segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Domingo, 06/11/2016




SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS


Evangelho: Mt 5,1-12a


Naquele tempo: 1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 'Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12ª Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.
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I. Ser santo


O termo “santo” é uma tradução da palavra hebraica “qadosh” /” qodesh” que basicamente significa “cortar”, “separar” aponta para uma ideia de separação do profano. No Novo Testamento é representado pela palavra grega “hagios”. Emprega-se para designar as pessoas ou coisas ou lugares destinados ao uso sagrado, bem como os dias reservados ao serviço religioso (Ex 20,8;30,31; Lv 21,7; Nm 5,17; Ne 8,9;Zc 14,21), tudo que a lei cerimonial manda separar (Ex 22,31;Lv 20,26), a purificação de carne e do espírito (2Cor 7,1;1Ts 4,7), inclusive a separação dos falsos deuses e práticas pagãs (Lv 20,6-7;21,6). O santo e as coisas santas são os que não se tocam ou dos quais alguém se aproxima somente dentro de certas condições de “pureza ritual” (compare com o Ato penitencial da missa). Eles provocam um sentimento misto (numinoso): tremendo, espantoso e assim distancia, mas ao mesmo tempo é fascinante, atrai o homem.


Mas a noção bíblica de santidade não só para na apresentação das reações do homem diante do divino e na definição da santidade como negação do profano, ela define também a santidade na sua própria fonte, em Deus, de quem deriva toda santidade. A santidade é qualidade essencialmente divina. Ela caracteriza a essência da divindade (Am 4,2;Is 40,25;1Sm 2,2s). Nas criaturas a qualidade deriva do divino, por uma espécie de contato peculiar. Deus é quem nos santifica com o seu amor que é graça, misericórdia, perdão e fortaleza. Quanto mais a santidade de Deus penetra no coração de um homem, mais ela o ilumina sobre a sua miséria profunda. Por isso, Jean Lafrance disse: “Tornar-se santo é algo ao mesmo tempo simples e complexo. É simples no sentido de que basta permitir o crescimento da vida trinitária que recebemos no batismo. Mas ao mesmo tempo é uma obra complicada, porque nós não somos simples (simples quer dizer sem desdobramento). Nosso coração parece atado, retorcido, e nossos pecados formaram como uma carapaça de pedra em torno do nosso coração”.


A santidade é uma realidade essencialmente dinâmica. Deus se manifesta e comunica ao homem sua própria santidade. Deus chama o homem, mediante a ação do espírito Santo, para que se renove em todas as dimensões de sua existência e seja reflexo e instrumento de sua vontade divina para a obra de salvação do mundo.


A partir disso tudo, ser santo não significa fazer milagres (embora isso possa acontecer), chamar atenção com fatos extraordinários, ser estranho do resto dos homens ou ser isolado do dia-a-dia por ter medo de ser contaminado pelo mundo. Ser santo é ser capaz de colocar-se nas mãos do Deus Santo, contar com ele, sabendo dependente dele, em busca de configuração com Cristo modelo acabado de todas as virtudes. Por outro lado, colocar-se a serviço dos semelhantes/próximo desinteressadamente, fazendo-lhes o bem, como resposta aos benefícios recebidos de Deus. O enraizamento em Deus desabrocha em forma de misericórdia para com o próximo.


Por isso, a santidade não consiste na grandeza das obras exteriores ou na riqueza dos dons naturais, mas no pleno desenvolvimento da graça e das virtudes teologais (fé, esperança, caridade) recebidas no batismo e das virtudes morais/cardeais (prudência, justiça, fortaleza, temperança) de modo que o mais humilde cristão, mesmo sem tarefa específica na Igreja, sem dotes extraordinários, na maior simplicidade do seu coração, poderá chegar a um alto grau de santidade.


Portanto, a vocação à santidade é universal, é uma meta a ser atingido por todos os cristãos (cf. Lumen Gentium, 39-40). Como São Paulo diz: “Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação” (1Ts 4,3; Ef 1,4; cf. também Mt 5,48). Ninguém é excluído deste apelo nem pode dispensar-se de dar sua resposta. Este ideal é atingível por todos nas situações mais simples do dia-a-dia. Se o cristão o fizer com a graça de Deus, sempre tem uma história com final feliz como todos os santos comemorados neste dia.


O culto aos santos é a consequência de nosso Credo, conhecido como Símbolo Apostólico, onde professamos: “Creio...na comunhão dos santos...”. Esta pequena frase nos indica e afirma que a nossa relação com os santos é contínua porque acreditamos na não –interrupção da comunhão eclesiástica pela morte e no fortalecimento da mútua comunicação dos bens espirituais (LG no 49; compare com Rm 8,38-39). A Igreja dos peregrinos sempre teve e continua tendo perfeito conhecimento dessa comunhão reinante em todo Corpo Místico de Jesus Cristo (LG 50). Podemos dizer e afirmar que no culto dos santos é o mistério íntimo da Igreja, peregrina e celestial, único Corpo de Cristo, que se manifesta em toda sua amplitude - de tempo e espaço - e profundidade, por seu enraizamento em Deus e em Cristo, na unidade do Espírito. A Igreja venera os santos como exemplos. A Igreja apresentou aos fiéis ao longo das gerações os santos, exemplos de santidade, atraentes por sua intercessão na presença do Pai e estimulantes da vocação comum de todos os fiéis à santidade. O Culto aos santos une-nos a Igreja celestial. Dá-nos testemunho de nosso destino final.


II. As bem-aventuranças são o programa proposto por Jesus aos que querem segui-lo com todas as consequências.


Neste dia em que celebramos a festa de todos os santos, reconhecidos e anônimos incontáveis, como descreve o livro do Apocalipse. Além disso, nunca podemos esquecer que há exemplos de santidade e heroísmo cristão em outras Igrejas, religiões, povos e culturas. Reconhecer essa presença é uma ajuda para superar os nossos preconceitos e para acolher com alegria esses parceiros na construção do Reino de Deus ou do mundo mais fraterno), lemos o evangelho das bem-aventuranças de Mateus. Dentro do contexto da festa, as bem-aventuranças abrangem os três momentos do tempo: celebramos os bem-aventurados do passado que testemunhavam sua fé heroicamente; celebramos também a nossa vocação à felicidade sem fim, à santidade futura: razão de nosso ser, de nossa vida, de nossa peregrinação e de nossa adoração a Deus, pois aquele que sabe aonde vai e sabe do caminho também, tem muitas possibilidades de ser feliz e de usufruir de todas as coisas boas que Deus lhe oferece diariamente. E por fim, olhando para estas bem-aventuranças, podemos celebrar no tempo presente a santidade, as bem-aventuranças, como dom ou graça presente porque elas são proclamação da amizade de Deus para as pessoas que participam do espírito destas bem-aventuranças. Elas são um prelúdio da felicidade eterna. As bem-aventuranças são, então, o código da nova aliança que não impõe preceitos imperativos mas enuncia-se como promessa, convite e proclamação para aqueles que as praticam.


Mateus inicia o Sermão da Montanha com as bem-aventuranças (em grego, makariori). No grego clássico, esta palavra (makariori) significava “felicidade, boa sorte, bem estar”. Píndaro, Platão e Aristóteles, por exemplo, a usaram regularmente em saudações, para enviar votos de felicidade e para descrever a pessoa bem-nascida, educada ou feliz. O uso que Mateus dá à palavra tem esse mesmo sentido de perfeição, alegria e recompensa em decorrência de se viver da maneira que as bem-aventuranças encorajam.


As bem-aventuranças começa com dois versículos introdutórios bem densos teologicamente: “Vendo Jesus as multidões, subiu à montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os ensinava...”


Jesus vê as multidões. O olhar de Jesus é o olhar de Deus: penetrante e fascina. O olhar que não fica na superfície, mas penetra profundamente, atinge o coração e vê o que está no íntimo do homem. Os olhos de Jesus são os que sabem comunicar para estabelecer um contato. As multidões que Jesus enxerga diante de si são aquelas que lhe seguiram, aquela massa heterogênea, vindo de todas as partes de Israel (Mt 4,25). O discurso vai-se dirigir, portanto, a toda a terra de Israel, aos representantes de todos os distritos e de todas as tribos. Isto já basta para sublinhar a importância do discurso que vem em seguida.


Jesus subiu ao monte. A palavra “monte” simboliza o lugar de Deus e o de sua manifestação (Sinai, Horeb, Tabor etc.), a esfera divina, o do encontro com Deus. Jesus nos convida a subir ao monte. Nossa vida deve ser sempre uma subida espiritual até chegar a Deus, à esfera divina. Quando o cristão estiver no lugar de Deus, ele poderá enxergar melhor sua vida e as pessoas ao seu redor. Consequentemente, à vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, à arrogância uma educação sem falha e ele transforma sua crítica em humildes sugestões, sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão e sua caridade em delicadeza.


Jesus sentou-se. “Estar sentado” é a atitude própria do mestre. Nas sinagogas sentados os rabinos ensinavam na cátedra de Moisés (Mt 23,2). Esta observação, sentar-se, revela que se trata de uma instrução importante, de um ensinamento oficial. A expressão também enfatiza a importância do ensinamento que vai começar imediatamente. Com isso, Jesus interpreta normativamente a Palavra de Deus. E ele traduz a Palavra de Deus para aquela multidão, mais acostumada a ouvir do que a ler, como chamas que iluminam e esquentam, mas que também queimam.


Os discípulos aproximaram-se de Jesus. A palavra “discípulo” aqui significa literalmente “aprendizes” ou “estudantes”. “Discípulo” é uma das palavras preferidas de Mateus e “membros de sua comunidade”. Ao dizer que os discípulos aproximaram-se de Jesus, Mateus quer nos dizer que não existe mais a distância que separe o ser humano de Deus. Se no Antigo Testamento só Moisés que subiu ao monte para encontrar-se com Deus e para receber o decálogo (cf. Ex 19-20), agora a partir de Jesus, qualquer ser humano tem o acesso a Deus. Mateus justamente quer nos mostrar, através de seu evangelho, que Deus é Emanuel, Deus conosco (Mt 1,23;18,20;28,20). A aproximação/subida dos discípulos mostra que não há mais distância entre Deus e o homem. Pela adesão a Jesus, superou a distância que os separava do Reinado de Deus (Mt 4,17: o Reino dos céus está próximo). Quem aderir a Jesus também não criará distância dos outros, pois os outros são passagem obrigatória para chegar até Deus.


Jesus pôs-se a falar e os ensinava. Ensinar é uma atividade característica de Jesus (Mt 4,23-25;9,35;11,1), que os discípulos só poderão assumir depois de ver Jesus Ressuscitado (Mt 28,16-20).


Quem são os felizes na proclamação de Jesus? Basta ler as oito bem-aventuranças!


O feliz é aquele que é pobre no espírito (v.3). O termo “espírito” na concepção semita conota sempre força e atividade vital. Os pobres em espírito são os “curvados de espírito” (anawim), os que se submetem interiormente, sem resistência, à vontade de Deus, os que aceitam humildemente o senhorio de Deus sobre suas vidas. Esta atitude de humildade diante de Deus, nascida da fé, se traduz em atitudes e condutas de desapego aos bens materiais, de bondade, de partilha que é a alma do projeto/plano de Deus, e de solidariedade.


Jesus declara felizes não os que são mansos por temperamento (v.4), mas os que, apesar de disporem de meios para fazer valer seus direitos, não são violentos nem agressivos mas pacientes e indulgentes pois a justiça do Reino não será imposta através da violência que destrói, nem pelo “extermínio dos filhos das trevas” mas através da força de Deus e como fruto da confiança inabalável na justiça de Deus em favor dos injustiçados e humilhados.


Jesus não canoniza a tristeza nem condena a alegria. Jesus declara felizes os que estão aflitos (v.5) por experimentarem a ausência da justiça de Deus mas continuam esperando em Deus pois só Ele pode converter a tristeza em alegria e o pranto em canto. Todos os que se afligem diante das manifestações do anti-Reino serão consolados com a certeza do amor de Deus, mesmo no meio das maiores aflições. E com a certeza de que os frutos do que agora semeiam com lágrimas, a bondade, a justiça, a lealdade, serão colhidos com cânticos.


Para Jesus são felizes aqueles que praticam a justiça e não iniquidade (v.6). A “justiça nova” proclamada por Jesus é o tema central do Sermão da Montanha. Esta palavra aparece cinco vezes no Sermão da Montanha, de um total de sete vezes em todo o evangelho (3,15; 5,6.10.20; 6,1.33;21,32). A justiça aqui significa viver em conformidade com a vontade de Deus, submeter-se a Ele sem restrições. É a prática dessa justiça, a conduta em conformidade com a vontade de Deus, que dá acesso ao Reino de Deus.


Os felizes não são os que, por índole natural, têm um coração sensível e sentimentos de compaixão (v.7), mas os que fazem gestos concretos de misericórdia, ajudando e servindo os necessitados. O justo é aquele que é misericordioso e doa (Sl 37,21). Não se reduz a um puro sentimento afetivo; exige um movimento efetivo em direção ao necessitado. Exige emoção no sentido mover-se em direção ao outro e com o outro. Ao sentir-se “comovidos” pelo sofrimento dos outros, os misericordiosos entram em ação para aliviar e, se possível, curar o sofrimento atacando suas causas. O amor misericordioso constitui o centro do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo. Tudo que Jesus faz, nasce de suas entranhas de misericórdia. A misericórdia pertence ao núcleo da pregação de Jesus em Mateus (5,17-20;9,13;12,7;25,31-46; cf. também 18,23-35;6,14s).


Os que olham o mundo, as pessoas com os olhos de Deus são declarados felizes(v.8), pois tudo isso é a expressão da pureza do coração, um coração limpo, simples e sincero. É declarado feliz quem se põe a serviço de Deus e dos homens sem cálculos interesseiros e sem falsa piedade; o feliz é quem é transparente no pensar e no agir.


Os felizes não são os que têm temperamento tranquilo, que desfrutam da paz interior do coração e que não perturbam os outros, mas os que fazem, constroem, promovem a paz no dia-a-dia (v.9), tecendo laços novos de solidariedade, de verdade e de justiça (cf. Sl 34,14s). A paz(shalom) é síntese de todos os bens messiânicos, como dom aos homens que Deus ama (Lc 2,14). Aos construtores da paz é feita a promessa solene de que no juízo final lhes será dado o maior de todos os títulos: “Serão chamados filhos de Deus”.


E na última bem-aventurança(vv.10-12) se sublinha uma verdade: se não sofremos nenhuma forma de perseguição, de injúrias e calúnias por causa do Evangelho é sinal de que não optamos verdadeiramente por Jesus e seu Reino, pois o Evangelho que não incomoda mais não é mais o evangelho. Quem, ao anunciar o Evangelho, for aplaudido por todos e sobretudo pelos donos de poder, pode estar certo de que ele ainda não é o profeta verdadeiro, pois ele deixou de ser o sal da terra para converter-se em adoçante. Tirar do evangelho de Jesus o que possa ferir os que podem matar porque têm em suas mãos os poderes mortíferos da terra significa trair o evangelho e parar de ser cristão. O teste para verificar a fidelidade a Jesus de cada cristão, de cada comunidade cristã, e da Igreja como um todo, é ser ou não ser perseguido pelas forças do anti-Reino porque as razões da perseguição só podem ser mentirosas e as testemunhas só podem ser falsas. No caso de perseguição (como também na primeira bem-aventurança), a promessa é formulada no presente: “Deles é o Reino dos céus”. O reino lhes pertence desde agora.


Portanto, que cada um de nós que se chama cristão, se pergunte: o que falta ainda em mim destas bem-aventuranças? Quais delas tenho vivido? E por que ainda não tenho vivido algumas dessas bem-aventuranças?


P. Vitus Gustama,svd

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