para o profeta Ezequiel que lemos na Primeira Leitura.


Lendo os livros dos profetas ficamos surpreendidos pelas experiências pessoais de cada profeta. Lemos, por exemplo, a experiência da infidelidade da esposa na vida do profeta Oseias; a indignidade do profeta Isaias por ter lábios impuros diante de Deus, diversos gestos simbólicos do profeta Jeremias e assim por diante. Mas poucos chegam à profundidade de sentimentos que nos apresentam através do gesto simbólico  na experiência da vida do profeta Ezequiel que lemos hoje na Primeira Leitura.


Ezequiel recebe de Deus o aviso sobre a morte de sua esposa: “Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos”. Mas Deus pede para que não chore a morte de sua esposa: “Mas não deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. Geme em silêncio, sem fazer o luto dos mortos”.


Não chorar a esposa morta tão querida podia fazer qualquer um pensar como se Ezequiel não tivesse sentimentos. Mas, de fato, a morte da esposa de Ezequiel simboliza a destruição de Jerusalém, e a atitude de Ezequiel é a atitude do povo quando a destruição de Jerusalém ocorreu. Assim como o profeta perdeu a mulher que amava, todos vão perder Jerusalém e seu Templo: “Vou profanar o meu santuário, o objeto do vosso orgulho, o encanto de vossos olhos, o alento de vossas vidas”. Não terão nem tempo de fazer luto. Ezequiel é um sinal. Quando Deus permite a destruição do Templo de Jerusalém, então a dor, o desespero, o desterro serão tão inesperados que o povo nem tem tempo para o luto ou para chorar. Tudo desaparecerá. O povo é levado para o desterro na Babilônia. O objetivo de toda ação simbólica é conhecer e reconhecer Deus.


Há tantos sinais de Deus ocorrem na nossa vida cotidiana. Precisamos parar para decifrar seus significados. Não há dia que não tenha sinais de Deus para qualquer um de nós. Deus nos ama e por isso, Ele nos alerta emitindo vários sinais. Mas a vida agitada jamais percebe o sinais de Deus e seus significado para nossa vida.


Um profeta, um cristão deve ajudar os outros a descobrir a vontade de Deus através de sua própria vida. “Ezequiel os servirá de sinal”. A vida nos prepara, através de nossas experiência, sejam sucessos, sejam fracassos, para nos tornarmos, um dia, um “mestre” para os outros que passarem pela mesma experiência. Não há nada que acontece que não tenha sentido para nós.


Com a ação simbólica do profeta Ezequiel nós percebemos que a obrigação do profeta não é somente a de proclamar a Palavra de Deus em determinado momento e lugar. Toda a vida de um profeta deve ser um sinal. O profeta há de profetizar com sua vida em todas as circunstancias de sua existência. A pessoa toda e a vida toda do profeta devem ser uma proclamação.


Além disso, no texto da leitura de hoje percebemos a ternura de Deus por nós: “Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos”. Deus sempre se dirige a nós com a ternura em todas as situações de nossa vida. Deus quer nos salvar, mesmo que tenhamos que passar por alguma situação bastante triste. Deus continua tendo o amor por nós. Deus sabe o que fazer com nossa vida, mesmo que nem sempre entendamos os planos de Deus sobre nós. A partir desta expressão não há nada que possa impedir o amor de Deus por mim nem minha fé neste Deus de ternura.


A frase “Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos” é uma mensagem consoladora. De fato, uma pessoa que amamos, “o encanto de nossos olhos” é tirada para estar com Deus. Se está com Deus, ela está conosco também, pois Deus está conosco (Cf. Mt 28,20). Onde Deus está, está também o “encanto de nossos olhos”. Encontrar-se com Deus na oração significa também encontrar-se com a pessoa amada que foi “tirada” por Deus. Por essa razão Deus se dirige ao profeta Ezequiel com as seguintes palavras: “Não deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. Geme em silêncio, sem fazer o luto dos mortos”. A vida não termina com a morte, pois o Deus em quem acreditamos é o Deus da Vida.


A Bondade Praticada Nos Aproxima Da Vida Eterna


Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.


Mestre, o que eu devo fazer de bom para possuir a vida eterna?”. Esta é a pergunta de um jovem rico a Jesus. O jovem se aproxima de Jesus com entusiasmo e lhe faz essa pergunta fundamental que agora ninguém tinha feito. São João Crisóstomo comentou: “Todos se aproximam de Cristo ou para tentá-lo ou para obter dele a cura de alguma enfermidade deles ou de algum de seus familiares. Esse jovem se aproxima de Jesus para perguntar-lhe a vida eterna”. Até os próprios discípulos não fizeram essa pergunta a não ser para pedir alguma explicação. A pergunta do jovem aborda o sentido da existência humana e expressa todo seu desejo de comunhão com Deus.


“Mestre, o que eu devo fazer de bom para possuir a vida eterna?”, pergunta um jovem rico a Jesus. Ele usa o verbo “possuir”, porque ele é um homem rico; é um homem acostumado a comparar para possuir. “Para possuir a vida”. Ele até quer ter na mão (possuir) a vida eterna mediante um ato de compra. Na verdade, a própria vida em si é um dom que deve ser recebida e vivida com gratidão. A existência de outros dons supõe a existência desse dom maior que é a vida. A vida é um dom, mas a minha maneira de viver a vida pode não estar de acordo com o dom. A vida, como dom, é bela, mas muitas vezes eu não sei me comportar bem diante desse dom ou não sei viver na gratidão. Tudo que eu sou e tenho é de Deus, menos o pecado. Quando se trata de um dom é porque estou em um mundo de gratuidade. O mundo da gratuidade me leva a viver a vida em ação de graças permanentemente. É ser pessoa eucarística.


Na sua resposta Jesus corrige a pergunta do jovem rico. Em vez de usar a palavra “possuir”, Jesus usa a palavra “entrar”: “Se queres entrar na vida eterna...”. Jesus quer lhe dizer: “Deus te oferece a vida, portanto não é que tu possas possuí-la e sim, se quiseres participar nela, observa os mandamentos; se quiser entrar nela pratique a bondade, já que tu me perguntas ‘o que eu devo fazer de bom...’”. A bondade é a própria perfeição possuída por um ser e é a capacidade que possui num ser de dar a outro a perfeição que lhe falta. A bondade é a disposição natural a fazer o bem ou a trabalhar corretamente pelo bem de todos. Bondoso é quem se comporta com bondade. Quem tem bondade é porque tem amor.


O texto nos diz que o jovem rico observa todos os mandamentos. Mas ele insiste: “O que ainda me falta?”. Nesta pergunta percebemos algo importante de que por mais que alcancemos algo, sempre falta alguma coisa ou algumas coisas na nossa vida. Por melhores que nós possamos ser, sempre falta alguma coisa na nossa vida ou para nossa vida. Com efeito, nós somos o que somos e o que nos falta. Com efeito, não somos cristãos e sim estamos cristãos, isto é, estamos em processo para ser verdadeiros cristãos a exemplo do próprio Cristo.  Em nós há algo que exige de nós muito mais, que nos convida a fazermos um passo adiante, que exige profundidade de relações, relações pessoais com Deus e com os demais homens. O que falta em nós nos dá força para que possamos buscá-lo e pode nos inquietar.


Segundo Jesus, para entrar na vida definitiva o que se necessita não é a relação a um código (“o que deve fazer de bom”), mas a uma pessoa (Sl 145,9): “O Bom é um só”. A observância dos mandamentos é consequência dessa relação pessoal: os mandamentos são bons porque expressam a vontade do Supremo Bom que é Deus (Am 5,4.6.14-15; Mq 6,8). As normas ou as regras não produzem a graça. A graça é que produz regras para facilitar ou para orientar o homem no alcance da graça. Quando se vive na graça de Deus ou de acordo com o amor de Deus as regras cessam, pois pelo caminho de amor não há outro caminho. Enquanto estivermos na terra precisamos da fé. Mas, um dia, pela misericórdia divina, na face a face com Deus, não precisaremos mais da fé.


Na sua resposta Jesus diz ao jovem que ele deve desfazer-se de tudo o que tem sem esperança de retorno: “vender tudo e dar o dinheiro aos pobres”. Não somente “vender tudo”, porque o jovem poderia possuir o dinheiro, fruto da venda dos bens. Jesus exige dele muito mais: “dar aos pobres” tudo que é o fruto da venda dos bens. Deixada a segurança da riqueza ele encontrará outra segurança superior (Mt 6,25-34) que é o próprio Jesus que é o Caminho, a verdade e a Vida (cf. Jo 14,6). Por isso, em seguida Jesus acrescenta: “Depois, vem e segue-me”. Jesus chama-o à nova fidelidade, ao amor a todo homem, como o Pai do céu (Mt 5,48). A felicidade plena, a vida em abundância está na partilha, na solidariedade, na compaixão, no amor mútuo... A felicidade não se obtém na sua busca e sim na partilha. Para eu poder ser feliz, eu preciso fazer o outro feliz. Este é o paradoxo da vida autêntica.


O jovem não responde ao convite de Jesus. Vai-se triste, em sua mesma condição de jovem, incapaz de chegar à maturidade. Ele ouviu a mensagem de Jesus, mas a sedução das riquezas o afogou (cf. Mt 13,22). A riqueza governa o coração do jovem. Embora deseje a vida eterna, o jovem não vai atrás dela para encontrá-la. O defeito moral não se define pelo mal que se intenta, mas pelo bem que se abandona” (Santo Agostinho. De civ. Dei. 2,8). A riqueza, quando não se considera como meio, mas como fim, sufoca as relações fraternas, sociais, familiares e sufoca o crescimento espiritual de quem a tem. “Amando a Deus nos tornamos divinos; amando ao mundo nos tornamos mundanos” (Santo Agostinho. Serm. 121,1). Os bens materiais continuam a ser alheios a nós. Eles jamais serão nossos próximos. O ser humano é sempre nosso próximo com quem podemos conversar, contar nossas histórias, nossas vitorias e nossas falhas na vida, para desabafar, rir juntos que torna a vida mais leve. “Se você tem dinheiro acumulado, pergunte-se como o ganhou e como o usa. Se você continua acumulando mais dinheiro do que precisa para viver, sabe para que o faz?” (René Juan Trossero, escritor e psicólogo argentino). Santo Agostinho dizia: “A verdadeira felicidade não consiste em possuir o que se ama e sim em amar o que se deve possuir” (In ps. 26,2,7).


Saber renunciar às coisas materiais é ser rico. Dar ou partilhar é a manifestação da riqueza. Segurar egoisticamente, sem partilha, é a expressão do pobreza interior. Para possuir o Tudo temos que aprender a deixar tudo. Posso possuir as coisas, mas jamais as coisas podem me possuir para que eu possa manter minha liberdade e leveza na vida. O apego exagerado aos bens materiais é um terrível empecilho para o seguimento de Jesus. A dinâmica deste seguimento vai exigindo rupturas sempre mais radicais dos bens deste mundo. É preciso usarmos as coisas que passam e abraçarmos as coisas que não passam. Quem não está livre para fazê-las, ficará na metade do caminho, como o jovem rico no evangelho lido neste dia. O caminho da perfeição passa pela liberdade de coração, em relação aos bens deste mundo, para buscar Deus e solidarizar-se com os mais necessitados. É assim que se chega à vida eterna. Um homem que não cresce diariamente regride um passo cada dia.


“O que devo fazer para entrar na vida eterna” e “O que ainda me falta?”. São duas perguntas que devem ser respondidas por cada um de nós diariamente. Nós somos o que somos e o que nos falta, pois o nosso ideal é bastante alto: “Sejam perfeitos como o Pai do céu é perfeito” (Mt 5,48). Eu estou sendo o que devo ser para chegar a ser o que, na verdade, sou. Eu não posso me distancias, cada vez mais, daquilo para o qual devo ser. Sano Agostinho dizia: “Não andes averiguando quanto tens, mas o que tu és. Dentro do coração sou o que sou” (Serm. 23,3; Cof. 10,3)
P.Vitus Gustama, svd

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