terça-feira, 22 de março de 2016






SÁBADO SANTO


Segundo o Missal Romano, a Vigília Pascal é “mãe de todas as noites” e celebra o acontecimento fundamental, o cume da história da salvação que é a Ressurreição do Senhor. A noite pascal, em seu verdadeiro sentido, é a festa nupcial da Igreja. Todas as imagens de núpcias e bodas, cheias de promessas, que nos acompanham ao longo da liturgia anual, alcançam hoje toda a sua plenitude e nela está a origem delas. A solenidade desta noite começou na sepultura. Mas agora sabemos que o sepulcro está vazio; apareceu o anjo para anunciar a ressurreição do Senhor. Por essa razão, a Semana Santa sem a celebração pascal é algo mutilado e quase sem sentido e pode conduzir a um cristianismo equivocado. Seria ficar-se apenas na dor e morte, se Jesus não ressuscitasse e quando Ele não trouxesse a vida e a renovação para a humanidade (cf. 1Cor 15,12-19).


Páscoa É O Caminho Para A Vida Plena


O mistério Pascal, que é a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Senhor, é o coração de nossa fé; é a alma de todas as celebrações litúrgicas e de todos os sacramentos e sacramentais. Sem o mistério pascal qualquer celebração litúrgica, qualquer sacramento não teria sentido. O mistério pascal é tão coração para a fé a ponto de a Igreja necessitar de 40 dias para prepara-lo (Quaresma) e de 50 dias para celebrá-lo (Tempo pascal).


Em todas as celebrações celebramos a ressurreição do Senhor e antecipadamente, nossa própria ressurreição. Que a partir da ressurreição a vida continua e não termina com a morte. Jesus ressuscitado nos garante esta verdade. A Igreja sempre acredita na imortalidade da alma. Por isso, no Credo professamos: “Creio na comunhão dos santosCreio na ressurreição da carne... Creio na vida eterna”. Este Credo se baseia sobre a ressurreição de Jesus. Até São Paulo chegou a dizer que se Cristo não ressuscitasse, seria vã a nossa pregação e seria vã também a nossa fé (cf. 1Cor 15,14). A ressurreição do Senhor vem nos dizer que o homem não nasce para morrer, mas nasce para ressuscitar, para viver. A vida não pertence à morte e sim a morte pertence à vida. Por isso, um cristão nunca morre, e sim ele nasce duas vezes: nasceu do ventre materno pela primeira vez e nasce para a vida eterna pela segunda vez. A morte é considerada como uma passagem para a vida. O destino do homem, então, não é o cemitério. Não estamos caminhando para o cemitério e sim para a comunhão plena com o nosso Criador que nos ama (Jo 3,16).


Se o nosso destino não é o cemitério, e sim a união plena com o nosso Criador, então o que devemos fazer para alcançar esta comunhão? Para responder a esta pergunta, devemos responder antes uma outra pergunta: Quem é Deus para nós?


Na revelação cristã Deus em quem acreditamos é amor (1Jo 4,8.16). Isto quer nos dizer que quem ama, ele é de Deus. E quem não ama, não é de Deus. Por isso, ateu ou crente não se define a partir da pertença religiosa, e sim a partir da capacidade de amar. Ateu não é aquele que não tem religião e sim aquele que não ama, pois Deus é amor. O homem morre não quando deixar de viver, mas quando deixar de amar. Onde está o amor está Deus. Onde existe o amor, está o cristianismo, embora se trate de ateísmo. Onde não existe amor, não existe cristianismo.


Mas quando se trata de amor, trata-se de amor ágape a exemplo de Cristo que se doa e se entrega até o fim (cf. Jo 13,1) para salvar a humanidade. “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).  São Paulo diz aos Corinthians: “Eu posso até fazer milagres, profecias, dominar muitas línguas até a língua dos anjos, conhecer todos os mistérios e toda a ciência, ter fé, mas sem caridade sou nada.” E acrescenta: “Permanecem estas três: a fé, a esperança e o amor. Mas a maior delas é o amor” (cf. 1 Cor 13,1-13). Amor é o resumo da vida eterna. Seremos julgados sobre o amor. Se um dia formos condenados, não será por termos amado demais, mas por termos amado de menos. Por isso, as nossas reflexões de cada dia devem ser feitas em torno da caridade. E os nossos atos, palavras e pensamentos devem ser sempre orientados para a caridade. Fora da caridade, não existe Deus.


Na espera do cumprimento desta união, vivamos sobre a face da terra com muita fé. A fé é ter confiança em Deus apesar das próprias dúvidas e interrogações. A fé é ter a coragem de agir apesar dos próprios medos. A fé é saber esperar no amanhã apesar do sofrimento de hoje. Aquele que tem certeza de que o sol vai aparecer, não tem medo de atravessar a noite escura, pois o sol é sempre fiel. Crer em Deus é ter consciência de que há alguém que nos envolve, nos abraça de todos os lados e nos ama. Ele nos conhece no melhor de nós mesmos, lá no fundo de nosso coração, lá onde nem uma pessoa amada pode penetrar. Ele conhece o segredo de todos os mistérios e a direção de todos os caminhos. Este Deus em quem creio está comigo (cf. Mt 28,20). Ele existe para mim e eu existo para Ele e diante dele. Crer em Deus significa que existe uma última ternura, um derradeiro seio, um útero infinito no qual posso me refugiar e no qual posso encontrar a paz eternamente. Quanto mais se mergulha no mistério da vida, mais se descobre o mistério do homem e o mistério de Deus.


Cada um de nós é convidado a viver sua existência cotidiana como um mistério a ser descoberto e não apenas como um problema para ser resolvido. Quanto mais se mergulha no mistério da vida, mais se descobre o mistério do homem e o mistério de Deus.  Felizes os que, por graça de Deus podem responder do fundo do coração que acreditam em Deus da vida e traduzem isto no amor ao próximo.


A Páscoa é a grande festa cristã, pois Jesus ressuscitou e nos deu a nova vida, a nova esperança de viver com sentido, e para o homem de hoje que está carente da alegria e da esperança encontra a fonte de sua vida em Jesus Ressuscitado. A partir de tudo isto, resta-nos uma coisa a fazer: obedecer ao encargo do anjo para anunciar a ressurreição aos que a buscam, aos que dela duvidam, aos que nela não crêem. Para todos precisamos dizer com São Paulo: “Se, pois, ressuscitastes com Cristo, procurais as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensais nas coisas do alto, e não nas coisas da terra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus: quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então, vós também com ele sereis manifestados em glória”(Cl 3,1-4). 


Ser Aroma Para Os Outros E Para O Outro

A noite da Vigília Pascal é a noite central da comunidade cristã. É noite de vela diante do trânsito do mundo velho ao novo, da escravidão à liberdade, do desespero à esperança e da morte à vida, pois Cristo ressuscitou e nos dá esperança para o futuro de Deus que é nosso também.

São Lucas nos diz que o novo dia começa com os “aromas” levados pelas mulheres no amanhecer do dia com prontidão e esperança (cf. Lc 24,1). Por isso, o novo dia para nós começa quando sairmos de nós mesmos ao encontro dos outros e do Outro com os aromas do afeto, do encontro gratuito, da busca profunda do sentido da vida que consiste no amor vivido, pois só no amor encontramos o sentido da vida. A busca dos viventes e de Cristo vivo exige companhia compartilhada (comer o mesmo pão = companheiro), caminho empreendido, mãos cheias de caridade e esperança ativa.

O Ressuscitado Nos Abre O Futuro Escatológico

A liturgia da Vigília Pascal nos oferece também uma visão global do passo e do itinerário da Criação até a Nova Criação. Cristo é o primeiro fruto da Nova Criação, porque Sua vida culmina com a Ressurreição e glorificação pelo Pai. A Vigília Pascal nos apresenta, então, umas perspectivas da História da Salvação desde a criação do mundo até sua plenitude. Com a Encarnação e a Ressurreição de Jesus Cristo o mundo sofre uma revolução, mas, por sua vez, a partir dessa revolução, o mundo é capacitado a participar da plenitude e soberania de Jesus Cristo com uma nova e melhor forma de existência. A Ressurreição de Jesus dá vida ao mundo. O escândalo da cruz resulta em fonte de vida. Com a Ressurreição de Jesus se abre o futuro escatológico, isto é, a plenitude e perfeição de paz, de bem, de amor, de vida, de justiça que serão o Reino de Deus já realizado. Mas através da vivência destes valores neste mundo começamos já a viver o Reino de Deus como início e em crescimento e que chegará um dia ao término definitivo e perfeito. Em outras palavras, a partir da Ressurreição de Jesus a vida humana tem futuro e por isso tem sentido. Se a vida humana tem seu fim (sentido), todos os nossos comportamentos ou o nosso modo de viver têm um peso para este fim. Conseqüentemente, jamais brinquemos com os nossos comportamentos ou com o nosso modo de viver. Podemos ganhar o céu dentro de um minuto (cf. Lc 23,42-43), como podemos perdê-lo dentro de um minuto.

A Partir Da Ressurreição Somos Convocados A Ser Uma Novidade E Uma Nova Presença No Mundo

Por Jesus Ressuscitado ser o primeiro fruto da Nova Criação pela sua ressurreição, somos chamados a acreditar n’Ele. A fé em Jesus Cristo Ressuscitado nos configura em um povo convocado por Deus para fazer presente no mundo uma novidade de vida, pois somos um povo com um futuro certo. Quando há uma caridade discreta, forte e generosa sem medida, quando há um respeito sagrado por cada pessoa como a imagem de Deus neste mundo, quando há um trabalho perseverante por uma sociedade mais justa onde há umas relações de sinceridade e confiança que geram a paz, quando há uma atenção preferencial para os necessitados, quando há uma esperança certa de vida diante dos sinais de dor e de morte, aí há uma Vida Nova. Aí há Alguém. É a presença do Ressuscitado: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Não se busca entre os mortos Aquele que está vivo. Assim como Cristo é uma ausência quando adoramos aos ídolos, assim também Cristo é uma presença quando no próximo mais necessitado descobrimos o Senhor. Precisamos estar conscientes sempre de que Cristo crucificado ressuscitou e está vivo e vive entre nós (cf. Mt 28,20; 18,20; 25,39. 45).

Reflitamos as palavras de Madre Teresa de Calcutá: “A Obra é nossa única maneira de exprimir a Deus nosso amor. É preciso que nosso amor se derrame em alguém. E as pessoas nos ensejam exprimir o nosso amor a Deus. Só no céu saberemos que dívida temos para com os pobres, pois por causa deles pudemos prestar a Deus um maior amor. Cristo não nos perguntará quantas coisas houvermos feito, mas quanto amor houvermos posto em nossos atos”.

Precisamos nos conformar com a vida de Cristo para que como ele e com ele também nós ressuscitaremos. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando meu coração de pedra se transforma em coração cheio de amor e de compreensão. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando eu sou capaz de perdoar. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando ninguém nem nada podem tirar de mim a alegria por ter encontrado o sentido da vida em Jesus Ressuscitado que abre para mim o futuro de Deus. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando encaro a violência e todo tipo de agressão com a paz e o diálogo. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando sinto grande amor a todos os irmãos independentemente de sua crença e ideologia. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando vejo no pobre necessitado o rosto do meu Senhor, como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Por não podermos ver a Cristo, não podemos exprimir-lhe o nosso amor; mas o nosso próximo, nós o vemos e podemos fazer por ele aquilo que gostaríamos de fazer por Cristo, se fosse visível”.

Páscoa É Uma Saída

Ressurreição é saída do túmulo para uma vida plena.  Páscoa é a saída rápida. É sair para encontrar os outros. Se permanecermos fechados, trancados dentro de nós mesmos, vamos morrer. Páscoa é reencontro com a vida. Somente sabe viver, encontrando a vida, aquele que ama. Jesus morreu e ressuscitou porque nos ama verdadeiramente.

Amar é sair de si para encontrar o outro. É dialogar. É estender a mão. É abraçar para fazer as pazes. É doar a vida, o coração e a felicidade aos outros.

A Páscoa é tempo de sair do túmulo, da escuridão, da falta de fé e confiança nas Palavras de Cristo. É sair das trevas da consciência adormecida, do coração sonolento, cheio de ódio, de raiva, de mágoa, de ganância e do egoísmo. Precisamos sair do túmulo de nosso coração trancado. Precisamos sair do túmulo de derrotismo para ver a luz que brilha nos rostos daqueles que vencem a si mesmos e procuram seguir os caminhos de Cristo.

Celebrar a Páscoa é afirmar: “Não sou mais aquele homem do túmulo, intransigente, morto, insuportável, nervoso. Agora uma nova luz entrou em mim e renasci, por isso. Quero remover aquela pedra que me está impedindo de ser comunicativo, caridoso; a pedra que me impede de pedir e de dar o perdão”.

Por tudo isso, é bom verificarmos nosso modo de viver para saber se realmente Cristo ressuscitou ou não na nossa vida. Jesus Cristo ressuscitou em mim, na minha família, no meu trabalho?


P. Vitus Gustama,svd

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