A FÉ
PROFUNDA NOS FAZ ERGUER A CABEÇA EM TODAS AS SITUAÇÕES DA VIDA, POIS DEUS ESTÁ
PRONTO PARA NOS SALVAR
I DOMINFO
DO ADVENTO ANO “C”
I Leitura: Jr 33,14-16
14 “Eis que virão dias,
diz o Senhor, em que farei cumprir a promessa de bens futuros para a casa de
Israel e para a casa de Judá. 15 Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de
Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra. 16 Naqueles
dias, Judá será salvo e Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome
que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa justiça’”.
II Leitura: 1Ts 3,12-4,2
Irmãos: 3,12 O Senhor
vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre
mais, a exemplo do amor que temos por vós. 13 Que assim ele confirme os vossos
corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da
vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos. 4,1 Enfim, meus irmãos,
eis que vos pedimos e exortamos no Senhor Jesus: Aprendestes de nós como deveis
viver para agradar a Deus, e já estais vivendo assim. Fazei progressos ainda
maiores! 2 Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor
Jesus.
Evangelho: Lc 21,25-28.34-36
Naquele tempo, disse
Jesus a seus discípulos: 25 “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na
terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas.
26 Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque
as forças do céu serão abaladas. 27 Então eles verão o Filho do Homem, vindo
numa nuvem com grande poder e glória. 28 Quando estas coisas começarem a
acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está
próxima. 34 Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por
causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de
repente sobre vós; 35 pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os
habitantes de toda a terra. 36 Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a
fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes
em pé diante do Filho do Homem”.
---------------------
I.
Advento
Estamos novamente no Tempo do Advento. O
termo “advento” é cristão, mas de origem profana/pagã, pois significava
chegada, vinda; aniversário de uma chegada, de uma vinda; ou visita oficial de
uma personagem importante no tempo de sua posse. Nos escritos cristãos dos
primeiros séculos (especialmente a partir do século IV) o termo tornou-se termo
clássico para designar a vinda de Cristo.
O tempo do advento tem uma dupla
característica:
É
o tempo de preparação para a solenidade do Natal, em que se recorda a primeira
vinda do Filho de Deus entre os homens. O advento nos lembra a dimensão
histórico-sacramental da salvação. Deus do advento é o Deus da história, o Deus
que veio plenamente para a salvação do homem em Jesus de Nazaré em que se
revela a face do Pai (Jo 14,9). A história é o lugar da realização das
promessas de Deus.
Simultaneamente
é o tempo no qual, através desta recordação, o espírito é conduzido à espera da
segunda vinda de Cristo no final dos tempos. O advento é o tempo litúrgico em
que se evidencia fortemente a dimensão escatológica do mistério cristão.
Estamos em permanente viagem rumo à casa do Pai. Cristo veio na nossa carne,
manifestou-se e revelou-se como ressuscitado, depois da morte, aos apóstolos e
às testemunhas previamente escolhidas por Deus (cf. At 10,40-42) e aparecerá
glorioso no fim dos tempos (At 1,11). Os cristãos, na sua peregrinação terrena,
vivem continuamente a tensão do já da salvação toda realizada em Cristo e o
ainda não da sua realização plena em nós e de sua plena manifestação na volta
gloriosa do Senhor juiz e salvador.
Por esta dupla característica, o tempo do
advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa. O advento
celebra o Deus da esperança (Rm 15,13) e vive a alegre esperança (cf. Rm 8,24s)
com fé. A fé une o homem a Cristo, a esperança abre esta fé para o vasto futuro
de Cristo. A fé transforma a esperança em confiança e certeza; e a esperança
torna a fé ampla e lhe dá a vida.
Dentro desta alegre esperança, os cristãos
são chamados a viver algumas atitudes essenciais à expressão evangélica da
vida: a espera vigilante e jubilosa, a esperança, e a conversão. Os cristãos
podem acreditar em Deus de Jesus Cristo cegamente porque o Deus da revelação é
o Deus da promessa que em Cristo manifestou a sua fidelidade ao homem (cf. 2Cor
1,20). Os cristãos vivem esta espera na vigilância e na alegria. Mas Deus que
entra na história põe em causa o homem, questiona- o. Por isso, o tempo do
advento, sobretudo através da pregação de João Batista, é o convite à conversão
para preparar os caminhos do Senhor e acolher alegremente o Senhor que vem pois
ele só traz a salvação.
Esse significado envolve o lecionário
inteiro.
O
evangelho do PRIMEIRO
DOMINGO DO ADVENTO nos fala da
segunda vinda do senhor e nos exorta à vigilância. Se o Reino dos céus está
próximo, é necessário preparar os caminhos. Este domingo no relembra sobre a
dimensão futura de nossa vida. Vivemos o presente mas sempre com o olhar posto
no Senhor. A nossa vida é uma caminhada rumo à comunhão plena com Deus, nosso
Criador. É necessário que estejamos preparados para acolher o reino que nos é
oferecido todos os dias. Assim estaremos preparados para o encontro derradeiro
com o Nosso Criador, Deus.
Por
isso, o evangelho do SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO contém a pregação da penitência
de João Batista, Precursor do Senhor. O pecado bloqueia o canal da graça para
chegar até nós. O pecado faz o coração fechado diante da graça. Pecar significa
dizer não a Deus. A penitência e a conversão fazem com que o coração esteja
aberto novamente à graça de Deus, e, consequentemente, a graça de Deus não
encontrará nenhum impedimento para entrar no nosso coração.
O
TERCEIRO DOMINGO DO ADVENTO
é conhecido por muitos como o domingo “GAUDETE” (alegra-te!). Se a graça de Deus estiver no nosso
coração, então teremos motivos para ficar alegres. A graça sempre traz a
alegria para nós. Por isso, este domingo nos convida a tomarmos parte na
alegria do advento, pois Deus vem nos salvar (cf. Fl 4,4s). Deus vem para nos
salvar porque com a nossa própria força humana não sairíamos de nossa condição
de pecadores. O mistério de alegria nasce de Deus, é um dom, e por isso não se
compra em nossos mercados nem se encontra em nossas salas de festa. A alegria
brota de dentro e tem sua origem no Espírito Deus. Dois amores, quando
estiverem juntos, são sempre felizes, onde quer que eles estejam. Seria
blasfêmia apresentar Deus como inimigo da vida e da alegria. O homem foi criado
para expandir-se na alegria e é, por isso, chamado por Deus para expandir a
alegria. Um aspecto que logo nos chama a
atenção são os paramentos
róseos usados na missa (embora não seja obrigatório). Estes
paramentos substituem o roxo severo dos domingos anteriores e assinalam a
alegria antecipada do Natal. O evangelho do terceiro domingo do advento nos
coloca diante da figura do Batista.
O
QUARTO DOMINGO DO ADVENTO
nos coloca no mais próximo da preparação para a festa do nascimento do Senhor
ou anuncia a vinda iminente do Messias. Neste domingo aparece a figura de José,
Maria, Isabel. Por isso, os textos próprios da missa são determinados por
aqueles acontecimentos.
- No ano A o evangelho fala do conflito interior de José e da mensagem que o anjo lhe transmite, e segundo a qual ele deve receber Maria.
- Nos ciclos B e C leem-se as perícopes da Anunciação do Senhor (Lc 1,26-38) e da visita de Maria à sua parenta Isabel, onde Maria é proclamada feliz por causa de sua fé e entoa o Magnificat (Lc 1,39-47).---------------------
Neste primeiro Domingo do Advento a liturgia
nos fala da expectativa do retorno do Senhor. Nosso olhar, então, se fixa em
Deus que vem ao nosso encontro.
Na Coleta (oração da entrada, Gelasiano) pedimos ao
Senhor que aviva em seus fiéis o desejo de sair ao encontro de Cristo,
acompanhados pelas boas obras, para que mereçamos o Reino eterno.
Na oração do ofertório
(Veronense), suplicamos ao Senhor para que aceite os bens que recebemos
dele e, através da apresentação do pão e do vinho, conceda que a ação santa que
celebramos possa ser um penhor de salvação para nós.
E na oração depois da Comunhão (recém-escrita, inspirada nos Sacramentais
Veronense e Bergamo): suplicamos ao Senhor para que a celebração dos
sacramentos seja frutífera em nós, com a qual ele nos ensina a descobrir o
valor dos bens eternos e a colocar neles nossos corações.
II.
Sobre As Leituras Deste Primeiro Domingo Do Advento Ano C
Na memória do passado em que Deus se
encarnou, somos convidados a viver o presente com autenticidade cristã e a
levar a sério a nossa vocação de eternidade, pois Ele veio para nos mostrar o
caminho para a eternidade. O cristão é sempre um crente projetado para a
eternidade, mas, ao mesmo tempo, ele deve viver sua responsabilidade todos os
dias como o eleito de Cristo e testemunhar uma vida baseada no Evangelho.
A Primeira Leitura (Jr
33,14-16) quer nos transmitir uma mensagem de esperança de que apesar da
degradação e dos desvios dos homens, Deus é fiel à sua promessa messiânica. O
Messias seria o descendente legítimo da linhagem de Davi, seu filho vivendo com
os homens. A vontade e a disposição de Deus para oferecer sua graça repetidas
vezes, apesar das prevaricações do homem, são permanentes na Bíblia. Deus vive
e desde que criou o homem, Deus vive sempre atento ao homem. Da parte Deus, o
homem nunca será abandonado, pois Deus é como o pai do filho pródigo está
sempre na espera da volta do filho perdido. Deus procura e quer salvar o homem.
Em toda a história da salvação, Deus aparece como fiel cúmplice de suas
promessas. Eles são cumpridos na plenitude dos tempos, quando Cristo, o
Salvador, veio.
Através do Salmo Responsorial (Sl 24) pedimos ao Senhor que nos ensine
Seus caminhos, que nos instrua em Suas sendas, que caminhemos com lealdade,
como o próprio Senhor sempre é fiel a suas promessas para todos nós por amor,
pois o Senhor é bom e reto. Através de Jesus, Deus ensina o caminho aos
pecadores e faz o humilde andar com justiça. Seus caminhos são misericórdia e
lealdade para com aqueles que guardam sua aliança e seus mandamentos.
Podemos entender a mensagem da Segunda Leitura
da Primeira Carta aos Tessalonicenses (1Ts
3,12-4,2) que a vontade de Deus é nossa santificação. Nossa autenticidade
cristã consiste em viver cada dia nossa santidade para que possamos chegar
irrepreensíveis ao julgamento de Deus para possuir seu Reino eternamente. Para
o cristão, não há outra finalidade ou outro propósito para sua vida e atividade
responsável do que servir e amar a Deus com alegria e, portanto, estar sempre
disponível para os outros, como Deus quer. Um vive pelo outro, mas como Deus
quer, à maneira de Cristo. O cristão vive esperando e com os olhos fixos no
futuro, não só no passado. Não é uma espécie de vida passiva ou resignada,
melancólica ou retrógrada, mas em uma tensão alegre e pacífica, aguardando seu
encontro definitivo com Jesus Cristo. O cristão espera não de braços cruzados,
mas vivendo um amor ativo e concreto. Deste modo, o cristão está adiantando o
que vai ser sua existência última e plena.
A carta é dirigida a uma comunidade cristã em
uma situação de diáspora no meio dos pagãos. Corre-se o risco de ser sufocada
pelo ambiente que exerce uma forte pressão. A comunidade existe graças ao amor
de Cristo. O amor e a presença de Cristo no meio da comunidade devem
irradiar-se e manifestar-se no amor recíproco que cria a unidade da comunidade
e está aberto a todos até atingir o seu aspecto mais radical: amar os inimigos
(Mt 5,44).
O próprio são Paulo coloca em prática o que
ele recomenda. A autoridade de seu ministério é animada pelo amor aos irmãos.
Com eles, ele se coloca no caminho da fé. A partir do amor, será mais fácil
entender como agradar a Deus e colaborar na realização de seu plano de
salvação.
A salvação que Cristo trouxe não é totalmente
realizada. É uma realidade em expansão que avança em direção a sua realização
escatológica, para a realização do mundo em Cristo ressuscitado. Assim, a
Igreja de Cristo é, por definição, uma igreja a caminho, chamada para ser enviada
em missão. Somente uma Igreja a caminho ou uma Igreja em saída conforme o Papa
Francisco, pode colocar o mundo na estrada rumo à Casa celeste.
Ser uma Igreja e ser enviado é um dom que comporta
uma responsabilidade. O dinamismo, os imperativos da história, a vinda do
Senhor e a salvação exigem a colaboração do homem. O Deus da promessa exige do
homem a responsabilidade de suas opções. O homem nunca está satisfeito consigo
mesmo, nem com suas conquistas ou realizações. Está sempre em tensão para um
futuro melhor.
Mensagem do Evangelho Lc 21,25-28.34-36
“Levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está
próxima!”
Como os dois outros evangelhos sinóticos (Mt
e Mc), também o evangelho de Lucas encerra a atividade de Jesus em Jerusalém (Lc19,29-21,38),
antes de sua prisão e morte, com o discurso sobre o fim (escatológico) ou
discurso apocalíptico (Lc 21,5-38). Tanto Mateus como Lucas inspiram seu
discurso escatológico/apocalíptico do evangelho de Marcos capítulo 13.
Mas Lucas tem seu próprio estilo, pois seu
evangelho foi escrito depois do ano 70 d.C. Para ele a destruição de Jerusalém
é um fato passado. Por isso, ele distingue claramente a Parusia (Segunda Vinda)
de Jesus dos eventos ligados ao destino de Jerusalém. Além disso, ele leva em
consideração o aspecto histórico e eclesial do discurso dentro do contexto da
história da salvação. No discurso ele projeta a sua visão da história da
salvação em três momentos: primeiro, a destruição de Jerusalém (julgamento
sobre Jerusalém) como o fim de toda uma etapa da história salvífica, mas não é
o sinal da chegada do fim; segundo, tempo da missão da Igreja e terceiro, a
segunda vinda do Filho do Homem (Parusia) que trará a plenitude do Reino de
Deus.
Ao redimensionar a perspectiva escatológica
deste discurso Lucas quer chamar a atenção de dois grupos, seja o dos fanáticos
que esperam com impaciência o fim, seja o dos decepcionados e resignados que
não esperam mais nada pela demora, para a necessidade do empenho presente, no
Tempo da Igreja. Este é o tempo oportuno do testemunho em meio às perseguições
violentas, a confiança e a esperança perseverante na espera da libertação com a
vinda gloriosa do Senhor Ressuscitado, o Filho do Homem. Por isso, Jesus diz: “Quando
estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a
vossa libertação está próxima” (v.28).
“Levantar-se” e “erguer a cabeça” são
características de quem tem fé. Quando ousamos crer no domingo de Páscoa,
porque em nós está a força da ressurreição, não há fracasso que nos faça sentir
perdedores. Os cristãos não podem se
entregar a utopia futurista, perdendo o laço com a realidade histórica e
cotidiana, a realidade do presente embora ela esteja cheia de mentiras,
violências, perturbações absurdas que podem levar a desejar o fim. Se o Senhor
havia vencido a morte, pensa Lucas, a comunidade cristã não está caminhando
rumo à uma utopia anônima, mas o Filho do Homem, que é garantia e primícia da
libertação humana. A nossa esperança, por isso, não será fraudada, pois ela tem
um nome: Jesus Cristo. Por isso, São Paulo diz: ”Se Deus está conosco, quem estará
contra nós? Quem nos separará do amor de Cristo? Em tudo isto somos mais que vencedores,
graças àquele que nos amou” (Rm 8, 31.35.37). Por isso, “tudo
posso naquele que me fortalece” (Fl 4,13).
Lucas convida, assim, a comunidade cristã a
trilhar o caminho da fidelidade e da coragem, o caminho que o próprio Senhor
trilhou, mesmo diante da repressão violenta das estruturas do poder, sinagogas,
e reis, mesmo perante a morte violenta (Lc 21,12). Lucas não fornece
informações sobre o fim, mas refunda a esperança no acontecimento central da
morte e ressurreição de Jesus. Ele convida os cristãos a olharem para a
história para decifrar seus sinais, que fazem pressagiar/prever já agora a
passagem da morte à vida, da escravidão à liberdade, como os primeiros brotos
anunciam após o inverno a boa estação (vv. 29-30).
O que importa para uma comunidade cristã é a
vivacidade de esperança. É a esperança que arranca o homem de uma existência
sem futuro e sem expectativas. A tristeza e o desânimo são um sinal da ausência
de uma verdadeira esperança cristã que no fundo provém de uma falta de fé.
Este discurso, portanto, é o discurso sobre o
Filho do Homem, sobre Jesus, o Senhor Ressuscitado, o Homem fiel até a morte
para dar a todos um futuro novo e diferente, e para afirmar aos cristãos ou
para quem quer que seja que vale a pena lutar pelo que é digno, como o bem, o
amor, a justiça, a solidariedade, a honestidade, a fraternidade, a paz etc.,
pois tudo isto tem a vitória sobre a morte como o ponto final.
Para isso, são necessárias duas atitudes de
esperança que recebem seu dinamismo da meta que é o encontro decisivo com o
Filho do Homem: Vigilância (e conversão) e oração constante.
1. Vigilância
No sentido literal do termo, vigiar significa
renunciar ao sono da noite com o intuito de prolongar o tempo para trabalhar ou
para não ser apanhado de surpresa pelo inimigo. Daí o sentido metafórico:
vigiar significa estar atento e pronto para acolher o Senhor quando vier. Toda
a moral evangélica está fundada na vigilância. O tema da vigilância não é
acidental nos evangelhos, mas sempre intervém nos textos. De certa forma, o
cristão é sinônimo de pessoa vigilante. A vigilância é a qualidade de quem
emprega todo cuidado naquilo que deve ouvir, olhar, pensar, falar e fazer. Para
o cristão, qualquer momento pode-se transformar em momento de graça (kairós).
Ele tem consciência de estar inserido na história da salvação como receptor e
como cooperador da graça. O cristão vigilante vive profundamente imerso na
história da salvação, isto é, no aqui-e-agora, descobrindo tudo o que lhe
oferece e respondendo tudo o que lhe exige o momento presente. O cristão
vigilante não se lamenta perante os momentos espinhosos e sufocantes, mas sabe
decifrar seu sentido para torná-los em oportunidades preciosas. O cristão
vigilante sempre pergunta: “O que é que Deus quer de mim através daquele
acontecimento ou através daquela pessoa”. Ele sempre procura decifrar o sentido
das coisas. Vigilância, por isso, significa acordar para os fatos, despertar do
sono das ilusões para enfrentar a realidade. O vigilante está sempre em contato
com Deus e com a realidade. Ele tem uma intuição do que significa viver,
respirar, ver, reunir-se com as pessoas e degustar o mistério de cada momento.
Se o sentido literal da vigilância aponta
para o ato de renunciar ao sono da noite, isto quer dizer que quando se fala da
vigilância é inevitável falar da renúncia. Renunciar quer dizer optar por
aquilo que tem o valor absoluto ou simplesmente um valor maior que tenho até
então. A renúncia precisa sempre da liberdade interior e ao mesmo tempo pode
levar alguém à liberdade. Ela não permite o relaxamento moral e espiritual. Os
cristãos, por isso, devem sempre tomar cuidado para não relaxar, pervertendo o
testemunho e acabando por assumir os vícios provocados pela sociedade injusta
como a gula, a embriaguez e a preocupação exagerada sobre a vida. Quem precisa
satisfazer toda necessidade imediatamente fica dependente. Acaba determinado
por suas necessidades, e por isso, perde a liberdade.
O julgamento está sempre operando na
história, pois Deus continua nos visitando através de Seu Espírito. Em qualquer
momento Deus bate a nossa porta. Os impulsos com os quais Deus nos chama a
atenção para o que se deve fazer agora são suaves e por isso, precisa-se de
muita vigilância (atenção). Em outras palavras, vigilância significa prestar
atenção àquilo que aflui até nós. Mas, muitas vezes, por causa de nossas
preocupações, acabamos reprimindo essa voz suave. Vigilância no momento
significa estar inteiramente presente, envolver-se por inteiro no momento
presente sem pensar no passado ou já planejar o futuro. Quando não vigiarmos,
vai entrar furtivamente em nós muita coisa que nos desvia de nosso caminho
consciente. Não devemos dar livre acesso a qualquer pensamento ou emoção,
porque eles logo revelariam ser invasores que nos dificultam a vida em nosso
lar interior e querem nos expulsar cada vez mais longe de nosso centro.
Consequentemente, não viveremos nós mesmos mas seremos guiados por forças
inconscientes e não seremos mais os senhores em nossa casa, pois seremos
dominados por insatisfação e amargura, por medo e depressão que tomarão para si
o governo de nossa casa.
Os cristãos devem, portanto, estar sempre de
prontidão, vigiando e praticando a justiça. Somente a sua perseverança na
prática e no anúncio da justiça lhes permitirá ser considerados justos e
inocentes no dia do julgamento.
2. Oração
Além da vigilância, no seguimento de Jesus, a
oração sustenta a caminhada dos cristãos. Ela é a expressão mais viva da fé.
Quem crê, precisa orar e quem ora porque acredita. A oração é a alma da espera,
o vigor espiritual de quem crê, capaz de assumir a lembrança do passado e de
preparar para o futuro. Para tanto, Jesus ilustra o sentido profundo do
advérbio “sempre” e do “não desistir jamais” por meio de uma parábola (cf. Lc
18,1-8). O rezar “sempre” é o programa de quem crê.
A oração exige uma relação em que nós
permitimos ao outro entrar no centro de nossa pessoa, permitimos-lhe falar ali,
permitimos-lhe tocar o núcleo sensitivo de nosso ser e permitimos-lhe ver tudo
o que nós preferiríamos ocultar na escuridão para que ninguém o soubesse.
Ao homem convidado para rezar se pede que
abra seus punhos fechados firmemente cerrados e dê sua última moeda. Se nós não ousamos fazer ao menos uma
pergunta a partir de nossa experiência com todos os nossos apegos, é porque já
nos enrolamos no destino dos fatos. Nós nos sentimos mais seguros apegando-nos
a um triste passado do que confiando em um novo futuro. Por isso, enchemos as
mãos com pequenas moedas pegajosas das quais nunca quereremos nos desfazer.
Por isso, sempre que nós rezamos de verdade,
a nossa oração é eficaz, não porque modificamos Deus, mas porque nos
modificamos. O mais difícil da oração não é tanto saber se Deus nos escuta, mas
conseguirmos que nós O escutemos.
Quando pararmos de rezar, e quando começarmos
a nos impressionar demais os resultados de nosso trabalho, devagar chegaremos à
conclusão errônea de que a vida é um grande placar onde alguém marca os pontos
para medir nosso valor. Então, somos inteligentes porque alguém nos dá nota
alta, úteis porque alguém agradece, dignos de estima porque alguém nos estima e
importantes porque alguém nos considera indispensáveis. Em suma, somos de valor
porque alcançamos sucessos.
Mas de baixo de toda a nossa ênfase na ação
bem sucedida, muitos de nós sofremos de uma arraigada falta de amor-próprio e
com o medo constante de que, algum dia, alguém descubra a ilusão e mostre que
não somos tão espertos, tão bons ou tão estimáveis quanto fizemos o mundo
acreditar que éramos. Esse medo desgastante de que descubram nossas fraquezas
impede a participação comunitária e criativa. E corremos o sério perigo de
ficar isolados, pois a amizade e o amor são impossíveis sem uma vulnerabilidade
mútua.
Levar uma vida cristã significa viver no
mundo sem ser do mundo. É na solidão (oração) que essa liberdade se fortalece.
A vida sem um lugar deserto torna-se facilmente destrutiva. Quando nos apegamos
aos resultados de nossas ações como nosso único meio de identificação pessoal,
tornamo-nos possessivos, ficamos na defensiva e tendemos a ver nossos
semelhantes mais como inimigos a ser mantidos a distância que como amigos com
os quais partilhamos as dádivas da vida.
Na solidão (oração) descobrimos no centro de
nossa personalidade que não somos mais o que conquistamos, mas o que nos é
dado. Na solidão, escutamos a voz daquele que nos falou antes de pronunciarmos
uma palavra, (Sl 139) que nos curou antes de esboçarmos um gesto pedindo ajuda,
que nos libertou muito antes de libertarmos os outros e nos amou muito antes de
darmos amor a alguém. Na solidão(oração), descobrimos que nossa vida não é um
bem a ser defendido, mas uma dádiva a compartilhar.
Quando deixamos de depender deste mundo,
formamos uma comunidade de fé em que há pouco a defender, mas muito a
partilhar. E como comunidade de fé lembramos uns aos outros constantemente que
formamos uma fraternidade dos fracos, compreensível para aquele que nos fala
nos lugares desertos de nossa existência e diz: Não temais, sois aceitos.
Cristo já veio mas nunca deixa de vir a
caminho de nossa casa. O lugar que ele mais ambiciona é um coração convertido,
que tenha a coragem de se “reformar” e de se abrir ao amor, à fraternidade, à
justiça...Só criando espaço para Cristo num coração convertido é que
conseguiremos à meta. Jesus continuamente visita e frequenta o coração daqueles
que sabem crer, esperar e amar. Se na vida jogarmos sementes de egoísmo, de
violência e de orgulho, de arrogância e de prepotência, estes serão nossos
companheiros da viagem e por isso, nunca seremos felizes e nunca faremos
ninguém feliz. Se jogarmos sementes da justiça, do amor, da fraternidade e da
esperança e da fé em Cristo, Cristo será nossa herança feliz e com ele teremos
a experiência da libertação. Importa viver sempre na presença de Cristo. Por
isso,” ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar
de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”
(v.36).
P.
Vitus Gustama,svd
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