quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Domingo,12/02/2017
 
"PERFEITA ENGRENAGEM" (Mt 5, 17-37 ou 20-22. 27-28. 33-34, 37).
A BONDADE DO CORAÇÃO SE CONCRETIZA NA BONDADE DA AÇÃO

VI DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”

1ª Leitura - Eclo 15,16-21 (Gr.15-20)

 16 Se quiseres observar os mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás. 17 Diante de ti, Ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. 18 Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir. 19 A sabedoria do Senhor é imensa, ele é forte e poderoso e tudo vê continuamente. 20 Os olhos do Senhor estão voltados para os que o temem. Ele conhece todas as obras do homem. 21 Não mandou a ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar.

2ª Leitura - 1Cor 2, 6-10

Irmãos: 6 Entre os perfeitos nós falamos de sabedoria, não da sabedoria deste mundo nem da sabedoria dos poderosos deste mundo, que, afinal, estão votados à destruição. 7 Falamos, sim, da misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida, que, desde a eternidade, Deus destinou para nossa glória. 8 Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu essa sabedoria. Pois, se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. 9 Mas, como está escrito, 'o que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram nem os ouvidos ouviram nem coração algum jamais pressentiu'. 10 A nós Deus revelou esse mistério através do Espírito. Pois o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus.

Evangelho: Mt 5,17-37

“Não penseis que vim abolir a Lei e os profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir. Em verdade, eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo aconteça. [...] Eu vos digo: Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não cometerás homicídio! Quem cometer homicídio deverá responder no tribunal’. Ora, eu vos digo: todo aquele que tratar seu irmão com raiva deverá responder no tribunal; quem disser ao seu irmão ‘imbecil’ deverá responder perante o sinédrio; quem chamar seu irmão de ‘louco’ poderá ser condenado ao fogo do inferno. Portanto, quando estiveres levando a tua oferenda ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só então, vai apresentar a tua oferenda. Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto ele caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás jogado na prisão. Em verdade, te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo. Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu coração. Se teu olho direito te leva à queda, arranca-o e joga para longe de ti! De fato, é melhor perderes um de teus membros do que todo o corpo ser lançado ao inferno. Se a tua mão direita te leva à queda, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perderes um de teus membros do que todo o corpo ir para o inferno. Foi dito também: ‘Quem despedir sua mulher dê-lhe um atestado de divórcio’. Ora, eu vos digo: todo aquele que despedir sua mulher – fora o caso de união ilícita – faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher que foi despedida comete adultério. Ouvistes também que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’. Ora, eu vos digo: não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o apoio dos seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo. Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno.”
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Continuamos a acompanhar o Sermão da Montanha de Jesus que começamos já nos dois domingos anteriores (Mt 5-7). No Sermão da Montanha percebemos que Jesus Cristo representa uma continuidade: “Não penseis que vim abolir a lei e os profetas, mas para dar-lhes cumprimento”. Esta expressão surgiu como resposta para a questão na comunidade de Mateus nos anos oitenta: Será que somos obrigados a cumprir a Lei de Moises, sendo seguidores de Cristo?  Se Cristo tem a autoridade maior do que a de Moisés, porque Jesus não aboliu, então, a Lei de Moisés? Onde consiste a novidade dos ensinamentos de Jesus? O evangelista Mateus quer dizer à sua comunidade que a missão de Jesus tem como objetivo não abolir o que já foi revelado e sim promulgar definitivamente a vontade de Deus.

Mas, ao mesmo tempo, Jesus Cristo representa uma ruptura com a Lei de Moisés. Por isso, nas antíteses que serão apresentadas encontraremos a seguinte expressão: “Vocês ouviram... Eu, porém, lhes digo”. Nisto a autoridade de Jesus é maior do que a de Moisés. Moisés recebeu a Lei de Deus, mas Jesus promulga a Lei.

Por esta razão Jesus exige: “Eu vos digo: se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus”. O Reino que Jesus anuncia supõe a prática da justiça. A nova justiça anunciada por Jesus não será medida em termos “quantitativos” como observância externa de uns preceitos, mas será medida em virtude da adesão do coração às exigências do Reino. Mas não se trata de uma justiça legal nem formal. Trata-se de uma justiça profunda e de razão profunda. Sempre é mais fácil seguir uma norma a comprometer-se por amor ou a trabalhar por amor. Uma pessoa comete a maior injustiça quando não ama. As outras injustiças são conseqüência da falta de amor. Por isso, a justiça não é questão de números e quantidades, mas de amor.

O inimigo do bom é o melhor. Na Igreja de Cristo não basta ser bom. É preciso ser melhor: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus”. O cristão é aquele sempre faz uma passagem do bom para o melhor diariamente. Cada dia o cristão deve ser melhor do que seu estado anterior.

O que é ser melhor concretamente no contexto do Sermão da Montanha? As antíteses vão nos mostrar do que se trata.

Jesus enumera seis exemplos dessa nova justiça e os apresenta de maneira antitética (Antíteses). Neste dia lemos as quatro primeiras antíteses (Mt 5,21-37).

Viver No Amor Fraterno

Na primeira antítese Jesus nos convida a darmos um passo adiante na fraternidade: Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno” .

Nesta primeira antítese Jesus nos afirma que não basta não matar o irmão fisicamente, importa respeitá-lo, ter consideração para com ele, respeitar sua dignidade e sua honra, não se acha superior a ele, não ficar com raiva com ele, não ignorá-lo, não desprezar o irmão. Não só matar alguém fisicamente, mas pode-se matar com palavras, com um julgamento severo, com uma atitude de desprezo, com difamação, com comentários maldosos, com discriminação, e assim por diante. Pode-se matar o irmão deixando-o de lado, fazendo extinguir-se seu entusiasmo e seus bons projetos, não lhe permitindo expressar-se livremente. Não se pode honrar a Deus se o irmão é desonrado, pois Deus não só está no céu, mas também está em cada irmão que encontramos, especialmente nos pobres, nos pequenos, nos humildes desprezados, naqueles que nós, às vezes, chamamos de cretinos (cf. Mt 25,40.45).

Para Jesus é impossível o culto autêntico a Deus sem amor ao próximo, pois o próximo é a passagem obrigatória para chegar até Deus. Em outras palavras, o culto e a religião devem refletir a vida, e vice-versa. Por isso, Jesus enfatiza a importância da reconciliação fraterna para estar bem com Deus: “Portanto, quando estiveres levando a tua oferenda ao altar e ali te lembrares que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só então, vai apresentar a tua oferenda”. A oferenda que levamos ante o altar carecerá de valor, se nós esquecermos o irmão, se não nos reconciliarmos com o próximo. Não se trata de escrúpulos pessoais, o assunto é objetivo: se um “irmão seu tem alguma coisa contra você” (v.23). Essa é referência, o outro/o irmão. A reconciliação com o irmão implica respeitar os seus direitos e abrir-lhe o nosso coração através de gestos concretos. Mas tampouco devemos ficar nisso; é necessário voltarmos para apresentar a oferenda (v.24). O círculo se fecha. Oração e compromisso são inseparáveis. A Eucaristia exige a criação da fraternidade humana.

A primitiva comunidade cristã exigia, apoiando-se nas palavras do Senhor, estar em paz com os irmãos antes de oferecer o sacrifício. O contrario manchava a ação litúrgica (cf. 1Cor 11,20-23). Já no AT prescrevia que o sacrifício oferecido a Deus devia ser sem mancha nem defeito. Duas vezes o evangelista Mateus põe na boca de Jesus a frase do profeta Oséias: “O amor é que eu quero e não sacrifícios...” (Os 6,6; Mt 9,13; 12,7). Não existe, na realidade, o perigo de nos esquecermos de Deus por amar o próximo. O perigo maior é que pretendemos amar a Deus e nos esquecemos do próximo no qual Deus se identifica, especialmente no necessitado (cf. Mt 25,40.45). Confundimos a mensagem de Jesus com o comportamento religioso corrente, com ser “gente de ordem”em dia com os atos religiosos e não com o amor ao próximo. Não podemos nos esquecer que a palavra “liturgia” se deriva de um verbo grego que significa “servir”.

Jesus associou estreitamente dois mandamentos do amor para pôr em destaque sua identidade radical. Amar a Deus ao próximo constitui um só e único ato. Desconhecer esta realidade essencial pode causar as graves deformações que comprometem o equilíbrio interno da fé em Deus.

Viver Na Fidelidade Matrimonial

Na segunda e terceira antítese Jesus fala do amor conjugal: Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração”.

Jesus precisamente e preciosamente põe em destaque seu desejo e vontade de dignificar a mulher do seu tempo. Entre os judeus a mulher era apenas coisa. Se fosse solteira, ela pertencia aos pais. Se fosse casada, ela era proprietária do marido. A culpa de qualquer traição não era do homem e sim da mulher. O homem podia repudiar ou separar-se de sua mulher por qualquer razão. A mulher não tinha direito de separar-se do homem. Para poder acontecer um culto, devia ter no mínimo dez homens mesmo que tivesse um grande número de mulheres. A mulher não podia ser testemunha nos tribunais.

Jesus sublinha o aspecto moral e não tem em conta aquela velha concepção que fazia da esposa uma propriedade de seu marido. Como dizia São Paulo que em Cristo não há diferença entre judeu e pagão, homem e mulher; as discriminações são superadas em Cristo. Para o cristão, a mulher é considerada como pessoa com que compartilhar um projeto de vida.

Nesta antítese Jesus volta a insistir na limpeza ou na pureza do coração (em seu interior = em seu coração): “... todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração”. O adultério é injustiça contra a família, contra o cônjuge, contra os filhos, contra a comunidade e contra Deus que os uniu. E o desejo de cometê-lo também é injustiça. Enquanto seus contemporâneos preocupam-se com o ato exterior de adultério, Jesus preocupa-se com o ato interior, onde tem início o desrespeito ao mandamento divino e onde inicia a vontade de trair o parceiro de casamento. Por isso, é preciso eliminar o mau desejo com a pureza de coração (uma das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus” – Mt 5,8). O cristão é exortado a olhar para a mulher do próximo (ou o homem do próximo) com pureza de coração, sem se deixar envolver pelo desejo de possuí-la (lo). Só o coração não pervertido pela maldade pode olhar uma mulher (um homem) de maneira respeitosa, sem convertê-la (lo) em objeto de pensamentos maliciosos.

Com estas palavras Jesus convida o cristão a dar um passo adiante no amor. O amor do homem e da mulher não é desejo e busca egoísta da própria satisfação. O amor é querer o bem do amado, é encontro livre e libertador. A atração física sem amor é sinal de alienação e imaturidade profunda, é a negação da liberdade e da dignidade da pessoa, é tentativa de destruir o outro para fazer dele coisa, objeto de desejo ou de ambição.

O amor é o sinal da vida. Quem não ama, está morto. Amar é deixar viver e dar vida ao ouro; não defini-lo, não julgá-lo, não classificá-lo, não deixá-lo nunca por inútil, ter a coragem de esperar sempre do outro algo novo, algo distinto, surpreendente e melhor. Um amor verdadeiro, com raiz na totalidade da pessoa, se insere na corrente única de amor que é Deus, Amor que dá/entrega o Filho: dom total. A família deve viver estas características de amor, que a marcam profundamente e solidificam a unidade. Dom total. Total até dar-se, sacrificar-se completamente.

Viver Na Sinceridade

Na quarta antítese Jesus fala da necessidade da sinceridade na convivência. A palavra “sinceridade” provém do latim sincérus que significa 'puro, sem mistura; leal, franco, verdadeiro'. Ser sincero significa fazer ou falar sem artifício nem intenção de enganar ou de disfarçar o seu pensamento ou sentimento; é aquilo é dito ou feito de modo franco, isento de dissimulação. Uma pessoa sincera é uma pessoa em quem se pode confiar, pois ela é verdadeira, leal e pura de coração, que demonstra afeto e cordialidade para com os demais.

No reino de Deus, na Igreja de Cristo a sinceridade é regra: Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus. Seja o vosso Sim, sim e o vosso não, não. Tudo o que for além disso, vem do Maligno”.       

O juramento se praticava na sociedade pela falta de sinceridade entre os homens. No Reino de Deus, onde a sinceridade é regra, o juramento é supérfluo; além disso, seria sinal de corrupção das relações humanas. A falta de sinceridade nasce da ambição e de um interesse pessoal. Para Jesus, a mentira e o dolo são incompatíveis com o proceder do cristão. Quem recorre a este tipo de procedimento, renega sua adesão ao Senhor.

Outro objetivo da proibição de Jesus sobre o juramento falso é evitar a vulgarização de Deus. O juramento falso infringe o mandamento que proíbe usar em vão do nome de Deus. O sim do cristão é sim e o seu não é não. Não lhe interessa enganar. Tudo quanto é dito fora destes limites não vem de Deus. Por isso, tem de ser evitado. Enganar os outros significa deturpar o sinal da palavra, torná-la sinal de divisão e confusão, em lugar de comunhão, de fraternidade e de limpidez de coração. Ser verdadeiro no falar é uma forma de imitar o modo de ser de Deus. A religião de Israel era toda baseada na Palavra de Deus. Seria impossível imaginar que Deus quisesse se enganar o seu povo. Do mesmo modo, seria inimaginável que o cristão abusasse da boa-fé de seu próximo.

O juramento é um reconhecimento e uma confissão pública da veracidade de Deus. Seu uso somente tem sentido ali onde se supõe um ambiente dominado pela mentira. O AT proibia o perjúrio e obrigava a cumprir as promessas feitas sob juramento. Mas Jesus quer que seus discípulos sejam tão sinceros e verazes ou verdadeiros que não tenham necessidade de recorrer a juramento. O próprio Jesus nunca usou em sua vida o juramento.

Com estas antíteses Jesus nos diz muito claramente que a nova Lei não supõe ou superação da antiga e sim uma superação na linha da interiorização.  Se a antiga Lei proibia e castigava somente a ação externa de homicídio, a Lei de Cristo condena a atitude interior da ira contra o próximo, que é a raiz do homicídio. Se o AT impedia o adultério consumado, o NT impede inclusive os olhares voluptuosos porque revelam a atitude interna em que se origina a ação e é que a faz pecaminosa. Se a lei judaica tolera como um mal menor o divórcio entre marido e mulher, Jesus exorta a retornar ao ideal do matrimonio indissolúvel, não tanto como uma imposição meramente legal e sim como uma exigência do verdadeiro amor entre homem e mulher. Se a Lei de Moisés proibia o perjúrio, o mandamento de Jesus vai mais além e recomenda que não se jure em absoluto, pois o que importa é ir ao fundo do coração e adotar uma atitude de veracidade absoluta, que faça desnecessário recorrer ao testemunho de Deus (jurar significa chamar Deus como testemunha), abusando de Seu nome para corroborar (provar, confirmar) as palavras humanas.

A plenitude da Lei consiste na bondade do coração e na bondade das ações que são interiorização do coração e da bondade de Deus e de seu projeto do Reino que consiste na salvação do homem.

P. Vitus Gustama,svd

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