CORDEIRO DE DEUS NOS DEVOLVE
A DIGNIDADE HUMANA
II
DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”
19 de Janeiro de 2014
Primeira Leitura: Is 49,3.5-6
3 O Senhor me disse: “Tu és o meu Servo, Israel, em quem serei glorificado”. 5 E agora diz-me o Senhor — ele que me preparou desde o nascimento para ser seu Servo — que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória. 6 Disse ele: “Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra”.
Segunda Leitura: 1Cor 1,1-3
1 Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus, e o irmão Sóstenes, 2 à Igreja de Deus que está em Corinto: aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos junto com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso. 3Para vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
Evangelho: Jo 1,29-34
Naquele tempo: 29 João viu Jesus aproximar-se dele e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. 30 Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim. 31 Também eu não o conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que ele fosse manifestado a Israel”. 32 E João deu testemunho, dizendo: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele. 33 Também eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo’. 34 Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!”
______________________________
O texto é tirado do início do
Quarto Evangelho e relata o testemunho de João Batista sobre a pessoa de Jesus (um
dos temas preferidos do evangelista João é testemunho). Anteriormente João
Batista deu o testemunho aos enviados de Jerusalém (Jo 1,19-28) que conclui com
esta afirmação: “No meio de vós está alguém que não o conheceis...” (veja Jo
1,26-27).
Antes de proferir o seu testemunho,
João vê Jesus vir na sua direção.
Quando Jesus aparece pela primeira vez no Quarto Evangelho, ele é mostrado no
ato de “vir”. Com isso, se realiza o anúncio de Isaías: “O Senhor vem”(Is
40,10). Ele não vem com o poder, mas com determinação: se Jesus vem para
João (não se sabe de onde) é para dizer o Sim de Deus à Promessa. Ele vem para
João, em quem se recapitulam a experiência e a espera de Israel.
É Preciso Desenvolver Um Olhar Penetrante Para Captar o Sentido
das Coisas e dos Acontecimentos
Jesus continua vindo em nossa
direção, como aconteceu com João Batista. Somos convidados a olhar para ele com
fé. É o olhar da fé que descobre a realidade sob as aparências, e confere seu
verdadeiro sentido a todo o mundo visível no qual Jesus aparece. João Batista
passou pela escola do deserto, onde se exercitou na humilde docilidade
interior. A sua figura é, no início do Evangelho, o símbolo de todos os crentes
que se põem em seguimento do Verbo encarnado. Ele realiza as condições da busca
e da descoberta. Não se deixa enganar por nenhuma autoridade, nem sequer a dos
fariseus; procura a Deus só e, livre de todo o preconceito, e convida as
pessoas a olharem para Jesus que vem para tirar o o pecado que pesa a vida do
homem.
O olhar de João Batista é profundo.
Ele percebe logo que Aquele que vem em sua direção é o Salvador. Por isso, ele reage
em profundidade: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (v.29). Palavras que se repetem seis vezes na celebração
eucarística (2 na Glória, 3 depois da saudação da paz e a sexta vez,
imediatamente antes da comunhão). Somente João está disposto a reconhecer
Aquele que Deus envia, não obstante afirmar que não o conhecia (v.31.33). Não
conhece de vista ou por contato, mas já conhece interiormente, pela ação do
Espírito Santo que o envia e que ele não pára de interrogar.
A primeira condição de toda busca
da fé é, certamente, o senso de observação das pessoas, das coisas e da vida em
geral; é ter um olhar penetrante: “Quanto a ti, quem és tu? Quem dizes de ti
mesmo?” (Jo 1,19.21). Uma vez levantada esta pergunta, sua resposta só nos é
cabalmente dada ao término de uma lenta conversão do olhar, obtida graças ao
auxílio divino. Tal é o itinerário da fé em João Batista que, de início, não
crê (Jo 1,31.33), a seguir descobre a Jesus como o Cordeiro (Jo 1,29-32) e,
enfim, o reconhece em sua personalidade humano-divina (Jo 1,34). E só conhece
de verdade o Senhor que vem quem predispõe o próprio coração, sem nada reter
para si, quem está preparado para a iluminação, sabendo, que para Deus, nada é
impossível (cf. Lc 1,37).
Todo este encaminhamento não pode
efetuar-se a não ser através do diálogo do homem com Deus e da abertura da alma
à Sua influência. O evangelista João acentua, muitas vezes, o olhar de Jesus
que transforma a vida dos discípulos. É este olhar que transforma Simão em
Pedro (Jo 1,42), e faz com que Natanael passe de doutor da lei à condição de crente
(Jo 1,47-48). Por conseguinte, o progresso na fé e na vocação só pode
efetuar-se, quando se recebem os eventos/acontecimentos e as pessoas como dons
de Deus. A vocação é algo que jorra do encontro e do acolhimento.
É Preciso Termos Fé No Cordeiro de Deus, Pois Ele Devolve
Nossa Dignidade
“Eis o Cordeiro de Deus...”, diz João
Batista. Este é um dos 16 títulos cristológicos encontrados só no primeiro
capítulo do Quarto Evangelho. O título “Cordeiro de Deus” é compreendido
somente a partir da fé pascal. Os judeus costumavam oferecer, diariamente, no
Templo, cordeiros para expiar os pecados (cf. Êx 29,38;Lv 16,21). Desde modo,
alguém que reconcilia as pessoas com Deus pode ser comparado ao cordeiro do
sacrifício. Jesus, como Servo de Is 53,4-12, carrega sobre si o pecado de toda
a humanidade. Jesus Cristo é o Cordeiro pascal que, entregando-se
voluntariamente à morte por todos e cada um dos homens, institui,
antecipadamente na última ceia e “de uma vez por todas” na cruz (Jo 19,36), a
Nova Aliança de Deus com a humanidade. Por ter sido selada com o sangue do seu
Filho, a Nova Aliança de Deus com o seu Novo Povo é eterna, irreversível e
indestrutível.
“... que tira o pecado do mundo” (v. 29). João
usa o termo “hamartia” (pecado) 16 vezes no seu evangelho. Se for no singular
este termo (pecado), ele indica uma situação (Jo 1,29;8,21;9,41s;15,22;16,8s).
O pecado como situação atribui-se a “o mundo”, a humanidade (Jo 1,29); aos
dirigentes judeus na época, aos quais causará a morte (Jo 8,21); aos fariseus,
por sua cegueira voluntária (Jo 9,41); aos representantes do “mundo”, como
inescusável depois da atividade de Jesus (Jo 15,22.24), demonstrando na
oposição a Jesus (Jo 16,9) e objeto da acusação do Espírito (Jo 16,8). “Eis o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. João usa a palavra “pecado” em
singular (o pecado) e não em plural (os pecados do mundo). O pecado fundamental
para João é não aceitar o Filho de Deus entre nós, com todas as conseqüências
que isso comporta. Em outras palavras, pecado é adesão a um sistema social que
gera a morte do povo(mundo), já que a prática de Jesus é uma prática de
libertação e de passagem da escravidão e morte para a liberdade e a vida.
Jesus veio para “tirar o pecado do
mundo”. Esta expressão engloba não somente apagar todos os pecados
numericamente, mas também e, sobretudo, a situação de pecado do mundo, a
condição escravizada do homem pecador; supõe a destruição do mistério de
iniqüidade que é o pecado (2Ts 2,7), a vitória da luz sobre as trevas (Cl
1,13s) e sobre a negação do amor a Deus e aos irmãos em suas múltiplas
manifestações pecaminosas, cujo resumo é egoísmo irredimido do “homem velho”.
Apesar de sabermos que o pecado é a
“mercadoria” global cuja produção nunca entra em crise e cuja demanda
desconhece limites e que não temos balança em condição de calcular seu peso,
nós acreditamos que pecado nenhum consegue esgotar a paciência de Deus em Jesus
Cristo, cansar sua misericórdia, bloquear seu perdão e pôr limites a seu amor
infinito. Por isso, Jesus é nossa vitória, nossa libertação e nossa paz. Por
ele e com ele somos capazes de vencer o pecado cada dia, dentro de nós mesmos,
dentro de casa, em nossa vida e no ambiente que nos cerca.
Acreditar que Jesus é o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo implica mudanças radicais na nossa vida. Se quisermos
ajudar o Cordeiro manso na luta contra o pecado do mundo, só nos resta
adotarmos a misericórdia no lugar da violência, o perdão no lugar do castigo, o
amor no lugar do ódio. Jesus não confia em castigos, pois nem os castigos têm
forças para salvar: só o amor. Se aposentarmos o Cordeiro manso e colocarmos
uma fera bem equipada para reprimir e dominar, longe de tirarmos o pecado do
mundo. Ao contrário, só conseguiremos multiplicá-lo.
Somos Chamados a Ser Testemunhas Do Cordeiro de Deus
No evangelho deste dia João aparece
para dar testemunho de Jesus: ”Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo” (Jo 1,29). João Batista vê Jesus que vem. Mas não guarda para si como
seu segredo, como propriedade privada, o que viu. Ele quer que todos vejam o
que ele vê: “Eis...”, João diz, o que implica um convite a olhar. João Batista
não chama a atenção para um messias ausente e vindouro, mas para um messias que
está no meio de nós e que não o conhecemos.
Como João Batista, é uma urgência
de nossa fé dar testemunho da salvação de Deus tanto individualmente como
comunitariamente. A vida de cada cristão deve ser tão transparente ética e
moralmente a ponto de ela apontar para Cristo. Ser cristão hoje é ser
testemunha entre os homens que Jesus venceu o pecado em nossa vida, e que nos
fez filhos de Deus. Por nossa vez, nós precisamos adotar os sentimentos e
atitudes de Jesus na vivência dos valores evangélicos do amor, da fraternidade,
da justiça e da solidariedade com os mais necessitados. Esta é a forma mais
eficaz para tirarmos a força do pecado que quer dominar a humanidade. Onde se
pratica o bem, o mal não encontra o espaço. Onde se vive a fraternidade, a
rivalidade e a inimizade perdem sua força. Onde se vive o amor, o ódio e a
vingança se distanciam. Onde a bondade se pratica, a maldade perde sua força
para avançar. Onde se pratica a partilha, o egoísmo e a ganância são eliminados.
Quando os bons não se silenciam, o maus perdem sua voz. O provérbio latino nos
relembra: “Verba movent, exempla trahunt” (As palavras movem, os exemplos
arrastam). Só desta maneira convenceremos o mundo que somos verdadeiros
cristãos, pois vivemos aquilo que Jesus vivia.
P. Vitus Gustama,svd
Nenhum comentário:
Postar um comentário