quarta-feira, 6 de outubro de 2021

XXVIII Domingo Comum "B",10/10/2021

ESCOLHER ENTRE OS BENS DE DEUS OU O DEUS DOS BENS

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM “B”

Primeira Leitura: Sabedoria 7,7-11

7 “Orei, e foi-me dada a prudência; supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria. 8 Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza; 9ª  ela não igualei nenhuma pedra preciosa, pois, a seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e, diante dela, a prata será como a lama. 10 Amei-a mais que a saúde e a beleza, e quis possuí-la mais que a luz, pois o esplendor que dela irradia não se apaga. 11 Todos os bens me vieram com ela, pois uma riqueza incalculável está em suas mãos”.

Segunda Leitura: Hebreus 4,12-13

12 A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Ela julga os pensamentos e as intenções do coração. 13 E não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas.

Evangelho: Mc 10,17-30

Naquele tempo, 17 quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” 18 Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. 19 Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe”. 20 Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. 21 Jesus olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” 22 Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. 23Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” 24 Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25 É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” 26 Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: “Então, quem pode ser salvo?” 27 Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível”. 28 Pedro então começou a dizer-lhe: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. 29 Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, 30 receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna.

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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo 

Os valores não são entidades que captamos por meio dos sentidos, pois são entidades imateriais que assimilamos por meio de nossa consciência. A solidariedade é, por exemplo, intangível, mas sabemos reconhecer ações solidárias, empresas solidárias, organizações que encarnam a solidariedade. Os valores são como pequenas sementes que ganham vida quando percebemos sua existência. Os valores podem também ser definidos como horizontes de referência, destino aos quais jamais chegamos realmente na sua perfeição. Um horizonte é como uma linha que nunca se toca e que se afasta à medida que nos aproximamos dela.   

Tanto os indivíduos como as sociedades são regidos por valores, ou seja, por tudo o que é apreciado como um bem e que objetivamente o é. Os valores pessoais são aqueles que configuram a forma de ser, viver e agir das pessoas, enquanto os valores sociais são aqueles que configuram a forma de ser, de agir e de viver de uma sociedade a fim de ter uma convivência harmoniosa. Os valores são múltiplos e afetam várias áreas da existência humana (valores vitais, econômicos, culturais, morais, religiosos). Dada a variedade e multiplicidade de valores, é necessário estabelecer uma ordem entre eles e, portanto, uma hierarquia. Se colocarmos os bens deste mundo (valores econômicos) acima do seguimento de Cristo, o "bolso" melhorará, mas com desvantagem e prejuízo para a pessoa humana e a fé cristã. O apego à riqueza é um mal para o homem, porque o impede de seguir Jesus Cristo e de colocar seu coração em Deus (Evangelho de hoje). 

O valor mais alto, o valor superior, o valor supremo explica o sentido de todos os outros valores e lhes dá sentido e plenitude. O amor a Deus como valor supremo não se opõe ao valor dos bens materiais, nem ao da saúde nem ao da beleza. Deus quer que o homem tenha os meios necessários para sua vida, para cuidar de sua saúde e da beleza de sua figura. Assim, os bens materiais não são apenas valores econômicos, nem a saúde e a beleza apenas valores vitais, mas adquirem uma plenitude que não possuem em si mesmas: fazem parte do projeto de Deus para o homem. A Palavra de Deus e sua autoridade não se opõem à autoridade e palavra de pais, de educadores, de governantes; em vez disso, infunde-lhes uma força e eficácia que não possuem em si mesmos. Em segundo lugar, é Deus quem ilumina a inteligência humana para ver qual é o valor mais alto entre uma série de valores e como esses valores estão dispostos entre eles. O homem sozinho, sem a iluminação de Deus, corre o risco de construir hierarquias erradas. A Primeira Leitura, portanto, começa precisamente assim: "Eu implorei e me foi concedido prudência; invoquei e o espírito de sabedoria veio a mim." Terceiro, o verdadeiro valor sempre acaba recompensando com bons frutos, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. "Todos os bens me vieram com ela, pois uma riqueza incalculável está em suas mãos”, diz Sabedoria. E Jesus responde a Pedro, que representa os Doze: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, 30 receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna”. 

Dentro deste sentido, as leituras deste domingo apresentam a seguinte questão: Entre tantos valores que o homem encontra em sua existência, qual é o valor mais importante, o valor supremo? O livro da Sabedoria responde que a sabedoria é e tem um valor mais alto e precioso do que valores como poder, riqueza, beleza: “Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza; ela não igualei nenhuma pedra preciosa, pois, a seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e, diante dela, a prata será como a lama”. (Primeira Leitura). A palavra “sabedoria” provém do latim “sapere” que quer dizer ter inteligência, ser compreendido. Mas a sabedoria propriamente significa ter gosto, exercer o sentido do gosto, ter este ou aquele sabor, capacidade desenvolvida de saborear. Etimologicamente, da palavra “sapere” derivam duas palavras: “saber” e “sabor”, duas palavras que indicam o mesmo: um saber que sabe saboreando a vida. É um saber que saboreia o fruto da vida, não um saber teórico sobre a vida. É o testemunho do experimentado, a experiência da vida mesma, de seu sabor de viver. A sabedoria é reunir o gosto pela vida. A sabedoria é refinar o gosto pela vida. Sabedoria é a arte de viver bem. A sabedoria é algo que todos apreciam. 

O encontro com o jovem "rico" permite a Jesus reafirmar o valor superior do seu seguimento sobre os bens e as riquezas deste mundo que o jovem possui. Por causa deste valor supremo é que Jesus pede ao jovem rico para vender tudo o que tem a fim de poder seguir à própria Sabedoria que é Jesus Cristo: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” (Evangelho). Seguir à própria Sabedoria significa caminhar para o céu. Consequentemente, vale a pena preferir a Sabedoria a outros valores. 

A autoridade e a penetração efetiva da Palavra de Deus merecem ser reconhecidas como valor supremo, pois continuam valendo em qualquer lugar e tempo, como o próprio Deus (Segunda Leitura). A força penetrante desta palavra se deve ao fato de ser a palavra d´Aquele que “não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas”. É por isso que a Palavra é tão exata quanto justa, a sentença do verdadeiro juiz. Aquele que ouve e pratica é salvo; quem o rejeita já está condenado. No entanto, vai chegar o dia em que este juízo se manifesta e se executa plenamente a sentença. Nisto percebe-se o valor supremo da Palavra de Deus. 

Os dois versículos da Segunda Leitura são o final de uma exortação que começa em Hb 3, 7. Em tudo isso se pode vislumbrar a situação de abandono e desinteresse em que se encontram muitos membros da comunidade dos Hebreus, que até perdem o contato com Deus. Ciente dessa situação, o autor da Carta aos Hebreus tenta despertar a consciência de seus leitores, provocando-os a tomar uma decisão. Para isso, ele cita um texto bíblico do AT (Hb 3, 7-11), onde se expressa a urgência de estar aberto a Deus. A expressão "hoje" aparece cinco vezes ao longo da exortação. Não há tempo a perder; a decisão não deve ser adiada: deve ser tomada hoje, pois a Palavra de Deus valor mais alto do que qualquer valor. 

Nos vs. 12-13 (leitura de hoje) o autor dá um novo motivo para exortar a necessidade imediata de sair do estado de letargia e tomar uma decisão. A Palavra de Deus que ele citou antes (releia Hb 3, 7 -11), é uma palavra absolutamente séria que continua valendo embora tenha sido pronunciada há muito tempo; é uma Palavra que se cumprirá pontualmente se o homem insistir em não ouvi-la. O tom, como se vê, é ameaçador. É um novo recurso do autor para tirar aqueles que estão dormindo de sua letargia. 

Portanto, “Onde está teu valor, ali está teu coração”. Os valores que regem a vida de uma pessoa ou sociedade são o índice de sua categoria humana e cristã. Quais são valores que governam ou orientam sua vida, suas decisões, suas escolhas, seus comentários, suas conversas, seu trabalho? 

Um Olhar Específico Sobre O Texto Do Evangelho De Hoje

Fará Parte Da Família De Deus, Na Vida Eterna, Quem Imitar a Bondade De Deus 

No contexto da Igreja dos séculos I e II, o episódio do chamamento era relido à procura de uma resposta à interrogação: quais são as condições para salvar-se? Destaca-se no texto evangélico deste domingo o tema da posse dos bens: qual é o relacionamento entre a posse das riquezas, a vida eterna e o seguimento de Jesus Cristo? Esses problemas foram sentidos com muita seriedade e urgência nas primeiras comunidades cristãs.        

O nosso texto começa com estas palavras: “Ao retomar o seu caminho...”. Jesus está no caminho que o levará a Jerusalém, à morte. O seguimento significa seguir ou trilhar o caminho de um Mestre até as últimas conseqüências de doação de si. Esse é o caminho de Jesus. Por isso, este texto pode ser colocado sob o título: o caminho rumo à vida para todos os discípulos.       

Estando Jesus nesse caminho, “alguém” (sem nome, que pode ser qualquer um de nós) correu e ajoelhou-se, em atitude de reverência, perguntando: ‘Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna ?’”. É uma pergunta que os jovens faziam aos rabis, quando se apresentavam para iniciarem a formação acadêmica nas escolas hebraicas: que devo fazer? No evangelho de Mateus o jovem rico diz: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” (Mt 19,16).        

Antes de responder à pergunta desse rico, Jesus se cautela diante do apelativo “bom”: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus”. Essa precisão servirá para se compreender a resposta que Jesus fará a esse rico. Esta observação de Jesus corresponde perfeitamente à concepção bíblica e judaica segundo a qual só Deus é chamado bom, porque ele usa de misericórdia, socorre os pobres e defende os fracos (cf. Dt 10,18). Por isso, a única condição para entrar na vida eterna é imitar o único bom, este bom Deus. A fidelidade a Deus é exercida no amor ao próximo, síntese dos mandamentos (Cf. Rm 13,10).        

Jesus prossegue, indicando ao seu interlocutor o caminho para “herdar” a vida definitiva junto a Deus, e citou só os mandamentos que se referem aos deveres para com o próximo (v.19). O rico responde: “Mestre, tudo isso eu tenho guardado desde a minha juventude” (v.20). A palavra “juventude” ofereceu a Mateus a oportunidade para fazer do rico um “jovem” que inicia o caminho cristão (cf. Mt 19,16-30).        

E os deveres para com Deus? A resposta da tradição evangélica é conhecida: a maneira concreta de amar a Deus é amar e ser fiel ao homem no qual Deus se torna nosso próximo (cf. Lc 10,25-37: o bom samaritano). Neste caso, aquele que tem observado “todos” os mandamentos que dizem respeito ao próximo deveria estar no caminho da vida eterna.

 

No entanto, Jesus lhe propõe o teste definitivo. O texto prossegue: “Fitando-o, Jesus o amou e disse: ’uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me’” (v.21).

Fitar” é o mesmo que cravar, admirar, fixar a atenção e o pensamento, ficar imóvel. Esse olhar intenso de Jesus é típico do evangelho de Marcos; ele é um sinal de amor para com um homem justo, disponível para o reino de Deus. Marcos apresenta algumas pessoas que se aproximam com simpatia de Jesus e estão no limiar do reino de Deus (cf. Mc 12,34). Mas eles ainda  estão no âmbito judaico. Quem observa os mandamentos é um bom judeu, mas ainda não entrou em comunhão com Jesus, não se tornou cristão. O sinal distintivo da identidade do discípulo é seguir a Jesus, isto é, ficar envolvido em seu destino, seu modo de amar e de ser fiel ao outro homem até o testemunho supremo da cruz. A diferença entre a renúncia aos bens como estilo de vida e o seguimento evangélico está nessas duas palavras de Jesus: “dá-os aos pobres”. Se nos detivermos na primeira: “vai e vende tudo o que tens”, ainda estamos no limiar do evangelho que para termos liberdade interior, nos afastamos de todas as coisas e preocupações materiais. A novidade evangélica é o convite: “dá aos pobres, porque assim imitas o único bom, Deus; depois vem e segue-me”. Trata-se de seguir aquele que, pelos pobres, deixou não só sua atividade, a segurança social e os laços de parentesco, mas também entrega sua própria existência como dom de amor pelos muitos, pela libertação deles (cf. Mc 10,45). Não simplesmente o estar livre dos bens, para não ter aborrecimento ou preocupação, para dedicar-se às coisas espirituais. Essa seria a escolha sapiencial. A escolha religiosa evangélica é amar como ama Deus bom e “perfeito”. Nessa perspectiva, dar os bens aos pobres é um gesto de amor. Para quem possui riquezas, esta fidelidade e amor para com o outro, no seguimento de Jesus, concretamente se realizam, não na renúncia estóica (sapiencial) ou ascética, mas no doar os bens aos pobres. Esta é a realização de seu amor para com o próximo. Nesta perspectiva, a observância dos mandamentos não é mais um meio para se garantir um privilégio espiritual ou uma dignidade moral, mas é a expressão de amor e fidelidade ao próximo. O próximo é a passagem obrigatória para chegar até Deus. Isto agora é possível no seguimento de Jesus, onde o rosto do único bom se tornou um rosto humano. Agora aquele que se põe a seguir Jesus não só sabe, mas tem também a real possibilidade de imitar o único bom, que socorre os fracos e se solidariza com os pobres (cf. Dt 10,18). Quem entra na vida eterna, então, não é aquele que não pratica o mal, mas aquele que pratica o bem (cf. Mt 25,31-46).      

Por isso, dar os bens para pobres e seguir a Jesus não é um passatempo ou um luxo religioso proposto a um elite; não é um conselho para os mais generosos. É a condição básica para ter um tesouro no céu, para entrar no Reino, isto é, para herdar a vida plena e definitiva.       

Esse chamamento tem uma resposta negativa, ao contrário de todos os outros chamamentos evangélicos recordados até agora, como o dos quatro irmãos pescadores, que tinham uma pequena empresa de pesca (Mc 1,16-20), ou o de Levi, o publicano, pertencia à classe média (Mc 2,13-17). O único episódio de chamamento de um rico teve um resultado negativo: “Ele, porém, contristado com essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens” (v.22; Cf. Mt 19,22). O evangelho de Lucas diz explicitamente: “era muito rico” (Lc 18,23). O homem rico, pelo seu apego à riqueza, não aceita o convite de Jesus. Seu amor aos outros é relativo, não chega ao nível necessário para um cristão. Não está disposto a trabalhar por uma mudança social, por uma sociedade justa; a antiga lhe basta. Prefere o dinheiro ao bem do homem. 

A Avareza Torna o Coração Insensível Diante Da Necessidade Alheia        

Segue-se a segunda parte do texto: o diálogo de Jesus com os discípulos, que impressionou os leitores de todos os tempos. A interrogação que domina o diálogo de Jesus com os discípulos é esta: “Pode um rico salvar-se?”. Essa pergunta se põe no âmbito da comunidade dos discípulos. Também as Igrejas que releem esse episódio devem abordar a questão dos ricos que se convertem e acham difícil perseverar. “Então Jesus, olhando em torno, disse a seus discípulos: ‘Como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus’ “ (v.23). 

Jesus não condena a riqueza, mas a ansiedade de acumular fortunas de forma gananciosa. O ideal do cristão não é a pobreza, a fome, a nudez, mas a divisão fraterna dos bens que Deus pôs à disposição de todos. A alma do projeto de Jesus Cristo é a partilha, a solidariedade, compaixão, caridade, e assim por diante. Pecado não é ficar rico, mas ficar rico só por si (cf. Lc 16,19-31: o mau rico e o pobre Lázaro) . 

Os discípulos “se espantam com estas palavras”. Na crença popular, a posse de riquezas era sinal da bênção de Deus (Algumas Igrejas de nosso tempo pregam este tipo de teologia. No fundo, os próprios discípulos não eram livres da esperança de ganhar alguma recompensa tangível por ter seguido a Jesus (10,28.37.41).         

Aos discípulos, que perguntam “espantados”: “Então, quem pode ser salvo?”, Jesus fitando-os, diz: “Aos homens é impossível, mas não a Deus, pois para Deus tudo é possível” (v.27). Esse olhar intenso de Jesus aos discípulos corresponde ao que foi dirigido antes ao rico disponível, mas que não prossegue. A sua resposta faz compreender que o seu seguimento é graça, dom de Deus. Não é uma questão de dosagem no uso dos bens, mas se trata de uma mudança radical de mentalidade, que pode ser pedida a Deus, porque só Deus pode realizá-la. Afinal, o Deus em quem acreditamos é o Deus de todas as coisas. Tendo Deus, sendo fiel a Ele, as coisas estarão garantidas: “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6,33). Muitos homens correm atrás das coisas de Deus e abandonam o Deus de todas as coisas e acabam perdidos neste mundo. O cofre não acompanha o caixão.        

O alerta de Jesus sobre os perigos da riqueza não é somente para os ricos de fato, mas para todos quantos queiram ser seus discípulos e herdar a vida eterna. O dinheiro é o deus que tem seu altar em cada coração humano. Seria ingênuo negá-lo. Como o “Deus” em quem cada crença deposita sua confiança, cria briga, assim também o deus- dinheiro cria briga até causa a morte de tantas pessoas. O alerta de Jesus sobre os perigos da riqueza é para todos. É um ensinamento para todos, pois todos temos “alma de rico’, incluindo os pobres que são cobiçosos, avarentos e apegados ao pouco que possuem. Em todos os níveis sociais se busca o dinheiro/riqueza material, frequentemente com espírito de cobiça, e se põe nele a confiança mais que em Deus. Jesus pede a todos os seus seguidores que tenham o desprendimento que sabe se conformar com o necessário e compartilhar com os outros o que se tem, sem entesourar nem incorrer na idolatria do dinheiro como bem supremo. 

O ser humano tende por natureza ao desenvolvimento de si mesmo para melhorar suas condições. Trata-se de uma aspiração legítima. Porém, se a cobiça dos bens for exagerada, excessivo o apego aos bens materiais, então ele não estará mais exercendo um direito, mas sendo vítima de um vício hediondo: a avareza. 

A avareza é um desvio do significado de infinito, uma transposição absoluta para o que é relativo. Para um avarento, a riqueza não é um meio para se viver, e sim a própria razão de ser da vida. O avarento está sendo vítima de um prazer em possuir as coisas que jamais será satisfeito, mas o estimulará cada vez mais numa espiral sem fim. Para o avarento, a satisfação em possuir os bens é tão grande que até torna o medo de perdê-los maios que o desejo de aumentá-los. O avarento é a pessoa mais pobre e mais escrava que existe. 

Não é fácil conciliar a riqueza excessiva de alguns com os direitos que os outros têm ao necessário. A posse pode isolar e quem tem posse acaba sendo contado entre os bens. Mas no leito da doença e da morte todos se nivelam. A igualdade imposta é sentida por todos nessa altura. Demora para cada um entender esta dura realidade.

Jesus Nos Convida a Ser Generosos Com Os Necessitados

Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.

A alma do projeto de Jesus Cristo está na partilha, na generosidade, na compaixão com os necessitados. Na partilha e na generosidade todos participam da multiplicidade da alegria. A alegria verdadeira está no dar e no receber.

A generosidade que se concretiza na partilha e na solidariedade não empobrece, mas é geradora de vida e de vida em abundância. Quando repartirmos com generosidade e amor aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficaremos pobres, mas os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles são beneficiados.

A generosidade é um sinal de gratidão e de liberdade interior. Na generosidade mostramos ao mundo a verdade de que podemos possuir as coisas, mas jamais as coisas podem nos possuir. Na generosidade mantemos nossa liberdade. Ser generoso significa dar-se a si próprio por amor de Deus que criou tudo generosamente para nós todos e por amor do próximo, pois o próximo é nosso irmão, filho de Deus como o somos. A virtude de generosidade é libertadora tanto para o generoso como para quem é favorecido. Aquilo que faz ou dá aos outros redunda também em seu próprio benefício. Sem a generosidade, nem sequer pode existir a liberdade como virtude. 

Viver na partilha e na generosidade é uma sabedoria que Jesus nos ensinou no Evangelho. A Primeira Leitura tirada do livro da Sabedoria antecipa aquilo que Jesus ensina no evangelho de hoje: “Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza; ela não igualei nenhuma pedra preciosa, pois, a seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e, diante dela, a prata será como a lama” (Sb 7,8-9). O jovem rico do Evangelho não chegou a viver ainda esta sabedoria. 

A sabedoria é a arte de viver e de conviver bem. O saber é algo que todos apreciam. Ninguém gosta da denominação de “nécio”, “ignorante”. No entanto, o ter razão, o ser doutor, o conhecedor das coisas nos agrada. Contudo, há muitas formas de saber. Existe o sábio naturalista que classifica as plantas pela qualidade de suas flores e frutos. É sábio o filósofo. É sábio o arqueólogo. Mas sua sabedoria é parcial. 

A sabedoria que se apresenta o texto da Primeira Leitura de hoje é, ao mesmo tempo, mais humana e mais divina. Tem algo de ciência e algo de arte; algo de especulativo e algo de prático. Certo conhecimento das coisas em sua relação com Deus, como Último e Fim nosso, e a arte de viver segundo Ele. A sabedoria de que fala o autor do livro de Sabedoria é a sabedoria que dimana de Deus. ela nos dá o conhecimento preciso das coisas em sua relação com Deus, seu Criador, e em sua relação com nós, seus usufrutuários. Ela nos dá o reto conhecimento de Deus e de nós mesmos. É a arte de viver segundo o ver e o querer de Deus. É a arte de viver usar as coisas, de apreciá-las, e a arte de conduzir-se segundo a vontade divina. É a arte de chegar ao Último Fim que é o próprio Deus, Criador de todas as coisas.

O jovem rico recusou o convite de Deus pelos bens de Deus e não quer seguir o Deus dos bens. Diariamente temos que escolher entre os bens de Deus ou o Deus dos bens. Se escolhemos apenas os bens de Deus e não o Deus dos bens, acabaremos perdendo Deus que significa viver sem a salvação. É preciso termos muito discernimento!

P. Vitus Gustama,SVD

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