quinta-feira, 8 de abril de 2021

Terça-feira Da II Semana Da Páscoa,13/04/2021

CRER EM JESUS SIGNIFICA NÃO PARAR DE EXISTIR E SE CONCRETIZA NA PARTILHA

Terça-Feira da II Semana da Páscoa

Primeira Leitura: At 4,32-37

32 A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. 33 Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. 34 Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, 35 e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um. 36 José, chamado pelos apóstolos de Barnabé, que significa filho da consolação, levita e natural de Chipre, 37 possuía um campo. Vendeu e foi depositar o dinheiro aos pés dos apóstolos. 

Evangelho: Jo 3,7b-15

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 7b “Vós deveis nascer do alto. 8O vento sopra onde quer e tu podes ouvir o seu ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito”. 9Nicodemos perguntou: “Como é que isso pode acontecer?” 10Respondeu-lhe Jesus: “Tu és mestre em Israel, mas não sabes estas coisas? 11Em verdade, em verdade, te digo, nós falamos daquilo que sabemos e damos testemunho daquilo que temos visto, mas vós não aceitais o nosso testemunho. 12Se não acreditais, quando vos falo das coisas da terra, como acreditareis se vos falar das coisas do céu? 13E ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. 14Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, 15para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna”.

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Um Só Coração e Uma Só Alma

A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32). Assim lemos na Primeira Leitura de hoje. As relações deste tipo caracterizam comunidades de tipo rural ou familiar, onde as relações podem praticamente reproduzir o “Eu-tu”, porque supõe o conhecimento mais ou menos íntimo do interlocutor. Mas o processo moderno de urbanização introduziu um valor diametralmente oposto à mentalidade rural: o do anonimato em virtude do qual cada um preserva sua vida privada tanto quanto quer, presta a seus concidadãos inúmeros serviços, mas de ordem funcional e segmentária, e só admite a troca “Eu-tu” para alguns amigos escolhidos. No entanto, o ideal evangélico, do ponto de vista de são Lucas, seria uma comunidade com “um só coração e uma só alma”. Não se pode negar que o anonimato das cidades contém muitos valores. No interior deste quadro é que o cristão precisa cultivar o amor fraterno e a atenção mútua. 

A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32). Há aqui um informe-resumo da vida cristã nas comunidades apostólicas. Coincide praticamente com o primeiro informe que o autor nos deu em At 2,42-47. Nesta descrição sublinha-se especialmente a comunicação de bens materiais. O texto serve assim de introdução aos dois exemplos seguintes: o de Barnabé, que é objeto de uma menção honorífica, e o dos esposos Ananias e Safira, que são condenados por seu comportamento hipócrita. 

A tradição do evangelista Lucas se caracteriza pela insistência na renúncia efetiva das riquezas materiais; não se contenta apenas com uma pobreza em espírito, mas na partilha dos bens. A partilha dos bens é a concretização do espirito do desapego e a vivência de uma vida fraterna, isto é, o outro é meu irmão porque o Deus em quem creio é o Pai Nosso. 

Porém, a comunicação de bens não aparece aqui como uma ordem socioeconômica e legalmente imposta a todos os membros da comunidade. Sua última motivação é religiosa. De uma parte, obedece ao mandamento do amor ao próximo. E de outra parte, pressupõe o despojamento característico de uns fieis que esperavam a iminente vinda do Senhor. 

Todos nós sonhamos com uma comunidade assim. Mas quando olhamos como nossas comunidades cristãs estão hoje - na paróquia, na família cristã ou em uma comunidade religiosa - não podemos deixar de pensar que nosso testemunho da vida cristã teria mais credibilidade se mostrássemos uma imagem clara de unidade e solidariedade interna e externa, dentro e fora da comunidade. O testamento de Jesus na última ceia foi pedir ao Pai: "Que todos sejam um, como tu e eu somos um, para que o mundo creia". 

No mundo de hoje, outras línguas podem não ser compreendidas, mas esta sim: a linguagem e o gesto de amor, isto é, quando o cristão estiver disposto a compartilhar seus bens com os mais necessitados, se tiver um grupo de cristãos dispostos para trabalhar para os outros, ajudá-los a mostrar solidariedade especialmente com aqueles que sofrem ou são menos favorecidos pela vida. Em nossa família, ou em nossas comunidades há pessoas que têm menos do que nós: menos de felicidade, de cultura, de sorte, de bens materiais e espirituais. Essas pessoas necessitam de nossa acolhida, de nossas palavras amigas e também, às vezes, de nossa ajuda econômica. 

O Novo Catecismo da Igreja Católica n.1397 diz: “A Eucaristia compromete com os pobres. Para receber na verdade o Corpo e o Sangue de Cristo entregues por nós, devemos reconhecer o Cristo nos mais pobres, seus irmãos”. 

O Evangelho De Hoje e Sua Mensagem

Jo 3, que começamos a ler já no dia anterior, é um capítulo importante para o evangelho de João porque neste capitulo se narra o primeiro discurso do ministério público de Jesus através do diálogo com Nicodemos, que é um dos membros do Sinédrio (trata-se de um homem público importante). 

O texto do evangelho deste dia é a continuação do texto do evangelho do dia anterior que ainda fala do diálogo entre Jesus e Nicodemos. Porém, percebemos através da narração do texto que é muito mais o monólogo de Jesus do que o diálogo com Nicodemos. 

Neste monólogo-diálogo Jesus se apresenta como o único capaz de revelar as coisas do Céu: “Se não acreditais, quando vos falo das coisas da terra, como acreditareis se vos falar das coisas do céu? E ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Jesus veio do Céu, como o Pão da vida (cf. Jo 6,51) e por isso, pode falar seguramente sobre as coisas do céu, pois Ele próprio é o Verbo que existe desde o Princípio e que é encarnado (cf. Jo 1,1-3.14). Consequentemente é preciso que o homem olhe para Jesus e viva de acordo com Suas palavras que são as Palavras da vida eterna (cf. Jo 6,68) a fim de que o homem tenha vida em seu nome, ou para que o homem seja salvo (cf. Jo 20,30-31). Necessitamos manter nossa conversa íntima com Jesus através da oração e da meditação da Palavra de Deus para que Ele nos revele o essencial para nossa vida nesta terra e para nossa salvação. Os mais belos pensamentos são fruto do silêncio e da inspiração divina. Quando o vento soprar não há arvore que não se movimente. Quando o Espírito de Deus nos dominar e nos inspirar, não há pensamento que não seja útil para o bem comum ou para o bem da humanidade. 

Através de sua afirmação neste monólogo-diálogo Jesus anuncia antecipadamente que ele será crucificado (será levantado na Cruz) para que todos aqueles que acreditarem em Jesus sejam salvos: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna”.

A Linguagem Do Amor Nos Leva Ao Horizonte Infinito 

As primeiras frases do texto do evangelho de hoje repetem a afirmação de Jesus no texto do evangelho do dia anterior: “Vós deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e tu podes ouvir o seu ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito”, disse Jesus a Nicodemos. Esta afirmação torna Nicodemos confuso, pois ele não entende essa nova linguagem: “Como é que isso pode acontecer?”. De fato, Nicodemos não possui a linguagem do coração, a linguagem de um amor de horizontes infinitos. O coração sente quilo que os olhos são incapazes de ver. O intelecto desconhece aquilo que o coração conhece. Jesus compreende a confusão de Nicodemos, e por isso, Ele recorre a uma comparação: vento. Mas o vento é também misterioso. Mesmo sendo misterioso, os efeitos de sua passagem são sentidos por todos. Em hebraico o termo “vento” (ruah) serve para designar tanto o vento como o espírito. Os efeitos do vento são sentidos, mas o próprio vento não pode ser visto. A força de Deus é sentida por quem acredita em Deus, mas essa força não pode ser vista. A força de Deus tornou muitos cristãos mártires, transforma muitos homens em profetas, leva muitos a se tornarem santos que despertam o mundo da sua sonolência em maldade. 

Na sua resposta Jesus disse a Nicodemos: “Tu és mestre em Israel, mas não sabes estas coisas?”.  Toda a ciência de Israel é incapaz de saber o que Jesus revela. Conhecer o Espírito de Deus é impossível ao homem, inclusive ao mais inteligente dos homens, pois pela origem da palavra, o verbo “conhecer” quer dizer “com-nascer”, nascer com, fazer-se um com outro. Somente conhecemos o outro, entregando-nos a ele e aceitando que ele se entregue a nós. Trata-se de uma relação existencial. Nicodemos representa todos os mestres da terra, dos que têm bastante inteligência. A própria vida vivida profundamente diariamente nos dá sabedoria para saborearmos a vida. Ter conhecimento ou ter inteligência é uma coisa. Ser testemunha é outra coisa. Falar do amor é uma coisa; falar amorosamente é outra coisa. Na vida cotidiana, as pessoas necessitam muito mais das testemunhas do que dos mestres; necessitam do testemunho de vida do que qualquer bela teoria ou belo discurso. 

Nicodemos, “mestre de Israel” é convidado a fazer-se pequeno: “nascer de novo”, isto é, tornar-se uma criancinha, um bebê para começar a aprender tudo de novo. Uma criança cresce aprendendo tudo de seus pais. Nicodemos é convidado a largar suas próprias luzes, seus orgulhos ou suas arrogâncias para que o Espírito de Deus possa começar a operar em sua vida. Não há em mim também algo de orgulho de Nicodemos?

Com Jesus E Nele A Vida Continua A Existir: É Preciso Crer Nele 

Além disso, outro tema central do diálogo de Jesus com Nicodemos no evangelho de hoje é sobre a fé (“crer”). “A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e nos é aberta a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada orientando os nossos passos no tempo... A fé está ligada à escuta. Abraão não vê Deus, mas ouve a sua voz. Deste modo, a fé assume um caráter pessoal: o Senhor não é o Deus de um lugar, nem mesmo o Deus vinculado a um tempo sagrado específico, mas o Deus de uma pessoa, concretamente o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, capaz de entrar em contato com o homem e estabelecer com ele uma aliança. A fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente, a um Tu que nos chama por nome” (Papa Francisco: Carta Encíclica Lumen Fidei). 

Em todo o seu evangelho João não usa o substantivo “fé” (ele usará uma vez apenas na primeira carta em 1Jo 5,4). Em vez disso, ele usa o verbo “crer” pelo menos 98 vezes no seu evangelho. Todo verbo sempre se refere ao dinamismo, à ação. E o verbo “crer” aparece com frequência, no evangelho de João, precisamente nos lugares privilegiados onde há os seguintes elementos: a manifestação de Jesus e a resposta de fé ou de incredulidade dos ouvintes diante desta manifestação. A importância da fé no quarto Evangelho aparece pelo fato de que ela é o escopo da “obra de Deus”. Para João, a fé já é também a vida eterna. Fé é conhecer o Filho que o Pai enviou, e este conhecer é “vida eterna” (Jo 17,3). E no evangelho de João aquilo que significa crer pode ser dado em várias expressões: “receber Jesus”, “vir a Jesus”, “procurá-lo”, “ouvi-lo”, “guardar a palavra”, “permanecer nele”. Todas essas expressões significam “crer”. E o objeto único da fé em João é Jesus. 

Para o evangelho de João crer em Jesus Cristo significa não parar de existir; é viver para sempre: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25). Ao acreditar em Jesus, o homem terá a vida eterna em Seu nome (cf. Jo 20,30-31). A morte é incapaz de acabar com a vida de quem acredita em Jesus. Em Jesus e com Ele a vida continua. 

Como podemos traduzir na vida cotidiana a fé em Jesus? A leitura dos Atos dos Apóstolos nos mostra algumas pistas. A fé se expressa na escuta atenta à Palavra de Deus. O povo eleito foi formado não por um decreto e sim pela escuta da Palavra de Deus. Todos que escutam a Palavra de Deus formam uma comunidade de fé. A fé que nasce da escuta atenta à Palavra de Deus se transforma também em missão, pois é preciso que a Palavra de Deus seja proclamada para que todos possam ser salvos. A maioria das tragédias na Bíblia surgiu por causa da falta da escuta atenta à Palavra de Deus. Podemos imaginar a vida de um filho ou filha que não quer escutar nada dos bons conselhos dos seus pais.

Além da escuta atenta à Palavra de Deus, a verdadeira fé deve se traduzir ou se concretizar no amor mútuo e pela defesa da vida no seu início, na sua duração e no seu término na história, pois acreditamos no Deus da vida que ressuscitou Jesus da morte. Amor é o maior sinal de nossa pertença a Jesus Cristo (cf. Jo 13,35). 

A fé em Jesus se traduz também na comunhão de vida em torno da Eucaristia. A Eucaristia é o verdadeiro alimento para a Igreja peregrina que nós somos todos. A Eucaristia é a fonte e o ponto mais alto da vida comunitária e cultual. A Eucaristia é “sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura” (Sacrosanctum Concilium, 47).

A fé em Jesus nos urge a sermos missionários. Ser missionário é um dos traços mais importantes do ser cristão. Mas para ser missionário de Jesus tem que ser primeiro seu discípulo (cf. Mc 3,13-14). Ser discípulo de Jesus supõe abandonar o modo de viver vivido até então para adotar o estilo de vida de Jesus. Tudo isso implica a conversão. Mas ser discípulo de Jesus é apenas um ponto de partida. Como discípulo, o cristão é enviado para fazer os outros discípulos de Jesus (cf. Mt 28,19). Em outras palavras, o cristão é discípulo para ser missionário. Para ser missionário alguém precisa ser discípulo de Jesus. E a consequência de ser discípulo de Jesus é ser Seu missionário. O cristão é discípulo-missionário.

P. Vitus Gustama,svd

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