segunda-feira, 15 de agosto de 2016



Domingo, 06/11/2016

O DEUS EM QUEM ACREDITAMOS É VIVO E VIVIFICANTE


XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM


Evangelho: Lc 20,27-38


27 Os saduceus afirmam que não existe ressurreição. Alguns deles se aproximaram de Jesus, e lhe propuseram este caso: 28 «Mestre, Moisés escreveu para nós: ‘Se alguém morrer, e deixar a esposa sem filhos, o irmão desse homem deve casar-se com a viúva, a fim de que possam ter filhos em nome do irmão que morreu’. 29 Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem ter filhos. 30 Também o segundo 31 e o terceiro casaram-se com a viúva. E assim os sete. Todos morreram sem deixar filhos. 32 Por fim, morreu também a mulher. 33 E agora? Na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela!» 34 Jesus respondeu: «Nesta vida, os homens e as mulheres se casam, 35 mas os que Deus julgar dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, não se casarão mais, 36 porque não podem mais morrer, pois serão como os anjos. E serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. 37 E que os mortos ressuscitam, já Moisés indica na passagem da sarça, quando chama o Senhor de ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. 38 Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele.» 39 Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: «Foi uma boa resposta, Mestre.» 40 E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa nenhuma a Jesus.
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O tema da ressurreição dos mortos opõe os fariseus aos saduceus. Os fariseus defendem a fé na ressurreição dos mortos. Enquanto os saduceus não acreditam na ressurreição por uma coisa muito prática como lemos no Evangelho deste domingo.


Mas quem são os saduceus?


Os saduceus são uma das três seitas judaicas descritas por Josefo, o historiador judeu do século I d.C (as outras são fariseus e essênios). Esse grupo é formado por grandes proprietários de terras/latifundiários(anciãos), pelos membros da elite sacerdotal e pelos grandes comerciantes. Eles controlam a administração da justiça no Tribunal Supremo(Sinédrio). Habitualmente o sumo sacerdote, a figura mais poderosa no Templo é escolhido de famílias pertencentes a este grupo. Eles também são colaboracionistas com os romanos para manter sua posição de privilégio. Por isso, eles são ricos e poderosos. Eles são “classe separada” e bem organizados. Por isso, ninguém pode entrar neste grupo.  Eles são conservadores em matéria de religião. Eles admitem apenas a Lei de Moisés/Torá(Pentateuco). Como na Torá não se fala claramente da ressurreição dos mortos e da “outra vida”, eles não acreditam nela. Para eles, tudo termina com a morte: não há ressurreição dos mortos e nem recompensa na vida futura. Não há salvação além da terrena. Neste mundo, salve-se quem puder, porque é o homem e apenas o homem quem causa a própria salvação e felicidade ou desgraça e não- salvação. Por isso, eles são hedonistas: interessa-lhes principalmente acumular riquezas e desfrutá-las o mais possível nesta curta vida terrena (Lc 12,15-21). Moralmente, eles são relaxados.


Justamente uma das questões que mais preocupam a pessoa humana é a vida e a vida após a morte. Toda pessoa tem o desejo natural de saber o que acontecerá consigo após a morte. Diante do que não conhece, o ser humano sente medo. A vida após a morte é a condição para a plenitude da felicidade procurada pelo homem. O contrário disso é o desespero, a autossuficiência, que termina na fatalidade da morte ou a busca de soluções em filosofia da reencarnação. O povo brasileiro é considerado católico. Apesar disso, na pesquisa feita em 1991, 45% dos brasileiros se declaram adeptos da doutrina da reencarnação.


As leituras deste Domingo nos anunciam claramente a vida futura (1ªleitura e Evangelho) que já tem o início neste mundo na prática do amor a Deus no próximo e perseverança em Jesus Cristo(2ªleitura).


Na leitura dos Macabeus (2Mc 7,1-14) aparece pela primeira vez no Antigo Testamento a fé clara na Ressurreição dos mortos. Nunca no Antigo Testamento foram feitas afirmações tão claras desta verdade. Os sete irmãos têm a coragem de renunciar a esta vida porque têm certeza de que Deus lhes concederá uma vida eterna. Ao rei severo e feroz eles dizem: “Tu, ó malvado, nos tira desta vida presente. Mas o Rei do Universo nos ressuscitará para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis... Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!” (2Mc 7,14). Eles não têm medo do rei muito perverso, Antíoco, que queria obrigá-los a abandonar a fé em Deus dos vivos. É um verdadeiro testemunho digno de ser imitado por nós todos.


Jesus, depois de responder a pergunta dos fariseus sobre a legalidade de pagamento de tributo a César (Lc 20,20-26), agora é desafiado pelos saduceus, que aparecem aqui em Lucas esta única vez (embora estejam frequentemente presentes em Atos: At 4,1-2;5,17;23,7-8). Negando a ressurreição, os saduceus enfrentam Jesus com uma pergunta a partir de uma história, um tanto grotesca, fundada numa teologia mal-enfocada: como fica a mulher que se casou sete vezes com homens diferentes, de quem ela será na ressurreição. Supõe-se, erroneamente, que a ressurreição seja a continuação pura e simples da vida terrena. Ao questionar Jesus, os saduceus têm a intenção de ridicularizar os fariseus (partido rival), cuja fé na ressurreição dos mortos é conhecida. Os saduceus queriam também conhecer a posição de Jesus.


No tempo do Deuteronômio, morrer sem descendente era uma calamidade porque a herança ficava perdida. Por isso, o irmão de um falecido casava-se com a viúva para gerar um filho e assegurar a herança (lei de cunhado. Cf. Dt 25,5ss).


Jesus responde, estabelecendo uma distinção entre “este mundo” e o “outro”. Na sua explicação Jesus diz que as relações humanas estarão livres de alguns embaraços que complicam a vida. Cessam-se, ai, as preocupações terrenas e desaparecem, também, as ameaças da morte. Os esquemas terrenos não têm validade. Segundo Jesus, é vão e insensato imaginar que o mundo futuro tenha as mesmas características deste mundo. Por isso, Jesus usa uma expressão “...eles são semelhantes aos anjos...” (v.36) para sublinhar a impossibilidade de descrever o modo de vida que pertence ao mistério de Deus. A comunhão com o Pai celeste torna-se penhor de vida eterna. A morte dá início, neste caso, a uma explosão de vida.


O segundo erro cometido por saduceus consiste em considerar Deus como Senhor dos mortos e não como Senhor dos vivos.  Jesus desmoraliza os saduceus dizendo que eles não conhecem as Escrituras. E cita um texto fundamental do Êxodo (Êx 3,16) para mostrar que a ressurreição existe: “Deus falou a Moisés: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’”.  Por isso, Jesus faz uma fórmula que todos nós já decoramos: “O nosso Deus é o Deus dos vivos e não dos mortos.” No entanto, trata-se de uma simples fórmula, que por si é letra morta, também nos lábios de tantos cristãos. Mas Deus não é letra morta. Deus vive e quer a vida porque é a VIDA. Para todo o mundo perceber a vida dele e como prova que Deus quer a vida e é a Vida, Ele irrompe a história de maneira toda especial, inédita, típica: Deus ressuscitou Jesus Cristo. O poder de Deus é maior que as forças destrutivas presentes na história e na natureza.  A partir do momento em que ressuscita Jesus Cristo, Deus mostra a todos que essa morte não é o último passo do ser humano. A morte não tem palavra final para o ser humano. Pelo fato de Deus ressuscitar Jesus Cristo, podemos ter a certeza de que esse mesmo Deus em quem acreditamos firmemente, apesar de nossas fraquezas e pecados, nos ressuscitará também. Adorar o Deus da vida é acreditar que ele tem poder de preservar a vida, mesmo que isso supere a precisão e compreensão humanas. E sendo o Deus da vida, Ele não criou ninguém para a morte, mas para a aliança definitiva com Ele.


Nas sua carta, toda argumentação de São Paulo se baseia nessa fé na Ressurreição. Ele não cansa de repetir: “Deus que ressuscitou o Senhor Jesus, também ressuscitará a todos nós, pelo Seu poder” (1Cor 6,14; cfr. Rm 4,17;8,11; cf. também 1Cor 15,1ss). Paulo não fala da reencarnação. E isso devemos ter em mente, de maneira muita clara. Ele fala da Ressurreição. Nessa ressurreição Deus se revela como o Deus da vida, o Deus que “faz os mortos viverem e chama à exist6encia aquilo que não existe” (Rm 4,17). Em outra carta, Paulo diz firmemente: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé” (2Cor 15,14). A partir da ressurreição do Senhor, não vivemos mais para morrer e sim morremos para viver. A vida não pertence mais à morte e sim a morte pertence à vida.


Se o nosso Deus é o Deus dos vivos, sem dúvida nenhuma, Ele nos chama a lutar em todas as frentes que promovem a vida. Crer no Deus dos vivos implica defender a vida, especialmente a dos fracos e indefesos e leva a comprometer-se com aqueles que veem o seu direito à vida permanentemente violentado. Quem acredita que Jesus Cristo ressuscitou interessa-se pela vida em abundância também aqui na terra. Aquele que defende e protege a vida vai encontrar, com certeza, o Deus da vida. Unidos a Jesus ressuscitado participaremos de sua vida pois Ele é a Ressurreição e a Vida (Jo 11,25).


Portanto, nem precisamos temer as noites do sofrimento e da injustiça, da traição e do desespero, das lágrimas e da morte. Porque a ressurreição é a vitória do amor sobre o ódio, da verdade sobre a mentira, da vida sobre a morte. E tudo isto é tão certo como é certo que depois da noite virá o dia. A ressurreição de Cristo é o mais extraordinário anúncio do cristianismo, fundamento de nossa luta, de nossa fé e de nossa esperança.


Por tudo isso, ao voltarmos à nossa casa e à nossa vida, vamos viver com mais esperança e ânimo porque Deus da vida é o Deus conosco. Ninguém vai conseguir tirar da sua memória esta verdade se você não deixar. Se o mal avançar, a nossa fé no Deus da vida deve avançar também porque Ele sempre tem a última palavra. Pecaremos se pararmos de acreditar neste Deus da Vida. “Ter medo de amar é ter medo da vida, os que temem a vida já estão em boa parte mortos” (Bertrand Russel). “Devemos tratar de viver de maneira que, quando morrermos, até o coveiro tenha dó” (Mark Twain).


P. Vitus Gustama,svd

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