Domingo,26/03/2017
JESUS É A
LUZ QUE JULGA O MUNDO
IV DOMINGO DA QUARESMA DO ANO “A”
I
Leitura: 1Sm 16,1b.6-7.10-13a
Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel:
1bEnche o chifre de óleo e vem para que eu te envie à casa de Jessé de Belém,
pois escolhi um rei para mim entre os seus filhos. 6Assim que chegou, Samuel
viu a Eliab e disse consigo “Certamente é este o ungido do Senhor!” 7Mas o
Senhor disse-lhe: Não olhes para a sua aparência nem para a sua grande
estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem: o
homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração”. 10Jessé fez vir seus sete
filhos à presença de Samuel, mas Samuel disse: “O Senhor não escolheu a nenhum
deles”. 11E acrescentou: “Estão aqui todos os teus filhos?” Jessé respondeu:
Resta ainda o mais novo que está apascentando as ovelhas”. E Samuel ordenou a
Jessé: “Manda buscá-lo, pois não nos sentaremos à mesa enquanto ele não
chegar”. 12Jessé mandou buscá-lo. Era Davi, ruivo, de belos olhos e de formosa
aparência. E o Senhor disse: “Levanta-te, unge-o: é este!” 13aSamuel tomou o
chifre com óleo e ungiu a Davi na presença de seus irmãos. E a partir daquele
dia o espírito do Senhor se apoderou de Davi.
II
Leitura: Ef 5,8-14
Irmãos: 8Outrora éreis trevas, mas
agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz. 9E o fruto da luz chama-se:
bondade, justiça, verdade. 10Discerni o que agrada ao Senhor. 11Não vos
associeis às obras das trevas, que não levam a nada; antes, desmascarai-as. 12O
que essa gente faz em segredo, tem vergonha até de dizê-lo. 13Mas tudo que é
condenável torna-se manifesto pela luz; e tudo o que é manifesto é luz. 14É por
isso que se diz: “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre
ti Cristo resplandecerá”.
Evangelho:
Jo 9,1-41
Naquele tempo: 1Ao passar, Jesus viu um
homem cego de nascença. 2Os discípulos perguntaram a Jesus: 'Mestre, quem pecou
para que nascesse cego: ele ou os seus pais?' 3Jesus respondeu: 'Nem ele nem
seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele.
4É necessário que nós realizemos as obras daquele que me enviou, enquanto é
dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5Enquanto estou no mudo, eu
sou a luz do mundo.' 6Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e
colocou-a sobre os olhos do cego. 7E disse-lhe: 'Vai lavar-te na piscina de
Siloé' (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando. 8Os
vizinhos e os que costumavam ver o cego - pois ele era mendigo - diziam: 'Não é
aquele que ficava pedindo esmola?' 9Uns diziam: 'Sim, é ele!' Outros afirmavam:
'Não é ele, mas alguém parecido com ele.' Ele, porém, dizia: 'Sou eu mesmo!'
10Então lhe perguntaram: 'Como é que se abriram os teus olhos?' 11Ele
respondeu: 'Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e
disse-me: 'Vai a Siloé e lava-te'. Então fui, lavei-me e comecei a ver.'
12Perguntaram-lhe: 'Onde está ele?' Respondeu: 'Não sei.' 13Levaram então aos
fariseus o homem que tinha sido cego. 14Ora, era sábado, o dia em que Jesus
tinha feito lama e aberto os olhos do cego. 15Novamente, então, lhe perguntaram
os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: 'Colocou lama sobre
meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!' 16Disseram, então, alguns dos fariseus:
'Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado.' Mas outros diziam:
'Como pode um pecador fazer tais sinais?' 17E havia divergência entre eles.
Perguntaram outra vez ao cego: 'E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?'
Respondeu: 'É um profeta.' 18Então, os judeus não acreditaram que ele tinha
sido cego e que tinha recuperado a vista. Chamaram os pais dele 19e
perguntaram-lhes: 'Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é
que ele agora está enxergando?' 20Os seus pais disseram: 'Sabemos que este é
nosso filho e que nasceu cego. 21Como agora está enxergando, isso não sabemos.
E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de
idade, ele pode falar por si mesmo.' 22Os seus pais disseram isso, porque
tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado
expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23Foi por isso
que seus pais disseram: 'É maior de idade. Interrogai-o a ele.' 24Então, os
judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: 'Dá glória a
Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador.' 25Então ele respondeu: 'Se ele
é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo.' 26Perguntaram-lhe
então: 'Que é que ele te fez? Como te abriu os olhos?' 27Respondeu ele: 'Eu já
vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis
tornar-vos discípulos dele?' 28Então insultaram-no, dizendo: 'Tu, sim, és
discípulo dele! Nós somos discípulos de Moisés. 29Nós sabemos que Deus falou a
Moisés, mas esse, não sabemos de onde é.' 30Respondeu-lhes o homem: 'Espantoso!
Vós não sabeis de onde ele é? No entanto, ele abriu-me os olhos! 31Sabemos que
Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua
vontade. 32Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de
nascença. 33Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada'. 34Os
fariseus disseram-lhe: 'Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?' E expulsaram-no
da comunidade. 35Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o,
perguntou-lhe: 'Acreditas no Filho do Homem?' 36Respondeu ele: 'Quem é, Senhor,
para que eu creia nele?' 37Jesus disse: 'Tu o estás vendo; é aquele que está
falando contigo.' Exclamou ele: 38'Eu creio, Senhor'! E prostrou-se diante de
Jesus. 39Então, Jesus disse: 'Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a
fim de que os que não vêem, vejam, e os que vêem se tornem cegos.' 40Alguns
fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: 'Porventura, também
nós somos cegos?' 41Respondeu-lhes Jesus: 'Se fôsseis cegos, não teríeis culpa;
mas como dizeis: 'Nós vemos', o vosso pecado permanece.'
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Os capítulo 9,1-10,42 formam uma seção que apresenta Jesus
como Luz (e bom pastor) que julga o mundo. O ponto de partida dessa seção é a
cura do cego de nascença. Ao devolver a visão ao cego de nascença, Jesus se
apresenta como a verdadeira Luz do mundo (Jo 8,12). A cura do cego de nascença
é o triunfo da luz sobre as trevas (cf. Jo 1,5).
A cura do cego de nascença é o sexto sinal realizado por
Jesus. Através desta cura João quer desenvolver o tema sobre a Luz do mundo que
é o próprio Jesus (Jo 8,12) que já se encontra logo no prólogo do seu
evangelho: “... a vida era a luz dos
homens. E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la”(Jo
1,4-5). Este tema se desenvolve já no capítulo 8 onde Jesus se autodefine como
Luz do mundo: “Eu sou a luz do mundo.
Quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12) e
que agora, no capítulo 9, este tema se aprofunda.
1. Quem É Culpado?
O episódio começa com a pergunta dos discípulos: “Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que
nascesse cego?” (v.2).
Segundo a mentalidade antiga, o bem-estar e a desgraça eram
fruto lógico da conduta moral adequada ou extraviada, respectivamente (Rm
6,23). A desgraça era efeito do pecado, que Deus castigava em proporção exata com
a gravidade da culpa. A partir deste princípio geral é que era evidente
considerar a enfermidade como conseqüência do pecado. Se o sofrimento ou
qualquer tipo de enfermidade era conseqüência do pecado, a causa dos defeitos
de nascimento havia que buscá-la nos pais ou antepassados, pois existia a idéia
de que os pecados se vingam nos filhos (cf. Ex 20,5; mas este texto opõe
somente o castigo limitado do Deus da Aliança: para quatro gerações; cf. também
Ex 34,6-7; Jó 34,10s).
Hoje em dia se fala da conexão entre obra e resultado ou a
causa e efeito. Os atos bons comportam uns efeitos bem precisos, e os atos maus
tem conseqüências negativas tanto para
os indivíduos como para a comunidade. Portanto, das seqüelas boas ou maus, da
felicidade ou desgraça, do bem-estar e da enfermidade, das catástrofes, etc.
pode deduzir-se a conduta boa ou mau de uma pessoa.
Embora não sofressem a desgraça dos leprosos, e não fossem
excluídos da cidade e da convivência, também os cegos eram considerados como
“pecadores”, por duas razões: Deus não os teria castigado com a cegueira, se
não cometessem algum pecado. Além disso, os cegos não tinham condições de
cumprir todos os mandamentos, por isso, dificultavam seu acesso ao Reino de
Deus. A cura da cegueira, naquele tempo praticamente impossível, só era
esperada através da intervenção de Deus num milagre. O cego de nascença, por
isso, representa uma pessoa que se encontra numa situação sem esperança.
O problema que surge deste tipo de pensamento afeta a fé. Se
Deus é o autor de todo bem, se Ele é o Deus de direito, da justiça e do amor,
não há dúvida de que o problema da injusta distribuição de bens e males no
mundo e na história constitui um gravíssimo escândalo para a fé em Deus. Daí que um homem como Jó
no AT não luta somente por seu direito, mas luta contra este tipo de Deus, pois
ele não fez nada de errado, no entanto sofreu. A experiência da injustiça
representa um dos ataques mais violentos contra a fé em Deus.
Até aqui podemos parar um pouco para tirar umas mensagens. Primeiro, a forma de ver as doenças como
castigo de Deus não terminou. Nós a encontramos no nosso povo que muitas vezes
vive os seus sofrimentos como se fosse uma punição divina.
O pecado é uma realidade humana; mas nós, cristãos,
acreditamos num Deus pronto a perdoar. Deus não se cansa de perdoar, pois não
pára de nos amar. É um Deus de amor e não de castigos. É claro que muitos de nossos sofrimentos são
conseqüência de nossos atos e opções e por isso, não tem que procurar em Deus o
porquê destes sofrimentos. Isto quer nos dizer que antes de fazer qualquer
coisa temos que parar para analisar quais serão as conseqüências disso tanto
positivas como negativas. Mas Deus está sempre do lado de qualquer homem e
contra o pecado e a mal e a maldade. O que Deus rejeita são as condições
desumanas em que vive a maioria da nossa população.
Segundo, é bom procurar as causas de um
sofrimento ou de qualquer falha ou erro, mas é melhor evitar qualquer tipo de
acusação ou ato de jogar culpa em qualquer pessoa sem sabermos bem as
principais causas. Afinal, o que pretendemos alcançar ao jogar culpa em alguém
ou ao acusar alguém? Teremos alguma solução através desta acusação?
Deus ataca o pecado sem atacar o pecador. Deus ama o pecador
e odeia o pecado (cf. Ez 18), e por isso, enviou seu Filho para salvar o
pecador (cf. Jo 3,16). Deus quer libertar o homem da culpa através do caminho
do amor cuja expressão máxima é o perdão. Para aprender a amar de verdade,
temos que aprender a perdoar sem limites (cf. Mt 18,21-22). Jesus deseja
desenraizar em nós o espírito de acusação, o mau espírito que o Apocalipse
chama de “o acusador de nossos irmãos”, o espírito que procura sempre um
culpado: “Nem ele nem seus pais pecaram,
mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus”, disse Jesus.
Jesus quer que abandonemos o espírito culpabilizado e culpabilizante e
transformemos nossos olhos em um grito à luz.
O estado do cego de nascença, por isso, não pode ser uma
figura da condição pecadora da humanidade. Seu estado simboliza outra
escuridão, aquela escuridão em que todo homem se encontra antes de ser
iluminado pela revelação do Filho de Deus ou pela Palavra de Deus. Podemos
traduzir estas trevas ou escuridão, em nossa linguagem como uma desorientação interior, isto é, aquele estado de desordem em que não se sabe aonde se vai e como
se vai, para que vive e por que vive. Esta desorientação interior certamente é
hoje um fenômeno difuso. E tal desorientação interior, quando não é
simplesmente sofrida com o desejo de sair dela, mas é assumida como sistema de
vida, faz com que a pessoa se deixe arrastar pelos impulsos e pelas situações
empíricas, sem nunca enfrentar o verdadeiro porquê das coisas.
Por isso, com a palavra “trevas” ou “escuridão” o
evangelista João quer indicar aquele caminhar ao acaso e mal, que é típico de
quem não tem um ponto de referência. Ele nos diz: o fato de não reconhecer
Jesus Cristo, como o sentido último da realidade que dá valor a todas as
coisas, faz com que as pessoas se encontrem nas trevas, sem pontos de
referência. Então se vai em frente ao acaso, tateando, com oscilações contínuas
de um extremo ao outro, sem nunca saber bem o que se faz e por que se faz, com
todas as conseqüências desastrosas desta desorientação que se resumem naquela
desordem das operações.
Com isso, Jesus quer sublinhar o para quê da enfermidade, e
não o seu porquê. Para Jesus o que é mais importante é a realização do milagre
da cura do cego, um milagre capaz de revelar Jesus como Luz do mundo. A
enfermidade vai servir para mostrar Deus em ação em Jesus Cristo. Em outras
palavras, Jesus justifica a enfermidade como um instrumento para esclarecer a
sua afirmação “Eu sou a luz”.
2. Jesus É A Luz Dos
Homens E A Fé Nele Faz O Homem Enxergar Melhor A Vida
Para o AT e para o judaísmo, a luz era símbolo da Lei e da
sabedoria. De ambas se dizia que eram a luz dos homens. No mundo helenista a
luz simbolizava o conhecimento de Deus. Os primeiros cristãos consideraram o
evangelho como a luz. Com sua auto-apresentação ou auto-revelação “Eu sou a
luz”, Jesus atribui à sua pessoa o que se havia dito da lei, de sabedoria, do
conhecimento de Deus e do evangelho. Jesus ilumina o mistério da existência
humana e procura e traz a salvação para os homens que a haviam esperado da lei.
Para Jesus é necessário que o homem aproveite a luz do dia, isto é, a presença
de Jesus. Sua ausência significa a irrupção/invasão do mundo das trevas, do
mundo antidivino.
Neste episódio, é Jesus quem inicia a obra de cura, não é o
cego que pede. E o modo de Jesus curar o cego nos surpreende: com saliva e
barro. Somente João e Marcos relatam esse gesto de Jesus de usar a saliva.
Nessa cura Jesus faz barro (lama) com a saliva e põe nos olhos do cego. O barro
que Jesus faz remonta ao primeiro relato da Criação (Gn 2,4b-25), no qual o ser
humano é moldado por Deus do barro e sopra nele o espírito da vida. A prática
de Jesus faz nascer o homem novo. Com o barro nos olhos, o cego é ordenado a ir
à piscina de Siloé: “Vai para a piscina de Siloé e lava-te”. Jesus toma a
iniciativa, mas quer que o cego faça alguma coisa. Ele obriga a pessoa a fazer
sua parte. A ordem que Jesus dá faz pensar naquela que o profeta Eliseu deu a
Naamã, o sírio, de ir mergulhar sete vezes no Jordão (2Rs 5). Naamã mostrava-se
reticente, mas o cego de nascença, como o funcionário real (Jo 4,50), obedece à
palavra de Jesus. É em Siloé que a lama se desfaz e o cego de nascença recebe a
visão.
O cego curado representa todas as pessoas que começam a
“enxergar” tudo a partir do momento em que aceitarem Jesus, Luz do mundo, e
viverem segundo seus ensinamentos. A narração nos mostra o itinerário ou o
processo de fé. O “lavado”, o batizado, o crente que aceita o Enviado (Jesus)
começa a ver, é iluminado, passa das trevas à luz, no entanto, não
repentinamente nem de uma maneira claramente perceptível ao exterior, mas
profundamente experimentado no interior. A palavra de Deus tem um poder
transformante. Em seu contato o homem deixa de ser como antes: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura.
Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova” ( 2Cor
5,17). A fé em Jesus, Luz do mundo possibilita o homem a enxergar a vida da
maneira que Deus a vê.
3. O Encontro De Cura Se
Transforma Em Encontro De Fé
O cego curado personifica o processo de fé. Primeiro se
limita a contar os fatos (Jo 9,11). Depois, e partindo dos fatos, descobre que
Jesus é profeta (Jo 9,17) que Deus o escutou. Portanto, Jesus não é pecador e
sim piedoso e justo (Jo 9,31). Ele é o Senhor (Jo 9,38). O cego se converte em
modelo de todos os crentes.
Jesus, no fim, se revela: “Tu acreditas no Filho do Homem?”.
Este homem responde: “Quem é ele, Senhor, para que eu creia nele?”. Jesus
declara: “Tu o estás vendo: é o que fala contigo”. Prontamente ele exclamou:
“’Creio, Senhor’! E prostrou-se diante dele ”. O encontro de cura se transforma
em encontro de fé. O cego vê e crê. Seu ver é símbolo do crer: vê a luz do
mundo, que é o Cristo.
4. Reconhecer Minha Cegueira
Possibilita A Aproximação Da Luz Que é o Cristo
Ao terminar esta reflexão vamos nos perguntar: Quais as
maiores cegueiras do nosso grupo ou da nossa comunidade/paróquia? Será que
realmente iluminamos os caminhos dos outros ou os escurecemos? Quantas vezes, de propósito, fingimos não
enxergar nossos defeitos ou fraquezas por nossa auto-suficiência ou arrogância,
como os fariseus? Cegos são os que não enxergam a verdade, o sofrimento dos
irmãos e nada fazem quando podem fazer muito.
“Não se vê bem sem o coração, pois o essencial é invisível
aos olhos”, diz o Pequeno Príncipe. Fomos feitos de barro (Gn 2,7) e só
aceitando nossa condição terrena, como o cego de nascença que aceitou a lama
colocada em seus olhos por Jesus, é que conseguimos ver melhor. Ver significa
encarar a própria verdade, principalmente aquilo que não nos agrada, mas contém
a verdade. Somente quem tem coragem de descer à sua própria condição como
criatura, somente quem é humilde é que consegue abrir os olhos e enxergar
melhor as pessoas e a realidade como elas são. Quem, em sua arrogância, se
recusa a olhar para a própria realidade permanece-se cego, estéril e vive
enganando e explorando os outros. Quem engana é porque tem um coração escuro. Cegos
são aqueles que somente sabem enxergar os próprios interesses e não as
necessidades dos outros.
Os que não querem ver a verdade também progridem em sua
cegueira, pouco a pouco chegam ou chegarão à obcecação. Os que chegam à
obcecação são aqueles que presumem ver, os que estão interessados em que não
haja mais luz que a luz de seus olhos, os que não sabem duvidar nem perguntar.
É muito difícil ver para aqueles que amam muito mais seu prestígio do que a
verdade; para aqueles que estão possuídos de sua autoridade e pretendem não
equivocar-se nunca até o extremo de exigir obediência cega; para aqueles que se
constituem a si mesmos em guia de cegos.
Todos os que se empenham
em julgar o bem a partir de sua legalidade e não questionam nunca sua
legalidade a partir do bem, são trevas: não vêem, não querem ver e não deixam
ver.
5. Nossa Cegueira Não Reconhecida
Lemos a história de um cego. Ele é um cego de nascimento.
Obscuridade total. Somente através de sentir o calor conhece a luz. Somente
pelo tato conhece as coisas. Somente pela palavra conhece as pessoas.
Fisicamente não somos cegos. Mas em certo sentido somos
cegos, porque vemos nada. Vemos escassamente a superfície das pessoas, das
coisas e dos acontecimentos, mas não vemos sua verdadeira e profunda realidade
ou dito biblicamente: “O homem olha para as aparências, mas o Senhor olha para
o coração”. O coração da vida nos é escapado sempre. Nós nos acreditamos
lúcidos, mas somos cegos e esta é a pior cegueira; não saber que estamos ou
somos cegos. Vemos as pessoas e as tratamos superficialmente e que muitas vezes
convertemos as pessoas em coisas para serem usadas. Outras vezes a pessoa se
converte em um número ou em um voto. Um ser anonimato. Outras vezes é um rival
a vencer ou um inimigo a ser eliminado.
Somos cegos para entender a mensagem de Deus em cada
acontecimento, embora tudo seja evidente, como os fariseus diante da cura de um
cego de nascença. Vemos os acontecimentos como algo rotineiro. Talvez fiquemos
admirados ou surpreendentes, mas de maneira passageira sem que nos deixar
alguns vestígios. É preciso se deixar interpelar pelos acontecimentos de cada
dia, sejam grandes ou pequenos. É preciso deixar-se encontrar por Jesus, Luz do
mundo para que voltemos a enxergar o sentido de cada pessoa humana, de cada
coisa e de cada acontecimento, como o cego de nascença que se deixou encontrar
por Jesus e voltou a enxergar como resultado deste encontro.
Podemos ler uma e mil vezes o evangelho sem ver Jesus ou sem
encontrar Jesus. Desde começo de seu Evangelho, João evangelista não deixa
repetir: “A luz brilha na noite, mas a noite não capta a luz” (Jo 1,5). Diante
do cego que “vê” e os fariseus que o olharam mas sem vê-lo, Jesus se sente
obrigado a constatar o que ocorre quando ele aparece: Os cegos vem e os que vem
se fazem cegos.
6. Deus Não Nos Abandona Mesmo Cercados De
Dificuldades
“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença... Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos
do cego. E disse-lhe: 'Vai lavar-te na piscina de Siloé', que quer dizer:
Enviado. O cego foi, lavou-se e voltou enxergando”.
Esse passo não era casual; estava já preparado desde toda a
eternidade: “Nem ele nem seus pais pecaram,
mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. É necessário que
nós realizemos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia”. A
iniciativa da salvação parte de Jesus. O cego não podia ver Jesus, mas Jesus o
via. Não é o cego que pede a luz. É a luz que se oferece ao cego. É a luz que
se aproxima das trevas.
Deus atua salvificamente no topo da crise. Quando se chega
ao limite do desespero, ai atua Deus. Quando Maria Madalena chora
desesperadamente perto do túmulo, aparece Jesus Ressuscitado. Quando Paulo está
no topo de sua violência contra os cristãos aparece Jesus identificado com
todos os perseguidos. Quando alguém apalpa o limite da incapacidade, então Deus
diz Sua palavra.
“Vai lavar-te na piscina de Siloé (que quer dizer: Enviado)”.
Não é uma água qualquer. É a água do Enviado. É a água que brotará do coração
de Cristo. É a água do Espírito e a piscina é a Igreja. Lavar-se na piscina de
Siloé é submergir-se em Cristo no seio da comunidade, o que chamamos Batismo.
Esta piscina (o Enviado, a piscina da graça) contrasta com a de Jo 5,2-7, a
piscina dos cinco pórticos (a Tora, piscina da Lei) onde era muito difícil
obter a cura. O cego enxerga porque recorre a Jesus.
Hoje pedimos ao Senhor que cure a nossa cegueira para que
possamos começar a ver tudo de maneira diferente: a vida, a verdade e os
irmãos, até os sofrimentos. Só assim caminharemos como filhos da luz, estrear
olhos novos, ver os outros como filhos de Deus e irmãos nossos.
P. Vitus Gustama,svd
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