sexta-feira, 25 de novembro de 2022

I Domingo Do Advento A,27/11/2022

ESTAR VIGILANTE E PREPARADO PARA A VINDA DO SENHOR

I DOMINGO DO ADVENTO DO “ANO A”

Primeira Leitura: Is 2,1-5

1 Visão de Isaías, filho de Amós, sobre Judá e Jerusalém. 2 Acontecerá, nos últimos tempos, que o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas. A ele acorrerão todas as nações, 3 para lá irão numerosos povos e dirão: “Vamos subir ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos”; porque de Sião provém a lei e de Jerusalém, a palavra do Senhor.  4 Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices; não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate. 5 Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor. 

Segunda Leitura: Rm 13,11-14a

Irmãos: 11 Vós sabeis em que tempo estamos, pois já é hora de despertar. Com efeito, agora a salvação está mais perto de nós do que quando abraçamos a fé.  12 A noite já vai adiantada, o dia vem chegando; despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz. 13 Procedamos honestamente, como em pleno dia; nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades. 14 Pelo contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.

Evangelho: Mt 24,37-44

Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 37 “A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé. 38 Pois nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. 39 E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem. 40 Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. 41 Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada. 42 Portanto, ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor. 43 Compreendei bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. 44 Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá”.

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Com este primeiro domingo do Advento começamos o Ano Novo na liturgia: o Ano A, durante o qual refletimos sobre as mensagens do Evangelho de Mateus. Cada Ano Novo litúrgico começa no Primeiro Domingo do Advento e termina na Festa do Cristo, Rei do Universo (XXXIV Domingo do Tempo Comum). 

O tempo do Advento possui dupla característica:

        Um tempo de preparação para as solenidades do Natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens: Deus se doa totalmente. É uma festa de doação total. Natal não é presente que você compra, não é luzes luminosas, mas doar-se uns aos outros. Plante árvore no seu coração onde você possa pendurar, em vez de cartões, os nomes das pessoas próximas e distantes, os que você ama bastante e os que você ainda não ama bastante, os que não o amam etc....

        Um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os nossos corações para a expectativa da Segunda vinda de Cristo (Parusia) no fim dos tempos, como enfatiza o evangelho do Primeiro Domingo do Advento. Por este duplo motivo, o tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa.          

Em relação a esta dupla característica todos nós somos chamados a viver algumas atitudes essenciais: 

        A atitude da espera vigilante: Por que espera? Porque o Deus da revelação é o Deus da promessa que em Cristo manifestou toda a sua fidelidade. Ele prometeu e cumpriu porque Ele é fiel a si mesmo. O próprio nome dele é fidelidade. Esta atitude deve ser acompanhada pela vigilância. Vigiar é ser capaz de detectar tudo quanto possa desviar nossa atenção de nosso fim, de nossa meta, acabando por nos afastar dos caminhos de Deus; colocar-se em contínua ligação com Deus de Quem recebemos luz, força, consolo e firmeza. O que existe realmente em nossa vida é o que está aqui diante de nós, hoje. Nada surge para nos confrontar sem um propósito. Seja qual for a situação, ela apareceu para nos impelir a agir. Deus quer que, a partir dos dons recebidos d´Ele, façamos algo hoje e aqui para o bem da humanidade. 

        A esperança: O Advento celebra o Deus da esperança e vive a alegre esperança (Rm 5,13; 8,24s). A esperança é a característica dos que creem em Deus independentemente das circunstâncias. A esperança é aquela atitude que olha, primordialmente, o ser das coisas e o agir humano, o bom; descobrir no negativo o que há de positivo; transforma cada sofrimento em crescimento. Como diz um dito popular: Não se queixe de que as rosas têm espinhos, porque há consolo em pensar que até entre os espinhos há rosas. Esta possibilidade nos permite que nos tornemos esperançosos. O motivo profundo de nossa esperança é este: Deus vem nos salvar (Sl 84). 

        Conversão: O Deus que entra na nossa história põe em causa cada um de nós. Questiona a nossa vida: atos e atitudes, critérios e visão sobre todas as coisas. Ele nos chama ao bem, a Ele e aos próximos. Que esta conversão seja sincera: passa do coração às obras e isto acontece durante a vida inteira de um cristão; é uma tarefa silenciosa de cada dia.  

Este Primeiro Domingo do Advento nos relembra o horizonte supremo da história, identificado com a vinda do Filho do Homem. Aí a nossa vida está inscrita, a importância do que está em jogo na nossa vida cotidiana, e constitui um apelo à seriedade e à vigilância: “Irmãos, Vós sabeis em que tempo estamos, pois já é hora de despertar. Com efeito, agora a salvação está mais perto de nós do que quando abraçamos a fé” (Rm 13,11). Daqui nasce ou se revela a recomendação: frequentemente ficamos adormecidos ou desligados do essencial para nossa salvação. Na seriedade da vida nada é automático. É necessária uma escolha real em cada momento. A vida tem seu fim. Mas esta perspectiva não é fonte de medo, e sim de gozo. Trata-se do encontro definitivo com Aquele que conhecemos, com Quem vivemos (Jo 1,14) e que, finalmente, “Ele há de julgar as nações” (Is 2,4). O fim da vida neste mundo, por isso, questiona nossas escolhas, nossos atos, nossas atividades, nossa convivência e assim por diante. Tudo tem seu fim e tudo pesa para o fim. Tudo será julgado por Aquele que nos criou. 

O momento do juízo final é desconhecido. Trata-se da ignorância (falta de conhecimento) que deve provocar a vigilância; da ignorância que deve confundir-se com insciência ou despreocupação pelo momento do tempo em que vivemos. As leituras deste domingo querem nos relembrar que caminhamos ao encontro do momento último da fase final já inaugurada com a encarnação de Deus. Em cada momento vivemos os tempos últimos: “A noite já vai adiantada, o dia vem chegando; despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz” (Rm 13,12).

A expectativa diante do Retorno do Senhor (Segunda Vinda), como enfatizam as leituras deste Primeiro Domingo do Advento, polariza a atenção da Igreja. Nossos olhares se fixam em Deus. 

Na ANTÍFONA DA ENTRADA rezamos: “A vós, meu Deus, elevo a mina alma. Confio em vós, que eu não seja envergonhado!” (Sl 24,1-3). E na COLETA (oração inicial) pedimos ao Senhor que avive em seus fiéis o desejo de sair ao encontro de Cristo, acompanhados pelas boas obras, para que, um dia, colocados à sua direita, mereçamos possuir o Reino eterno. Na ORAÇÃO SOBRE AS OFERENDAS suplicamos ao Senhor que aceite os bens que d´Ele recebemos (estamos no mundo da gratuidade de Deus) e, pela apresentação do pão e do vinho, nos conceda que a ação santa que celebramos torne-se prêmio da redenção eterna para nós. E na ORAÇÃO PÓS-COMUNHÃO suplicamos ao Senhor que frutifique em nós a celebração dos sacramentos, com os quais Ele nos ensina a descobrir o valor dos bens eternos e pôr neles nosso coração. 

Com o Advento tratamos, então, de abrir nossas vidas ao mistério de Cristo vivo, proclamando a imensa necessidade que temos d´Ele. Evocamos a Primeira e a Segunda Vinda do Salvador. Por isso, é ocasião propício para renovar nossa fé e nossa responsabilidade diante do mistério salvífico de Cristo e diante da vida que vivemos. 

Em Is 2,1-5 que lemos na Primeira Leitura o Senhor reúne todos os povos na paz do Reino de Deus. Apesar da ignorância e das aberrações dos homens, nos planos divinos, o desígnio de salvação se estende a toda a humanidade. Todos temos total necessidade do Cristo Redentor e da revelação plena do amor de Deus. Nesta primeira leitura, o profeta Isaías contempla o dia do Senhor à distância e apresenta o caráter universal de toda a salvação. O povo da Aliança (antigo e novo Israel) foi escolhido por Deus para possuir e transmitir a fé e a salvação a todos os povos. Deus trabalha para o mundo através da Igreja. 

Daí a responsabilidade de todo cristão de não pôr obstáculos para a missão salvadora e redentora de Cristo. A todos nos incumbe sempre uma atitude missionária, na medida de nossas possibilidades, segundo os diversos estados em que vivemos nossa vocação. 

Com o Salmo Responsorial (Sl 121) expressamos nossa alegria porque caminhamos para a Jerusalém celeste, para a glória futura, e isto nos obriga a exortarmos a todos os homens, nossos irmãos e irmãs para que vivam em paz e que também eles se encaminhem para a Casa do Pai, nossa Casa Comum (o Céu). 

A Segunda Leitura tirada da Carta de são Paulo aos Romanos (Rm 13,11-14) nos relembra que nossa salvação está próxima. Nós que conhecemos pela fé o mistério de Cristo não podemos cair na inconsciência de viver na irresponsabilidade dos filhos das trevas. Nossa vida presente é uma marcha para o futuro. Por isso, para o cristão, que espera esse encontro e que fazem suas as aspirações dos homens de seu tempo, o sentido da história da humanidade é o sentido de sua própria história que somente tem valor à luz de Cristo. Afastar-se disso é caminhar nas trevas. 

No evangelho deste Domingo, para a pergunta dos discipulos sobre o “quando” será o fim do mundo e “quais os sinais” que preanunciam o julgamento de Deus, Jesus simplesmente responde: “Portanto, vigiai”. Jesus, em vez de predizer o futuro, remete-nos a ler o presente sob a luz de sua história. Na verdade, o julgamento futuro de Deus sobre mim não é outro senão o meu juizo atual sobre Ele.

Para Jesus o “quando” da questão é sempre algo cotidiano, algo banal. Neste cotidiano ou nesta banalidade acontece o julgamento de Deus. Por isso, em nosso trabalho de cada dia se decide a salvação ou a perdição, estar com Deus Salvador ou longe d´Ele, a bênção ou maldição. A vida ou a morte dependem do praticar ou não a “Palavra” que o Senhor colocou diante de nós (Dt 30,15-20). No final, cada um recolhe o que antes semeou (Gl 6,8). A Palavra de Deus quer, conscientes do momento presente, acordemos do sono e vivamos como filhos da luz (Rm 13,11-14). A única realidade é o presente. Os eventos passados contribuem, sim, para nosso agora. O presente nos ajudará, sim, a determinar o futuro. No entanto, não podemos fazer nada a respeito deles (passado e futuro), pois estão ambos fora de nosso alcançe. Desfrutar o presente, preocupar-se com a qualidade de vida (física, mental e espiritual), são como uma reverência. O presente é tudo que temos. Tudo se decide no presente. O discernimento e a vigilância servem para enxergar a presença do Emanuel, o Deus-Conosco (Mt 1,23;18,20; 28,20). Quem O espera e O reconhece, encontra-O como o noivo que vem. Caso contrário, é como ladrão, que arromba a casa (Mt 24,42-44).

No evangelho deste Domingo (Mt 24,37-44), Jesus compara os homens que vivem nesta fase final, caminhantes para o momento último, com a geração do tempo de Noé. Viviam na insciência ou despreocupação total de sua salvação e se sentiam seguros de si. Pensavam apenas no prazer do momento (Carpe diem). Mas foram surpreendidos pela destruição total: do sentimento de auto- segurança para a destruição. 

A atitude de Noé, que Jesus nos recordou no Evangelho,  traduz perfeitamente a posição do homem de fé. Noé não tinha dados de nenhum tipo para deduzir a catástrofe que pairava sobre eles. Ele confia única e exclusivamente na Palavra de Deus, de suas insinuações. E ele realiza aquela construção absurda em um país árido, guiado apenas pela ordem que acreditava ter recebido de Deus. Noé está na linhagem mais pura de Abraão, modelo dos crentes; na linha daqueles que colocam incondicionalmente sua fé em Deus em qualquer situação. 

Nós cristãos devemos estar sempre atentos ao desconhecido, ao imprevisto, a exemplo de Noé. Nunca podemos acreditar que estamos seguros. A vida autoconfiante torna-se preguiçosa, cômoda e pesada. A vida do homem vigilante está cheia de tensão viva. Devemos saber claramente o que esperamos para nossa vida presente e para o fim de nossa vida neste mundo. A imprevisibilidade dos acontecimentos últimos, quer a nível coletivo (fim do mundo), quer a nível individual (a própria morte), não nos permite esperarmos o último momento para nos convertermos a uma vida autêntica. Devemos viver vigilantes e cumprir fielmente nosso dever ou  nossa missão. Só assim estaremos disponíveis para a volta do Senhor. Jesus convida-nos a ser como Noé e não como os seus concidadãos, porque quando vier repetirá a imprevisibilidade dos homens. 

A hora da morte de cada homem e o julgamento final são desconhecidos. É a ignorância (falta de conhecimento completo) que a vigilância deveria provocar em nós. É sempre difícil caminhar rumo ao incerto. O mesmo para a humanidade: as reações das massas à iminência do fim seriam catastróficas. Essa ignorância não deve ser confundida com despreocupação.

O cristão não deve ser surpreendido com uma imprevisão tão lamentável. O cristão sabe muito bem o que espera e que a repentinidade (algo repentino) dos acontecimentos últimos não permite pensar no último momento para a conversão. 

A preparação-vigilância nasce da própria entranha do Evangelho, a Boa Nova da salvação. A pertença à família de Deus leva consigo as exigências de uma conduta adequada. Trata-se de uma seriedade posta em destaque no contraponto da superficialidade e d perversidade da geração do dilúvio. O cristão por ser servo de seu Senhor deve permanecer vigilante e cumprindo seu dever como cristão. Somente assim ele será recompensado por seu Senhor que voltar na sua segunda vinda. A atitude do cristão deve traduzir perfeitamente a postura do homem de fé, a exemplo de Noé. Aos cristãos há a seguinte recomendação: “Sejam como Noé e não como seus contemporâneos!”. Porque quando vier o Filho do Homem se repetirá o que aconteceu com a geração do tempo de Noé: “Um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada” (Mt 24,40-41). Quem será levado é aquele que pertence a Cristo (Cf. Mt 10,32-33). E isso sem previsão nenhuma, em plenos afazeres de cada dia, no trabalho, no campo ou na preparação da farinha para fazer o pão de cada dia. Não sabemos o dia nem a hora. Somente a fé vigilante e a fidelidade permanente podem fazer nossas vidas dignas da salvação eterna. 

Por isso, fica para nós o alerta: a realidade cotidiana com sua monotonia pode nos fazer adormecidos. Ao nosso redor há guerras, violências, injustiças, corrupções, e assim por diante. O perigo é que ficamos acostumados com tudo isso sem nenhuma reflexão mais profunda. Existe quem responde e quem se cala, quem se esforça e quem se abandona. São João Crisóstomo chama aqui a vigilância cheia de esperança: “No meio da escuridão, tu não podes distinguir o amigo do inimigo. Não distinguimos de noite os metais preciosos das meras pedras. Do mesmo modo, o avaro e o licencioso não distinguem a verdade e o valor da virtude. Assim como aquele que caminha de noite, morto de medo, de igual modo os pecadores andam continuamente atormentados pelo medo de perder seus bens e pelo remorso de sua consciência. ... Vivamos sóbrios e vigilantes, como quer Cristo.  Abramos as portas para que aquela Luz nos ilumine (Comentário ao Evangelho de João, hom. 5). Por isso, a recomendação de são Paulo aos Romanos vale para qualquer pessoa em qualquer tempo: “A noite já vai adiantada, o dia vem chegando; despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz.  Procedamos honestamente, como em pleno dia; nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades. Pelo contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,12-14). 

Estendamos um pouco mais nossa reflexão sobre o Evangelho deste Domingo! 

Os capítulos 24-25 de Mateus (Mt 23 faz uma retrospectiva e a ruptura com o judaísmo), onde se encontra o nosso texto deste domingo, constituem o quinto e último grande discurso de Jesus no evangelho de Mateus (o 1º Mt 5,1-7,29: o Sermão da Montanha onde Jesus proclama o Reino dos Céus e suas exigências; o 2º Mt 9,35-10,42: o discurso missionário; o 3º Mt 13,3b-52: o discurso sobre a natureza do Reino dos Céus em parábolas; o 4º Mt 18,3-34: o discurso eclesiológico onde se fala de como viver como uma comunidade que aceita o Reino dos Céus). Para compor este último discurso, Mateus elaborou notavelmente o chamado “discurso escatológico” de Marcos (Mc 13) e o ampliou com uma série de três parábolas e uma impressionante descrição do juízo final cuja principal intenção é orientar os cristãos sobre como devem preparar a Segunda Vinda do Senhor (Parusia).       

Neste discurso, fala-se da vinda do Filho do Homem e das atitudes com que os discípulos devem preparar para essa vinda. A intenção de Mateus é responder à situação que vivia sua comunidade. Por um lado, os membros da comunidade de Mateus perceberam que a segunda vinda do Senhor estava se atrasando. Mas diante deles aparecia a história como espaço para o compromisso. Por outro lado, o evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, de negligência, de rotina e de esfriamento que começaram a aparecer na comunidade. Nessa situação Mt descobriu que aquelas palavras de Jesus contém uma exortação dirigida aos cristãos que se fundamenta numa profunda convicção: a vinda do Filho do Homem é um fato certo, no entanto, não se sucederá em seguida. Por isso, é necessário preparar esse grande acontecimento vivendo segundo os ensinamentos de Jesus.          

O estilo e as imagens desses capítulos podem provocar temor. Trata-se, porém, de uma forma de falar que era relativamente freqüente entre alguns grupos judeus e cristãos da época de Jesus. Esta linguagem se conhece com o nome de apocalíptico, porque seu objetivo é manifestar uma revelação escondida (apocalypsis). Em muitas ocasiões esta revelação está dirigida a grupos e comunidades que vivem uma situação de perseguição, com o objetivo de animá-los em suas tribulações. Por isso, não tem que ver neste texto uma ameaça, mas sim uma mensagem de esperança.          

Depois de descrever os sinais que precederam a vinda do Filho do Homem (Mt 24,4-35), Jesus responde a outra pergunta acerca do momento de sua vinda (24,3). A resposta é bem clara: ninguém sabe, somente o Pai. Ante esse desconhecimento do dia e da hora, a única atitude possível é a espera vigilante (v.42) e estar preparado (v.44).          

A espera do Advento é pura esperança. Espera-se Aquele que já está presente. Procura-se Aquele que deseja ser encontrado. A atitude da espera caracteriza o cristão porque o Deus da revelação é o Deus da promessa que em Cristo manifestou toda a sua fidelidade. Tudo o que Deus prometeu através da boca dos profetas se cumpriu em Jesus Cristo feito homem. Neste sentido o outro nome de Deus é FIDELIDADE. E todo o caminho de fidelidade é sempre o caminho de felicidade.          

Mas esta atitude de espera tem sua característica vigilante (vv.42-44). Vigiar é ser capaz de detectar tudo quanto possa desviar nossa atenção do fim almejado, acabando por nos afastar dos caminhos de Deus.  Inclusive ser vigilante no falar e nos comentários: o que deve-se falar, o que não deve; no agir; no pensar, no julgar e assim por diante. A vigilância tem a ver com a construção do Reino de Deus na terra. Tem a ver com os pecados que devem ser superados e as virtudes que devem ser vividas. Tem a ver com a prevalência dos critérios divinos cada vez que eu confrontá-los com os meus.  A vigilância nos leva à idéia de estar acordado, atento e pronto para agir, seja para construir uma obra de bem, seja para combater uma obra má. Sabemos que os atrativos e prazeres passageiros do mundo, o acúmulo exagerado dos bens materiais e a liberação dos instintos egoístas são todos elementos que corrompem o coração humano, impedindo-o de se preparar para o encontro com o Senhor. O homem que fica preocupado demais com viver e gozar o presente, acaba esquecendo, muitas vezes, a dimensão futura da vida. Este é, certamente, o problema da geração do dilúvio (vv.37-39): ela é tão imersa na vida do prazer desenfreado a ponto de ficar cega diante do desastre iminente do dilúvio. A maior crise é não reconhecer crise.          

Ao mesmo tempo somos chamados a lembrar Noé nesse dilúvio. Lembrar Noé é alimentar a esperança de que a salvação é possível. Noé constrói um barco quando não há ainda sinal de chuva, confiando na voz de Deus na sua consciência. Ele não constrói o barco só para si, mas para os outros também. Ainda hoje, seguir a voz de Deus é alimentar a esperança da salvação no meio de qualquer tipo de ameaça. Mas como Noé, deve-se produzir um espaço de salvação onde outros podem e possam se abrigar. Onde há amor, todo mundo tem lugar. Ninguém será agressivo, quando cada um tiver espaço.          

A vinda de Cristo é certa mas o momento exato dessa vinda é incerto. Mas devemos estar conscientes de que a vinda de Jesus é luz que afugenta as trevas de nossos corações, é purificação de nossos pecados. Por isso mesmo é motivo de alegria e nos alcança bens para a vida presente e a futura. Para isso, é necessário cada cristão ter a atitude de abertura e de vigilância. Por isso, quem cochila, quem para de se colocar em contínua ligação com Deus de quem recebemos luz e força, acaba caindo na armadilha para pegar os incautos. Só os vigilantes conseguem afastar-se das investidas do maligno.          

Além disso, o que nos chama a atenção é a afirmação de Jesus neste discurso: ”Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada” (vv.40-41). Esta imagem nos apresenta como uma grande interrogação para a consciência cristã. Primeiramente, porque o texto da Bíblia mostra que o juízo de Deus tem em si uma real dimensão de surpresa. Existe em mim o que será tomado e eternamente conservado por Deus? Ou toda a minha vida será deixada e dolorosamente destruída? O homem ou a mulher ao meu lado, a mulher ou o homem que passa à minha frente, quem são eles? Quem poderá afirmar com segurança que será levado/eleito ou deixado/abandonado? A palavra de Jesus é tão grave, tão franca, que nos coloca perante a real possibilidade duma perdição eterna. Ninguém sabe quem é no pensamento de Deus, o seu próximo, que está ao seu lado. A vigilância é, por isso, tão importante que é dela que depende de a sorte, de perdição ou de salvação que vai tocar a cada indivíduo.          

O sinônimo da vigilância é a atenção. Atenção é um comportamento vigilante do eu sobre os outros porque os outros têm os mesmos sentimentos como eu; atenção é uma transparência de olhar, uma prontidão em notar sinais de sofrimento em volta de si, um doar-se; é a capacidade, antecipadamente, o que os outros podem sentir. Desatenção é, ao contrário, fazer observação pungente, sem pensar que alguém ao redor poderá se ferir; desatenção é não se dar conta do que acontece com os outros. São tantas as desatenções que ferem e destroem as mais belas amizades, que criam incompreensões nas famílias, noivos e esposos. Ao contrário, quantos gestos de atenção reconciliam e reparam, entrelaçam relações de paz. Atenção é um estremecer assustado do coração toda vez que se viola a delicadeza, o respeito, o cuidado devido às pessoas. Atenção é evitar fumar quando isto causa fastio aos outros. É saber tomar a devida distância de si e dos acontecimentos para entender o que acontece. Atenção é, portanto, amor verdadeiro, delicado, desinteressado, previdente. A atenção é uma qualidade humana necessária e preliminar no caminho espiritual. A atenção é uma graça que se pede e procura com meios adequados: estes não são somente a tensão do espírito, mas também a oração insistente, a prudência de vida etc.          

O Advento, por conseguinte, celebra o “Deus da esperança” (Rm 15,13) e vive a alegre esperança. O homem de esperança sempre acredita que tudo pode. Nesse “poder” há força. A esperança sempre repousa num poder que possibilita a transformação da existência. O canto que caracteriza o Advento é o do Salmo 25: “A ti, Senhor, eu me elevo. Eu confio em Ti…pois os que esperam em Ti não ficam envergonhados”.          

O conteúdo de toda esperança é sempre a busca de libertação. Não se quer mudar pelo prazer de mudar. O que o homem espera é “mudar de vida”, ou antes, transformar as condições inumanas da existência humana. Não se pode dizer que há esperança, quando não se aspira a transformar uma situação de servidão mais ou menos intolerável. Libertar-se para viver vida verdadeiramente humana. Esperar é voltar-se para o futuro, é recusar-se a ser bloqueado pelo imediato, resignando-se ao presente, às insuficiências do agora.          

Jesus revela que o verdadeiro poder é uma presença, a presença de um amor, cuja força, o Espírito Santo, é capaz de atender as aspirações da esperança, transformando a humanidade inteira e libertando-a plenamente. E Jesus Cristo é o poder de nossos poderes, a iniciativa de nossas iniciativas. Por isso, “tudo posso em Jesus Cristo que me fortalece” (Fl 4,13).          

Mas o Deus que entra na história põe em causa o homem, questiona-o. Por isso, a vinda de Deus em Cristo requer contínua conversão: a novidade do Evangelho é luz que exige despertar pronto e decidido do sono, como diz São Paulo na segunda leitura deste domingo. O tempo do Advento é o convite a deixar as trevas e ser iluminados pela luz de Jesus Cristo. As palavras de São Paulo, na verdade, são um convite para a esperança, para não deixar-se levar pelo desânimo, como acontece conosco frequentemente. Se abrirmos melhor nossos olhos, descobriremos também os sinais luminosos de um mundo novo, de uma vida nova que já começou em Jesus Cristo.         

O que Jesus quer dizer no Evangelho é que ele vem continuamente para salvar-nos e trazer-nos felicidade, mas temos que estar acordados e atentos para perceber cada vinda sua. Não importa tanto se o dia de amanhã será o último; importa que seja um dia repleto de eternidade. Todos os dias “tocamos o final dos tempos” (1Cor 10,11). Os acontecimentos da vida são tanto de Deus quanto nossos. Nossa vida, a cada instante, é julgada pela presença crescente de Deus em nós.

P. Vitus Gustama,svd

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