terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Solenidade da Imaculada Conceição de Maria: 8 de Dezembro

IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA

(8 de Dezembro)

Primeira Leitura: Gn 3,9-15.20

9 O Senhor Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás?” 10 E ele respondeu: “Ouvi tua voz no jardim, e fiquei com medo porque estava nu; e me escondi”. 11 Disse-lhe o Senhor Deus: “E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?” 12 Adão disse: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi”. 13 Disse o Senhor Deus à mulher: “Por que fizeste isso?” E a mulher respondeu: “A serpente enganou-me e eu comi”. 14 Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! 15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. 20 E Adão chamou à sua mulher “Eva”, porque ela é a mãe de todos os viventes.

Segunda Leitura: Ef 1,3-6.11-12

3 Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu. 4 Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. 5 Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão de sua vontade, 6 para o louvor da sua glória e da graça com que ele nos cumulou no seu Bem-amado. 11 Nele também nós recebemos a nossa parte. Segundo o projeto daquele que conduz tudo conforme a decisão de sua vontade, nós fomos predestinados 12 a sermos, para o louvor de sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo.

Evangelho: Lc 1,26-38

Naquele tempo, 26 no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria. 28O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!”29 Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. 30 O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. 31 Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. 32 Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. 33 Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim”. 34 Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” 35 O anjo respondeu: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. 36 Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, 37porque para Deus nada é impossível”. 38 Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” E o anjo retirou-se.

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Um Olhar Geral Sobre a Solenidade Da Imaculada Conceição De Maria

A solenidade da Imaculada Conceição de Maria está colocada em seu lugar exato, ou seja, no tempo litúrgico do Advento, e ajuda-nos a vermos Nossa Senhora no cumprimento da sua missão na história da salvação.

A pureza original de Maria aparece, na conclusão da longa espera de Israel, como a chave de um dos mistérios mais fortes no plano da salvação: o amor de Deus para com o homem pecador.

Nascido da fé de Abraão, o povo que Deus havia escolhido como “esposa predileta” foi infiel, “prostitui-se” com falsos deuses. No entanto, o amor de Deus não desanimou e permanecerá mais forte. O Senhor faz uma misteriosa promessa: “És toda bela, amiga minha, e em ti não há mancha alguma” (Ct 4,7). Isso é possível não por vias humanas e sim por aquelas que somente Deus, na sua onipotência, pode percorrer: Deus criará um povo novo com uma aliança nova em Cristo Jesus.

No ponto de partida desta nova jornada era necessário ter um germe novo e puro: eis o mistério de puríssima Maria, “cheia de graça” (Lc 1,28), ou seja, “objeto de todo o favor da graça” conforme o nome que lhe é dado pelo anjo Gabriel. E Maria viveu na espera do Salvador com uma fé levada até as últimas consequências. Além de ser o objeto de todo o favor da graça, Maria se manifesta também totalmente disponível para a intervenção do amor divino: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38). Como “cheia de graça”, em Maria não há lugar para o pecado. Ela é totalmente tomada pela graça divina. E ela se deixa invadir e plenificar pela graça de Deus. “No primeiro instante da sua concepção, e em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, a Virgem Maria foi preservada imune de toda mancha da culpa original”, escreveu o Papa Pio IX na sua bula INEFFABILIS.

Esta definição dogmática parece contradiz uma a outra as seguintes duas afirmações: desde o primeiro instante da sua existência, Maria é isenta de toda sombra de pecado e, ao mesmo tempo, como todo filho de Adão, é redimida por Cristo. Porém, para Maria a redenção foi mais perfeita, por causa da sua missão de Mãe do Verbo Encarnado.

As leituras nesta Solenidade apresentam o mistério da eleição e da predestinação de Maria, criatura que se tornou objeto do amor proveniente de Deus, de modo único e privilegiado.

Nesta solenidade da Imaculada Conceição de Maria foi escolhido o texto de Gn 3,9-15.20 como Primeira Leitura. Em que consiste este texto se refere a Maria? Antes de tudo, Maria é compreendida objetivamente na descendência de Eva, entre os protagonistas da luta contra a serpente. (Os judeus conceberam a serpente como um ser ameaçador; parece como o arquetipo do pecado e de Satanás e é o sedutor do primeiro casal da humanidade (Gn 3,1); em outro contexto, foi vista como um símbolo de inteligência e de astúcia em sentido positivo [Mt 10,16]).

Além disso, o destaque dado à mulher e à sua maternidade, o aceno messiânico são elementos que induzem a pensar que o autor inspirado tenha desejado incluir na luta universal especialmente o descendente da mulher e aquela que deveria ser sua mãe. E finalmente, é em Maria que se realiza, em sentido pleno, “a inimizade” entre a mulher e a serpente. Porém, a palavra final é sempre a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é sempre vitoriosa.

Por isso, o Salmo Responsorial (Sl 97) celebra a vitória de Deus sobre os inimigos do seu povo. A Igreja aplica este salmo à vitória da graça que se manifestou em Maria. Maria é um prodígio de graça na sua Imaculada Conceição.

A Segunda Leitura (Ef 1,3-6.11-12) fala da magnífica “bênção” que celebra a eleição, a escolha e a predestinação dos redimidos em Cristo, a fim de que sejamos santos e imaculados diante de Deus, Pai de Nosso Senhor, em louvor da sua graça. O texto não faz nenhuma referência a Maria, porém implicitamente é ela a primeira escolhida, porque foi chamada e presdetinada para ser filha do Pai, mãe do Filho, esposa do Espírito Santo (ela concebeu pelo poder do Espírito Santo: Mt 1,20; Lc 1,35). Portanto o conteúdo da bênção do texto da Segunda Leitura tem uma atuação única na Virgem Imaculada, por causa da intensidade e da plenitude com que Maria aparece inserida no desígnio da salvação.

No texto do Evangelho (Lc 1,26-38), Maria é objeto de favor de Deus. O anjo do Senhor chama Maria em termo grego CHEKARITOMÉNE/Kekaritoméne (cheia de graça). Em toda a Bíblia este termo só se encontra aqui aplicadao a Maria. Este termo indica algo de permamnente e de estável, e, portanto, de um favor definitivo que lhe vem de Deus. Chekaritoméne é o verdadeiro nome que o anjo do Senhor (Gabriel) dá a Maria, e exprime o seu “ser por graça” e precisamente “aquela que encontrou graça”. A Igreja viu incluido neste texto o privilégio de Maria, imaculada em sua concepção. Portanto, a Igreja nunca será separada de Maria até o fim dos tempos. A solicitude materna de Maria será permanente na Igreja.

E os textos eucológicos (as orações presidenciais e prefácio) são ricos em teologia do dogma da Imaculada Conceição.

Uma Pequena História Da Festa Da Imaculada Conceição De Maria          

Na primeira metade do século VIII, a Igreja bizantina (no Oriente) celebrava a concepção de Santa Ana, mãe da Theotokos: Nossa Senhora. Em suas origens, esta festa celebrava o anúncio do Anjo a Ana e Joaquim que, depois de anos de esterilidade, gerariam Maria, segundo a narração do protoevangelho de São Tiago, um evangelho apócrifo (“apócrifo” é palavra grega, “apocryphos” que significa escondido, secreto, oculto. Foram assim chamados os livros que não eram usados oficialmente na liturgia e no ensino. Alguns são contemporâneos dos escritos bíblicos e outros pouco posteriores) que surgiu no século II (cf. Protoevangelho de São Tiago IV,1-2). Até aqui a festa não encontrou polêmicas teológicas porque não se tratava da “imaculada” concepção.          

A dura polêmica começou quando esta festa passou dos mosteiros do sul da Itália, no século IX, à Irlanda e à Inglaterra. Aqui, no século XI, a festa começou a fixar-se no dia 8 de dezembro por relação ao dia 8 de setembro (a festa da natividade da Nossa Senhora) e recebeu o nome a “Conceição da Santa Virgem Maria”. E no século XII (cerca de 1119) começou com clareza o conceito da festa quando o prior de Westminster, Osberto de Clara, falou da santificação de Maria desde o início de sua criação e concepção no útero materno, pela graça de Deus, que a santificou em sua própria concepção “sem contágio de pecado". 

Por estímulo de alguns teólogos, um deles é o beneditino Eadmer (+ 1134) que é considerado o primeiro teólogo da imaculada conceição, a festa se difundiu na França, mesmo com divergências de opiniões. Em 1263, a ordem franciscana adotou a festa, e teólogos franciscanos como o beato Ramon Llul e João Duns Scotu defenderam em Paris o privilégio da Imaculada.  Muitas ordens religiosas (com exceção dos dominicanos) adotaram a festa. 

No século XIV a festa do dia 8 de dezembro era tão comum que em 1439 o concílio de Basiléia decidiu estendê-la a toda a Igreja; mas o decreto ficou sem efeito porque se tratava de concílio cismático. E em 1477, Sisto IV(1471-1484), franciscano, introduziu a festa em Roma e afirmou (não como dogma) com clareza a preservação de Maria em sua concepção de todo contágio de pecado original.

Somente a partir do dia 8 de dezembro de 1854 Pio IX (1846-1878) proclamou como DOGMA a conceição imaculada de Maria, na Bula Ineffabilis Deus, onde ele afirmou: “.... a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis” (n.41b).

E no número 3 desta Bula, o Papa Pio IX antecipou: “E, certamente, era de todo conveniente que esta Mãe tão venerável brilhasse sempre adornada dos fulgores da santidade mais perfeita, e, imune inteiramente da mancha do pecado original, alcançasse o mais belo triunfo sobre a antiga serpente; porquanto a ela Deus Pai dispusera dar seu Filho Unigênito — gerado do seu seio, igual a si mesmo e amado como a si mesmo — de modo tal que Ele fosse, por natureza, Filho único e comum de Deus Pai e da Virgem; porquanto o próprio Filho estabelecera torná-la sua Mãe de modo substancial; porquanto o Espírito Santo quisera e fizera de modo que dela fosse concebido e nascesse Aquele de quem Ele mesmo procede”.

E o Concílio Vaticano II recorda este dogma na Constituição dogmática LUMEN GENTIUM capítulo VIII no.53.59.

·     Efetivamente, a Virgem Maria, que na anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor. Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus Filho; é, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo, e, por este insigne dom da graça, leva vantagem a todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, associada, na descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, «é verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça» (173). É, por esta razão, saudada como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade; e a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afeto de piedade (n.53).

·     Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos «perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos» (At. 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já sobre si descera na anunciação. Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores (cfr. Ap 19,16) e vencedor do pecado e da morte (n.59).

Comentário Sobre A Conceição Imaculada E Mensagem Da Festa         

Não encontramos em nenhuma página do NT a concepção de Maria nem sobre seus pais (somente encontramos no protoevangelho de São Tiago).

Na festa da Imaculada Conceição de Maria lemos o evangelho da Anunciação (Lc 1,26-38) que não fala do concebimento de Maria, mas do concebimento de Cristo em Maria. A escolha de Maria como Mãe do Senhor (Lc 1,43) é muito preciosa que nos faz entendermos que quem dá valor a toda a existência de Maria é o Filho. Em outras palavras, Maria é redimida por seu filho e pela preservação divina. Maria é imaculada por ação de Deus em vista da redenção de Cristo. A sua imaculada conceição só pode ser uma participação na graça redentora do Redentor em função de sua maternidade em relação a Cristo.  Podemos afirmar que por causa da encarnação redentora do Verbo, Maria foi eleita desde a eternidade e, na plenitude do tempo, lhe foi enviado o anjo Gabriel com a mais inefável das saudações: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28). Em Maria Deus encontra “lugar” para estar sempre com a humanidade: “O Senhor está contigo”. E em Maria a graça divina encontra uma resposta de que Maria será o instrumento desta graça: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38).         

Da afirmação surge a pergunta, se Maria é redimida em vista da redenção de Cristo, como isto pode ser explicado porque Jesus nasceu depois dela? Para compreender tudo isto precisamos nos colocar na posição de Deus. Para Deus tanto o ontem quanto o amanhã são um eterno hoje (cf. Hb 13,8). Para Deus, a redenção futura de Jesus é um já presente. Em razão disto, Maria é isenta e preservada. Como dizia Dante: “Maria é filha do seu Filho, porque por Ele foi totalmente livre do pecado original e do próprio débito do pecado”.          

Ao solenizar a Imaculada Conceição de Maria devemos estar conscientes de que não se trata da auto-salvação de Maria; trata-se da graça de Deus. A concepção imaculada não significa que Maria não teve necessidade de ser salva à semelhança de todos os homens; ao contrário, proclama o incomparável dom que lhe foi prodigalizado: ter sido agraciada sem ter provado a desgraça do pecado. A redenção de Maria acontece por preservação divina. Nisto Maria é a expressão máxima do poder de Deus. Ela é santa porque santificada pelo Espírito do Pai, emanado por meio do Filho. Diante da Imaculada, a Igreja celebra primeiramente a infinita misericórdia de Deus para com a humanidade inteira. Podemos dizer em outras palavras, Maria se beneficia mais abundantemente do que todos nós da misericórdia divina e do resgate. Pois maior misericórdia é ser preservado pela graça de Deus de pecados pessoais, do que ser perdoado de pois de termos pecado. A sua preservação do pecado é fruto unicamente da graça redentora. Ela nunca conheceu pecado.          

Maria realiza o homem que Deus sempre quis: aquele que se ergue ao céu, sem se encurvar a nenhum pecado e sem cair na tentação de olhar apenas para o mundo; aquele que se abre ao outro, sem cair no isolamento do egoísmo, e aquele que se confraterniza com o mundo.          

Nós, seres humanos, sempre estamos numa encruzilhada entre o desejo de fazer o bem e a fraqueza em praticar o mal que não queremos. Buscamos a bondade, mas caímos na maldade cometida. Queremos criar um mundo mais fraterno, mas ficamos presos no mundo de rancores, de julgamento sem piedade, de falta de perdão e misericórdia. Talvez possamos resumir a nossa situação naquilo que São Paulo diz: “...não faço o bem que não quero, mas pratico o mal que não quero” (Rm 7,19). São Paulo no versículo seguinte explica que a origem de tudo isto é o pecado que faz ninho dentro de nós: “Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado que habita em mim” (Rm 7,20). O pecado que habita em nós gera toda sorte de iniquidade, de injustiça, de violência etc....  Viver no pecado é viver preso no mundo velho.          

Maria, ao contrário, pertence a outra ordem, ao novo mundo inaugurado por Deus. Ela é uma criatura sem qualquer malícia. Todos os seus atos são orientados para o certo, pois ela está totalmente aberta para Deus e se abre para os outros amorosamente. Em Maria, por isso, podemos ver um possível novo começo da humanidade. Nela o paraíso perdido se encontra novamente.          

Mas precisamos saber que dizer que Maria era imaculada não significa que ela não sofria, que não se angustiava ou que não necessitava crer e esperar. De ponto de vista humano, ela é como todos nós. Maria como todo ser humano normal sentia as diversas paixões da vida. Mas ela conseguia orientar tudo num projeto divino e dimensionar tudo a ponto de ser plenamente filha de Deus. Por graça de Deus ela tinha uma força interior capaz de ordenar tudo. Por isso, não de admirar que ela foi chamada por anjo Gabriel de “cheia de graça” (Lc 1,28). A graça é a presença pessoal e viva do próprio Deus dentro da vida, fazendo a vida ser mais vida ainda e o mundo mais fraterno. Maria antecipa o destino de todos. Por ela temos certeza de que Deus não nos abandona na nossa desgraça. Ela nos ensina a vivermos orientados sempre a Deus que se traduz no amor ao próximo.          

Sabemos que a imaculada conceição é um privilégio único para Maria. Mas todos nós somos chamados a sermos imaculados, seguindo os passos de Cristo, nosso Redentor. Assim como Maria, seremos totalmente imaculados. A partir de Maria e olhando para ela, temos certeza de que o mundo tem um futuro melhor, pois Maria nos antecipa este futuro. Temos que estar conscientes da nossa vocação inicial de sermos escolhidos desde a eternidade para sermos santos, como diz São Paulo: “Nele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor” (Ef 1,4). 

Em Maria Imaculada contemplamos a gratuidade e a imensidão do amor divino, que se dobra sobre a menor das criaturas, um embrião, para plenificá-lo de ternura e de graça. Se Deus amou tanto a vida nascente e a libertou do pecado assim que foi concebida, Ele nos ensina a dignidade desta vida desde o primeiro instante da sua concepção. E nos revela, ao mesmo tempo, com quanta solicitude e com quanto amor devemos acolhê-la, protege-la e respeitá-la, porque é sagrada aos Seus olhos e merece todo o nosso amor. 

A beleza e a pureza de Maria são como que uma nova criação que resgata Adão e Eva, o primeiro casal decaído depois do pecado original. Felizmente, diante do pecado dos nossos progenitores, o Senhor não altera o seu desígnio de amor, mas promete, imediatamente, uma Mulher cujo Filho esmagará a cabeça da serpente infernal que pretendeu conduzir os homens à ruína. É Maria essa nova Mulher, a nova Eva, como a chamaram os Padres da Igreja, que se apresenta como protótipo de uma nova criação, isto é, a criação da graça, porque, por meio de seu Filho, Jesus Cristo, derrota o reino do mal e inaugura o Reino de Deus na terra. Graças ao amor incondicional de Deus por nós e graças à disponibilidade de Maria de aceitar ser Mãe do Redentor da humanidade. Tudo que é imaculado aceita sem condições a vontade de Deus. O imaculado é a habitação (shekináh) de Deus.

Maria, ícone da Igreja, santa e imaculada, representa para nós não somente o nosso modelo enquanto criaturas perfeitas, mas também a imagem que, escatologicamente, somos chamados a ser: santos e imaculados diante de Deus, na perfeição do amor.A santidade mais não é do que a caridade plenamente vivida.  ...  O Senhor quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, a chamada à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê perfeito’” [Gn 17, 1] (Papa Francisco: Exortação Apostólica: Gaudete Et Exsultate n.21 e 1)

Pequenez e Grandeza de Maria, a Mãe Do Senhor 

Maria, a Mãe do Senhor, não é um fenômeno da natureza. Em sua natureza feminina é uma filha de Eva como todas as mulheres do mundo. Nada a distingue das demais mulheres judias: seus traços físicos, condições econômicas, prescrições legais discriminatórias, modos e estilo de vida corresponde todos os próprios de uma mulher judia. Mas nessa personalidade de mulher judia se encerra um mistério de grandeza, real e invisível, ao mesmo tempo. Ela o viveu como uma realidade totalmente interior e inefável, dentro de uma relação única de intimidade, de comunhão e de adesão a Deus. A concepção imaculada de Maria ou sua maternidade serão proclamadas como dogma de fé alguns ou muitos séculos mais tarde. 

Maria não esperava ser Mãe do Messias. No ambiente religiosa de seu tempo, ela compartilhava com todos os judeus a crença e a espera próxima do Messias que libertaria Israel de seus inimigos. Como uma mulher humilde, pobre, considerava inclusive uma loucura que Deus se fixasse nela para ser a Mãe do Messias. Além do mais, o Messias viria de Nazaré era pouco mais que impossível. Nada havia em seus pais, em seu ambiente, no correr de sua existência que serviria de indício para tão grande e nobre vocação de ser Mãe do Senhor.

Tudo isso, é verdade, porém, um dia, repentinamente, uma experiência e visão angélica a perturbou no fundo da alma. Primeiro, Maria não entendeu essa saudação tão rara: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!”. Logo, entenderia muito menos a afirmação: “Darás a luz um filho que será chamado Filho do Altíssimo”. A simples mulher nazarena tardou muito em voltar em si mesma. Logo, passada a visão, passaram dias e noites dando volta ao que viu e escutou para encaixar em sua psicologia e em sua vida, perscrutando os misteriosos desígnios de Deus. Finalmente, no encontro com sua prima Isabel mostrará com palavras, o resultado de sua meditação: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espirito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações”. 

Maria, a Mãe do Senhor, é irmã e Mae nossa (cf. Jo 19,27). Enquanto irmã, igual a todos os cristãos: filha adotiva de Deus por meio de Jesus Cristo, eleita para ser herdeira do Reino de Deus, como todos os que colocaram sua esperança em Cristo: “Segundo o projeto daquele que conduz tudo conforme a decisão de sua vontade, nós fomos predestinados a sermos, para o louvor de sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo” (Ef 1,11-12). 

Maria também é nossa Mãe. “Maria colaborou de maneira totalmente singular com a obra do Salvador por sua fé, esperança e amor ardente para estabelecer a vida sobrenatural dos homens. Por esta razão é nossa Mãe na ordem da graça” (Lumen Gentium,61).

Maria leva a feliz término o longo advento do povo de Deus, Israel. Ela concentra em sua pessoa a esperança. Nasceu através dela Aquele que deve vir para salvar a humanidade. Nela se cumprem as profecias messiânicas e sua esperança se converte em possessão. É a porta que nos introduz na nova etapa da história da Salvação: o tempo de Cristo e da Igreja. Maria é a primeira redimida, a primeira crente, a primeira santificada e glorificada da Igreja de Cristo. e esta grandeza de Maria tem seu ponto de partida em sua concepção imaculada: “Na celebração deste ciclo anual dos mistérios de Cristo, a santa Igreja venera com especial amor, porque indissoluvelmente unida à obra de salvação do seu Filho, a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, em quem vê e exalta o mais excelso fruto da Redenção, em quem contempla, qual imagem puríssima, o que ela, toda ela, com alegria deseja e espera ser” (Sacrosanctum Concilium, 103). Maria é a primeira e a mais perfeita entre os salvos. 

Como ela um dia aceitou a Palavra de Deus e acolheu o Espírito de Deus e gerou Cristo de sua carne, assim também todo cristão tem que cumprir sua vocação aceitando docilmente a Palavra de Deus, acolhendo o Espírito de Deus em sua vida e continuando no tempo a encarnação de Cristo a fim de levar as pessoas para o caminho do bem. Nossa Senhora interceda por nós!

P. Vitus Gustama,SVD

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