sábado, 11 de março de 2017

13/03/2017
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A MISERICÓRDIA NOS APROXIMA DE DEUS E NOS TORNA IRMÃOS PARA O PRÓXIMO


Segunda-Feira da II Semana da Quaresma


Primeira Leitura: Dn 9,4b-10


4b “Eu te suplico, Senhor, Deus grande e terrível, que preservas a aliança e a benevolência aos que te amam e cumprem teus mandamentos; 5 temos pecado, temos praticado a injustiça e a impiedade, temos sido rebeldes, afastando-nos de teus mandamentos e de tua lei; 6 não temos prestado ouvidos a teus servos, os profetas, que, em teu nome, falaram a nossos reis e príncipes, a nossos antepassados e a todo povo do país. 7 A ti, Senhor, convém a justiça; e a nós, hoje, resta-nos ter vergonha no rosto: seja ao homem de Judá, aos habitantes de Jerusalém e a todo Israel, seja aos que moram perto e aos que moram longe, de todos os países, para onde os escorraçaste por causa das infidelidades cometidas contra ti. 8 A nós, Senhor, resta-nos ter vergonha no rosto: a nossos reis e príncipes, e a nossos antepassados, pois que pecamos contra ti; 9 mas a ti, Senhor, nosso Deus, cabe misericórdia e perdão, pois nos temos rebelado contra ti, 10 e não ouvimos a voz do Senhor, nosso Deus, indicando-nos o caminho de sua lei, que nos propôs mediante seus servos, os profetas”.


Evangelho: Lc 6,36-38


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 36 "Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso. 37 Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados; 38 dai, e dar-se-vos-á. Colocar-vos-ão no regaço medida boa, cheia, recalcada e transbordante, porque, com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também".
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Reconhecer-se Pecador É o Ponto De Partida Para a Conversão


Eu te suplico, Senhor, Deus grande e terrível, que preservas a aliança e a benevolência aos que te amam e cumprem teus mandamentos; temos pecado, temos praticado a injustiça e a impiedade, temos sido rebeldes, afastando-nos de teus mandamentos e de tua lei; não temos prestado ouvidos a teus servos, os profetas, que, em teu nome, falaram a nossos reis e príncipes, a nossos antepassados e a todo povo do país”. É a oração de Daniel que lemos na Primeira Leitura.


Começamos a segunda semana da Quaresma com uma oração penitencial posta nos lábios de Daniel. Daniel reconhece a culpa do povo eleito, tanto do Sul (Judá) como do Norte (Israel), tanto do povo como de seus dirigentes. Ele pede perdão por que o povo não prestaram atenção para os profetas que Deus enviou para o meio deles: “Não temos prestado ouvidos a teus servos, os profetas, que, em teu nome, falaram a nossos reis e príncipes, a nossos antepassados e a todo povo do país”. Daniel pede o perdão a Deus pelos pecados de todos.


Por outro lado, Deus continua sendo fiel ao Seu povo. Aqui Daniel faz uma emocionada confissão da bondade de Deus: “Deus grande e terrível, que preservas a aliança e a benevolência aos que te amam e cumprem teus mandamentos...  A ti, Senhor, nosso Deus, cabe misericórdia e perdão, pois nos temos rebelado contra ti”.


Reconhecer nossa debilidade é o melhor ponto de partida para a conversão pascal, para nossa volta aos caminhos de Deus. Aquele que se crê santo, não se converte. Aquele que se sente rico, não pede. Quem que acha que sabe de tudo, não pergunta. O verdadeiro santo é aquele que se converte permanentemente, pois ele percebe a santidade de Deus, por um lado, e reconhece sua própria pecaminosidade, por outro lado.


A partir da oração de Daniel, cada um de nós precisa se perguntar: quais são meus pecados, minhas falhas desde a Páscoa do ano passado? Depois do exame da consciência, façamos nossa a súplica do Salmo Responsorial: “Não lembreis as nossas culpas do passado, mas venha logo sobre nós vossa bondade, pois estamos humilhados em extremo. Ajudai-nos, nosso Deus e Salvador! Por vosso nome e vossa glória, libertai-nos! Por vosso nome, perdoai nossos pecados!”.


Em segundo lugar, a oração de Daniel pode ser um perfeito guia para compor nossa oração mundial em momentos tão críticos como os que vivemos. Cada cristão é batizado para ser enviado ao mundo a fim de conduzir as pessoas para Deus. Por isso, cada cristão tem tarefa de rezar não somente pelas próprias necessidades, mas também pela necessidade do mundo inteiro. O cristão tem que pedir também o perdão pelos pecados que a humanidade cometeu para todos possam voltar a viver na fraternidade universal. Temos que rezar por todos os que encontramos em qualquer lugar e em qualquer situação. Somos irmãos de todos, pois o Deus em que acreditamos é o Pai comum.


Somos chamados a Ser Misericordiosos Como Deus Pai Que Não Se Cansa De Nos Perdoar


Se a direção da Primeira Leitura é o reconhecimento dos pecados e o pedido do perdão a Deus, o texto do Evangelho de hoje nos faz tirarmos as consequências: Jesus nos ensina a sabermos perdoar o próximo. E o programa é muito concreto e progressivo: “Sede misericordiosos...Não julgueis... Não condeneis... perdoai...Dai...”. E o modelo a ser seguido é o próprio Deus: “Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. Esta atitude de perdão Jesus põe como condição para que sejamos perdoados por Deus: “Com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também". É o que pedimos no Pai-Nosso: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Às vezes somos duros de coração e sem piedade em nossos julgamentos contra o próximo. Por isso, devemos aceitar o outro passo que Jesus propõe: ser misericordioso e perdoar os demais como Deus é misericordioso e nos perdoa sempre.


O texto do evangelho deste dia faz parte do Sermão de Jesus chamado Sermão da Planície no evangelho de Lucas (Lc 6,20-49). Chamado de Sermão da Planície é para distingui-lo do Sermão da Montanha de Mateus (Mt 5-7). Se em Mateus Jesus faz seu Sermão no topo da montanha, em Lucas Jesus faz o Sermão na planície depois que Jesus na companhia dos discípulos desceram da montanha onde os Doze Apóstolos foram escolhidos (Lc 6,12-16). O Sermão da Planície é muito mais breve do que o Sermão da Montanha.


“Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”


 O texto do evangelho lido e proclamado neste dia fala da moral cristã que se caracteriza pelo fato de que é, habitualmente, uma imitação de Deus, e por isso, não é uma simples moral humana. Na sua primeira Carta são João diz: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16), e são Lucas diz no evangelho deste dia: “Deus é misericórdia”.  Em Mateus Jesus diz: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Em Lucas Jesus diz: “Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. Para o evangelista Lucas a perfeição cristã consiste na prática da misericórdia. Ser verdadeiro cristão, segundo Lucas, é imitar o Deus de amor e de misericórdia. Conseqüentemente, na vivência do amor e da misericórdia não haverá lugar para o julgar e o condenar do próximo.


O cristão deve ser reconhecível e reconhecido pelo amor (e pela misericórdia; cf. Jo 13,35). Jesus concebe este amor não como um sentimento e sim como uma atuação. Não é um simples sentimento humanitário. Este amor do qual fala Jesus tem uma raiz existencial: a realidade do Pai: "Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso”. É o Pai quem dá sentido ao amor vivido na fraternidade. Através do amor misericordioso vivido Deus reconhece o homem como filho Seu e o homem se reconhece como filho de Deus.


Segundo Jesus, ser misericordioso deve ser uma regra para todos os discípulos. Se no Antigo Testamento o ideal da perfeição era ser santo (cf. Lv 19,2; veja também 11,44), o Jesus de Lucas coloca a misericórdia como o ideal da perfeição para um cristão. O ideal da perfeição cristã consiste em estar em conformidade ou em sintonia com a misericórdia de Deus. A imitação e a vivência da misericórdia excluem o cristão de qualquer tipo de julgamento para assumir a atitude de perdão, pois o próprio Deus não usa de justiça contra nós pecadores e sim Ele usa de misericórdia. Sem a misericórdia de Deus ninguém sobreviveria sobre a face da terra.O amor apaixonado de Deus pelo seu povo — pelo homem — é ao mesmo tempo um amor que perdoa. E é tão grande, que chega a virar Deus contra Si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão vê já esboçar-se veladamente o mistério da Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-Se feito Ele próprio homem, segue-o até à morte e, deste modo, reconcilia justiça e amor” (Bento XVI: Carta Encíclica: Deus Caritas Est, 10).


A misericórdia não é simplesmente amor: é um amor que não conhece limites, barreiras, obstáculos, fronteiras: é um amor que sabe amar também quem se tornou indigno do amor. Enquanto o amor diz somente doação, a misericórdia diz super doação. A misericórdia é um especial poder do amor, que prevalece sobre o ódio, a infidelidade, a deslealdade, a ingratidão. Como diz João Paulo II: “Esse amor misericordioso é capaz de curvar-se ante o filho pródigo, ante a miséria humana e, sobretudo, ante a miséria moral, ante o pecado. A misericórdia se manifesta em seu aspecto verdadeiro e próprio quando valoriza, promove e explicita o bem em todas as formas de mal existente no mundo e no homem” (Dives in misericordia, no.6).


O melhor caminho para humanizar cada vez mais um ser humano é o do amor e da misericórdia. Um cristão cheio de amor e de misericórdia é muito humano e educado. Ele é tão humano que se transforma em uma manifestação daquilo que é divino. Naquele que ama tem algo divino, poisDeus é amor”. Jesus Cristo foi tão humano e por isso, foi tão divino. Para sermos divinos temos que ser muito humanos. É o paradoxo de ser cristão.


Para Jesus todos os pecados da humanidade têm a mesma origem: a cobiça que é a manifestação clara do próprio egoísmo. O objetivo de todos os atos de um egoísta é apenas seu próprio interesse. Enquanto que o verdadeiro amor é feito de doação, sem cálculos e sem interesses. Quem ama, ama o próprio amor. “O amor não tem mais razoes que o próprio amor” (Santo Agostinho. In epist. Joan. 8,5).


Em muitos momentos não fomos capazes de ser misericordiosos para com o próximo. Naquele momento em que fomos tão duros, impiedosos, inflexíveis até tão cruéis, apagamos a imagem do Deus misericordioso de nossa vida. Com esta atitude esquecemos aquilo que São Paulo nos diz: “Sois uma carta de Cristo escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tabuas de pedra, mas em tabuas de carne, nos corações” (2Cor 3,3). O Espírito de Deus vivo deve ser manifestado muito claro e muito encarnado na nossa vida para que os outros, até os “analfabetos” na consigam lê-lo.


Reconhecer nossa debilidade é o melhor ponto de partida para a conversão, para a nossa volta aos caminhos de Deus de misericórdia. Quem se acha santo, não se converte. Quem se acha rico, não pede. Quem se acha saber de tudo, não pergunta. Será que reconhecemos pecadores? Será que somos capazes de pedir o perdoa do fundo de nosso ser?


Alem de reconhecer nossa debilidade, temos que aceitar outro passo que Jesus nos propõe hoje: ser misericordioso e perdoar os demais como o próprio Deus é misericordioso e perdoa nossos pecados. Perdoar significa crer na capacidade que nós seres humanos temos para começar de novo. O perdão não é uma simples trégua para fazer tolerável a vida sem uma nova criação que nos aproxima do plano de Deus. Nosso grande desafio é chegarmos a entender que precisamos viver toda a existência cristã na dinâmica do perdão que é a dinâmica do começo e do recomeço permanente.


Para refletir:


·        “O julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a misericórdia. A misericórdia, porém desdenha o julgamento (Tg 2,13).


·        “A Igreja vive vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e do Redentor, e quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais ela é depositária e dispensadora. Neste contexto, assumem grande significado a meditação constante da Palavra de Deus e, sobretudo, a participação consciente e refletida na Eucaristia e no sacramento da Penitência ou Reconciliação” (João Paulo II: Carta Encíclica: Dives In Misericórdia, 13c).


“Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. Para Jesus as relações com o próximo são vistas a partir da perspectiva da misericórdia. O cristão não é aquele que tem função de condenar e sim que tem a tarefa de ser benigno e indulgente; é aquele que, como o Pai do céu, outorga misericórdia e encontra o gozo na ação. Vamos nos educar na misericordia de Deus para que voltemos a conviver com irmaos e irmãs, filhos e filhas do Pai da misericórdia.


P. Vitus Gustama,svd

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