quinta-feira, 28 de outubro de 2021

FINADOS,02 De Novembro De 2021

DIA DE FINADOS

MISSA DA RESSURREIÇÃO 

Falar sobre a morte não mata ninguém. Um sábio oriental contou: Um dia, a vida perguntou à morte: “Por que as pessoas me amam, e não gostam de você, morte?”. A morte respondeu: “Porque você, vida, é uma mentira bonita e eu, morte, sou a verdade dolorosa”. 

O mundo secularizado divide a vida humana em duas realidades biológicas contrárias: a vida e a morte. Pretende extrair da vida o máximo rendimento em êxito, poder, dinheiro e prazer. E diante da morte o homem experimenta horror, espanto, pavor, desespero e angústia. E inconscientemente, o mundo adota a atitude de avestruz: silencia a morte como se não existisse. Como resultado, absolutiza-se a vida terrena e se recusa a existência da morte. A morte vira tabu e por isso, fala-se pouco nela e dela.

Quem não tem fé pode facilmente pensar que a morte é o maior mal, porque com ela se volta ao nada, ao mundo de não ser. O cristão, ao contrário, olha para a morte com outros olhos, porque a morte não é o aniquilamento do ser e sim a porta para um novo modo de ser e de viver para sempre. O maior mal do homem é mau uso da liberdade, é a vontade de recusar Deus agora no tempo e logo para sempre no mais além. 

Ao celebrar a missa pelos nossos queridos falecidos devemos estar conscientes de que a vida é um mosaico de tempos diversos. Cada momento é assinalado por algo que se deixa ou por algo que se descobre. Cada momento comporta a separação daquilo que se era, para se aventurar em direção do que se pode vir a ser. Nesta dinâmica universal e constitutiva da vida, relação e separação não se excluem, mas se atraem. O encontro atrai a despedida e a separação. O nascimento atrai a morte. Aquele que é capaz de acolher, saberá também se separar, assim como a separação é pré-requisito de qualquer encontro.          

Além disso, a biografia de cada um de nós está repleta de sucessão de perdas que relembram continuamente a precariedade e a provisoriedade de toda relação e de qualquer realidade. Ao nascer, a criança perde a segurança e relação simbiótica com a mãe, a criança perde a infância para entrar na adolescência, da adolescência para a juventude, da juventude para a idade adulta, do adulto para a velhice e termina com a morte, se seguir seu ritmo normal. Sem contar outras perdas como a perda da própria cultura, dos bens materiais, de laços afetivos, de identidade pessoal, de bens humanos e espirituais, de saúde etc. Cedo ou tarde chegará o momento de dizer “adeus”: o amor ganha, então, as feições da dor. E repentinamente o passado reaparece com suas recordações, o presente se impregna de solidão e o futuro se desdenha repleto de incertezas.          

Cada perda representa uma separação de uma parte de si mesmo. Quem perde um genitor, chora a perda do passado; quem perde um cônjuge lamenta a perda do presente; quem perde um filho chora a perda do futuro; quem perde pai ou mãe, perde a referência de sua vida. 

Muitas dessas perdas passam despercebidas no contexto da existência cotidiana, outras deixam sinais profundos, cujas marcas permanecem por toda a vida. O crescimento de uma pessoa está ligado à capacidade de gerir de maneira construtiva as perdas da vida.          

As “pequenas perdas” preparam para encarar as grandes rupturas, representadas pelas duas separações mais significativas na vida humana: o nascimento e a morte. O dom do nascimento comporta a inevitabilidade da morte como parte integrante da vida. A outra face da morte está ligada à perda de uma pessoa querida. Cada situação de perda nos coloca em um contexto específico. Dizer adeus a alguém significa fazê-lo no contexto de uma relação em que o falecido tinha funções específicas na vida daqueles que o pranteiam.        

Cada pessoa dentro da família assume um papel que garante segurança e continuidade e, quando vem a faltar, provoca um balanço no equilíbrio. A gravidade do desajuste é proporcional ao papel exercido por aquele que morreu. Além disso, o processo de condolência é condicionado principalmente pela qualidade da relação com o falecido. Quanto maior a qualidade da relação com o falecido, mais se sente a sua perda. Sente-se a ausência de segurança e de referência.          

Morrer é, então, o acontecimento humano mais universal; é algo a que todos teremos de chegar. Podemos dizer que “a morte é a doença incurável que contraímos ao nascer. A nossa vida é realmente um viver morrendo. Por isso, quem chora a morte de uma pessoa querida, na verdade, chora um pouco da própria morte” (St. Agostinho). 

Mas tudo isso não é uma fatalidade para nós cristãos. A Igreja sempre acredita na imortalidade da alma. Por isso, no Credo professamos: “Creio na comunhão dos santos…Creio na ressurreição da carne... Creio na vida eterna”. Este Credo se baseia sobre a ressurreição de Jesus. A ressurreição do Senhor vem nos dizer que o homem não nasce para morrer, e sim nasce para ressuscitar. A partir da ressurreição do Senhor Jesus, a vida não pertence à morte e sim a morte pertence à vida. Por isso, um cristão nunca morre, e sim ele nasce duas vezes: nasceu do ventre materno, pela primeira vez, para este mundo, e nasce para a vida eterna pela segunda vez. Não é por acaso que o dia de um santo ou santa é comemorado não no dia em que ele nasceu para este mundo e sim no dia em que ele partiu deste mundo. A morte é considerada como uma passagem para a vida. O destino do homem, então, não é o cemitério. Não estamos caminhando para o cemitério, mas para a comunhão plena com o nosso Criador, para a Casa Paterna no céu (Cf. Jo 14,1-3). 

Se o nosso destino não é o cemitério, e sim a união plena com o nosso Criador, então o que devemos fazer para alcançar esta comunhão? Para responder a esta pergunta, devemos responder antes uma outra pergunta: Quem é Deus para nós?          

Na revelação cristã Deus é amor (1Jo 4,8.16). Isto quer dizer que quem ama, ele é de Deus. E quem não ama, não é de Deus. Por isso, ateu ou crente não se define a partir da pertença religiosa, e sim a partir da capacidade de amar. Ateu não é aquele que não tem religião e sim aquele que não ama, pois Deus é amor. O homem morre não quando deixar de viver, mas quando deixar de amar. Onde está o amor está Deus. Onde existe o amor, está o cristianismo, embora se trate de ateísmo. Onde não existe amor, não existe cristianismo. Mas quando se trata de amor, trata-se de amor ágape a exemplo de Cristo que se doa e se entrega até o fim (cf. Jo 13,1), até a cruz para salvar a humanidade. “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).  São Paulo diz aos Corinthians: “Eu posso até fazer milagres, profecias, dominar muitas línguas até a língua dos anjos, conhecer todos os mistérios e toda a ciência, ter fé, mas sem caridade sou nada.” E acrescenta: “Permanecem estas três: a fé, a esperança e o amor. Mas a maior delas é o amor” (cf. 1 Cor 13,1-13). A fé e a esperança nos levam até a porta do céu. O que nos faz entrar é a caridade, pois Deus é Amor. Amor é o resumo da vida eterna. Seremos julgados sobre o amor. Se um dia formos condenados, não será por termos amado demais, mas por termos amado de menos. Por isso, as nossas reflexões de cada dia devem ser feitas em torno da caridade. E os nossos atos, palavras e pensamentos devem ser sempre orientados para a caridade. Fora da caridade, não existe Deus. 

Em segundo lugar, para olhar o mundo, a nós mesmos, aos outros e todos os acontecimentos na plenitude da verdade não há ponto de observação melhor do que o da morte. A partir dali tudo é visto em sua justa perspectiva. Visto a partir desse ponto, tudo ganha seu justo valor. Olhar a vida a partir da morte nos ajuda extraordinariamente a vivermos e convivermos bem. A morte nos impede que nos prendamos às coisas, e nos impede que fixemos aqui embaixo a morada de nosso coração esquecendo que “não temos aqui residência permanente” (cf. Hb 13,14). Não é a morte que é absurda, mas a vida sem a morte. A morte é o fim de todos os privilégios e diferenças que existem entre os homens. 

E nós que ainda nos resta a vida, o que devemos fazer? 

Em primeiro lugar, precisamos valorizar a presença, pois ela é um dom. Muitas vezes sentimos a importância de uma pessoa somente na sua ausência. Precisamos estar conscientes de que como é bom estarmos juntos enquanto for dado a nós o dom de convivência, pois vai chegar um dia em que seremos obrigados a viver de outra maneira. 

Em segundo lugar, não precisamos acumular as flores para formar um dia uma coroa de flores para um caixão, pois uma flor oferecida para uma pessoa viva vale muito mais do que uma coroa de flores para um morto. Que a coroa de flores oferecida na morte de alguém represente todas as flores dadas durante a vida daquele que já se foi.

Em terceiro lugar, não precisamos esperar alguém morrer para elogiá-lo ou para falar de suas virtudes. É bom elogiarmos quem merece ser elogiado enquanto ele estiver convivendo conosco. Pois um elogio sincero dado para um vivo vale muito mais do que um elogio triste para um caixão. Perdoemo-nos mutuamente enquanto estivermos vivos, pois como é bom experimentarmos o que é que a ressurreição ou a libertação enquanto para nós é dado o dom de viver um pouco mais. 

Em quarto lugar, como é triste morrer sem ter sabido viver e ao mesmo tempo como é triste viver sem aprender a morrer. Para vivermos melhor e com outra intensidade precisamos aprender a morrer. É o paradoxo da vida: para viver verdadeiramente precisamos aprender a morrer.

Precisamos aprender a morrer de nosso egoísmo, de nossa prepotência, de nosso rancor, de nossa falta de perdão, de nossa vingança, de nossa soberba que mata a caridade e a fraternidade, de nossa preguiça de rezar e de participar do banquete celeste aqui na terra que é a eucaristia. Em outras palavras, precisamos aprender a morrer de nossa morte para que possamos ressuscitar para uma vida com Deus. 

A missa que celebramos é uma confissão da fé na ressurreição, pois em cada missa celebramos a ressurreição do Senhor e, portanto, o nosso também, desde já. Esta fé é que nos reúne aqui nesta celebração. A fé na ressurreição é a fé da Igreja. Esta fé ilumina nossa vida, nossa experiência de morte e ressurreição, de pecado e de graça, de morte e de vida. Cremos no Deus da vida, o Único que pode purificar nossas vidas e nos levar à assembleia dos santos. Por isso, tem sentido de orarmos pelos defuntos: é pôr nossa confiança em que o Pai do céu acrescentará, na sua misericórdia, aos defuntos o que lhes faltava para chegar à bem-aventurança. E a partir dessa confiança somos conduzidos também pela mesma misericórdia para que possamos alcançar a plenitude de vida, na comunhão eterna com Deus. 

Portanto, a verdadeira questão não é se há vida após a morte e sim, se há a vida antes da morte. “A grande desgraça acontece quando você pensa que você tem tempo” (Budá). Mas repentinamente, você perde tudo e todas as oportunidades. Aprendamos a valorizar o que temos, para não ser tarde demais em valorizar o que você tinha. Às vezes você nunca vai saber do valor do momento até que se torne uma memória. Como um dia bem aproveitado traz um sono feliz, assim também a vida bem vivida e convivida traz a morte feliz. Se você quiser ter algo que nunca teve, faça algo que nunca fez. Você nunca vai ser corajoso, se nunca sofreu alguma ferida; você nunca vai aprender, se nunca errou na vida; e você nunca vai ser uma pessoa sucedida, se nunca falhou na vida. A grande tragédia não é a morte e sim algo valioso que está morrendo dentro de você enquanto você está vivo. Que os falecidos descansem em paz e que convivamos em paz neste mundo. Assim seja!

P. Vitus Gustama,SVD

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