quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

II Domingo Do Advento,04/12/2022

A CONVERSÃO NOS PREPARA PARA O ENCONTRO COM O SALVADOR

II DOMINGO DO ADVENTO ANO A

Primeira Leitura: Is 11,1-10

Naqueles dias, 1nascerá uma haste do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor; 2sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e temor de Deus; 3no temor do Senhor encontra ele seu prazer. Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer; 4mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos; fustigará a terra com a força da sua palavra e destruirá o mau com o sopro dos lábios. 5Cingirá a cintura com a correia da justiça e as costas com a faixa da fidelidade. 6O lobo e o cordeiro viverão juntos e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leão comerão juntos e até mesmo uma criança poderá tangê-los. 7A vaca e o urso pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha como o boi; 8a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa; e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente. 9Não haverá danos nem mortes por todo o meu santo monte; a terra estará tão repleta do saber do Senhor quanto as águas que cobrem o mar. 10Naquele dia, a raiz de Jessé se erguerá como um sinal entre os povos; hão de buscá-la as nações, e gloriosa será a sua morada. 

Segunda Leitura: Rm 15, 4-9

Irmãos: 4Tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que, pela nossa constância e pelo conforto espiritual das Escrituras, tenhamos firme esperança. 5O Deus, que dá constância e conforto, vos dê a graça da harmonia e concórdia, uns com os outros, como ensina Cristo Jesus. 6Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz, glorifiqueis o Deus e Pai do Senhor nosso, Jesus Cristo. 7Por isso, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus. 8Pois eu digo: Cristo tornou-se servo dos que praticam a circuncisão, para honrar a veracidade de Deus, confirmando as promessas feitas aos pais. 9Quanto aos pagãos, eles glorificam a Deus, em razão da sua misericórdia, como está escrito: “Por isso, eu vos glorificarei entre os pagãos e cantarei louvores ao vosso nome”. 

Evangelho: Mt 3,1-12

1Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia: 2“Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. 3João foi anunciado pelo profeta Isaías, que disse: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!” 4João usava uma roupa feita de pelos de camelo e um cinturão de couro em torno dos rins; comia gafanhotos e mel do campo. 5Os moradores de Jerusalém, de toda a Judeia e de todos os lugares em volta do rio Jordão vinham ao encontro de João. 6Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 7Quando viu muitos fariseus e saduceus vindo para o batismo, João disse-lhes: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? 8Produzi frutos que provem a vossa conversão. 9Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’, porque eu vos digo: até mesmo destas pedras Deus pode fazer nascer filhos de Abraão. 10O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. 11Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. 12Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga”.

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Um Olhar Geral Sobre a Mensagem Das Leituras Deste Domingo 

Os Evangelhos escolhidos nos três ciclos (A: Mateus; B: Marcos;  C: Lucas) para este segundo Domingo do Advento têm todos o mesmo objetivo: preparar os caminhos do Senhor. Essa advertência de João Batista não deixou de ressoar no mundo e agora chega até nós com seu duplo sentido: preparar a vinda do Senhor no Natal e também preparar a volta de Cristo no último dia para nos julgar. A oração de entrada (Coleta) pode ser entendida de acordo com esse duplo sentido: “...que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho...”. Comparada com as outras orações deste dia e com as leituras, a coleta se refere mais à volta do Senhor nos últimos tempos (Parusia).

Neste segundo domingo do Advento, a liturgia destaca duas figuras eminentes com seus apelos ou exigências: o Profeta Isaías e João Batista. 

Isaías é modelo de homem religioso que, a partir da experiência profunda e intensa com Deus, lhe capacita a interpretar toda a sua vida e a vida da sociedade a partir do olhar de Deus. Sua vocação como profeta começa através desta experiência profunda de Deus.  Através dessa experiência é que Isaías dá resposta: “Aqui estou! Envia-me”. A partir dessa experiência, Isaías percebe todas as circunstancias e tem capacidade de julgar as posições. Isaias percebe que a raiz da injustiça social se encontra no próprio coração do homem e nas estruturas sociais. Por isso, Isaias faz suas duras críticas francamente tanto contra as autoridades, funcionários, juízes e conselheiros (Is 1,22-23; 3,14-15) como também contra a corrupção generalizada na administração da justiça. Por causa da injustiça social e a corrupção generalizada, o culto se transforma em hipocrisia e se torna vazio de sentido que Isaias também critica (Is 1,10-15; 29,13-14). 

Mas o profeta Isaías é o cantor da esperança messiânica. É o Profeta que alerta a consciência do povo e provoca a conversão. Seus oráculos estão cheios de perspectiva de fé e esperança salvadora. O anúncio do Emanuel, o nascimento de um príncipe predestinado, a chegada do rei da justiça e uma era de paz continuam a ser o 'leit motiv' (motivo/fio condutor) do nosso Advento. O Messias descrito por Isaías terá o Espírito de Deus; ele será revestido com o poder do céu (Is 11,1-10). João Batista, o Precursor surge na aurora da redenção. 

Sobre a mensagem da Primeira Leitura de hoje (Is 11,1-10), veja a reflexão da Terça-Feira da Primeira Semana do Advento, sobre o mesmo texto. 

Outra figura importante do Advento, que o evangelho deste Domingo nos apresenta é João Batista. Quando ninguém notou nada do que estava acontecendo, João Batista retirou-se para o deserto e viveu como um eremita. E fala de penitência, de retidão, de pureza. Fala daquele que há de vir. O próprio João Batista se define apenas como "voz", sem zelo de si mesmo e totalmente zeloso de sua missão profética. Por ser um homem de Deus, sua boca diz a verdade a todos: palavras judiciosas e severas para quem acredita ser alguma coisa. E foi preso na cadeia porque feriu os poderosos, e na prisão continua sem pensar em si, mas naquele que anuncia. 

João Batista é conhecido como um profeta que vive conforme a verdade, luta pela verdade e morre em nome da verdade. Sem qualquer outra arma além da verdade de Deus, João Batista perturbava e aterrorizava um rei e as demais autoridades. O preço da verdade vivida é sua vida. Não há nada que possa fazer você ser mais odiado e mais amado do que falar a verdade.

Uma das armas mais poderosas que qualquer cristão deve ter é a arma da verdade, pois o Deus em quem ele acredita é a Verdade: “Eu sou o Caminho, a VERDADE e a vida” (Jo 14,6). A verdade pode machucar momentaneamente, mas a mentira e a falsidade machucam para sempre. É melhor ser machucado pela verdade do que pela mentira e falsidade. O que machuca profundamente não é a verdade e sim a mentira e a falsidade. Quem descuida da verdade nas pequenas coisas, não é confiado nas coisas importantes. Falar a verdade e viver conforme a verdade é um belo ato para qualquer cristão. Porém, a verdade tem que ser dita com caridade, pois o objetivo do cristão não é machucar o outro com a verdade e sim salvar outro mostrando-lhe a verdade. O cristão deve estar sempre do lado da verdade por amor a Deus e ao próximo. Para podermos nos encontrar com Deus que é a Verdade por excelência, temos que viver conforme a verdade e falar a partir da verdade com caridade. A verdade torna qualquer cristão transparente, como disse Buddha: “Três coisas não podem ser escondidas: o sol, a lua e a verdade”. Jamais podemos subestimar quem procura a verdade. Negar a verdade não muda os fatos. Antes de ter fé, procuremos a verdade, pois Deus é a Verdade (Jo 14,6). 

A mensagem do Batista para este domingo é a mesma de Cristo: "Convertei-vos, porque está próximo o reino dos céus". Sua palavra dura e severa é uma exigência para todos. A nossa mediocridade cristã, a nossa fé morna são questionadas.

Os elementos da conversão que encontramos no apelo de João Batista são por uma razão muito real: existe a possibilidade de mais vida, de mais justiça, de mais amor. Todos estes valores e outros semelhantes nos elevam até Deus, ao encontro daquele que vem nos salvar. É isso que significa "o Reino de Deus está próximo". É necessário preparar o caminho do Senhor: almejar a sua vinda, acreditar nesta vinda, remover os obstáculos, trabalhar pelo seu Reino, isto é, trabalhar baseado no bem, na bondade, no amor, na igauldade, na justiça, na honestidade e assim por diante. A austeridade de vida de João Batista é um testemunho de que é preciso levar a sério tudo isto. Por isso, não é suficiente a simples observância ritual externa. Devemos "dar o fruto que a conversão exige". É oportuno cada um perguntar ao Senhor: “Senhor, o que devo fazer?”.        

Converter-se não significa necessariamente que sejamos grandes pecadores e devamos fazer penitência. Converter-se, crer em Jesus Cristo, significa voltar-se a ele, aceitar seus critérios de vida, acolher seu evangelho e sua mentalidade, ir assimilando nas atitudes da vida. A Boa Notícia é nossa conversão, a possibilidade de nosso encontro com o Senhor que vem e nossa convivência fraterna com o próximo.         

Sabemos que faz parte da nossa natureza humana é que nós fechamos nossos olhos diante daquilo que deveríamos ver, sobretudo, diante de nossos próprios pecados ou defeitos.  Enquanto que o primeiro passo para a conversão e para o bom relacionamento com Deus é admitir que somos pecadores, que temos defeitos, que temos “área de aridez” dentro de nós, embora reconheçamos que não há nenhuma coisa no mundo que seja mais duro e mais difícil do que encarar a nós mesmos, os nossos defeitos e fraquezas. Mas temos que estar conscientes de que o fim de arrogância é o início de perdão e da graça de Deus na nossa vida. Não há perdão e relacionamento verdadeiro com Deus e com o próximo sem humildade, abandonando nossa arrogância e autossuficiência que não nos trazem vantagem nenhuma a não ser só a destruição de nossa vida e a vida dos demais. 

O apelo à conversão que João nos faz é para preparar o caminho do Senhor e acolher o Senhor que vem, para o qual devemos dispor o coração na humildade e na abertura a Deus, confiando que Ele nos encontrará suficientemente preparados. Somente Deus pode desmascarar nosso auto-engano e nos arrancar de nossa mentira. 

O primeiro passo na conversão é sentir-se julgado por Deus. O julgamento de Deus, que nos leva à conversão, é o início da nossa justificação. Ora, Deus não nos justifica movendo-nos para realizar atos meramente externos, rituais, mas para dar bons frutos; ou seja, nos impulsiona a multiplicar nossos talentos, a ações frutíferas de doação e entrega, a viver na justiça. Somos justificados se aceitarmos o impulso de Deus de viver na justiça. 

Um Olhar Específico Para O Evangelho Deste Domingo 

Este texto faz parte do complexo literário de Mt 3,1-4,16 que fala da preparação para a missão de Jesus. Entre a infância de Jesus e o começo de sua missão há uma grande distância temporal, pois não sabemos da vida de Jesus depois da sua infância até o início de sua missão. Mas não há distância teológica, porque nos episódios que seguem continua a apresentação de Jesus. A expressão “naquele dia” (Mt 3,1) que é uma fórmula utilizada no AT para indicar a continuidade da história da salvação (cf. Ex 2,11; Dn 10,2), é usada por Mt para unir o relato da infância de Jesus com o começo de sua missão. O evangelista Mt segue nestas passagens o relato de Mc 1,2-13, mas ele o completa com outras informações de outra fonte (fonte “Q”).        

No evangelho deste dia Mt está interessado em explicar o papel de João Batista no começo da missão de Jesus (João está em função de Jesus): “...Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu..”(v.11). João Batista está ligado ao deserto: “aparece João Batista pregado no deserto da Judéia” (Mt 3,1). “Deserto” é o lugar das privações, do despojamento e do encontro com Deus. No Antigo Testamento o deserto é o lugar do encontro com Deus, onde Israel aprendeu a ser fiel ao parceiro da aliança, construindo uma sociedade nova, baseada na justiça e na fraternidade.        

O despojamento de João Batista, condição para a salvação, se enfatiza ainda mais pelo modo de se vestir: “uma roupa feita de pêlos de camelo e um cinturão de couro” (Mt 3,4a) e pelas coisas com as quais se alimenta: “comia gafanhotos e mel do campo” (Mt 3,4b). Seu modo de se vestir e os alimentos que consume são uma maneira de questionar um jeito de viver da sociedade, voltado somente para as coisas, para os bens materiais, para o “ter”, mas com as vidas vazias, sem salvação. A dieta de João (comer gafanhotos e mel silvestre) sublinha sua ruptura com a sociedade injusta, corrupta e hedonista (cf. Os 1;Is 20,1-4;Jr 16,1-4;Ez 3,1;4,1-8;5,1-4;24,15-27). O jeito de viver de João Batista chama todos a uma mudança de valores a fim de vivenciar o essencial: o amor fraterno.         

Mateus resume o anúncio de João Batista nesta frase: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). Usa-se aqui o termo grego “metanoia” (verbo: “metanoéo”) que tem significado: “mudar de mentalidade” que em Mt tem como objetivo um apelo para retornar ao Deus da Aliança incondicionalmente. João Batista convoca o povo à conversão urgente porque “o Reino de Deus está próximo”. A urgência da conversão é enfatizada aqui é porque a vinda de Deus está sempre ligada ao juízo, isto é, a separação do bem do mal, do justo do injusto (cf. Mt 25,31-46). João Batista usa a seguinte expressão: “Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga” (Mt 3,12). Para João Batista a conversão deve ser permanente, pois não há salvação assegurada para ninguém mesmo que seu nome esteja registrado no Povo eleito. Todos são chamados a fazer o bem e viver conforme a justiça e a fraternidade, se não: “O Machado está na raiz das árvores, e toda árvore que não der fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10).         O “machado” era o símbolo da autoridade romana e um meio de execução romana para flagelar e decapitar. Mas na pregação de João, é Deus quem define a ordem aceitável e quem esgrime o “machado” de castigo contra todos. Não bastam ritos externos para acolher o Reino de Deus, requer-se mudança de conduta; requerem-se frutos de cada um. Por isso, depois do uso do plural no v.10a “árvores”, usa-se agora o singular “toda árvore”. O singular “toda árvore” individualiza a advertência. Exige-se de cada um individualmente a mudança radical para não ser “cortado e lançado no fogo”. A forma passiva indica Deus como sujeito. “Fogo” é uma referência profética e apocalíptica ao julgamento (cf. Is 10,15-19; Am 7,4;Ez 38,22;Sf 1,18 etc.). Os que não a fizerem, serão excluídos dele. Nem todos aqueles que pensam ser cristãos fogem do julgamento de Deus.        

O sinal exterior da conversão é a imersão na água. É o rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração. Por isso, o batismo de João Batista significa o arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação à comunidade dos eleitos. João Batista reconhece que a batismo de Jesus é maior que o dele, pois Jesus “batiza com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11c), isto é, o batismo que confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e o torna “filho de Deus”. Tudo isto implica uma incorporação na Igreja, isto é, na comunidade dos que aceitam e vivem de acordo com a proposta trazida por Jesus. Em outras palavras, Mt insiste na diferença entre o batismo de João e o de Jesus: o batismo de João era um rito que expressava a conversão; o de Jesus está selado pelo Espírito Santo e pelo fogo, duas imagens que os primeiros cristãos utilizaram para descrever sua incorporação ativa à missão da Igreja; veja At 2,1-4. O batismo de João era apenas uma preparação para o batismo cristão que tem um caráter definitivo que se expressa nas imagens apocalípticas utilizadas em Mt 3,7.10.12. Através do batismo cristão, os homens ficam consagrados ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo como lemos em Mt 28,16-20.        

Vamos estender um pouco mais nossa meditação sobre alguns pontos deste texto como mensagens para nossa vida cotidiana. 

1. Advento É O Tempo De Acolhermos O Salvador Com Um Coração Limpo        

O Advento é o tempo de conversão, tempo de preparar os caminhos, de endireitar as sendas para que a salvação se aproxime de nós.                  

A terminologia bíblica da conversão é variada. Em hebraico (shub) converter-se significa “retornar, voltar sobre seus passos, desandar o caminho, “regressar” a uma relação fiel com Deus (cf. Dt 30,2.10;Os 3,5;6,1;11,5;Is 31,6;Jr 2,27;3,10.12.14.22;Ez 14,6;18,30.32). Enquanto no grego do NT o termo é “metanoia”, significa mudança interior, mudança de mentalidade, de visão e de critérios. Mas o significado global da conversão na Bíblia é este: mudança interior e exterior, de mentalidade e conduta, de atitudes e atos; um giro de 180 graus para orientar a vida numa direção radicalmente nova para o bem, para Deus e para os irmãos. A conversão, portanto, passa do coração às obras e, consequentemente, à vida inteira do cristão.        

Somente Deus pode desmascarar nosso autoengano e arrancar de nós mentira e todo tipo de falsidade a fim de sermos mais felizes, mais irmãos e mais humanos. A ação que Deus realiza no homem chama-se o juízo, o juízo de Deus. Por isso, o primeiro passo da conversão é sentir-se julgado por Deus. Quando se receber o fogo da ação julgadora de Deus, então, receber-se-á o Espírito Santo.        

O juízo de Deus, que nos leva à conversão, é o início de nossa justificação. O juízo de Deus nos impulsiona à multiplicação de nossos talentos, às ações fecundas de doação e de entrega, a viver na justiça e na fraternidade. Seremos justificados, se aceitarmos o impulso de Deus a viver na justiça e na fraternidade. O homem que se converte a Deus é restituído para a verdade de sua condição humana. Para chegar à verdadeira vida é necessário passar pela conversão. A vida cristã começa quando preferimos cumprir a vontade de Deus antes que a nossa vontade. Um se torna cristão quando encontra a felicidade na realização do plano de Deus.        

Por isso, a conversão é uma mudança radical de mentalidade e de atitudes profundas, que logo se manifestam ou se concretizam em ações novas, em uma vida nova. É abandonar os velhos caminhos e começar o caminho novo: caminho de justiça, de amor e de fraternidade. Precisamos aprender a conviver em vez de competir. Precisamos aprender a viver em vez de consumir, pois o consumismo satisfaz, mas não alegra. Precisamos aprender a sair da velhice espiritual que se manifesta na falta de fé, de amor e de solidariedade. O amor é a vida do espírito.        

A salvação não está em nosso passado ou em nossas origens e sim na nova solidariedade dos que aventuram respondendo aos apelos de Deus pessoal e comunitariamente. Por esta razão, a conversão exigida por João Batista e por Jesus é muito ampla e profunda: a exigência de uma mudança radical e total em relação com Deus, e esta relação com Deus compreende não somente o interior, mas também o exterior, tudo o que é visível na conduta humana (cf. Mt 3,8). A reta relação com Deus deve traduzir-se na correspondente ordenação e conduta reta de toda a vida.        

Nada mais claro para o cristão que sua necessidade constante de conversão. “Constante” porque a conversão não é algo exclusivo de um determinado tempo nem sequer de um tempo litúrgico. A conversão deve ser uma atitude constante do cristão. Qualquer cristão pode encontrar-se diante da possibilidade de ser palha destinada ao fogo. Quem inicia um caminho de fé tem que encontrar-se com esta realidade: viver de fé é ir mudando pouco a pouco nossa maneira de ser de acordo com a maneira de ser de Jesus Cristo. Quem se reconhece pecador descobre que está necessitado de salvação. E quem busca a salvação tem que voltar para Deus. Não há volta a Deus se não mudamos nosso coração, isto é, nosso modo de pensar, de ser e de existir. Uma verdadeira conversão tem que ser projetada necessariamente em obras. Se não há obras de conversão é porque não aconteceu ainda a verdadeira conversão.        

Não é possível acolher “Aquele que vem nos salvar” se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preocupação com os bens materiais. É preciso uma mudança de mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras. É preciso um despojamento de tudo o que rouba espaço para o Senhor que vem nos salvar. Receber Jesus neste Natal significa largar todos os interesses individuais e segui-lo até que não haja mais diferença entre o que penso, amo e faço e o que Jesus pensa, ama e faz.        

2. Deixar-Se Embeber Do Espírito Divino        

Naqueles dias, nascerá uma haste do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor; sobre ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e temor de Deus; no temor do Senhor, encontra ele seu prazer” (Is 11,1-3a). “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11c).        

As palavras do profeta Isaías são uma maravilha de grande altura mística, fruto da experiência profunda de Deus vivo. Estas palavras são a grande promessa. Por isso, o Advento não é um tempo truste, mas é a preparação para uma festa: a chegada de Deus feito homem na nossa história.         

“Nascerá uma haste do tronco de Jessé”, diz o profeta. É uma grande promessa cumprida em Jesus Cristo, pois “Esta haste” é Jesus Cristo, Deus-Conosco; é Aquele que batiza com o Espírito Santo e com fogo. Quando o Espírito sopra com força, até os ossos secos recobram vida. O profeta quer nos dizer que não devemos ficar desesperados. Por muito acabados e velhos que nos sintamos, nos é prometido um batismo de Espírito e de fogo. Quem se deixa embeber deste Espírito, que é fogo, queima tudo o caduco e se abre a uma vida nova. Quem se deixa embeber deste Espírito é tocado pelo mistério divino.        

Deus é a profundidade do ser. Por isso, converter a Deus é converter ao melhor e ao mais profundo de nós mesmos. Deus é amor. Converter a Deus, consequentemente, significa viver em e para o amor. Deus é vida, e por isso, converter a Deus é estarmos cheios de ânimo de viver. Se Deus é alegria infinita, converter a Deus significa gozar da verdadeira felicidade. Se em vez de viver para Deus, que é a fonte de ser e da alegria, nós vivemos para as coisas isto é, o ter sobre o ser, então, nos sentiremos insatisfeitos, cada vez mais vazios, viveremos alienados e escravizados, não seremos felizes. Não temamos porque Deus vem a nós com fogo e Espírito para estarmos cheios de vida. O Advento deve ser, por isso, tempo de docilidade e abertura ao Espírito de Deus.         

Para nos embebermos do Espírito de Deus necessitamos orar. Na oração podemos penetrar nas “regiões” onde Deus habita. Nela construiremos nossa verdadeira vida de paz, de alegria, de amor, de luta sejam quais forem as circunstâncias em que nos encontramos. Para o cristão, orar significa penetrar no espaço de Deus, um Deus próximo, que está em nosso interior mais íntimo que nós mesmos, que está interessado em nossa vida e em nossos problemas. Orar é submergirmos na fonte da vida e da alegria, é recuperar sempre a paz. 

3. Somos Chamados A Ser “Árvores Frutuosas” (Frutíferas)        

O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10; veja vv. 8.12).           

A imagem de conversão mais proeminente de Mateus, no evangelho deste dia, é tirada do cenário agrícola da Palestina. Numa terra deserta agreste, possuir árvores e plantas que produzam colheita abundante e sadia é essencial para a sobrevivência. O próprio AT fala da fertilidade da terra, das plantas, dos animais e das pessoas, mas de vez em quando também usa a palavra “fruto” metaforicamente para os resultados das ações das pessoas (Cf. Pr 1,31;11,30; Is 3,10; Jr 32,19;Os 10,13).        

Mateus transforma essa noção num conceito ético sobre viver a vida correta, segundo a vontade de Deus para fugir da ira escatológica de Deus (vv.7-10). Para Mateus os efeitos da conversão de uma pessoa na vida devem dar amplas provas de estarem de acordo com a vida correta que Deus deseja. O nosso comportamento ético é o exemplo concreto do fato de nossa vida refletir ou não a vontade de Deus.        

Toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo”, disse Jesus (Mt 3,10). Por que árvore? Árvore é um tema muito rico e difundido. Árvore põe igualmente em comunicação os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas raízes sempre a explorar as profundezas onde se enterram; a superfície da terra, através de seu tronco e de seus galhos inferiores; e as alturas, através de seus galhos superiores e de seu cimo, atraídos pela luz do céu. A árvore tem, à semelhança do homem, uma figura vertical que aponta para o céu. Seu curso anual. O seu visível estar morta e renascer, sua riqueza de folhas, flores e frutos e novamente seu retorno à aparente infertilidade oferecem muitas analogias para com o viver e morrer, florescer e dar fruto ou a recusa de frutos por parte do homem.  Profundamente enraizada na terra, a árvore atinge uma altura que ultrapassa a altura de todos os seres vivos, o que leva à ideia da árvore do mundo que liga entre si o céu e a terra. Isto quer nos dizer que para sermos divinos devemos ser muito humanos, enraizados na nossa humanidade. Podemos dizer que o caminho de subida passa, paradoxalmente, pelo caminho de descida. Para sermos fraternos precisamos ser muito humanos.        

Árvore é um dos substantivos mais frequentes da Bíblia. A árvore é muitas vezes símbolo de longevidade, de força etc. (Is 2,13; 10,33s;65,22; Ez 17,22 etc.). O justo na Bíblia costuma ser comparado a uma árvore frutífera (Jr 17,8; Sl 1,3; Mt 3,10;7,17;12,33). Os que ensinam erros são comparados, no Novo Testamento com “árvores que no fim do outono não dão o seu fruto, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz” (Judas 12). 

Que tipo de árvore sou eu? Sou árvore que dá frutos ou sou uma árvore infértil? Por acaso Jesus vai encontrar algum fruto em mim para eu não ser queimado eternamente?

P. Vitus Gustama,SVD

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