15/08/2016
VIVER
A VIDA FAZENDO O BEM PARA ALCANÇAR A ETERNIDADE
Segunda-Feira
da XX Semana Comum
Primeira Leitura: Ez 24,15-24
15 A palavra do Senhor
foi-me dirigida nestes termos: 16 “Filho do homem, vou tirar de ti, por um mal
súbito, o encanto de teus olhos. Mas não deverás lamentar-te nem chorar ou
derramar lágrimas. 17 Geme em silêncio, sem fazer o luto dos mortos. Põe o
turbante na cabeça, calça as sandálias nos pés, sem encobrir a barba, nem comer
o pão dos enlutados”. 18 Eu tinha falado ao povo pela manhã, e à tarde minha
esposa morreu. Na manhã seguinte, fiz como me foi ordenado. 19 Então o povo
perguntou-me: “Não nos vais explicar o que têm a ver conosco as coisas que tu
fazes?” 20 Eu respondi-lhes: “A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes
termos: 21 Fala à casa de Israel: Assim diz o Senhor Deus: Vou profanar o meu
santuário, o objeto do vosso orgulho, o encanto de vossos olhos, o alento de
vossas vidas. Os filhos e as filhas, que lá deixastes, tombarão pela espada. 22
E fareis assim como eu fiz: Não cobrireis a barba, nem comereis o pão dos
enlutados, 23 levareis o turbante na cabeça, as sandálias nos pés, sem vos
lamentar nem chorar. Definhareis por causa de vossas próprias culpas, gemendo
uns para os outros. 24 Ezequiel servirá para vós como sinal: Fareis exatamente
o que ele fez; quando isso acontecer, sabereis que eu sou o Senhor Deus”.
Evangelho: Mt 19,16-22
Naquele tempo, 16
alguém aproximou-se de Jesus e disse: “Mestre, que devo fazer de bom para
possuir a vida eterna?” 17 Jesus
respondeu: “Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é o Bom. Se queres
entrar na vida, observa os mandamentos”. 18 O
homem perguntou: “Quais mandamentos?” Jesus respondeu: “Não matarás, não
cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, 19 honra teu pai e tua mãe, e ama o teu próximo
como a ti mesmo”. 20 O jovem disse a
Jesus: “Tenho observado todas essas coisas. Que ainda me falta?” 21 Jesus respondeu: “Se queres ser perfeito,
vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu.
Depois, vem e segue-me”. 22 Quando ouviu
isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
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Apesar De Nossas Fraquezas
Deus Tem Ternura Para Conosco
“Filho
do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos. Mas não
deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. Geme em silêncio, sem
fazer o luto dos mortos. Põe o turbante na cabeça, calça as sandálias nos pés,
sem encobrir a barba, nem comer o pão dos enlutados” é o oráculo do Senhor
para o profeta Ezequiel que lemos na Primeira Leitura.
Lendo os livros dos profetas ficamos
surpreendidos pelas experiências pessoais de cada profeta. Lemos, por exemplo,
a experiência da infidelidade da esposa na vida do profeta Oseias; a
indignidade do profeta Isaias por ter lábios impuros diante de Deus, diversos
gestos simbólicos do profeta Jeremias e assim por diante. Mas poucos chegam à
profundidade de sentimentos que nos apresentam através do gesto simbólico na experiência da vida do profeta Ezequiel que
lemos hoje na Primeira Leitura.
Ezequiel recebe de Deus o aviso sobre a morte
de sua esposa: “Filho do homem, vou tirar
de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos”. Mas Deus pede para que
não chore a morte de sua esposa: “Mas não
deverás lamentar-te nem chorar ou derramar lágrimas. Geme em silêncio, sem
fazer o luto dos mortos”.
Não chorar a esposa morta tão querida podia
fazer qualquer um pensar como se Ezequiel não tivesse sentimentos. Mas, de
fato, a morte da esposa de Ezequiel simboliza a destruição de Jerusalém, e a
atitude de Ezequiel é a atitude do povo quando a destruição de Jerusalém
ocorreu. Assim como o profeta perdeu a mulher que amava, todos vão perder
Jerusalém e seu Templo: “Vou profanar o meu santuário, o objeto do vosso
orgulho, o encanto de vossos olhos, o alento de vossas vidas”. Não terão nem
tempo de fazer luto. Ezequiel é um sinal. Quando Deus permite a destruição do
Templo de Jerusalém, então a dor, o desespero, o desterro serão tão inesperados
que o povo nem tem tempo para o luto ou para chorar. Tudo desaparece. O povo é
levado para o desterro na Babilônia. O objetivo de toda ação simbólica é
conhecer e reconhecer Deus.
Há tantos sinais de Deus ocorrem na nossa
vida cotidiana. Precisamos parar para decifrar seus significados. Não há dia
que não tenha sinais de Deus para qualquer um de nós.
Com a ação simbólica do profeta Ezequiel nós percebemos
que a obrigação do profeta não é somente a de proclamar a Palavra de Deus em
determinado momento e lugar. Toda a vida de um profeta deve ser um sinal. O profeta
há de profetizar com sua vida em todas as circunstancias de sua existência. A pessoa
toda e a vida toda do profeta devem ser uma proclamação.
Além disso, no texto da leitura de hoje
percebemos a ternura de Deus por nós: “Filho
do homem, vou tirar de ti, por um mal súbito, o encanto de teus olhos”.
Deus sempre se dirige a nós com a ternura em todas as situações de nossa vida.
Deus quer nos salvar, mesmo que tenhamos que passar por alguma situação
bastante triste. Deus continua tendo o amor por nós. Deus sabe o que fazer com
nossa vida, mesmo que nem sempre entendamos os planos de Deus sobre nós. A
partir desta expressão não há nada que possa impedir o amor de Deus por mim nem
minha fé neste Deus de ternura.
A Bondade Praticada Nos
Aproxima Da Vida Eterna
“Se
queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e
terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.
“Mestre, o que eu devo fazer de bom para
possuir a vida eterna?”. Esta é a pergunta de um jovem rico a Jesus. O
jovem se aproxima de Jesus com entusiasmo e lhe faz essa pergunta fundamental
que agora ninguém tinha feito. São João Crisóstomo comentou: “Todos
se aproximam de Cristo ou para tentá-lo ou para obter dele a cura de alguma
enfermidade deles ou de algum de seus familiares. Esse jovem se aproxima de
Jesus para perguntar-lhe a vida eterna”. Até os próprios discípulos
não fizeram essa pergunta a não ser para pedir alguma explicação. A pergunta do
jovem aborda o sentido da existência humana e expressa todo seu desejo de
comunhão com Deus.
“Mestre, o que eu devo fazer de bom para possuir a vida eterna?”, pergunta um jovem
rico a Jesus. Ele usa o verbo “possuir”, porque ele é um homem rico; é um homem
acostumado a comparar para possuir. “Para possuir a vida”. Ele até quer ter na
mão (possuir) a vida eterna mediante um ato de compra. Na verdade, a própria
vida em si é um dom que deve ser recebida e vivida com gratidão. A existência
de outros dons supõe a existência desse dom maior que é a vida. A vida é um
dom, mas a minha maneira de viver a vida pode não estar de acordo com o dom. A
vida, como dom, é bela, mas muitas vezes eu não sei me comportar bem diante
desse dom ou não sei viver na gratidão. Tudo que eu sou e tenho é de Deus,
menos o pecado. Quando se trata de um dom é porque estou em um mundo de
gratuidade. O mundo da gratuidade me leva a viver a vida em ação de graças
permanentemente. É ser pessoa eucarística.
Na sua resposta Jesus corrige a pergunta do
jovem rico. Em vez de usar a palavra “possuir”, Jesus usa a palavra “entrar”:
“Se queres entrar na vida eterna...”. Jesus quer lhe dizer: “Deus
te oferece a vida, portanto não é que tu possas possuí-la e sim, se quiseres
participar nela, observa os mandamentos; se quiser entrar nela pratique a
bondade, já que tu me perguntas ‘o que eu devo fazer de bom...’”. A bondade é a
própria perfeição possuída por um ser e é a capacidade que possui num ser de
dar a outro a perfeição que lhe falta. A bondade é a disposição natural a fazer
o bem ou a trabalhar corretamente. Bondoso é quem se comporta com bondade. Quem
tem bondade é porque tem amor.
O texto nos diz que o jovem rico observa
todos os mandamentos. Mas ele insiste: “O que ainda me falta?”. Nesta pergunta
percebemos algo importante de que por mais que alcancemos algo, sempre falta
alguma coisa ou algumas coisas na nossa vida. Por melhores que nós possamos
ser, sempre falta alguma coisa na nossa vida ou para nossa vida. Com efeito,
nós somos o que somos e o que nos falta. Com efeito, não somos cristãos e sim
estamos cristãos, isto é, estamos em processo para ser verdadeiros cristãos a exemplo
do próprio Cristo. Em nós há algo que
exige de nós muito mais, que nos convida a fazermos um passo adiante, que exige
profundidade de relações, relações pessoais com Deus e com os demais homens. O
que falta em nós nos dá força para que possamos buscá-lo e pode nos inquietar.
Segundo Jesus, para entrar na vida definitiva
o que se necessita não é a relação a um código (“o que deve fazer de bom”), mas
a uma pessoa (Sl 145,9): “O Bom é um só”. A observância dos mandamentos é consequência
dessa relação pessoal: os mandamentos são bons porque expressam a vontade do
Supremo Bom que é Deus (Am 5,4.6.14-15; Mq 6,8). As normas ou as regras não
produzem a graça. A graça é que produz regras para facilitar ou para orientar o
homem no alcance da graça. Quando se vive na graça de Deus ou de acordo com o
amor de Deus as regras cessam, pois pelo caminho de amor não há outro caminho.
Enquanto estivermos na terra precisamos da fé. Mas, um dia, pela misericórdia
divina, na face a face com Deus, não precisaremos mais da fé.
Na sua resposta Jesus diz ao jovem que ele
deve desfazer-se de tudo o que tem sem esperança de retorno: “vender tudo e dar
o dinheiro aos pobres”. Não somente “vender tudo”, porque o jovem poderia
possuir o dinheiro, fruto da venda dos bens. Jesus exige dele muito mais: “dar
aos pobres” tudo que é o fruto da venda dos bens. Deixada a segurança da
riqueza ele encontrará outra segurança superior (Mt 6,25-34) que é o próprio
Jesus que é o Caminho, a verdade e a Vida (cf. Jo 14,6). Por isso, em seguida
Jesus acrescenta: “Depois, vem e segue-me”. Jesus
chama-o à nova fidelidade, ao amor a todo homem, como o Pai do céu (Mt 5,48). A
felicidade plena, a vida em abundância está na partilha, na solidariedade, na
compaixão, no amor mútuo... A felicidade não se obtém na sua busca e sim na
partilha. Para eu poder ser feliz, eu preciso fazer o outro feliz. Este é o
paradoxo da vida autêntica.
O jovem não responde ao convite de Jesus.
Vai-se triste, em sua mesma condição de jovem, incapaz de chegar à maturidade.
Ele ouviu a mensagem de Jesus, mas a sedução das riquezas o afogou (cf. Mt
13,22). A riqueza governa o coração do jovem. Embora deseje a vida eterna, o
jovem não vai atrás dela para encontrá-la.
“O
defeito moral não se define pelo mal que se intenta, mas pelo bem que se
abandona” (Santo Agostinho. De civ. Dei. 2,8). A riqueza, quando não
se considera como meio, mas como fim, sufoca as relações fraternas, sociais,
familiares e sufoca o crescimento espiritual de quem a tem. “Amando a Deus
nos tornamos divinos; amando ao mundo nos tornamos mundanos” (Santo
Agostinho. Serm. 121,1). Os bens materiais continuam a ser alheios a
nós. Eles jamais serão nossos próximos. O ser humano é sempre nosso próximo com
quem podemos conversar, contar nossas histórias, nossas vitorias e nossas
falhas na vida, para desabafar, rir juntos que torna a vida mais leve. “Se
você tem dinheiro acumulado, pergunte-se como o ganhou e como o usa. Se você
continua acumulando mais dinheiro do que precisa para viver, sabe para que o
faz?” (René Juan Trossero, escritor e psicólogo argentino). Santo
Agostinho dizia: “A verdadeira felicidade não
consiste em possuir o que se ama e sim em amar o que se deve possuir”
(In ps. 26,2,7).
Saber renunciar às coisas materiais é ser
rico. Dar ou partilhar é a manifestação da riqueza. Segurar egoisticamente, sem
partilha, é a expressão do pobreza interior. Para possuir o Tudo temos que
aprender a deixar tudo. Posso possuir as coisas, mas jamais as coisas podem me
possuir para que eu possa manter minha liberdade e leveza na vida. O apego
exagerado aos bens materiais é um terrível empecilho para o seguimento de
Jesus. A dinâmica deste seguimento vai exigindo rupturas sempre mais radicais
dos bens deste mundo. É preciso usarmos as coisas que passam e abraçarmos as
coisas que não passam. Quem não está livre para fazê-las, ficará na metade do
caminho, como o jovem rico no evangelho lido neste dia. O caminho da perfeição
passa pela liberdade de coração, em relação aos bens deste mundo, para buscar
Deus e solidarizar-se com os mais necessitados. É assim que se chega à vida
eterna. Um homem que não cresce diariamente regride um passo cada dia.
“O que devo fazer para entrar na vida eterna”
e “O que ainda me falta?”. São duas perguntas que devem ser respondidas por
cada um de nós diariamente. Nós somos o que somos e o que nos falta, pois o
nosso ideal é bastante alto: “Sejam perfeitos como o Pai do céu é perfeito” (Mt
5,48). Eu estou sendo o que devo ser para chegar a ser o que, na verdade,
sou. Eu não posso me distancias, cada vez mais, daquilo para o qual devo ser.
Sano Agostinho dizia: “Não andes averiguando quanto
tens, mas o que tu és. Dentro do coração sou o que sou” (Serm. 23,3;
Cof. 10,3)
P.Vitus Gustama, svd
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