segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Domingo, 25 de Outubro de 2020- AMOR

AMOR: O MAIOR MANDAMENTO

XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”

Primeira Leitura: Êx 22,20-26

Assim diz o Senhor: 20 Não oprimas nem maltrates o estrangeiro, pois vós fostes estrangeiros na terra do Egito. 21 Não façais mal algum à viúva nem ao órfão. 22 Se os maltratardes, gritarão por mim, e eu ouvirei o seu clamor. 23 Minha cólera, então, se inflamará e eu vos matarei à espada; vossas mulheres ficarão viúvas e órfãos os vossos filhos. 24 Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não sejas um usurário, dele cobrando juros. 25 Se tomares como penhor o manto do teu próximo, deverás devolvê-lo antes do pôr do sol. 26 Pois é a única veste que tem para o seu corpo, e coberta que ele tem para dormir. Se clamar por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso.

Segunda Leitura: 1Ts 1,5c-10

Irmãos: 5c Sabeis de que maneira procedemos entre vós, para o vosso bem. 6 E vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações. 7 Assim vos tornastes modelo para todos os fiéis da Macedônia e da Acaia. 8 Com efeito, a partir de vós, a Palavra do Senhor não se divulgou apenas na Macedônia e na Acaia, mas a vossa fé em Deus propagou-se por toda parte. Assim, nós já nem precisamos falar, 9 pois as pessoas mesmas contam como vós nos acolhestes e como vos convertestes, abandonando os falsos deuses, para servir ao Deus vivo e verdadeiro, 10 esperando dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos: Jesus, que nos livra do castigo que está por vir.

Texto: Mt 22,34-40

Naquele tempo, 34 os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35 e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36 “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” 37 Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38 Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39 O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. 40 Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo

Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

A maior parte dos cristãos sabem muito bem que o amor ao próximo é fundamental no cristianismo. Mas a maior parte também esqueceu, na práxis, o que foi decorado na memória. Jesus não se limita a nos mandar amar ao próximo, e sim que Ele diz: amarás a teu próximo COMO A TI MESMO. O esquecimento desta clausula desvirtuará a prática da esmola e desnaturalizará o amor cristão e a caridade. Porque o principal mandamento não é fazer caridade, nem dar esmolas e sim amar ao próximo como a si mesmo. O principal do mandamento é, pois, o “COMO A TI MESMO”. A omissão do “Como a ti mesmo” desqualifica qualquer outra práxis que queira camuflar-se como caridade cristã.

A Primeira Leitura (Êx 22,20-26) pode servir muito expressivamente para expor como devemos concretizar este amor aos homens que é a real manifestação do amor a Deus. Não se pode separar o amor a Deus do amor aos homens, pois Deus está presente no homem (Cf. Mt 25,40.45). Não se pode amar a Deus se não ama ao homem. Podemos dar alguns exemplos concretos. Como podemos comungar com o Corpo do Senhor Jesus Cristo se não sabemos comungar com as preocupações, necessidades, dores e  as alegrias dos homens? Como podemos pedir a ajuda a Deus, se não queremos ajudar o próximo em necessidade? Como podemos pedir o perdão a Deus, se não sabemos nem queremos perdoar nossos irmãos? Como podemos afirmar que amamos a Deus, se continuamos sendo egoístas e mesquinhos? Jesus não nos pede um amor “humanista” (Vou lhe dar  para que você me dê) e sim que nos convida a fazermos um salto de qualidade: amar sem condições, sem cálculos de respostas, até dar a vida, como o próprio Jesus fez. Por isso, são Paulo, na Segunda Leitura, nos convida a sermos imitadores de Cristo.

A Primeira Leitura é um belo comentário sobre o amor ao próximo relacionado ao amor a Deus. Deus não somente quer que tenhamos entranhas de misericórdia com os pobres e necessitados, e sim que nos apresentemos como “protetor” (goel, em hebraico) dos inválidos diante daqueles que os oprimem, ou seja ser imitadores de Cristo Jesus que vai atrás da ovelha perdida ou dos pecadores. Pois na verdadeira compaixão a dor dos oprimidos, dos excluídos, dos pobres e empobrecidos se torna nossa dor ou nossa causa contra os que os exploram. Amar é viver na vida de alguém.

O texto da Primeira Leitura nos convida a especificarmos ou concretizarmos neste momento da meditação e do exame pessoal: Imigrantes, viúvas, órfãos ... eles eram os grupos sociologicamente fracos ou débeis, não valorizados  daquela sociedade. Quais são os grupos fracos ou débeis, marginalizados, excluídos,  em nossa sociedade ou nas nossas comunidades? Aqueles que precisavam de dinheiro ou foram obrigados a penhorar a capa/túnica (o único casaco que lhes restava), onde estão hoje? Aprendamos a dar um rosto concreto, pulsante de realismo, a um "primeiro mandamento", aparentemente tão absorvente, mas que comporta um segundo "semelhante". A relação entre os dois mandamentos também está expressa com força total na primeira carta de São João (1Jo 4,7-20).

Em meio das vicissitudes da vida, o homem se pergunta com frequência: qual é o ponto que dá unidade à minha vida? Diante de diversos preceitos, qual é o mais importante? O que é que constitui a base das minhas certezas e atuações? O que é que é imutável no contínuo fluir do tempo e das pessoas?

No Evangelho de hoje encontramos uma resposta tomada do Antigo Testamento e confirmada por Cristo: o primeiro de todos os mandamentos e de todos os deveres que tem que observar um homem é o de amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todo o ser. A razão mais alta da dignidade humana, nos diz o Concílio Vaticano II, consiste na vocação do homem à união com Deus. Desde seu nascimento, o homem é convidado ao diálogo com Deus. O homem existe pura e simplesmente pelo amor de Deus. Devemos amar a Deus com todo o coração porque Ele é bom, é imensa sua misericórdia. Ele é o Doador de bens. Ele é quem nos colocou na existência por amor e nos redimiu por amor. Ele é quem, diante do pecado do mundo e do homem, não se arrepende de sua criação e sim que Ele oferece ao homem um meio admirável de redenção  em seu Filho. O amor a Deus acima de todas as coisas é que dá estabilidade para nossa vida, nos liberta dos pecados mais perniciosos  (nocivos) como são a incredulidade, a soberba, a desesperança, a rebelião contra Deus e assim por diante. O mundo é desgraçado na medida que se afasta do amor de Deus, na medida que se constrói seus próprios ídolos abandonando a Deus que o ama ternamente. Assim como os israelitas, ao construir o bezerro de ouro, se afastaram de Deus e ficaram confusos, assim o homem contemporâneo, ao se afastar de Deus e de seus amor pelos ídolos do prazer, do egoísmo, da comodismo etc., se perde e se sente desolado (triste).

Jesus confirma que o amor a Deus não pode separar-se do amor ao próximo. Não podemos amar a Deus a quem não vemos, se não amamos ao nosso próximo que está na nossa presença. Seria um engano e uma dissimulação pretendermos amar a Deus e, ao mesmo tempo, nos despreocupamos com nossos irmãos. Precisamente, o amor a Deus se acende, quando o espirito humano, se for sincero, diante do sofrimento e das necessidades dos demais. O pobre, o necessitado, o indefeso que tem necessidade de apoio é um lugar privilegiado em que Deus se revela e se faz presente.

A Primeira Leitura menciona três tipos de pessoas para as quais lhes deve especial caridade: os estrangeiros, as viúvas-órfãos e os que têm que recorrer a pedir empréstimo para poder sobreviver. O povo bíblico devia cultivar uma especial solicitude pelos estrangeiros, porque ele próprio, o povo eleito, foi estrangeiro no Egito e sofria as penalidades de quem se encontra fora de sua pátria e sem abrigo de sua casa. As viúvas e os órfãos eram pessoas indefesas que ficavam a mercê de quem desejava aproveitar-se deles. Os israelitas deviam observar todos eles com especial olhar, pois quando eles clamavam a Deus, Deus os escutava. Os órfãos e inválidos são escutados especialmente pelo coração de Deus. Deus cuida deles. Deus os atende. Deus não os abandona. Mas Deus quis fazer tudo isto através das mediações humanas. E aqui todos os sentimentos humanos são interpelados. Nós nos convertemos em meios de comunicação de amor de Deus: através de nós, os necessitados experimentarão a bondade de Deus. Somos os canais pelos quais Deus se manifesta. Finalmente, a Sagrada Escritura pede aos israelitas que não se aproveitem da situação da necessidade do pobre para impor-lhe cargas superiores a suas forças.

Sobre o texto do Evangelho de hoje santo Agostinho fez um comentário admirável: “O amor de Deus é o primeiro como mandamento, mas o amor ao próximo é o primeiro como atuação prática. Aquele que te dá o mandamento de amor neste dois preceitos, não te ensina primeiro o amor ao próximo, e depois o amor a Deus, e sim vice-versa. Porém como a Deus não O vemos todavia, amando ao próximo tu adquires o mérito para vê-Lo; amando ao próximo tu purificas teu solhos para ver a Deus, como o afirma são João: ‘aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê’ [1Jo 4,20]” (Tratado sobre são João Tratt. 17, 7-9).

Um Olhar Específico Sobre o Evangelho Deste Domingo

O evangelho deste domingo fala do maior mandamento para todos os cristãos: o amor. Este texto podemos encontrar nos evangelhos sinóticos, mas com o contexto diferente (Mc 12,28-34; Lc 10,25-28).

Em Mc, este texto é uma conversa amistosa de caráter escolástico entre um mestre da Lei e Jesus. Por isso, sem nenhuma polêmica. O mestre da Lei até recebe o elogio de Jesus, pois ele concorda que o maior mandamento é o amor: “Não estás longe do Reino de Deus” (Mc 12,34).

Em Lc (Lc 10,25-28), o mesmo texto serve de introdução à parábola do bom samaritano (Lc 10,30-37). Em Lc, não é Jesus quem enuncia o maior mandamento, mas um doutor da lei. Jesus concorda e manda que o doutor da lei faça a mesma coisa(amar) para poder viver: “Fazei isto e viverás!” (Lc 10,28). Enquanto que em Mt, este mandamento se encontra dentro de uma polêmica violenta entre Jesus e os líderes do povo em Jerusalém (veja Mt 22,15-21). Neste contexto Jesus proclama o mandamento do amor aos que o odeiam, pois eles estão procurando uma maneira para condená-lo (Mt 22,15.34-35; 5,43-44).          

Antecipamos logo a situação da Igreja de Mateus que tem por trás deste texto. Havia confronto da comunidade de Mateus com um judaísmo dominado por mestres da lei e os fariseus. Para eles todos os mandamentos tinham a mesma importância. A atenção destes dirigia-se não para os conteúdos da lei, e sim sua característica formal de imposição. A lei por lei era o princípio. Enquanto que para a comunidade de Mateus o duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo era cláusula fundamental da aliança entre Deus e seu novo povo. A característica fundamental do novo povo de Deus, isto é, da comunidade cristã mateana é o amor a Deus e ao próximo. Os mandamentos de amor servem de centro da lei, dando à Bíblia e aos ensinamentos de Jesus uma ordem e um impulso que distinguem a comunidade mateana de outros movimentos e comunidades judaicas. A ênfase nos mandamentos de amor, misericórdia e justiça serve para dar à comunidade mateana sua orientação interna e também para identificá-la em contraste com outros grupos.        

Como já sabemos nos textos anteriores, Jesus desfez a armadilha dos fariseus em relação ao imposto (Mt 22,15-22) e respondeu à pergunta dos saduceus sobre a ressurreição dos mortos (Mt 22,23-33). Depois desta derrota, os fariseus voltam a reunir-se para colocar novamente Jesus numa armadilha (cf. Mt 22,15). Este confronto culminará na paixão de Jesus (Mt 26,4.27,1).Agora interrogam Jesus sobre o maior mandamento: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”(v.36).          

Os rabinos do tempo de Jesus, estudando a Bíblia, tinham chegado a compor uma lista dos mandamentos nela contidos. Ensinavam que o conjunto dos preceitos era de 613. Desses, 365 (como os dias do ano) eram proibições e 248 (como membros do corpo) eram ações a serem cumpridas.          

Os guias religiosos de Israel ensinavam que todos esses mandamentos tinham a mesma importância e eram igualmente obrigatórios; discutia-se, porém, qual fosse o primeiro e o maior de todos. A opinião mais comum era que o preceito do Sábado valia mais do que todos os outros juntos. Contou-se que de tanto mandamento até um pagão se apresentou a um famoso rabino chamado Hillel (que viveu poucos anos antes de Cristo) e lhe disse, ironicamente: “Se conseguires ensinar-me toda a lei enquanto permaneço ereto num pé só, converter-me-ei”.     

Por isso, um dos fariseus perguntou a Jesus, para experimentá-lo: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”  E na sua resposta, unindo dois textos do AT (Dt 6,5 e Lv 19,18), Jesus disse que o amor era o maior de todos cuja direção são três: amar Deus, a si mesmo e ao próximo (Mt 22,37.39). Notemos bem: os fariseus perguntavam sobre leis, isto é, deveres, obrigações. Jesus chama para um confronto não com numerosas prescrições, normas, proibições e preceitos, mesmo de origem divina, mas com uma exigência global do amor. A resposta de Jesus, por isso, fala de amor. Como todos nós sabemos, amor nunca é sentido como obrigação, mas como impulso que vem de dentro da pessoa, e a sua expressão exterior jamais é vista como dever ou obrigação, e sim como satisfação e prazer.      

Perguntamos: por que amor é o maior ou primeiro de todos os mandamentos?     

São João responde: por que “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Esta frase perpassa, carregada de mistério e de promessa toda nossa história. Por pouca sensibilidade que se tenha, se compreende que nela se toca o coração mesmo do cristianismo. Onde existe o amor, está o cristianismo, embora se trate de ateísmo; onde não existe amor, não existe cristianismo, embora exista o sacrifício ou a eucaristia. Por isso, Santo Agostinho dizia: “Se, por conseguinte, não há tempo para perscrutar todas as páginas sagradas, para deslindar todos os véus da linguagem, para penetrar todos os segredos das Escrituras, então, abraça a caridade, da qual tudo depende”.  “Deus é amor” é a frase nuclear e irradiante. Ela sozinha já seria capaz de manter a esperança no mundo, pois pressentimos que nela está a chave de tudo.         

Se Deus é amor e se Deus é a origem, se o amor é o maior mandamento, intuímos que o amor seja, portanto, a essência da realidade, a última palavra da compreensão, o critério definitivo do juízo. Compreendê-lo e vivê-lo será justamente alcançar o mistério do universo, encontrar a chave do sentido da vida, chegar à fonte da vida que é Deus.  Santo Agostinho dizia: “Qual o valor desta virtude(amor/caridade)? É a alma das Sagradas Letras, a força da profecia, a vida dos sacramentos, o fundamento da ciência, o fruto da fé, a riqueza do pobre, a vida dos moribundos”. Unicamente na direção do amor é que poderemos caminhar em direção ao centro da vida: o resto equivale a se perder. Se um dia formos condenados, não por termos amado demais e sim por termos amado de menos. O amor é o critério do julgamento final.         

Amor! Eis a mensagem central do cristianismo. Ser o mandamento primeiro significa que é ele que dá sentido a todo o resto. Por isso, basta eliminar o amor da vida e o mundo virará um cemitério. E quando acaba o amor, formamos uma imagem estática do outro e ficamos no passado do outro apesar do outro ter-se mudado. E sem o amor, julgamos e nos atemos a preconceitos mútuos. Isto é a morte. O amor nos liberta de tais imagens e mantém o futuro aberto aos outros. Nutrimos esperança pelo outro, por isso esperamos do outro. Isto é a vida.  O amor é a origem da realidade, motivo da salvação, meio da comunhão, fonte da atividade e critério da vida. Basta cada um de nós deixar-se levar pelo amor, a vida ou o cristianismo se apresentará com outro aspecto, com outro estilo e viver com outro calor, com muita espontaneidade e alegria. Por isso, no mundo humano, como também no mundo animal, o crescimento não é possível sem amor, como dizia Teilhard de Chardin: “O amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias cósmicas. Socialmente, fingimos ignorá-lo na ciência, nos negócios e nas assembleias, ao passo que sub-repticiamente ele está em toda parte”. O amor faz crescer. O amor tranquiliza. O amor dá segurança. Por isso, aquele que não é amado, fecha-se em si mesmo como uma prisão sem portas, sem outra saída e se torna uma pessoa egoísta. Sabemos que o egoísmo devora o que o outro tem. O amor, ao contrário, oferece ao outro o que lhe falta.  Quando amamos e nos sentimos amados, recordamos que jamais estamos sozinhos em nossas lutas e conseguiremos sobreviver até às circunstâncias mais atribuladas. Quanto mais o amor tiver recebido sadiamente, tanto mais poderá alguém dá-lo. O amor que ele dá faz o eco ao amor recebido.          

Amor é a auto-comunicação do bem. Ele é a capacidade, inerente ao bem, de sair de si mesmo, de transferir para outro ser, de participar do outro ser e de entregar-se por um outro ser. Aquele que ama está totalmente no outro, conservando plenamente sua identidade. O amor não pode realizar-se na esfera de um sujeito isolado.          

Por ser muito essencial na vida dos homens, Jesus pede para amar a Deus em primeiro lugar com coração, mente e alma. Isto quer dizer: amar com toda interioridade do homem e com o aspecto racional dessa interioridade e com alma que é a força vital. Com tudo isto, o homem deve orientar-se para Deus, pois o amor não é mero sentimento, mas direção de vida. Se Jesus nos pede isto, é porque precisamente no amor o homem encontra a verdadeira realização de si mesmo e faz uma autêntica experiência de Deus.          

Mas não basta só amar a Deus, pois o homem cairia na mais ilusória das ilusões; faria experiência de um deus sem vulto e sem coração; estaria adorando um ídolo feito por mãos humanas.        

Justamente para impedir essa distorção é que Jesus diz no Evangelho que o maior mandamento não é só o de amar a Deus, mas também o próximo como a ti mesmo. Jesus quer que nos elevemos até Deus, mas sem deixar esta terra; propõe-nos um amor sem limites a Deus, porém apresenta-nos o homem como passagem obrigatória e normal desse amor.         

“O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”, diz Jesus (Mt 22,39). O homem tem que saber amar-se a si mesmo, pois não se pode compartir ou partilhar aquilo que não se tem. Santo Agostinho dizia: “Se não sabes amar-te a ti mesmo, tampouco saberás amar aos demais de verdade”. O amor ao semelhante emana, se nutre do manancial que procede do amor que sente um por si mesmo. Amarmo-nos a nós mesmos é ver-nos como pessoas. É aprender os valores que constituem nosso ser. É iluminar os dons e talentos para nos elevar ao topo mais alto de nossa existência.         

Se a base da caridade é o amor a si mesmo, devemos aceitar também que a base do amor a si mesmo é a caridade. O amor nunca é imanente, mas sempre flui e se expande fora de si, transcende. O amor que transcende até o bem do próximo é caridade. Esta qualidade de transcender é essencial no e do amor. Se não transcender, se não fluir de si, o amor não será amor. O bem ao próximo é o modo em que transcende o amor a si mesmo. A caridade constitui-se em fundamento e sentido do amor a si mesmo. Amor a si mesmo e amor ao próximo se retroalimentam.         

Na vida real, há quem ame pouco o próximo (o homem) por receio de ofender a Deus. E há quem ame pouco a Deus por receio de excluir o próximo (o homem), como se fosse impossível ser, ao mesmo tempo, amigos de Deus e dos homens. Mas quem deseja realmente fazer experiência de Deus, busca- O com todo o coração, entendimento e alma e deixar-se busca por Ele, acaba por encontrá-lo em todo lugar: nas coisas e nos acontecimentos, nas pessoas e na história. O amor a Deus e ao homem (próximo) se tornam só porque animados por um único e profundo amor.        

Jesus coloca o amor a Deus e o amor ao próximo como a si mesmo em relação com toda a revelação bíblica da vontade de Deus. Por isso, ele conclui: “Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos” (v.40). No amor gira toda a revelação bíblica. E Jesus é o revelador definitivo e perfeito da vontade de Deus (Mt 5,17). A vontade de Deus gira em torno do amor total a Deus e do amor ao próximo cuja medida é o amor a se mesmo.        

Kahlil Gibran escreveu: “Quando um de vós ama, que não diga: ‘Deus está no meu coração’, mas que diga antes: ‘eu estou no coração de Deus’”. Porque, diz São João: “Nós amamos, porque Deus nos amou primeiro” (1Jo 4,19).          

Portanto, que cada um se pergunte: “Será que posso afirmar que amo a Deus e ao próximo como eu me amo? De que maneira eu sei me amar? Será que o amor governa minha vida e minha atitude com o próximo? Quem ainda não amei suficientemente? A quem não quero amar, de jeito nenhum? “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”. É a resposta de Jesus para cada um de nós. Por amor a cada um de nós Jesus aceitou ser crucificado e morto. Se quisermos saber o valor de cada um de nós diante de Deus, basta olhar para Jesus Crucificado.

P. Vitus Gustama,svd

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