quinta-feira, 11 de agosto de 2016

12/08/2016




MATRIMÔNIO E SUA INDISSOLUBILIDADE NO PLANO DE DEUS


Sexta-Feira da XIX Semana Comum


Primeira Leitura: Ez 16,1-15.60.63


1 A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 2 “Filho do homem, mostra a Jerusalém suas abominações. 3 Dirás: Assim fala o Senhor Deus a Jerusalém: Por tua origem e nascimento és do país de Canaã. Teu pai era um amorreu e tua mãe uma hitita. 4 E como foi o teu nascimento? Quando nasceste, não te cortaram o cordão umbilical, não foste banhada em água, nem esfregada com salmoura nem envolvida em faixas. 5 Ninguém teve dó de ti, nem te prestou algum desses serviços por compaixão. Ao contrário, no dia em que nasceste, eles te deixaram exposta em campo aberto, porque desprezavam a tua vida. 6 Então, eu passei junto de ti e vi que te debatias no próprio sangue. E enquanto estavas em teu sangue, eu te disse: “Vive!” 7 Eu te fiz crescer exuberante como planta silvestre. Tu cresceste e te desenvolveste, e chegaste à puberdade. Teus seios se firmaram e os pelos cresceram; mas estavas inteiramente nua. 8 Passando junto de ti, percebi que tinhas chegado à idade do amor. Estendi meu manto sobre ti para cobrir tua nudez. Fiz um juramento, estabelecendo uma aliança contigo — oráculo do Senhor —, e tu foste minha. 9 Banhei-te na água, limpei-te do sangue e ungi-te com perfume. 10 Eu te revesti de roupas bordadas, calcei-te com sandálias de fino couro, cingi-te de linho e te cobri de seda. 11 Eu te enfeitei de joias, pus braceletes em teus braços e um colar no pescoço. 12 Eu te pus um anel no nariz, brincos nas orelhas e uma coroa magnífica na cabeça. 13 Estavas enfeitada de ouro e prata, tuas vestimentas eram de linho finíssimo, de seda e de bordados. Eu te nutria com flor de farinha, mel e óleo. Ficaste cada vez mais bela e chegaste à realeza.14 Tua fama se espalhou entre as nações por causa de tua beleza perfeita, devido ao esplendor com que te cobri — oráculo do Senhor. 15 Mas puseste tua confiança na beleza e te prostituíste graças à tua fama. E sem pudor te oferecias a qualquer passante. 60 Eu, porém, me lembrarei de minha aliança contigo, quando ainda eras jovem, e vou estabelecer contigo uma aliança eterna. 63 É para que te recordes e te envergonhes, e na tua confusão não abras mais a boca, quando eu te houver perdoado tudo o que fizeste, — oráculo do Senhor Deus”.


Evangelho: Mt 19, 3-12


Naquele tempo, 3alguns fariseus aproximaram-se de Jesus, e perguntaram, para tentá-lo: “É permitido ao homem despedir sua esposa por qualquer motivo?” 4 Jesus respondeu: “Nunca lestes que o Criador, desde o início, os fez homem e mulher? 5 E disse: ‘Por isso, o homem deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’? 6 De modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe”. 7 Os fariseus perguntaram: “Então, como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio e despedir a mulher?” 8 Jesus respondeu: “Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração. Mas não foi assim desde o início. 9 Por isso, eu vos digo: quem despedir a sua mulher – a não ser em caso de união ilegítima – e se casar com outra, comete adultério”. 10 Os discípulos disseram a Jesus: “Se a situação do homem com a mulher é assim, não vale a pena casar-se”. 11 Jesus respondeu: “Nem todos são capazes de entender isso, a não ser aqueles a quem é concedido. 12 Com efeito, existem homens incapazes para o casamento, porque nasceram assim; outros, porque os homens assim os fizeram; outros, ainda, se fizeram incapazes disso por causa do Reino dos Céus. Quem puder entender entenda”.
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Deus Continua Nos Amando Apesar De Nossos Pecados. É Preciso Voltar Ao Amor De Deus Que Nos Salva


Fiz um juramento, estabelecendo uma aliança contigo e tu foste minha. Eu me lembrarei de minha aliança contigo, quando ainda eras jovem, e vou estabelecer contigo uma aliança eterna. É para que te recordes e te envergonhes, e na tua confusão não abras mais a boca, quando eu te houver perdoado tudo o que fizeste” é o oráculo do Senhor através da boca do profeta Ezequiel que lemos na Primeira Leitura de hoje.


O texto da Primeira Leitura é tirado do capítulo dezesseis do livro do profeta Ezequiel. O Ez 16 é uma meditação do profeta Ezequiel sobre a história de Jerusalém e de sua missão para estabelecer o Reino de Deus no mundo. Trata-se de um capítulo belo da Sagrada Escritura escrito com a maior força e paixão.


Com uma grande alegoria, mediante a imagem de matrimônio, o profeta Ezequiel descreve a história de Israel desde suas origens até a renovação da aliança. O profeta Ezequiel escreveu que toda a história de Israel com Deus é uma luta constante entre o amor de Seus, de um lado e os contínuos pecados de Jerusalém, do outro lado. Assim como as relações com Deus são descritas como uma história de amor do esposo para com a esposa, as relações com os ídolos são explicadas com a imagem da prostituição ou fornicação como uma manifestação da infidelidade de Israel contra o Senhor. Trata-se da infidelidade, que, às vezes, foi a mesma prostituição sagrada praticada pelos judeus e certas religiões cananeias nos santuários. A história de Israel é feita de pecados e ingratidões.


Apesar disso, o profeta Ezequiel quer enfatizar sobre este fato tão escuro da história de Israel que sobressaem e brilham extraordinariamente a bondade e o imenso e gratuito amor de Deus para seu povo. Desde princípio o próprio Deus tomou a iniciativa, quando o povo não tinha nem mérito nem valor: “No dia em que nasceste, eles te deixaram exposta em campo aberto, porque desprezavam a tua vida. Então, eu passei junto de ti e vi que te debatias no próprio sangue. E enquanto estavas em teu sangue, eu te disse: ‘Vive!’. Eu te fiz crescer exuberante como planta silvestre”.


Ao longo de sua vida, Deus inunda o povo de todo tipo de bens, mas o próprio povo utiliza todos os bens de Deus para cometer pecados. Mas a atitude maravilhosa e surpreendente de Deus perdoa o povo. Apesar da infidelidade Deus restabelece a aliança. Trata-se de uma pura benevolência de Deus. O que se exige do povo é o arrependimento e a conversão.


Este texto do profeta Ezequiel nos leva a algumas afirmações mais importantes do Novo Testamento: “Deus nos amou primeiro” (1Jo 4,10ss); “Deus que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo...” (Ef 2,4ss). O amor de Deus é um amor totalmente gratuito: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espirito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).


O profeta Ezequiel quer nos transmitir a certeza de que não há pecado, por grave que seja e por numerosos que sejam pecados cometidos, que não possa ser perdoado por Deus: “Ainda que vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim, tornar-se-ão como a lã” (Is 1,18). Deus é rico em misericórdia. A única condição é que nos convertamos para recomeçar nossa vida na graça abundante de Deus. A misericórdia está sempre na nossa frente. É preciso olharmos sempre para a misericórdia de Deus e as sombras de nossa vida vão ficar para trás. Quando não acreditarmos mais na misericórdia de Deus, as sombras de nossa vida vão escurecer nossa caminhada e ficaremos infelizes e confusos para o resto de nossa vida.


Matrimônio É o Sacramento de Amor: o Amor mútuo entre Os Esposos e o Amor Deus Para Os Esposos


O que Deus uniu, o homem não separe”.


Terminado o discurso sobre a vida comunitário ou discurso eclesial (Mt 18), seguem algumas recomendações de Jesus em seu caminho para Jerusalém. Desta vez é sobre a questão de divórcio.


Na época de Jesus, a Lei permitia a possibilidade de um homem repudiar a mulher (mas nenhuma mulher tinha direito de repudiar seu marido). A lei determina que o homem (marido) dê um documento legal de divórcio, que a deixe livre para se casar novamente (Dt 24,1-4; Jr 3,8). O Deuteronômio dá uma razão geral para o marido divorciar-se da mulher: “Esta não encontra mais graça aos seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente” (Dt 24,1). Expressa, então, a superioridade do homem e seu domínio sobre a mulher e reflete a opressão exercida em todos os níveis da sociedade na época. A mulher é considerada como objeto ou propriedade do homem (uma moça solteira era propriedade de seu pai; uma mulher casada era propriedade de seu marido).


Questionando Jesus sobre o divórcio, os fariseus se aproximam de Jesus para tentá-lo: “É lícito a um marido repudiar sua mulher?” Se responder “sim”, Jesus se mostrará como seguidor de Moisés, assim Jesus não será maior do que Moisés. Se responder “não”, Jesus estará em oposição à lei de Moisés. Logo Jesus será desprezado pelo povo.


Jesus, porém, não está preocupado com a lei que mantém a lógica dominante. Ele levanta duas questões: Por que Moisés escreveu tal lei? E será que Moisés a escreveu com intenção de permitir o divórcio? Por isso, Jesus responde: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne/ser”. Para o hebreu, coração significa o centro da pessoa, da sua liberdade, dos seus relacionamentos: lá onde a pessoa se abre e se dá na conversão, no amor e no compromisso. A vitória do Reino será justamente a transformação do coração humano. A condição de “dureza de coração” impede que se perceba o valor que cada pessoa tem aos olhos de Deus (3,5); e ela causa cegueira diante da manifestação do Amor de Deus (Mt 6,52;8,17).


O que Deus uniu o homem não separe”, afirma Jesus. Jesus deixa de lado a casuística e afirma a indissolubilidade do matrimônio, recordando o plano de Deus: “Desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe ”. O plano é de Deus: Ele é quem quer que exista essa atração e esse amor entre o homem e a mulher com uma admirável complementaridade, e, além disso, com a abertura ao milagre da vida (gerar) no qual colaboram com o próprio Deus Criador.


No Sermão da Montanha Jesus desautorizava o divórcio (Mt 5,31-32). Aqui apela para a vontade original de Deus, que comporta uma união mais séria e estável, não sujeita a um sentimento passageiro ou a um capricho. O texto mostra que a união matrimonial, no plano de Deus, transforma os cônjuges em “companheiros de eternidade”: “O que Deus uniu...”. Para Jesus a mais alta concepção humana do amor conjugal é um dom de Deus. Isso significa que para se casar o homem e a mulher devem se deixar inspirar por Deus para poderem amar indissoluvelmente, fielmente e infinitamente.


Ao mesmo tempo, negando o divórcio, Jesus estabelece a dignidade da mulher, que não pode ser tratada como  a era tratada naquele tempo com a visão machista. O que Deus quer é a igualdade entre as pessoas. Por isso, o homem não é superior à mulher. E Jesus nos chama a valorizarmos as pessoas conforme o plano de Deus e não para tirar vantagens de uma relação.


Tudo que Jesus afirma nos recorda a necessidade de cada comunidade eclesial levar a sério o matrimônio: a preparação humana e psicológica do matrimônio, sua celebração, seu acompanhamento depois..., pois o amor que Deus quer é estável, fiel e maduro. Se o matrimônio se aceita com todas as consequências, não buscando somente a si mesmo, mas a admirável comunhão de vida que supõe a vida conjugal evidentemente é comprometido, nobre e gozoso.


A definitividade do matrimônio faz com que o amor se torne cada vez mais maduro, pois ele é refletido toda vez que encontra sua dificuldade e seus obstáculos. Precisamente na medida em que os momentos de crise matrimonial se superam, cresce também uma nova dimensão do amor e ao mesmo tempo se abre uma porta para uma dimensão da vida. Na superação de cada momento de crise abre-se uma porta para uma nova dimensão da convivência matrimonial e familiar. Com efeito, a verdadeira beleza do matrimônio não consiste apenas na sua harmonia, mas também na superação de cada momento de crise.


 A beleza do matrimônio também consiste em ser ninho do amor e de outros valores. A família é o ambiente em que cada um aprende a dar e a receber o amor; a sacrificar pelo outro, a ser solidário com o outro, a carregar juntos o fardo que se encontra na caminhada, a perdoar mutuamente pelas ofensas que muitas vezes são frutos não da maldade, mas das limitações naquele momento em que elas ocorreram. A grandeza de um matrimônio e de uma família consiste na entrega sincera de si mesmo ao outro, de ser fiel um ao outro. “Se você quiser ser fiel até a morte, deve estar disposto a mudar durante toda a sua vida. Os esposos fiéis podem olhar-se nos olhos sem temores” (René Juan Trossero).


Por isso, a beleza de um matrimônio consiste na transmissão dos valores para os filhos. Nada pode substituir a existência de uma família, pois ela é a base de uma história, de um crescimento, da maturidade humana e cristã. A família é um bem necessário para cada ser humano para toda a sua vida. Não é por acaso que cada família cristã é chamada de Igreja doméstica, pois através da vivência dos valores a família se torna uma comunidade de graça e uma escola das virtudes humanas e cristãs. A linguagem da fé de cada cristão se aprende no lar. A fé e a ética cristã se aprendem no lar que vão marcar a vida de cada membro para o resto da vida. Nenhum de nós adquiriu por si só os conhecimentos básicos para a vida. Cada um recebe de outros, principalmente da família, a vida e as verdades básicas para viver uma vida sadia pessoal, social e comunitariamente. Neste sentido, os próprios pais são exemplo e professores das virtudes humanas e cristãs. Somente desta maneira cada família pode superar a cultura que exalta o egoísmo e o individualismo como se cada um se fizesse só e se bastasse a si mesmo esquecendo o valor de uma relação com os outros e sua responsabilidade diante dos outros.


Ao lermos este texto sabemos que Jesus não queria ensinar que o casamento é um simples contrato legal que não pode ser dissolvido. Pois um simples contrato pode sempre ser dissolvido, porque se trata apenas de um acordo entre duas vontades humanas. Com sua resposta, Jesus quer mostrar que o casamento é mais do que uma lei. Ele é graça de Deus. É uma união de amor. “O amor é o único jogo no qual dois podem jogar e ambos ganharem” (Erma Freesman). “O fundo de uma agulha é bastante espaçoso para um casal que se ama; mas o mundo todo é pequeno para dois inimigos” (Solomon Ibn Gabirol).  É neste nível que deve ser compreendido, e é neste plano que os esposos devem viver. Jesus dá, então, ao casamento uma dignidade nova.


Se a instituição do matrimônio é tão ameaçada atualmente talvez porque nossa cultura tenha aspectos que favoreçam a condição de dureza de coração. Valoriza-se a liberdade, mas sem compromissos. Cria-se um conceito da afetividade e sexualidade que é baseado mais no egoísmo do que no respeito pela dignidade do outro, e no espírito de doação.


Hoje sentimos como é necessário ajudar as pessoas a conhecerem a pessoas de Jesus, e a encarar a vida conjugal como uma vocação, ou seja, como um chamamento a viver o Amor do Reino neste estado de vida. Continuamos na obrigação de educar para um amor capaz de assumir compromissos definitivos. Isso se faz para valorizar a confiança mútua, a fidelidade ao outro e a si mesmo, para dar uma chance à felicidade que estava no plano de Deus desde o começo. Não vemos casamento indissolúvel como uma obrigação a ser carregada, e sim como um direito que não deve ser sacrificado num mundo que fez do descartável um modo de vida. Responsabilidade, desejo de fidelidade, seriedade na palavra empenhada têm muito a ver com o direito de ser e fazer feliz.


Não separe o homem o que Deus uniu”, diz Jesus. Jesus está sempre contra a corrente. Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres, qualquer seja a sua idade. O ser humano foi criado à imagem de Deus por amor. O casal humano é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de encarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens recusarem este dom, impedirão Deus de imprimir neles a sua imagem. O casamento indissolúvel é um grito para todas as pessoas ao redor que existe o amor. É o mesmo que dizer: Deus existe, pois ele é Amor (1Jo 4,8.16).


A lição da fidelidade estável vale igualmente para os que optaram por outro caminho, o do celibato. Disso fala Jesus hoje quando afirma que há quem renuncia ao matrimônio e se mantém celibatário “pelo Reino dos Céus”, como fazem os ministros ordenados e os religiosos: não para não amar e sim para amar mais e de outro modo, para dedicar sua vida inteira, também como sinal, a colaborar na salvação do mundo. Jesus apresenta o celibato como um dom de Deus, e não como uma opção que seja possível para todos.


Deus abençoe todas as famílias, todos os casados e todos os futuros casados, todos os ministros ordenados e religiosos.


P.Vitus Gustama, svd

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