quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Domingo,07/10/2018
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A BELEZA DO MATRIMÔNIO CRISTÃO
XXVII DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO “B”


Primeira Leitura: Gênesis 2,18-24
18 O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele”.19 Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e trouxe-os a Adão para ver como os chamaria; todo o ser vivo teria o nome que Adão lhe desse. 20 E Adão deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens; mas Adão não encontrou uma auxiliar semelhante a ele. 21 Então o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão. Quando este adormeceu, tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. 22 Depois, da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher e conduziu-a a Adão. 23 E Adão exclamou: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem”. 24 Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne.


Segunda Leitura: Hebreus 2,9-11
 Irmãos: 9 Jesus, a quem Deus fez pouco menor do que os anjos, nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte. Sim, pela graça de Deus em favor de todos, ele provou a morte. 10 Convinha de fato que aquele, por quem e para quem todas as coisas existem, e que desejou conduzir muitos filhos à glória, levasse o iniciador da salvação deles à consumação, por meio de sofrimentos. 11 Pois tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, ele não se envergonha de os chamar irmãos.


Evangelho: Mc 10,2-16
Naquele tempo, 2 alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. 3 Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” 4 Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. 5 Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. 6 No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. 8 Assim, já não são dois, mas uma só carne. 9Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” 10 Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. 11 Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. 12 E se a mulher se divorciar de seu marido e se casar com outro, cometerá adultério”. 13 Depois disso, traziam crianças para que Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam. 14 Vendo isso, Jesus se aborreceu e disse: “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. 15 Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”. 16 Ele abraçava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos.
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Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele”. “O que Deus uniu, o homem não separe!”


No evangelho deste Domingo os fariseus fazem uma pergunta maliciosa a Jesus: “O marido pode mandar a mulher embora?”. Sem dúvida nenhuma os fariseus sabiam que Jesus tinha outra posição sobre o matrimônio. Através desta pergunta, os fariseus querem colocar Jesus à prova. É interessante observar que os faiseus não perguntam a Jesus: “É lícito a esposa mandar o marido embora?”. Porque há uma forte dominação masculina e a marginalização da mulher.


O Papa Francisco, na sua Exortação Apóstolica, Amoris Laetitia, n.98, escreveu: “Jesus lembrava aos seus discípulos que, no mundo do poder, cada um procura dominar o outro, e acrescentava: ‘não seja assim entre vós’ (Mt 20, 26). A lógica do amor cristão não é a de quem se considera superior aos outros e precisa de fazer-lhes sentir o seu poder, mas a de ‘quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo’ (Mt 20, 27). Na vida familiar, não pode reinar a lógica do domínio de uns sobre os outros, nem a competição para ver quem é mais inteligente ou poderoso, porque esta lógica acaba com o amor. Vale também para a família o seguinte conselho: ‘Revesti-vos todos de humildade no trato uns com os outros, porque Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes’ (1Pd 5, 5)”.


I. SITUAÇÃO DA MULHER NO TEMPO DE JESUS


Na Palestina a estrutura social é patriarcal. O pai é o único que tem direito de dispor, dar ordens, castigar, pronunciar as orações, oferecer os sacrifícios. O marido é dono da mulher, e ela não pode dispor nem dos ganhos do seu trabalho.


A mulher judia era considerada em tudo inferior ao homem. Ela pertence completamente ao seu dono: ao pai, se for solteira (o pai pode vender sua filha como escrava quando ela tem entre 6 e 12 ou 12 anos e meio de idade); ao marido, se for casada; ao cunhado solteiro, se for viúva sem filhos (Dt 25,5-10).


No Templo e na sinagoga homens e mulheres ficavam rigorosamente separados: as mulheres sempre em lugares inferiores, secundários. O culto na sinagoga era celebrado apenas caso houvesse ao menos 10 homens. As mulheres não contavam, por mais numerosas que fossem. Os rabis não tinham “discípulas”.


A consciência da superioridade religiosa masculina era muito difundida no tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs não só entre os judeus, mas também entre gregos e romanos. O homem grego, por exemplo, agradecia aos deuses a sorte de ter nascido ser humano e não animal, grego e não bárbaro, livre e não escravo, homem e não mulher.


Entre os judeus havia um ditado: “Bem-aventurado aquele cujos filhos são homens. Ai daquele cujos filhos são mulheres”.


Na oração que os judeus dos séculos I e II d.C faziam na sinagoga, três vezes o homem judeu agradecia a Deus o fato de não ter nascido pagão, escravo e mulher. Rabi Jehuda diz: devem ser feitas três orações diárias: “Bendito seja Deus que não me fez pagão. Bendito seja Deus que não me fez mulher. Bendito seja Deus que não me fez ignorante. Bendito seja Deus que não me fez pagão: porque todas as nações diante dele são como nada(Is 40,17). Bendito seja Deus que não me fez mulher: porque a mulher não está obrigada a cumprir os mandamentos. Bendito seja Deus que não me fez ignorante: porque o ignorante não se envergonha de pecar”.


Em hebraico as palavras: piedoso (hasid), justo (çadiq) e santo (qadosh) não possuem forma feminina.


A mulher não podia atuar como testemunha num tribunal, nem como testemunha de acusação. Apoiando-se em Gên 18,11-15, consideravam que seu testemunho carecia de valor por causa de sua inclinação à mentira.


Em relação ao matrimônio, somente o marido tinha direito de romper o matrimônio, exigindo o divórcio. Somente o homem podia ter várias mulheres, e a esposa devia tolerar a existência de concubinas consigo em sua própria casa. É claro que isso era privilégio dos ricos.


Se a noiva tinha relações com outro homem era considerada como adúltera, e podia ser castigada com a morte a pedradas; para a adúltera casada reservava-se o castigo do estrangulamento. Para o homem que participou dessa relação não havia castigo.


A sociedade consumista de hoje utiliza a mulher apresentando-a como objeto de atração, sedução, vício etc. e a publicidade ganha com essa degradação, e não poucas mulheres seguem esse caminho que se lhes apresenta como o único possível para realizar-se e triunfar na vida.


Lamentavelmente, em não poucos lares cristãos “machistas”, marcados pela sociedade “patriarcal” encontra-se ainda que o pai continua sendo “senhor”, o amo, a autoridade indiscutível, o privilegiado.


Qual é a atitude de Jesus para com as mulheres ?


Devemos ter presente que os primeiros seguidores do movimento de Jesus foram homens judeus e mulheres judias. Para o Reino de Deus, anunciado por Jesus, todos são convidados: as mulheres e os homens, as prostitutas e os piedosos fariseus. Ninguém é excluído.


Com seu comportamento na vida diária, Jesus se levantou contra esse sistema sociorreligioso, dominante e opressivo para a mulher. Com sua atuação concreta, Jesus dá à mulher o seu lugar na vida social e religiosa. Para Jesus, a mulher tem a mesma dignidade, categoria e direitos que o homem. Por isso, ele abertamente rejeita as leis e costumes discriminatórios que menosprezam essa dignidade, categoria e direitos, arriscando com isso o seu prestígio e a sua vida.


Jesus admite em sua comunidade homens judeus e mulheres judias (Cf. Lc 10,39: ficar aos pés de Jesus significa ser discípulo/discípula de Jesus) com os mesmos direitos (segundo evangelho) de aprender, ser discípulos-discípulas, seguidores-seguodoras de Jesus pelo Reinado de Deus. As exigências e responsabilidades do seguimento são iguais para todos, homens e mulheres.


Que traços da sociedade patriarcal ainda hoje se conservam entre nós ? Em quais aspectos trabalhistas, familiares, políticos, religiosos etc. a mulher é discriminada hoje, entre nós ?


II.  JESUS PERANTE O MATRIMÔNIO E O DIVÓRCIO


A Lei permite a possibilidade de um homem repudiar a mulher (mas não vice-versa) e determina que ele lhe dê um documento legal de divórcio, que a deixe livre para se casar (Dt 24,1-4; Jr 3,8). O Deuteronômio dá uma razão geral para o marido divorciar-se da mulher: “Esta logo depois não encontra mais graça aos seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente” (Dt 24,1). Expressava a superioridade do homem e seu domínio sobre a mulher e refletia a opressão exercida em todos os níveis da sociedade judaica.


Questionando Jesus sobre o divórcio, os fariseus se aproximam de Jesus para tentá-lo (cf. 1,13;8,11.33) e pretendem levá-lo a dizer algo que iria causar conflito com as autoridades em Jerusalém, ou com os romanos pois ambos permitiam a dissolução do casamento; ou então, com a família de Herodes, na qual o divórcio era freqüente. Os fariseus querem saber se Jesus diz alguma coisa contra a lei: “É lícito a um marido repudiar sua mulher?” Se responder “sim”, Jesus se mostra como seguidor de Moisés, assim Jesus não será maior que Moisés. Se responder “não”, Jesus estará em oposição à lei de Moisés .


Jesus, porém, não está preocupado com a lei que mantém a lógica dominante. Ele mostra que a lei simplesmente cede às conveniências humanas. Ele levanta duas questões: Por que Moisés escreveu tal lei? E será que Moisés a escreveu com intenção de permitir o divórcio? Por isso, Jesus responde: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne/ser” (Mc 10,6-9).


Para o hebreu, coração significa o centro da pessoa, da sua liberdade, dos seus relacionamentos: lá onde a pessoa se abre e se dá na conversão, no amor e no compromisso. Era esta transformação do coração que os profetas tinham anunciado que iria acontecer no tempo messiânico, quando Deus iria “tirar o coração de pedra e dar um coração de carne” (Ez 36,26-27). A vitória do Reino será justamente a transformação do coração humano. A condição de “dureza de coração” impede que se perceba o valor que cada pessoa tem aos olhos de Deus (Mc 3,5). A dureza de coração causa cegueira diante da manifestação do Amor de Deus acontecendo em Jesus Cristo (Mc 6,52;8,17). Agora ele diz aos fariseus que esta mesma condição pode criar uma incapacidade de realizar o Plano de Deus a respeito do casamento. 


Com esta resposta Jesus retoma o projeto original de Deus (cf. Gn 2,24), que a lei contradiz. E nesse projeto original, a união matrimonial é sinal da própria fidelidade de Deus para com seu povo. Jesus invalida a lei porque ela não corresponde à vontade original do projeto de Deus. Na adesão amorosa não existe lugar para leis casuísticas. E pouco ama quem se preocupa com a lei.   


Ao lermos este texto sabemos que Jesus não queria ensinar que o casamento é um simples contrato legal que não pode ser dissolvido. Pois um simples contrato pode sempre ser dissolvido, porque se trata apenas de um acordo entre duas vontades humanas. Jesus vai além disso e mostra que o casamento é mais do que uma lei. Ele é graça de Deus. É uma união de amor. “O amor é o único jogo no qual dois podem jogar e ambos ganharem”(Erma Freesman). “O fundo de uma agulha é bastante espaçoso para um casal que se ama; mas o mundo todo é pequeno para dois inimigos”(Solomon Ibn Gabirol).  É neste nível que deve ser compreendido, e é neste plano que os esposos devem viver. Jesus dá, então, ao casamento uma dignidade nova.


O profeta Oséias já havia preparado o caminho com a sua profecia (Os 2,20ss) sobre a profundeza do amor no casamento que se realiza na medida do amor de Deus. Os esposos devem amar-se assim. Devem perdoar como o próprio Deus, que perdoa tudo, e está sempre pronto a começar tudo de novo, e de maneira mais intensa. O casal que ama como Deus ama, tem relacionamento que vem de Deus, e cuja medida é o próprio Deus. Isso salva de toda fraqueza e infidelidade, e dá ao casal a possibilidade de criar um ambiente e uma situação de amor na qual as pessoas se salvam.


Se a instituição do matrimônio é tão ameaçada atualmente, e se muitos jovens não querem comprometer-se no casamento por achar que o amor por uma pessoa até a morte não seja mais possível, talvez porque nossa cultura tenha aspectos que favoreçam a condição de dureza de coração. Valoriza-se a liberdade, mas sem compromissos. Cria-se um conceito da afetividade e sexualidade que é baseado mais no egoísmo do que no respeito pela dignidade do outro, e no espírito de doação.


Hoje sentimos como é necessário ajudar as pessoas a conhecerem a pessoas de Jesus, e a encarar a vida conjugal como uma vocação, ou seja, como um chamamento a viver o Amor do Reino neste estado de vida. Continuamos na obrigação de educar para um amor capaz de assumir compromissos definitivos. Isso se faz para valorizar a confiança mútua, a fidelidade ao outro e a si mesmo, para dar uma chance à felicidade que estava no plano de Deus desde o começo. Não vemos casamento indissolúvel como uma obrigação a ser carregada, mas como um direito que não deve ser sacrificado num mundo que fez do descartável um modo de vida. Responsabilidade, desejo de fidelidade, seriedade na palavra empenhada têm muito a ver com o direito de ser e fazer feliz. Queremos casamento assumido com responsabilidade para mais gente ser feliz.


III. A BELEZA E A PROFUNDIDADE DO MATRIMÔNIo CRISTÃO


Jesus insiste na insolubilidade do matrimônio. Por que ele se posiciona firmemente sobre a indissolubilidade do matrimônio? Onde é que consiste a beleza e a profundidade do matrimônio indissolúvel?


1. A Beleza Do Matrimônio Consiste Na Sua Definitividade E Na Superação De Cada Crise


Todos sabem que viver já é difícil, quanto mais conviver, especialmente no matrimônio. Mas a beleza e a profundidade do matrimônio precisamente consiste na sua definitividade e durabilidade: “O que Deus uniu o homem não separe”(Mc 10,9). E o Compêndio do Catecismo diz: “Deus, que é amor e criou o homem por amor, chamou-o a amar. Criando o homem e a mulher, chamou-os no Matrimônio a uma íntima comunhão de vida e de amor entre si, ‘assim eles não são mais dois, mas uma só carne’(Mt 19,6)”. A definitividade do matrimônio faz com que o amor se torne cada vez mais maduro, pois ele é refletido toda vez que encontra sua dificuldade e seus obstáculos. Precisamente na medida em que os momentos de crise matrimonial se superam, cresce também uma nova dimensão do amor e ao mesmo tempo se abre uma porta para uma dimensão da vida. Na superação de cada momento de crise abre-se uma porta para uma nova dimensão da convivência matrimonial e familiar. Com efeito, a verdadeira beleza do matrimônio não consiste apenas na sua harmonia, mas também na superação de cada momento de crise, como a beleza do dia não consiste apenas na sua claridade pelo sol, mas também na sua escuridão da noite. A beleza da noite muita vezes apresenta um aspecto diferente, do que a beleza que o dia ensolarado apresenta. Para chegar a essa superação os esposos devem aprender permanentemente a caminhar juntos, a amar-se novamente, a perdoar mutuamente, a buscar juntos uma solução para os problemas existentes para que possam trilhar o caminho do matrimonia até o fim.


2. A Beleza Do Matrimônio Consiste Na Formação De Uma Família Humana: Ser Ninho Do Amor E De Outros Valores.


As pessoas se casam para formar uma família onde cada membro é preparado para entrar na sociedade maior. A família é o ambiente em que cada um aprende a dar e a receber o amor, a sacrificar pelo outro, a ser solidário com o outro, a carregar juntos o fardo que se encontra na caminhada, a perdoar mutuamente pelas ofensas que muitas vezes são frutos não da maldade, mas das limitações naquele momento em que elas ocorreram. A grandeza de um matrimônio e de uma família consiste na entrega sincera de si mesmo ao outro. Nada pode substituir a existência de uma família, pois ela é a base de uma história, de um crescimento, da maturidade humana e cristã, etc. . A família é um bem necessário para cada ser humano para toda a sua vida. Quando uma família não vai bem, a sociedade também não vai bem. Por isso, a beleza de um matrimônio consiste na transmissão dos valores para os filhos, frutos de uma profunda união. Não é por acaso que cada família cristã é chamada de Igreja doméstica, pois através da vivência dos valores a família se torna uma comunidade de graça e uma escola das virtudes humanas e cristãs. A linguagem da fé de cada cristão se aprende no lar. A fé e a ética cristã se aprendem no lar que vão marcar a vida de cada membro para o resto da vida. Nenhum de nós adquiriu por si só os conhecimentos básicos para a vida. Cada um recebe de outros, principalmente da família, a vida e as verdades básicas para viver uma vida sadia pessoal, social e comunitariamente. Neste sentido, os próprios pais são exemplo e professores das virtudes humanas e cristãs. Somente desta maneira cada família pode superar a cultura que exalta o egoísmo e o individualismo como se cada um se fizesse só e se bastasse a si mesmo esquecendo o valor de uma relação com os outros e sua responsabilidade diante dos outros.


3. A Beleza Do Matrimônio Consiste Em Expressar A Importância Do Valor De Uma Companhia


“Não é bom que o homem esteja só”. Estas palavras são postas na boca de Deus pelo autor javista(2,18a). O ponto de partida do texto é a necessidade humana de estar em companhia. O homem não é um ser autônomo, encerrado em si mesmo. Não podemos viver sós. O homem só, sem companhia nem ajuda não é homem nem pode viver como tal. O ser humano não encontra a plenitude do sentido de sua existência em si mesmo, mas na relação com os demais. O homem que vive fechado em si próprio, que escolhe percorrer caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, que recusa o diálogo e a comunhão com aqueles que caminham a seu lado, que tem o coração fechado ao amor e à partilha, é um homem profundamente infeliz, que nunca conhecerá a felicidade plena. Por ter nascido de Deus, o homem é participação. Estamos feitos para a relação com os demais. Estamos feitos a base de relação com os demais. Por isso, quando morre uma pessoa querida, uma parte de nós mesmos morre com ela porque formamos um todo com ela.  O mistério do homem é que para ser ele mesmo, ele tem necessidade do outro, para encontrar-se a si mesmo, ele precisa partilhar, e necessita dar para chegar a ser. O mistério do homem é que para poder existir como “EU”, necessita que exista outro que lhe diga “TU”. O mistério do homem é que ele é sociedade. O homem, desde sua origem, é um ser conjugal. Desde então, ser parceiro é sacramento de Deus. O ser humano deixaria de ser imagem de Deus, se ele não se relacionasse com os demais, pois um Deus com uma pessoa só já não seria o Amor. Deus é Amor(1Jo 4,8.16) e o amor é encontro e para existir como Amor, tem que ser Trindade.


Esta relação e companhia se realizam com uma plenitude, distinta de qualquer outra relação, na união do homem e a mulher: “Eles serão uma só carne”(Gn 2,24;Mc 10,7). A palavra “carne” expressa na linguagem bíblica a existência terrena do homem; ser da mesma carne significa compartilhar a mesma existência, o mesmo projeto vital. A complementaridade entre homem e mulher conduz a compartilhar a mesma existência. E o sacramento do matrimônio é a experiência mais plena de acompanhamento mútuo que se converte em sinal público e eclesial o amor absoluto que é Deus(1Jo 4,8.16). Por isso, o matrimônio é um sacramento não porque consagre a promessa solene dos esposos, nem por fundar-se na mútua ternura. O matrimônio é sacramento por ser imagem mais perfeita do que Deus é e do que é a vida segundo Deus. Na relação entre um homem e uma mulher descobrimos e experimentamos que Deus é encontro, dom, participação e amor.


Este ideal que Jesus Cristo apresenta no Evangelho de hoje consiste no amor que dura e cresce sempre, que quer seriamente o bem do outro, que faz todo o necessário para cultivar esse amor. Mas este ideal não é fácil como são os demais ideais que Jesus apresenta no evangelho como: amar os inimigos, perdoar sempre, vender tudo para dar aos pobres. No entanto, sabemos que um mundo que realizar todos estes ideais será verdadeiramente o mundo de Deus, ou seja, o mundo para os homens. Cada cristão é chamado e enviado para anunciar estes ideais e lutar para realizá-los, mas sempre está ao lado de Deus, pois sem Deus nada podemos fazer(Jo 15,5). Realizar estes ideais significa seguir o caminho de Deus, e ser testemunha do Seu amor.


“Não separe o homem o que Deus uniu”, diz Jesus. Jesus está sempre contra a corrente. Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres, qualquer seja a sua idade. O ser humano foi criado à imagem de Deus por amor. O casal humano é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de encarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens recusarem este dom, impedirão Deus de imprimir neles a sua imagem.


Que esta Eucaristia fortaleça o amor dos casais presentes, o amor que eles consagraram um para o outro no dia de seu casamento. O casamento indissolúvel é um grito para todas as pessoas ao redor que existe o amor. É o mesmo que dizer: Deus existe, pois ele é Amor (1Jo 4,8.16).


Para Refletir


“O amor humano encontra sua plenitude quando participa do amor divino, do amor de Jesus que se entrega solidariamente por nós em seu amor pleno até o fim (cf. Jo 13,1; 15,9). O amor conjugal é a doação recíproca entre um homem e uma mulher, os esposos: é fiel e exclusivo até à morte e fecundo, aberto à vida e à educação dos filhos, assemelhando-se ao amor fecundo da Santíssima Trindade. O amor conjugal é assumido no Sacramento do Matrimônio para significar a união de Cristo com sua Igreja. Por isso, na graça de Jesus Cristo, encontra sua purificação, alimento e plenitude (Ef 5,23-33)” (Doc. Aparecida n.117).


“Amar é também tornar-se amável, e nisto está o sentido do termo  asjemonéi. Significa que o amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Os seus modos, as suas palavras, os seus gestos são agradáveis; não são ásperos, nem rígidos. Detesta fazer sofrer os outros. A cortesia «é uma escola de sensibilidade e altruísmo», que exige que a pessoa «cultive a sua mente e os seus sentidos, aprenda a ouvir, a falar e, em certos momentos, a calar».[107] Ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor, por isso «todo o ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam».[108] Diariamente «entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza duma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. (...) E quanto mais íntimo e profundo for o amor, tanto mais exigirá o respeito pela liberdade e a capacidade de esperar que o outro abra a porta do seu coração».[109] (Papa Francisco, Amoris Laetitia, n.99).


“A fim de se predispor para um verdadeiro encontro com o outro, requer-se um olhar amável pousado nele. Isto não é possível quando reina um pessimismo que põe em evidência os defeitos e erros alheios, talvez para compensar os próprios complexos. Um olhar amável faz com que nos detenhamos menos nos limites do outro, podendo assim tolerá-lo e unirmo-nos num projecto comum, apesar de sermos diferentes. O amor amável gera vínculos, cultiva laços, cria novas redes de integração, constrói um tecido social firme. Deste modo, uma pessoa protege-se a si mesma, pois, sem sentido de pertença, não se pode sustentar uma entrega aos outros, acabando cada um por buscar apenas as próprias conveniências, e a convivência torna-se impossível. Uma pessoa anti-social julga que os outros existem para satisfazer as suas necessidades e, quando o fazem, cumprem apenas o seu dever. Neste caso, não haveria espaço para a amabilidade do amor e a sua linguagem. A pessoa que ama é capaz de dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam. Vejamos, por exemplo, algumas palavras que Jesus dizia às pessoas: «Filho, tem confiança!» (Mt 9, 2). «Grande é a tua fé!» (Mt 15, 28). «Levanta-te!» (Mc 5, 41). «Vai em paz» (Lc 7, 50). «Não temais!» (Mt 14, 27). Não são palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam. Na família, é preciso aprender esta linguagem amável de Jesus” (Amoris Laetitia, n.100).


“No seio de uma família, a pessoa descobre os motivos e o caminho para pertencer à família de Deus. Dela recebemos a vida que é a primeira experiência do amor e da fé. O grande tesouro da educação dos filhos na fé consiste na experiência de uma vida familiar que recebe a fé, a conserva, a celebra, a transmite e dá testemunho dela. Os pais devem tomar nova consciência de sua alegre e irrenunciável responsabilidade na formação integral dos filhos” (Doc. Aparecida n.118).
P. Vitus Gustama,SVD

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