sexta-feira, 24 de junho de 2016

Domingo,26/06/2016






SEGUIR JESUS ATÉ A PÁSCOA INCONDICIONALMENTE


XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM


Primeira Leitura: 1Rs 19,16b.19-21


Naqueles dias, disse o Senhor a Elias: 16b vai e unge a Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meula, como profeta em teu lugar. 19 Elias partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Safat, lavrando a terra com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última. Elias, ao passar perto de Eliseu, lançou sobre ele o seu manto. 20 Então Eliseu deixou os bois e correu atrás de Elias, dizendo: “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei”. Elias respondeu: “Vai e volta! Pois o que te fiz eu?” 21 Ele retirou-se, tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente. Depois levantou-se, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço.


Segunda Leitura: Gl 5,1.13-18


Irmãos: 1 É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai pois firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão. 13 Sim, irmãos, fostes chamados para a liberdade. Porém, não façais dessa liberdade um pretexto para servirdes à carne. Pelo contrário, fazei-vos escravos uns dos outros, pela caridade. 14 Com efeito, toda a Lei se resume neste único mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. 15 Mas, se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado para não serdes consumidos uns pelos outros. 16 Eu vos ordeno: Procedei segundo o Espírito. Assim, não satisfareis aos desejos da carne. 17 Pois a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito tem desejos contra a carne. Há uma oposição entre carne e espírito, de modo que nem sempre fazeis o que gostaríeis de fazer. 18 Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei.


Evangelho: Lc 9,51-62


51 Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém 52 e enviou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram num povoado de samaritanos, para preparar hospedagem para Jesus. 53 Mas os samaritanos não o receberam, pois Jesus dava a impressão de que ia a Jerusalém. 54 Vendo isso, os discípulos Tiago e João disseram: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?” 55 Jesus, porém, voltou-se e repreendeu-os. 56 E partiram para outro povoado. 57 Enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: “Eu te seguirei para onde quer que fores”.  58 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. 59 Jesus disse a outro: “Segue-me”.  Este respondeu: “Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai”. 60 Jesus respondeu: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus”. 61 Um outro ainda lhe disse: “Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares”. 62 Jesus, porém, respondeu-lhe: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus”.
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A partir do texto lido neste dia, Jesus começa sua viagem para Jerusalém (Lc 9,51-19,28). Depois de ter descrito quem é Jesus e qual é sua obra, na segunda parte do seu evangelho, Lucas apresenta Jesus no longo caminhar que terminará em Jerusalém onde ele será crucificada e morto e culminará em sua chegada ao céu.


Ao falar da viagem de Jesus para Jerusalém, Lucas não se preocupa com a precisão geográfica. Ele se preocupa muito mais com a meta desta viagem que é Jerusalém e o significado desta viagem do que a precisão geográfica. Trata-se de um caminho geográfico-teológico. Para Lucas, a Páscoa de Jesus não foi questão de uns dias finais. Para Lucas, a Páscoa de Jesus começa a realizar-se neste caminhar para a meta. Por isso, é um caminho pascal. Do ponto de vista eclesial, este caminhar é um relato eminentemente catequético e parenético em que oferece várias perspectivas da moral cristã como condição para caminhar com Jesus, compartilhando seu caminho pascal. Para o evangelista Lucas a moral cristã tem caráter cristológico, pois é compartilhar o caminho de Jesus para a sua ascensão, e pascal, pois é começar a morrer para ressuscitar com Jesus.  Por isso, antes de chegar à meta final, Jesus anda de cidade a cidade sem repetir o caminho, ensinando. Trata-se de uma seção que fala da Lição do Caminho.


Tudo isso quer nos dizer que toda esta seção está dominada pela perspectiva da páscoa, compreendida sob a luz do Messias sofredor e pela interesse de Jesus em preparar seus discípulos para a missão. Precisamente por isso, estão muito presentes as exigências do seguimento na vida cotidiana. Assim, este caminho até Jerusalém, que na época do evangelista servia como iniciação para o caminho cristão (At 9,2;18,25s;19,9.23;22,4;24,14-22), é também uma instrução catecumenal dirigida aos crentes de todos os tempos. A utilização da comparação do caminho permite descobrir a existência do crente e a vida da comunidade como uma experiência dinâmica e progressiva. Para conhecer Jesus é preciso caminhar atrás de Jesus e com Jesus. Os cristãos são chamados a fazer sempre um passo adiante com Cristo. Eles devem estar sempre a caminho, como o próprio Jesus. Somente caminhando é que podemos descobrir e encontrar novidades e surpresas da vida. Caminhar é também o momento de aprendizagem.


Por isso, esta seção da viagem a Jerusalém representa o núcleo central do evangelho de Lucas. O itinerário de Jesus até Jerusalém, cidade santa, recapitula o caminho de Israel no Antigo Testamento. Além disto, para Lucas Jerusalém representa a última etapa da missão de Jesus onde os acontecimentos pascais serão levados a cabo que desembocarão na salvação. E a missão da Igreja, certamente, partirá de onde a missão de Jesus termina: Jerusalém (At 1,8).


Vamos aprofundar alguns pontos do texto do evangelho de hoje para nossa reflexão!


Jesus Leva a Cabo Sua Missão Como Salvador


Lemos no v. 51 como introdução: “Quando se completaram os dias de sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém...”(v.51).


Aparecem aqui alguns temas joaninos: o cumprimento dos tempos (cf. Jo 13,1), o “arrebatamento”/ascensão do mundo (João usa o termo “glorificação”: Jo 7,39; 12,16.22; 13,31,32; cf. Jo 12,32), e a vontade deliberada de Jesus de ir até o fim de seu destino: Jerusalém (Lc usa o termo “resolutamente”; cf. Jo 18,4;19,11).


Neste versículo encontra-se a chave do conjunto da passagem onde se sublinha claramente o mistério pascal de Jesus: morte e ressurreição do Senhor. Estamos, por isso, perto do cumprimento do plano de Deus que inaugura uma nova etapa da história de salvação. Trata-se da partida (ascensão, arrebatamento) de Jesus ao Pai. Através do termo “partida” ou “ascensão/arrebatamento” entende-se que se fala seguramente da morte e ressurreição de Jesus, o conjunto do mistério pascal. “Arrebatamento” é um termo que a tradição bíblica do AT emprega em relação ao arrebatamento de Elias ao céu (cf. 2Rs 2,11). Lucas relaciona, então, a morte de Jesus com a tradição do arrebatamento de Elias.


O caminho que Jesus trilha e que toma com uma vontade resoluta é o caminho da salvação. Ele fala da paixão e morte, mas termina com a afirmação sobre a ressurreição, como lemos no evangelho do domingo anterior nos anúncios da paixão. Ele mostra a vitória final apesar das dificuldades que devem-se superar. A vitória esperada cria força para atingi-la. Como se ele quisesse nos dizer: “Não tenham medo das dificuldades, vocês vão sair delas, pois estou com vocês e estou com o troféu na mão para lhes entregar lá no final da caminhanda. Sejam perseverantes! Não desistam no meio do caminho. Vocês têm força suficiente para chegar à meta. Como eu, que tomei resolutamente o caminho de Jerusalém, me arrebatei, assim acontecerá também com vocês”. Ele mostra a vitória final, logo no início, para que possamos encarar os problemas e os sofrimentos encontrados no caminho rumo à vitória.


2. Exortação de Jesus sobre o perigo da violência e o convite a sermos irmãos (vv.52-56)


O caminho natural  e mais curto dos peregrinos galileus para irem a Jerusalém era através da região dos samaritanos. Neste texto os samaritanos recusam a hospedagem para Jesus nessa região porque está a caminho do detestado Templo de Jerusalém (v.53). Esta é a segunda vez que Jesus é mal recebido neste evangelho. A primeira foi em sua terra natal (Lc 4,16-30). Em Jo 4,9 a samaritana nega até a água para Jesus beber. Mas precisamos saber muito além disto, lá no fundo histórico dos dois povos, as razões desta recusa. Quem eram os samaritanos?


Samaria era habitada por uma população que em sua origem não era judaica em sentido estrito. Desde a época da invasão dos assírios em 722 a.C (cf. 2Rs 17,24) foram instalados nessa região migrantes não- judeus, de modo que as raças haviam-se misturado. Por essa mistura, os judeus consideravam os samaritanos como um povo impuro. Embora assumissem a religião javista, viviam separados dos judeus e cultuavam a Deus no Monte Garizim. Os samaritanos consideravam-se verdadeiros israelitas, pois eram fiéis à Lei e tinham seu próprio templo no monte Garizim. A samaritana fala até de “nosso pai Jacó” (Jo 4,12).


O ódio entre os judeus e os samaritanos ficou cada vez mais crescente porque no ano 128 a.C o judeu João Hircano (134-104 a .C), que apoderou-se de Siquém, capital de Samaria, destruiu o templo samaritano do monte Garizim. Herodes, o Grande, o restaurou no ano 30 a.C e casou-se com uma samaritana. No ano 6 d.C, sob o procurador Copônio (6-9 d. C), os samaritanos, que quiseram vingar-se contra os judeus, profanaram gravemente o Templo de Jerusalém jogando nele, de noite, ossos humanos, exatamente num dia de Páscoa. Como se sabe para os judeus, o simples pisar sobre um túmulo tornava a pessoa impura, como tocar num morto. Dá para imaginar a fúria dos judeus contra os samaritanos por esse acontecimento. Com isto o ódio entre as duas nações se tornou cada vez maior e profundo. Por esta e tantas razões os judeus não consideravam nenhum samaritano como próximo. Para os judeus, eles eram piores que pagãos, de acordo com o ditado judaico: “Aquele que come pão de um samaritano, come carne de porco” (compare Jo 8,48: Jesus é chamado de samaritano). Além disto, era uma grande ofensa chamar outro judeu de “samaritano”.


Mas é interessante observar que Jesus propõe os samaritanos como “modelos” para os judeus: como protótipo de amor ao próximo e, em síntese, do amor a Deus. É um amor que ultrapassa ou sobrepõe ao ódio nacionalista de raízes tão antigas (cf. Lc 10,25-37 sobre o Bom Samaritano que será lido no 15º Domingo do Tempo Comum “C”).


Mas será que “os samaritanos” e “os judeus” já morreram? Quem são os samaritanos hoje? Será que temos entre nós o ódio racial e nacional? Será que entre nós há guerra fria entre os grupos, até dentro da própria Igreja/comunidade? Será que estamos ressuscitando o ódio que foi enterrado por Cristo pela sua morte e ressurreição? O ódio é a vingança do covarde” (George Bernard Shaw). Quanto menor é o coração, mais ódio carrega” (Victor Hugo)


Ao saber que os samaritanos não aceitam a presença de Jesus no meio deles para uma hospedagem, os dois discípulos (Tiago e João), notadamente judeus e ambiciosos (cf. Mc 10,35-45), perguntam a Jesus para pedir uma vingança: “Senhor, queres que ordenemos  desça fogo do céu para consumi-los?” (v.54). A reação dos discípulos nos coloca novamente na tradição de Elias (cf. 2Rs 1,10-14). O relato reflete a viva hostilidade existente entre os judeus e os samaritanos. A reação dos dois discípulos foi espontânea e irrefletida, mesmo assim não há desculpas. Para eles castigar ou destruir os inimigos é a boa solução. Os discípulos pensam num messianismo espetacular e poderoso que não retrocede diante da morte de alguns. Eles não têm compreendido que a atitude de Jesus é sempre de misericórdia e não destruição (cf. Lc 6,36).


Jesus não quer entrar na onda da violência. Em vez disto, Jesus quer afastar os seus de todo espírito de vingança. Jesus repreendeu-os severamente por ser uma atitude contrária a todos os ensinamentos que ele mesmo lhes havia transmitido (Lc 6,27-36). Responder com violência a uma atitude errada era desfazer toda a proposta nova da missão, que era anunciar um tempo favorável e de graça da parte de Deus (Lc 4,9). Certamente Samaria será também objeto da missão dos discípulos (At 1,8). “Para mim, a não-violência é um credo. Devo guiar-me por ela, esteja eu sozinho ou em companhia de outros. Uma vez que a propaganda em prol da não-violência é a missão de minha vida, devo entregar-me a ela seja qual for a atmosfera” (Mahatma Gandhi).


Responder aos outros segundo a provocação é sempre uma tentação. Pagar aos outros de acordo com os erros cometidos é sempre uma tentação. É a situação dos discípulos de Jesus, que pela atitude ou modo de viver, negam aos ensinamentos recebidos de Jesus. O radicalismo na nossas atitudes é apenas protesto de intransigência de nossa pouca bondade. Somos chamados a viver o espírito do evangelho. O evangelho não tem fronteiras, nem línguas, nem etnias, nem cultura, nem cor etc. Só entende e vive o evangelho quem se dispõe a valorizar o outro, aquele que é diferente de mim, pois é uma grande riqueza, aquele que não me ama. Não somos chamados a fazer a guerra santa fora de nós, mas dentro de nós mesmos. A guerra santa deve ser interior no sentido de combater o mal que faz ninho no nosso coração. Somente assim, veremos os outros e a vida com os olhos de Deus que penetra até o fundo do coração. O único fogo que devemos pedir a Deus é o fogo do Espírito Santo para purificar o nosso coração de todo mal e maldade, de toda vingança e ódio. Este fogo é que Jesus prometeu e trouxe para todos nós. É o fogo que não queima, mas arde, ilumina e purifica. Este fogo deve cair sobre nós para operar a nossa conversão. A vingança coloca a pessoa no mesmo nível de quem cometeu a maldade. ”A não violência não é uma veste com a qual nos revestimos ou da qual nos despimos a gosto. Tem sua sede no coração e deve fazer parte inseparável de nosso ser. Jesus viveria e morria em vão se não conseguisse ensinar-nos a ordenar toda a nossa vida pela eterna lei do amor”(Gandhi, ibid.).


3. Radicalidade da vocação cristã: As condições para seguir a Jesus (vv.57-62)


Jesus que há começado o caminho que o leva até a morte (Lc 9,51) expressa em três diálogos sobre o risco e a urgência do seguimento. Nestes três diálogos Jesus exige daqueles que querem seguir uma renúncia radical. Devemos entender os três dentro do contexto do texto em que Jesus toma resolutamente o caminho de Jerusalém sem volta ou regresso.


a). Seguir-te-ei para onde fores: “Eu te seguirei para onde quer que fores”.


Nesta primeira cena, a iniciativa de seguir a Jesus incondicionalmente vem do homem. Neste primeiro diálogo, diante do pedido de segui-Lo, Jesus diz: “As raposas têm tocas e as aves do céu ninhos” (v.58).


As tocas e os ninhos são referências a esconderijos ou lugares de proteção. Podem-se considerar como propriedade. Isto quer dizer que até os animais possuem propriedades. A este homem que pediu para segui-Lo Jesus enfatiza que a caminhada não tem retorno ao lar se quiser segui-Lo. Se quiser segui-Lo, esteja preparado para partilhar da mesma sorte. Ficar sem toca e sem ninho significava sem propriedade nenhuma, nem mesmo sobre uma pedra para repousar a cabeça e dormir. Não é porque lhe falte uma casa, pois ele a tem em Nazaré ou a dos outros amigos e discípulos. A sua verdadeira pobreza é a insegurança, a situação precária em que se encontra, sem proteção nenhuma, pois ele é rejeitado pela maioria: pelos conterrâneos, pelos samaritanos, pelos judeus em geral e é procurado pelo Herodes como perigoso. O discípulo que quer segui-Lo deve estar preparado para partilhar do mesmo destino. O seguidor de Jesus não deve contar com uma vida de luxo. É interessante observar que Lucas não nos apresenta nunca a Jesus numa casa sua ou de seus discípulos como lemos em Marcos(Mc 1,29;2,1).


Quem sabe esta parte do texto serve de ponto de partida para nossa reflexão sobre a vida que levamos e vivemos. Que tipo de vida que vivemos como verdadeiros seguidores de Cristo: uma vida baseada sobre o evangelho ou sobre os nossos interesses pessoais? O que realmente estamos procurando ou vivendo nesta ou naquela congregação, nesta ou naquela igreja ou paróquia? O que pretendemos de verdade?


b). “Deixa-me primeiro enterrar meu pai” (v.59)


Nesta segunda cena é Jesus quem toma a iniciativa de chamar um homem para segui-Lo (v.59). Este homem se dispõe, mas tem problema no “ninho”, pois o pai faleceu e ele precisa voltar para casa para enterrá-lo que é o dever de todo judeu (2Rs 9,10;Jr 16,4): “Deixa-me primeiro enterrar meu pai” (v.59). No caso do enterro de um parente, os judeus devotos eram dispensados até das observâncias religiosas mais rígidas.


Diante destes deveres sagrados a afirmação de Jesus choca a nossa sensibilidade humana: “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus” (v.59). Mas na verdade a sentença de Jesus abre uma perspectiva nova onde se traz uma maneira nova de julgar a vida e a morte. “Os mortos” aqui são os que não aceitam o Reino de Deus e os que são insensíveis à chamada de Jesus (cf. Lc 4, 28-30), pois de fato, o pai (morto) se encontra em sua casa, enquanto o filho está com Jesus ouvindo sua chamada. Mas o filho ainda tem tentação de voltar para trás (para seu “ninho”) diante da chamada de Jesus que ele precisa superar.


Por isso, com esta afirmação paradoxal Jesus não pretende pôr em discussão os deveres sagrados da piedade familiar (cf. Lc 18,20), pois de fato os discípulos sepultarão o cadáver do Jesus crucificado (Lc 23,53-56; cf. 1Cor 9,5). Jesus quer nos chamar a sairmos de uma situação de morte, de nossos túmulos fechados e escuros para com ele podermos encontrar a verdadeira vida que é ele mesmo (Jo 11,25; cf. Jo 14,6) a qual ele nos traz (Jo 10,10).




c). “Permite-me primeiro despedir-me dos que estão em casa” (v.61)


Implicitamente nesta terceira cena, igual à primeira, é Jesus quem chamou o homem. Diante da chamada vem a sua resposta: “Eu Te seguirei, mas permite-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa” (v.61; compare 1Rs 19,19-21). Encontra-se aqui um sentimento de apego familiar que não raro tira o discípulo de seu lugar de missão. Se alguém quer realmente ser discípulo de Jesus, não pode abandonar Jesus simplesmente em função de saudosismos familiares. Este perigo é enfatizado de modo mais claro na parábola do banquete (Lc 14,15-24). Talvez sejam aqueles que ficaram muito encantados no início da vocação, mas os apegos continuam grandes motivo pelo qual eles tem saudade do passado. 


 Diante deste pedido Jesus afirma: “Quem olha para trás, enquanto põe a mão no arado, não serve para o Reino de Deus” (v.62). Quem é incapaz de abandonar, também  é incapaz de fazer uma opção radical pelo Reino. Além disto, o anúncio do Reino não admite demoras ou protelações, recordações nostálgicas ou adiamentos de qualquer espécie.


Os três candidatos anônimos são exemplo do apego. Mas o resoluto (v.51) não permite o apego. Quando não se vive o desapego, é muito grande a tentação de olhar para trás e deixar-se conduzir pelo “mas”, pelo “se”, pelo “talvez”, pelo “porém”, que são barreiras na estrada rumo à libertação total, rumo à verdadeira vida. O “olhar para trás” põe em risco a eficiência do trabalho e pode causar o desânimo. Para nós cristãos o desânimo é sinônimo de traição.


Ao contar logo do começo da viagem estas exigências radicais do seguimento, Lucas quer advertir aos discípulos sobre a seriedade do caminho que vão empreender com Jesus.


É necessário compreender que o Evangelho de Jesus é exigente, mas não desumano, pois se situa na linha da liberdade e do amor. O seguimento de Cristo ainda que tenha a ruptura com o velho modo de viver é uma vocação à liberdade. A liberdade cristã consiste na vida assinalada pelo Espirito divino, pelo amor e pelo serviço fraterno irreconciliáveis com o egoísmo, com a libertinagem e com a vida sem Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou”. Esta liberdade que Cristo nos conseguiu é um risco e um desafio como a própria vida. A liberdade em Cristo é para amar mais e melhor. “Ama e faz o que queres!”, dizia Santo Agostinho. Mas, primeiro ama a Deus e ao irmão. É a condição básica para ser livre.


P. Vitus Gustama,svd

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