quarta-feira, 3 de agosto de 2016

05/08/2016


SER CRISTÃO CONVICTO E CONSCIENTE


Sexta-Feira da XVIII Semana Comum


Primeira Leitura: Na 2,1.3;3,1-3.6-7


2,1 “Eis sobre os montes os passos de um mensageiro, que anuncia a paz. Ó Judá, celebra tuas festas, cumpre tuas promessas: nunca mais Belial pisará teu solo; ele foi aniquilado. 3 O Senhor há de restaurar a grandeza de Jacó, assim como a grandeza de Israel, pois os ladrões os saquearam e devastaram suas videiras. 3,1 Ai de ti, cidade sanguinária, cheia de imposturas, cheia de espoliação e de incessante rapinagem. 2 Estalo de chicotes, fragor de rodas, cavalos relinchando, ringir de carros impetuosos, cavaleiros à carga, 3 espadas brilhando e lanças reluzentes, trucidados sem conta, mortos aos montes; cadáveres sem fim, tropeça-se sobre os corpos. 6 Farei cair sobre ti tuas abominações, e te lançarei em rosto merecidos insultos; de ti farei um exemplo. 7 Assim, todos os que te virem, fugirão para longe, dizendo: ‘Nínive está em ruínas! Quem terá compaixão dela? Onde achar quem a console?’”


Evangelho: Mt 16,24-28


Naquele tempo, 24 Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga. 25 Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. 26 De fato, de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro mas perder a sua vida? Que poderá alguém dar em troca de sua vida? 27 Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta. 28 Em verdade vos digo: Alguns daqueles que estão aqui não morrerão antes de verem o Filho do Homem vindo com seu Reino”.
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Deus Tem a Última Palavra Sobre o Homem Mesmo Que Este Pareça Ser Poderoso


Ó Judá, celebra tuas festas, cumpre tuas promessas: nunca mais Belial pisará teu solo; ele foi aniquilado. O Senhor há de restaurar a grandeza de Jacó, assim como a grandeza de Israel, pois os ladrões os saquearam e devastaram suas videiras”. São Palavras do profeta Naum que lemos na Primeira Leitura.


“Naum” em hebraico significa “Consolador”. O livro do profeta Naum é muito curto: tem apenas três capítulos. Ele exercia sua função como profeta em torno dos anos 663 a 612 a.C. Naum era contemporâneo do profeta Jeremias.


A ideia fundamental da pregação do profeta Naum é a justiça divina que se exerce sobre todos os opressores. O profeta centra sua atenção no castigo de Nínive, capital da nação opressora, por excelência, Assíria. Durante um século e meio, o exército assírio foi o pesadelo para as pequenas nações da costa siro-fenício-palestina. Nínive não é apenas a capital de um país poderoso, mas também o símbolo do orgulho e da violência, dos “poderosos” de toda ordem.


Mas agora Assíria chegou seu momento final. A descrição do profeta Naum sobre o fim da Assíria opressora é viva e vigorosa, sem perder a beleza literária: “Ai de ti, cidade sanguinária, cheia de imposturas, cheia de espoliação e de incessante rapinagem... Farei cair sobre ti tuas abominações, e te lançarei em rosto merecidos insultos; de ti farei um exemplo”.


Uma vez cumprida a justiça divina sobre a opressora, a injusta Assíria, o profeta Naum entoa um cântico de exultação a Judá, convidando a gozar-se das boas novas que traz o mensageiro da paz: “Eis sobre os montes os passos de um mensageiro, que anuncia a paz. Ó Judá, celebra tuas festas, cumpre tuas promessas: nunca mais Belial pisará teu solo; ele foi aniquilado”.


Nínive é um tipo de cidade que quer dominar o mundo. Mas não pode durar diante de Deus por causa de sua maldade. Nínive hoje toma outros nomes: são todas as potências que no seio dos sistemas econômicos atuais se aproveitam do dinheiro e da mentira para praticar a corrupção, para roubar dinheiro público, para oprimir os débeis, para se aproveitar dos indefesos e inocentes e assim por diante. O profeta Naum quer nos relembrar que o julgamento divino vai pesar sobre os injustos, opressores, violentos, pois maltratar um ser humano significa maltratar o próprio Criador. Nisto entendemos que os direitos humanos são também os direitos divinos (cf. Mt 25,40.45).


Fraudes, violências, injustiça, barbárie, brutalidade não são privilégios daquele tempo. Tudo isso continua a acontecer em qualquer lugar e tempo, inclusive no nosso tempo. Mas o profeta Naum deixa bem claro que os grandes poderes do mundo não são eternos. Qualquer poder neste mundo tem seu tempo limitado. Assíria dominava, amontoava, oprimia, humilhava, principalmente, os pequenos, mas um dia caiu em pedaços e despareceu da história, assim como outros impérios que um por um foi caindo e desaparecendo, mas a história continua.


Feliz seja quem tem Deus na sua vida, pois Deus vai ter a última palavra sobre a humanidade. Todos podem não acreditar em Deus para continuar a praticar o mal e a maldade, mas o julgamento final é inevitável para todos. “O julgamento será sem misericórdia para quem não pratica a misericórdia. A misericórdia  desdenha o julgamento” (Tg 2,13).


Consequências Do Seguimento


Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.


As exigências do seguimento de Jesus das quais fala o evangelho deste dia são repetidas seis vezes com variantes maiores e menores nos quatro evangelhos (Mt 16,24ss; Mc 8,34ss; Lc 9,23s; Jo 12,24ss; Lc 14,27; Mt 10,38s). Essa repetição nos indica a importância dada pela Igreja dos apóstolos a essas exigências.


Os discípulos já fizeram uma opção inicial por Jesus. Agora, diante das implicações do seguimento se encontram diante de uma situação da escolha definitiva. Para ser discípulo de Jesus não é suficiente a chamada; é necessária uma resposta clara depois de ter consciência das condições que a chamada impõe. 


Ao apresentar para os discípulos as condições do seguimento, Jesus não impõe, mas propõe: “Se alguém quer...”. São João Crisóstomo comentou: “Ele disse: Eu não forço nem obrigo ninguém a me seguir, deixo a cada um dono de sua própria escolha; por isso, digo: Se alguém quer...”. O seguimento não é uma imposição. Todos têm a liberdade de aceitar ou de recusar. Mas quem quer seguir verdadeiramente a Jesus, tem que assumir as exigências propostas por ele. Tudo tem que ser tomado na base da liberdade, da obediência da fé e por amor.


A primeira condição é a renúncia a si mesmo: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...” (v.24).


Pela renúncia e pela cruz, Jesus não propõe uma destruição e sim um desenvolvimento, uma expansão total e eterna. Por isso, renunciar a si mesmo ou negar-se a si mesmo significa que a pessoa deixa de encontrar em si mesma “seu centro” (egoísmo), mas aberta diante de Deus e do próximo. A renúncia não tem seu fim em si mesma. A renúncia é a condição de uma vida em plenitude. A própria vida se converte em uma vida de entrega com a possibilidade de sofrimento (cruz) sem nenhum tipo de gratificação humana, pois a vida se entrega unicamente Àquele que é capaz de dar sentido. Somente a pessoa que não se fecha ou não se encerra em si mesma pode verdadeiramente realizar em plenitude sua própria vida em Deus.


Por isso, renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida nem uma “entrega dos pontos” nem por falta de opções. Antes de tudo significa a libertação da própria liberdade do egoísmo a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus. O seguidor é chamado a colocar o próprio eu no centro do interesse do Reino de Deus. O centro de sua vida está doravante na vontade de Deus, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. E esta entrega tem de ser livre para poder ser feita na alegria, no entusiasmo e na generosidade. O seguidor é chamado à renúncia, a arriscar a própria vida, porque só assim poderá, como Cristo, chegar à glória que é a meta de todo caminho da cruz. Mas toda renúncia deve ter como base o amor. O sacrifício, a renúncia de si mesmo que não seja animado pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, que não seja uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas uma tortura auto-infligida. A renúncia que Jesus pede não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. Tudo tem que ser feito por amor. Sem o amor, viveremos uma vida dupla. E este tipo de vida, não traz a alegria verdadeira nem para si nem para os outros. Renunciar a si mesmo é que faz qualquer um discípulo ou seguidor de Jesus.


A segunda condição é o “carregar a sua cruz”: “Se alguém quer me seguir, tome a sua cruz e me siga” (v.24b). Ser cristão não significa curtir a dor. “Carregar a cruz” é uma expressão que os primeiros cristãos utilizaram muito para expressar sua união com Jesus na sua morte e ressurreição. É uma expressão relacionada ao mistério pascal de Jesus Cristo. A cruz de Jesus é o maior sinal de seu amor por nós.


Viver  fielmente os ensinamento de Jesus pode ter conseqüências de sofrimento. Quem vive de acordo com a justiça e a honestidade, será perseguido por quem vive na corrupção, na desonestidade e na injustiça. Ser verdadeiro seguidor de Jesus jamais será isento de sofrimento ou cruz. Não dá para parar de sofrer. A Igreja de Jesus é a Igreja dos mártires. A cruz é a consequência de colocar o bem acima de qualquer interesse pessoal. É uma morte do eu para que o outro possa viver. Jesus pede ao seguidor o esvaziamento total de si mesmo, até a morte física, se for preciso. Quem não tiver esta disponibilidade, ainda não é verdadeiramente seguidor de Cristo. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão, pois o “mundo” tenta crucificar e eliminar os seguidores de Cristo por todos os meios, como aconteceu com Jesus.


Depois dessas condições, Jesus mostra os motivos em forma de ditos paradoxais.


Em primeiro lugar Jesus afirma que quem busca egoisticamente, a todo custo, usando quaisquer meios, aproveitar, gozar e conservar a própria vida acaba desperdiçando-a e perdendo-a: “Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.  (Mt 16,25; cf. Mt 10,39; Mc 8,35; Lc 9,25;17,33; Jo 12,25).


Nossa vida não é feita para ser guardada e sim para ser entregue e doada. Amar não é “sentir emoção”, não é desejar possuir o outro. Amar é esquecer-se de si mesmo para dar-se ao outro. Isso supõe muita renúncia. Toda vez que alguém tomar para si o outro, ele deixa de amá-lo. Não podemos dizer que amamos o outro quando queremos dizer somente para desfrutar do outro. Isso seria apenas amar a nós mesmos. Amaremos de verdade quando formos capazes de nos renunciar, de nos esquecer, de morrer a nós mesmo em beneficio daqueles aos quais amamos. Quem amou muito e até o fim foi Jesus (cf. Jo 13,1; 15,13). E somos chamados de seguidores de Jesus. Somos cristãos, isto é, somos de Cristo.


Querer guardar para si a própria vida é o caminho mais seguro para perdê-la. Pelo contrário, quem vive em função do serviço desinteressado aos outros na bondade e no amor, ele acaba encontrando a vida na sua plenitude, acaba ganhando a vida eterna. A vida só se encontra, doando-a. O próprio Jesus é o exemplo desta doação. Ele se doou até o fim a Deus e aos homens. O homem muitas vezes somente dá um pouco de sua vida. O verdadeiro cristão se doa tudo por amor.


No v. 26 Jesus repete o paradoxo anterior: “De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” Possuir os bens deste mundo não seria um mal em si mesmo, mas torna-se o maior dos males quando, por causa de tais posses, o cristão é impedido de seguir a Cristo ou de viver os valores do Reino de Deus. Jesus, certamente, rejeitou o “mundo inteiro” que o Tentador lhe oferecera, pois o preço da oferta era a idolatria (Mt 4,8s). “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (S. Afonso de Ligório). Ainda que alguém ganhasse o mundo inteiro (riqueza, glória, poder), a vida é efêmera. Na ótica da fé, todas as riquezas do mundo são insignificantes quando o que está em jogo é a vida em plenitude (eterna) que Jesus oferece aos que o seguem.


Jesus nos ensina o caminho do amor. Não há amor verdadeiro sem renúncia. Para amar tem que aprender a sacrificar-se. Quem busca a si mesmo e seus próprios interesses, nunca experimentará o verdadeiro amor que faz feliz a alma. Somente poderemos ser cristãos se nos amarmos uns aos outros (cf. Jo 15,12). Amar de verdade supõe o sofrimento, supõe cruz. uma boa maneira de fazê-lo é servir aos outros ao meu redor com pequenos detalhes e não queixando-me diante dos inconvenientes típicos de cada jornada.


O fundamento último da nossa opção pelo seguimento incondicional de Cristo é a certeza, dada pela fé, de que o Filho do Homem virá um dia na sua glória (v.27). Ele terá a última palavra sobre o homem. Essa palavra será uma palavra da graça divina para quem segue a Jesus incondicionalmente por amor. O juízo final torna-se, então, a medida para avaliar a existência histórica e ao mesmo tempo a bússola que orienta a vida do cristão nas escolhas justas e sensatas na vida diária neste mundo.

P. Vitus Gustama,svd

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