09/11/2018
SOMOS
TEMPLO DE DEUS
FESTA
DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO
09 de Novembro
Primeira Leitura: 1Cor 3,9c-11.16-17 (ou Ez 47,1-2.8-9.12)
Irmãos, 9c vós sois
construção de Deus. 10 Segundo a graça que Deus me deu, eu coloquei — como
experiente mestre de obra — o alicerce, sobre o qual outros se põem a
construir. Mas cada qual veja bem como está construindo. 11 De fato, ninguém
pode colocar outro alicerce diferente do que está aí, já colocado: Jesus
Cristo. 16 Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus
mora em vós? 17 Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois
o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário.
Evangelho: Jo 2,13-25
13 Estava
próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. 14 No Templo,
encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí
sentados. 15 Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo,
junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos
cambistas. 16 E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não
façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” 17 Seus discípulos
lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me
consumirá”. 18 Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos
mostras para agir assim?” 19 Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em
três dias o levantarei”. 20 Os Judeus disseram: “Quarenta e seis anos
foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três
dias?” 21 Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22 Quando
Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e
acreditaram na Escritura e na palavra dele.
_______________
Novembro é um mês
projetado para a eternidade, porque a liturgia agrupa uma serie de festas que
tem um profundo sentido escatológico.
A Igreja celebra a
solenidade de Todos os santos no dia primeiro do mês para nos relembrar que somos
chamados diariamente à santidade.
Logo no dia 2 de
Novembro a Igreja comemora o Dia de finados e quer nos recordar o sentido
pascal da morte que é trânsito dos que descansam em Cristo e esperam o “lugar”
da luz e da paz.
Também no mês de
Novembro a Igreja celebra as dedicações das basílicas do Salvador/Latrão (9 de
novembro) e as de São Pedro e são Paulo (18 de Novembro). Tudo isso nos faz
pensarmos através da igreja material, tabernáculo de Deus entre os homens, na
Igreja do céu “adornada como uma noiva que sai para receber a esposo”. Esta
recordação quer avivar em nós a vinda do Senhor no fim dos tempos.
Uma Pequena História Da Festa
A Basílica do Latrão é um dos primeiros
templos que os cristãos puderam erguer depois da época das perseguições. Foi
consagrada pelo Papa Silvestre no dia 09/11/324. A festa,
que a princípio era celebrada apenas em Roma, passou a ser festa universal no
rito romano, em honra dessa igreja chamada “Mãe e Cabeça de todas as igrejas de
Roma e de todo o mundo” (Urbis et Orbis) como sinal de amor e de unidade para
com a Cátedra de São Pedro. A história desta Basilica evoca a chegada à fé de
milhares de pessoas que ali receberam o Batismo.
Latrão era um palácio, propriedade romana da
família dos Laterani. Nos inícios do século IV pertencia a Fausta, esposa do
imperador Constantino, que fez a doação desse patrimônio à Igreja. Constantino
mandou construir no lugar do palácio (por volta de 324) uma suntuosa basílica
em honra a Cristo Redentor que se tornou a catedral de Roma e a primeira
basílica patriarcal. No início do século X, sob a gestão do papa Sérgio III
(904-911), ela foi consagrada adicionalmente a São João Batista e a São João
Evangelista, e desde então é conhecida pelo nome de basílica “São João de
Latrão”. Segundo a inscrição, o Papa Clemente XII
(1730-1740), conhecido como um papa promotor das artes e das ciências, mandou
afixar que essa basílica é a “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do
Orbe” (“Mater et Magistra omnium Ecclesiarum”, e “cardo totius urbis
et orbis”).
Nessa basílica foram realizados os cinco
concílios ecumênicos: Concílio de Latrão I, o nono concílio
(1123); Concílio de Latrão II, o décimo concílio (1139); Concílio de Latrão
III, o décimo primeiro concílio (1179); Concílio de Latrão IV, o décimo segundo
concílio (1215); e o Concílio de Latrão V, o décimo oitavo concílio
(1512-1517).
A basílica lateranense ocupa lugar único e
preponderante entre as basílicas romanas. Nessa basílica os papam haviam residido durante quase mil
anos (do tempo de Constantino até o exílio de Avinhão). Depois
da morte do papa Bento XI (1303-1304), o conclave se realizou em Perúgia. O
Colégio Cardinalício dividira-se em duas facções: a francesa e a italiana. O
conclave teve 11 meses de duração. Finalmente foi eleito o candidato dos
franceses, Clemente
V (1305-1314). Com essa eleição iniciava-se o exílio dos papas
em Avinhão, a
partir de 1309, que duraria 70 anos. A partir de 1309 o papa
passou a residir em Avinhão, França. Somente a partir do Papa Gregório XI
(1370-1378: papa francês) começou o retorno para Roma. Gregório XI deixou
Avinhão, acompanhado de 13 cardeais, em 13 de setembro de 1376, ingressando
solenemente em Roma. A partir de Clemente V começou a dominação francesa. Foram
eleitos os papas franceses sucessivamente: João XXII (1316-1334), sucessor de
Clemente V; Bento XII (1334-1342); Clemente VI (1342-1352); Inocêncio VI
(1352-1362); Urbano V (1362-1370). Este papa decidiu o regresso a Roma, porque
também Santa Brígida da Suécia, inclusive Santa Catarina de Siena, solicitara
que o fizesse. Mas por causa da pressão dos cardeais franceses esse regresso
não teve sucesso, embora esse papa chegasse a entrar em Roma, mas voltou novamente
para Avinhão; Gregório XI (1370-1378). Com Gregório XI morreu o último papa
francês a ocupar a cátedra de Pedro.
A festa da consagração da Basílica do Latrão
que celebramos hoje deve nos levar a revivermos e a pensarmos na unidade de
toda a Igreja como Cristo sempre quer: “Que eles sejam um”, assim ele rezou
antes de sua morte (cf. Jo 17). A palavra “igreja” em si significa “assembléia”,
“comunidade”, “Convocação”. Se a comunidade não existe, os
corações se fecham e morrem. Mas a unidade não significa a uniformidade, pois
negaria o dom de cada um e empobreceria a convivência. Por isso, Santo
Agostinho dizia: “No essencial unidade, na dúvida
liberdade, mas em tudo a caridade”. Certamente a autenticidade da
comunhão e da comunidade se manifesta no esforço constante de amar seus irmãos
e irmãs, com enorme fidelidade, sem julgar nem condenar.
O Sentido Do Templo
Evidentemente, o templo é um lugar de
encontro do homem com Deus. o templo é tão antigo como o homem. em todas as
civilizações, em todas as culturas das quais temos notícia, aparece, com toda
certeza, o templo. O homem é um ser sociável e sensível: necessita coletiva e
materialmente ter um lugar para se aproximar de Deus, um lugar no qual seu Deus
receba culto e onde pode pacifica e serenamente falar com Ele.
Os judeus amavam seu templo com verdadeira
devoção. Estavam orgulhosos de seu esplendor e de sua grandeza (Cf. Mc 13,1-2;
Mt 24,1-2; Lc 21,5-6). Era morada tangível e visível de Deus, o lugar onde se
guardava a Arca da Aliança, o lugar em que se sente protegido; sinal concreta
da presença divina.
A grandeza espiritual de Jesus Cristo, seu
amor ao Pai, seu conhecimento de Deus era incompatível totalmente com aquela
alteração substancial do templo. Nesse templo, esplêndido e precioso, não
poderia encontrar-se o Deus que ele conhecia, amava e servia. Era necessário
purificar o templo de seu uso comercial.
São importantes os templos, porém o que
verdadeiramente tem importância são as pessoas que recorrem a eles para
conversar com Deus. O cristianismo não é uma religião de “coisas sagradas” e
sim de “pessoas santas”: “O Templo de Deus é santo; esse templo sois vós” (1Cor
3,16-17). Deus não se manifesta em uns objetos animados (uma pedra, um animal,
uma planta, uma imagem, uma construção etc.). Deus se manifesta no homem Jesus
de Nazaré e nos crentes que constituímos a Igreja: edifício construído por Deus
sobre a pedra angular que é Jesus Cristo. Não se pode pôr outra pedra angular.
Jesus Cristo não é um dado aqrquivado, que pertence à história. Ele continua
sendo a pedra angular e cada um de nós é a pedra viva deste edifício.
Nesta mesma linha de pensamento, vale a pena
recordar que os primeiros cristãos não tinham “templos” e sim que se reuniam em
casas particulares (Cf. At 1,13; 18,7-11; 19,9-10; 20,7-12). Eram eles quem constituíam
a “Igreja”.
O texto do evangelho de hoje é lido em função
da festa mencionada. Esse texto se
encontra na primeira parte do quarto Evangelho que costuma ser chamada de
“Livro dos Sinais” (Jo 2,1-12,50). Chama-se assim porque referem-se aos sete
sinais realizados por Jesus (Jo 2,1-11;4,46b-54;5,1-9;6,1-15;6,16-21;9,1-41;11,1-44).
Estes sinais são reunidos por evangelista do quarto Evangelho na seção que vai
de Jo 2 até Jo 12.
No quarto Evangelho, como já sabemos, não se
fala de milagre (dynamis), fala-se de sinal (semeion). No quarto
evangelho usa-se o termo “sinal”. Chama-se de “sinal” porque o espectador/
leitor é obrigado a mergulhar no mistério do sinal para captar seu significado.
Os sinais são ações simbólicas que impulsionam o espectador/ leitor a buscar,
muito além do episódio concreto, uma realidade mais profunda até a qual aponta
o relato narrado. O sinal leva por si ao conhecimento de realidade superior.
O relato da
“purificação do Templo” (X. Léon-Dufour não aceita o uso desta expressão no
quarto Evangelho, pois segundo ele, a expressão “purificação do Templo” se usa
nos sinóticos e não no quarto Evangelho) ou “substituição do Templo” (Johan
Konings usa o termo “suplantar” em vez de “substituir”) se encontra também nos
evangelhos sinóticos (cf. Mc 11,15-19; Mt 21,10-17; Lc 19,45-48). Mas o quarto
evangelho tem suas próprias acentuações. Os sinóticos colocam este episódio na
última semana da atividade de Jesus. O quarto Evangelho o coloca logo no início
da vida pública de Jesus. Para o quarto evangelho este episódio é um gesto
programático (compare Lc 4,16-30) que, como tal, deve figurar ao princípio da
atividade de Jesus.
O episódio é introduzido mediante a afirmação
sobre a proximidade da festa judaica da páscoa. Esta forma de mencionar a festa
principal dos judeus indica distância e separação entre o objetivo da festa e a
prática atual dos judeus, na época. A páscoa era uma festa de libertação. Ela
evocava o passo da escravidão à libertação (cf. Ex 12,17;13,10). Em tempos de
opressão, o pensamento da libertação se acentuava mais. Ao desviar-se do
próprio objetivo da festa (não é mais uma festa de libertação), surgia
inevitavelmente a idéia de uma nova libertação. E este era o caso em tempos de
Jesus. Além disto, o templo, que é o símbolo e a síntese do sistema religioso,
a partir de agora será “substituído” ou suplantado pela presença de Jesus. Não
é por acaso que este episódio se coloca logo depois do primeiro sinal (Jo
2,1-11) que simboliza as núpcias de Deus com sua comunidade no tempo final. E
desde início de sua atividade Jesus é o “lugar santíssimo” de Deus.
O Que Tem Por Trás Do Gesto De Jesus?
Em primeiro lugar, a Páscoa que era uma festa
familiar e festa de libertação se transforma numa festa da maior exploração. Os
peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais para ser
sacrificados. Eles compram os animais no próprio Templo. E os donos dos animais
são os latifundiários pertencentes à elite religiosa. A Páscoa para eles é o
momento de lucro, pois eles aumentam o preço dos animais exageradamente. E os
peregrinos não têm outra opção a não ser comprar esses animais apesar do preço
alto. A Páscoa não é mais um momento de celebrar e de reviver a libertação, mas
se torna uma festa de exploração. As elites religiosas exploram o povo por meio
do culto. O “deus” do Templo, para estas elites religiosas, é o dinheiro. A
religião se transforma num instrumento que acoberta a injustiça e exploração.
Por isso já não é mais “a casa de meu Pai”, e sim um mercado. Como se vive a religião
hoje em dia?
Em segundo lugar, quem pode comprar os
animais maiores (como boi, ovelhas) são os ricos. Surge aqui outra mentalidade.
O sacrifício se torna como que uma moeda pela qual compra-se de Deus a
salvação. A salvação não mais depende de dois lados simultaneamente (de Deus
que oferece e do homem que corresponde), mas somente do homem que a compra.
Isto quer dizer que quem não for capaz de comprar a salvação, ficará fora dela.
E os pobres e miseráveis?
O que nos chama atenção, no quarto Evangelho,
é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas. Para eles é que
Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de
comércio” (v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos holocaustos (cf.
Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos especialmente pelos
pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com Deus e para
purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44). Os vendedores de pombas são os
que, por dinheiro, oferecem aos pobres a reconciliação com Deus, e representam
os sacerdotes do Templo que fazem comércio com a graça de Deus. Em outras
palavras, a hierarquia sacerdotal explora especificamente os pobres,
oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar favores ou benefícios de Deus. Eles apresentam
Deus como um comerciante, pois convertem a casa de Deus num mercado.
Jesus expulsa os vendedores do Templo. Ele
quer limpar o templo de todo tipo de exploração e de injustiça. A limpeza do
templo é um gesto de profundo simbolismo. O homem deve limpar sempre a morada
de Deus que é ele mesmo de todo tipo de “sujeira” através de uma conversão
contínua todos os dias de sua vida. O culto verdadeiro consiste na mais
profunda união do homem ao divino, na mais pura e incondicional entrega à
vontade de Deus. O culto do cristão é
um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo
não santifica o nosso culto, e sim nosso amor fraterno santifica nosso culto e
a comunidade. Deus habita no próprio
ser humano, e não em edifícios (2Cor 6,16). Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro
do Corpo de Cristo (1Cor 3,16; 6,19). E
as pedras vivas deste edifício espiritual são os que pertencem ao novo povo de
Deus. Devemos amar os nossos semelhantes porque são nossos irmãos; e
devemos reverenciá-los, pois são filhos de Deus e devemos respeitá-los, pois
são templo de Deus. Assim quem desrespeita o ser humano está desrespeitando o
próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de Deus (1Cor
3,16-17; 6,19).
O evangelho deste dia, por isso, nos traz de
volta a consciência de sermos templo de Deus e de respeitar novamente, como
Deus sempre quer, aos outros como habitação de Deus. Além disto, este evangelho
nos leva ao arrependimento de tudo que cometemos em relação à dignidade humana
desrespeitada, que se expressou através de violência moral- verbal e física,
difamação etc. E este arrependimento deve se tornar em conversão sem fim, pois
o homem velho dentro de nós sempre tenta nos levar ao passado pecador.
P. Vitus Gustama,svd
Nenhum comentário:
Postar um comentário