sexta-feira, 29 de junho de 2018

Domingo, 01/07/2018
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SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO


Primeira Leitura: At 12,1-11
Naqueles dias, 1 o rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja, para torturá-los. 2 Mandou matar à espada Tiago, irmão de João. 3 E, vendo que isso agradava aos judeus, mandou também prender a Pedro. Eram os dias dos Pães ázimos. 4 Depois de prender Pedro, Herodes colocou-o na prisão, guardado por quatro grupos de soldados, com quatro soldados cada um. Herodes tinha intenção de apresentá-lo ao povo, depois da festa da Páscoa. 5 Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele. 6 Herodes estava para apresentá-lo. Naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois soldados, preso com duas correntes; e os guardas vigiavam a porta da prisão. 7 Eis que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela. O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: “Levanta-te depressa!” As correntes caíram-lhe das mãos. 8 O anjo continuou: “Coloca o cinto e calça tuas sandálias!” Pedro obedeceu e o anjo lhe disse: “Põe tua capa e vem comigo!” 9 Pedro acompanhou-o, e não sabia que era realidade o que estava acontecendo por meio do anjo, pois pensava que aquilo era uma visão. 10 Depois de passarem pela primeira e segunda guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade. O portão abriu-se sozinho. Eles saíram, caminharam por uma rua e logo depois o anjo o deixou. 11 Então Pedro caiu em si e disse: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava!”.


Segunda Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
Caríssimo: 6 Quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. 7 Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. 8Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa. 17 Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão. 18 O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.


Evangelho: Mt 16,13-19
Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” 14 Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15 Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. 17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
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Celebramos neste domingo a solenidade de duas colunas principais da Igreja: São Pedro e São Paulo. Os dois servem o mesmo Cristo embora de maneira diferente. Não há uma maneira só para servir Cristo e sua Igreja. Cada um dos dois tem suas qualidades. Mas como seres humanos eles também têm suas debilidades ou fraquezas. No entanto essas debilidades jamais deixam os dois de servir o Senhor e Sua Igreja.


1. Quando sou fraco, então é que sou forte


Estas palavras foram ditas pelo próprio Paulo na sua Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12,10). O “Quando sou fraco, então é que sou forte” reflete a vida destes dois grandes santos: Pedro e Paulo.


Pedro foi chamado de homem de pouca fé (Mt 14,31), de Satanás (Mt 16,23). Ele falhou em vigiar e orar junto com Jesus apesar do aviso de Jesus (cf. Mt 26,37-44; Mc 14,33-41). No momento da prisão de Jesus, numa atitude impetuosa, cortou a orelha de Malco, empregado do sumo sacerdote (Jo 18,10). No pátio de Caifás, a determinação de Pedro (cf. Mt 26,33-35) entrou em colapso, não diante de um tribunal, mas diante da pergunta de uma jovem empregada. Ele negou ser discípulo de Jesus (Mt 26,58.69-75). Mas apesar de tudo, ele reconhece que somente Jesus tem palavras de vida eterna (Jo 6,69). Ele sempre encabeça a lista dos discípulos (cf. Mt 10,2; Mc 3,16; Lc 6,14). Faz parte do círculo mais íntimo dos discípulos (Mc 5,37;9,2;13,3; Lc 8,51), e é o primeiro entre os discípulos (Mt 16,23; Jo 21,19). Ele admite sua ignorância (Mt 15,15; Lc 12,41; cf. também Jo 13,6-10 sobre o lava-pés) e a própria pecaminosidade (Lc 5,8). Ele questiona sobre o perdão e é advertido sobre as consequências do não- perdão (Mt 18,21-35).


Uma piedosa tradição conta que, durante a perseguição cruel de Nero, Pedro saía de Roma, abandonando a própria comunidade cristã em busca de um lugar mais seguro. Junto às portas da cidade, cruzou-se com Jesus que carregava a Cruz. Quando Pedro lhe perguntou: “Aonde vais, Senhor (Quo vadis, Domine)?” ouviu a resposta do Mestre: “Vou a Roma para deixar-me crucificar novamente”. Pedro entendeu a lição e voltou para a cidade onde o esperava a sua cruz. Um historiador antigo refere que Pedro pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, por sentir-se indigno de morrer como o seu Mestre, de cabeça para o alto. Apesar das suas fraquezas, Pedro foi fiel a Cristo, até dar a vida por Ele.


Ficamos perguntando, por que Pedro, homem que demonstra um pouco de volubilidade e que tem tantos defeitos, foi eleito por Jesus para ser rocha sobre a qual edifica sua Igreja e para apascentar as ovelhas de Jesus? (Cf. Jo 21,5-17). Até o próprio Pedro questiona Jesus sobre essa eleição (cf. Jo 21,21). Será que, ao reconhecer os próprios defeitos e fraquezas, Pedro terá condições de compreender os defeitos e fraquezas dos outros sem condená-los, mas ajudá-los a saírem destes? Pois aquele que já passou por uma experiência de miséria, normalmente, sabe repartir o que tem para quem não tem nada para viver. Nunca podemos compreender completamente os mistérios de Deus. Talvez o profeta Isaías tenha razão quando coloca estas palavras na boca de Deus: “Pois meus pensamentos não são os vossos, e o vosso modo de agir não é meu... meus pensamentos ultrapassam os vossos” (Is 55,8.9b). Por isso, junto com o salmista podemos rezar: “Ensina-me, Senhor, vosso caminho...!” (Sl 26,11), pois “os caminhos de Deus são perfeitos” (2Sm 22,31).


Paulo também passou por uma experiência dolorosa antes de conhecer Jesus Cristo. A queda de Paulo na estrada de Damasco foi a linha divisória para sua vida entre antes e depois (At 9,1ss). Essa queda é a chave geral para entender Paulo e toda a sua luta incansável.


Paulo sempre foi um homem profundamente religioso, judeu praticante, irrepreensível na mais estrita observância da Lei (Fl 3,6;At 22,3) cheio de zelo pelas tradições paternas(Gl 1,14). Para defender essas tradições, chegou a perseguir os cristãos e isso com o apoio do Sinédrio.


Mas na estrada de Damasco Paulo, em vez de perseguir, ele foi perseguido por Cristo. A entrada de Jesus na vida de Paulo não foi pacífica, mas sim de uma maneira violenta.


Deus não pediu licença a Paulo. Ele entrou e o derrubou (At 9,4;22,7;26,14). Caído no chão, Paulo se entregou. Lucas não diz que Paulo caiu do cavalo, mas “cai por terra”, porque essa é a fraseologia usada em alguns textos bíblicos para descrever a reação humana diante da manifestação divina. Paulo é interpelado duas vezes pelo seu nome hebraico, transcrito em grego: “Saoúl, Saoúl” (v.4). A repetição do nome corresponde ao esquema de diálogos de revelação aos patriarcas bíblicos: Abraão, Jacó, Moisés (Gn 22,1;46,2; Ex 3,4). A novidade na experiência de Paulo é a pergunta: “Por que você me persegue?” (v.4). Ela revela uma situação singular. Aquele que fala com Paulo, no contexto de uma luz divina, se identifica com aqueles que Paulo está perseguindo (v.5 ). A identificação de Jesus com os seus discípulos perseguidos coloca Paulo diante de uma escolha sem alternativas (cf. Mt 25,40.45). Ele precisa mudar radicalmente os seus projetos.


Uma luz o envolveu (v.3) e era tão forte que Paulo ficou cego. Ele começou a enxergar até que Ananias interveio para dar-lhe o sentido da sua aceitação na Igreja e da certeza de caminhar na via que leva a Deus. Paulo ressuscitou no exato momento em que foi acolhido na comunidade como irmão(v.18).


Paulo ganhou novos olhos. Ele via as mesmas coisas de sempre: a vida, as pessoas, a Bíblia, o povo, a sinagoga, o trabalho e tudo que pertencia ao seu mundo. Mas a nova experiência do amor de Deus em Jesus (Rm 8,39) mudou os olhos, e o ajudou a descobrir novos valores que antes não via. A visão de Deus é luz, mas para a carnalidade do homem é motivo de espanto e faz com que o homem perceba toda a escuridão em que se encontra. Em contato com Deus que é luz, o homem se reconhece que é trevas.       


O nascimento de Paulo, segundo 1Cor 15,8, para Cristo não foi normal. Deus o fez nascer de maneira forçada. Paulo foi arrancado de dentro de seu mundo, como se arranca uma criança do seio da mãe por meio de uma operação.


A partir da experiência de Damasco, Paulo não consegue confiar naquilo que ele faz por Deus, mas só naquilo que Deus fez por ele. Já não coloca sua segurança na observância da Lei, mas sim no amor de Deus por ele (Gl 2,20s; Rm 3,21-26). Essa experiência chama-se Gratuidade. Essa foi a marca de experiência de Paulo na estrada de Damasco que renova por dentro todo o seu relacionamento com Deus. Essa experiência da gratuidade do amor de Deus vai dar rumo à vida de Paulo e vai sustentá-lo nas coisas que virão. Essa experiência é a nova fonte da sua espiritualidade que faz brotar nele uma “poderosa energia” (Cl 1,29), energia muito mais forte e muito mais exigente do que a sua vontade anterior de praticar a Lei e de conquistar a justificação. Essa experiência levou Paulo a desocupar o barraco da sua vida para deixar Jesus entrar nela.  Ele cresce tanto no amor de Cristo, a ponto de dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Essa “desapropriação” de si mesmo, porém, não lhe tira a liberdade. Pelo contrário, ele diz: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1;2,4). A experiência da gratuidade do amor de Deus faz Paulo suportar lutas e perseguições, viagens e canseira, o peso do dia-a-dia (2Cor 11,23-27); sofrer com aqueles que sofrem (2Cor 11,29). Essa experiência mudou os olhos de Paulo e o ajudou a descobrir novos valores que antes não via.


Pálido, doente e acabado, Paulo foi levado a um vale solitário chamado Aquae Salviae em Roma. Seu corpo foi açoitado pela última vez. Inclinou a cabeça à espera da espada que o conduziria ao martírio. O lugar onde ele foi martirizado, hoje chama-se Tre Fontane como recordação de Cabeça de Paulo que por três vezes bateu no chão antes de parar no instante dramático da morte. Realizou, assim, o único desejo de sua vida: estar com seu Senhor e Mestre Jesus Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).


O Deus do Evangelho e da misericórdia é Aquele que no instante em que me faz compreender que errei completamente com relação a Ele, porque me coloquei em seu lugar, demonstra-me a sua misericórdia ao perdoar-me e me dá confiança ao chamar-me ao seu serviço, confiando-me a sua própria Palavra.


Este instante resume para Paulo tudo o que ele sabia de Deus de maneira errada. O escuro se torna claro, o violento se torna misericordioso.


O evento de Damasco é algo tão rico que devemos aproximar-nos com muita humildade e reverência, convencidos de que compreendemos pouco, que sabemos pouco com relação a isto, mas que poderemos conhecer muito mais pela graça de Deus. Então, compreenderemos melhor a nós mesmos, o caminho da nossa vida e as nossas conversões.


A experiência de Paulo nos faz perguntar: “Quando foi que me converti? Existe em minha vida um “quando” da conversão ao qual posso referir-me como momento histórico? Mesmo que não tenha havido um “quando” temporal, certamente aconteceram momentos de mudança, de transformação, de crise que nos levaram a uma nova compreensão do mistério de Deus.


Se nunca realizamos a fundo esta mudança de mentalidade que é essencial para a vida cristã, ainda não chegamos a compreender o que é a novidade do caminho cristão. Se não compreendo bem as coisas ditas sobre Paulo, provavelmente é difícil que compreenda o que aconteceu em mim. 


2. Pedro e Paulo revelam face institucional e carismática da Igreja


Pedro e Paulo são chamados as duas colunas da Igreja. Os dois revelam, de maneira expressiva, as duas faces da Igreja: a institucional e a carismática. Por um lado, a Igreja é um dom que recebemos de Cristo e da Tradição. Aqui não se inventa nem se acrescenta; acolhe-se com gratidão. Entretanto ela pode conter perigos; favorece a acomodação, facilmente se incorre no legalismo, no moralismo e na rigidez dogmática que impede ou suspeita de toda novidade. Pedro corporifica a face institucional da Igreja.


Mas estes limites são superados ou equilibrados por outra face: a face carismática. Porque, a Igreja é resposta humana, criatividade face aos desafios de cada geração, adaptação aos valores das culturas, inovação nos modos de pensar a fé, de rezar a Deus e de viver o Evangelho. Mas esta face tem também seus limites: a invenção não pode adulterar a substância da fé apostólica; cumpre guardar uma fidelidade essencial ao espírito de Jesus e dos Apóstolos. Paulo corporifica a face carismática da Igreja. A Igreja que hoje possuímos é fruto desta síntese feliz. A festa de Pedro e Paulo nos quer recordar os bons frutos que nos vêm desta tensão conservando a unidade dentro da pluralidade.


3. Pedro e Paulo Nos Trazem a Mensagem da Esperança


Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte”, contou-nos São Paulo sua experiência (2Cor 12,10).


As duas figuras, Pedro e Paulo, nos trazem uma mensagem de esperança. Na vida podemos ter muitos defeitos e fraquezas a ponto de não conseguirmos sair deles, mas ninguém pode escapar do amor de Deus desde que acolhamos este amor com muita humildade. Pedro e Paulo são testemunhas de tudo isto. Como se os dois quisessem nos dizer: “Não desista! Tudo tem seu tempo e sua solução, pois Deus te ama”. 


Deus conta com o tempo para formar cada um de nós, seus instrumentos, como conta também com a nossa boa vontade. Se tivermos a boa vontade de Pedro e de Paulo, se formos dóceis à graça de Deus, iremos convertendo-nos em instrumentos idôneos para servir o Mestre e para levar a cabo a missão que nos confiou. Até os acontecimentos que parecem mais adversos, os nossos próprios erros e vacilações, se recomeçarmos uma vez e outra, se abrirmos o coração ao Senhor e às pessoas capacitadas na direção espiritual, haverão de ajudar-nos a estar mais perto do Senhor que não se cansa de suavizar os nossos modos rudes e toscos. É provável que, em momentos difíceis de nossa vida, cheguemos a ouvir como Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). E veremos Jesus ao nosso lado, estendendo-nos a mão para nos ajudar.


Todos nós recebemos, de diversas maneiras, uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da vida chegam-nos novos convites para segui-lo, e temos de ser generosos com Ele em cada novo encontro. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: “Que devo fazer, Senhor? Que queres que eu deixe por Ti? Em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti?


4. Alguma Mensagem do Evangelho


4.1. A identidade de Jesus segundo o povo: simplesmente um profeta


“Quem sou Eu?”, pergunta Jesus. É uma pergunta surpreendente que não é nada natural. Ao personagem mais insólito não se pergunta quem ele é; perguntam-se-lhe os motivos e as razões do seu comportamento. Os profetas, por ex., devem responder à pergunta que lhe é feita sobre porque eles vivem e falam de determinada maneira. Por isso, eles narram a sua vocação e explicam porque tomaram esse estilo de vida (Is 8,11; Jr 15,17). Para Jesus, ao contrário, a pergunta decisiva é a de saber quem ele é.  A profissão de Cesareia, por isso, não é uma proclamação qualquer, mas é uma profissão de fé (profissão de fé petrina). Para que essa profissão seja realmente profissão de fé, Jesus procede em dois tempos, fazendo sucessivamente a pergunta: quem é Jesus na opinião dos homens (povo) e na opinião dos próprios discípulos de Jesus. Há, portanto, duas maneiras de compreender Jesus, uma que fica do lado de fora e a outra que atinge a realidade profunda.


“Quem dizem os homens ser o Filho do Homem (Filho do Homem = Eu. cf. Ez 2,1)?”. Os discípulos comunicam várias avaliações. Os discípulos partem sua resposta a partir de o “ouvir falar”. Para o povo (os homens), Jesus não tem personalidade própria. O povo simplesmente assimila Jesus a personagens conhecidos do AT como Elias que era muito venerado pelo povo e foi arrebatado até Deus de maneira milagrosa (2Rs 2,11) e cujo retorno estava esperado como precursor do Messias (Ml 3,23-24; Eclo 48,10); como João Batista (Herodes Antipas considerou Jesus como João Batista ressuscitado dentre os mortos. cf. Mt 14,2); e como Jeremias que era associado a uma renovação do culto no Templo; ou então, como um dos profetas. Todas as quatro respostas localizam Jesus na tradição profética. Jesus, então, é visto em continuidade com o passado. O povo não consegue descobrir a novidade trazida por Jesus. Por isso também o povo não é capaz de saber a originalidade de Jesus. A resposta do povo fica na superfície e na margem da realidade verdadeira e profunda.


Será que sabemos ou conhecemos Jesus a partir de “ouvimos falar” ou porque o conhecemos? Ficamos, assim, na superfície da realidade.


4.2. A identidade de Jesus na profissão petrina: Cristo, Filho de Deus vivo  


Jesus continua a perguntar para os mais íntimos, os seus discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (v.15). Esta pergunta tem um sentido entre dois seres que se amam e que descobrem o que são no olhar e no coração do outro. Tem um sentido para aquele que assume uma responsabilidade para com os outros e que tem necessidade de que ela seja reconhecida. Nesta pergunta coincidem completamente o ser e a função. Ser o Messias significa existir exclusivamente para todos os homens e ser Jesus significa ser aquele que salva (Mt 1,21) todos os homens. Por isso, é preciso que a resposta seja real, que exprima uma experiência autêntica. Uma resposta puramente escolar ou a repetição duma fórmula cuidadosamente registrada, criaria um equívoco total. Por isso, a pergunta de Jesus nada contém que possa encaminhar, mas obriga o homem a colocar-se de todo perante esse personagem misterioso, a encontrar a resposta exclusivamente na contemplação da sua pessoa e a empenhar todo o seu ser na resposta.


Em nome dos discípulos, Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (v.16). Esta é a primeira vez que um discípulo usa o termo “Cristo”, embora os leitores de Mt saibam isto desde o início do Evangelho (cf. Mt 1,1.16.17.18; veja também 2,4;11,2) e os discípulos tinham feito uma confissão comparável em Mt 14,33. A resposta de Pedro atinge a verdadeira personalidade de Jesus, a sua relação com Deus, diferente de tudo quanto conheceram os profetas e o povo, e a sua missão no mundo, a qual interessa diretamente a todos os filhos de Israel e, através deles, à humanidade inteira. A resposta de Pedro à pergunta de Jesus é a mais comprometida. É uma profissão de fé messiânica que adquire dimensão teológica. Estes dois títulos “Messias” (a profissão de fé pré-pascal) e “Filho de Deus vivo” (a profissão de fé pós-pascal) resumem a fé da Igreja de Mateus.


O “Messias” ou “Cristo” (“Mashiah”, hebraico = “Ungido”) é uma expressão mais importante das esperanças de salvação no AT e no judaísmo subsequente. No contexto da teologia bíblica, a questão do Messias tem especial relevância, porque este título, em sua tradução grega “christos”, além de ser título (Jesus, o Cristo), tornou-se praticamente o nome de Jesus (Jesus Cristo). No NT este termo “Christos” é atribuído 530 vezes a Jesus de Nazaré.


Quando Pedro reconhece em Jesus o Messias, não renuncia à sua esperança de judeu, mas dá a essa esperança o rosto que tem diante de si. É aquele que o seu povo espera, aquele que vai mudar o destino das nações, que Pedro descobre sob os traços de Jesus.


Mt sublinha que Jesus é o Messias enviado ao povo de Israel. As genealogias o vinculam com Davi e Abraão (Mt 1,1). Mt afirma que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1,1.17.20) e, portanto, o Messias de Israel (Mt 2,6). Segundo Mt, Jesus tem relação especial com Israel por ser o cumprimento de suas tradições: suas vitórias finais sobre os adversários, sobre a morte pela ressurreição etc. são a concretização das esperanças apocalípticas judaicas. Mt, então, apresenta Jesus à luz do AT como seu cumprimento. 


Se Jesus é o Messias, então, é preciso procurá-lo e é mister segui-lo. Mas, certamente, acontece o contrário. Mt sublinha também o fato de Israel desprezar o Messias que lhe foi enviado, principalmente foi desprezado pelas autoridades (Mt 2,1-12;9,33s;12,23s;21,45s;26,4s etc...).


Pedro também professa que Jesus é o “Filho de Deus vivo”. O título “Filho de Deus” era usado comumente para honrar e exaltar imperadores, especialmente Augusto. Os imperadores eram considerados e reconhecidos como agentes da vontade e poder dos deuses expressos pelo governo romano. Por isso, designar Jesus como “Filho de Deus” é contestar e desafiar essas reivindicações de soberania e representação.


Filho de Deus” é o título mais importante de Jesus, mas, sobretudo, é o mistério íntimo de sua pessoa. Este segundo título, nesta profissão petrina, indica que Jesus tem relação especial com Deus, como seu Filho. “Filho de Deus” é título tradicional para líderes judaicos com aprovação divina. Esta expressão “Filho de Deus” concorda com a perspectiva de Deus sobre Jesus (cf. Mt 2,15;3,17) com as próprias declarações de Jesus (cf. Mt 11,25-27) e repete a confissão dos discípulos em Mt 14,33: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”. A autoridade e o poder de Jesus vêm de Deus que o legitima em seu batismo (Mt 3,17) e na sua transfiguração (Mt 17,5) e no reconhecimento da parte dos próprios discípulos como tal quando Jesus anda sobre as águas (Mt 14,33). Jesus é, certamente, tentado três vezes na sua qualidade de Filho de Deus (Mt 27,39-43). Estas três tentações no final afirmam uma clara relação com três tentações do início do relato (Mt 4,1-11). No deserto Jesus, recém-proclamado Filho de Deus no batismo, é tentado por Satanás para que use desta filiação numa demonstração de poder em benefício próprio. Mas Jesus não é o Filho de Deus pela demonstração de seu poder, mas na aceitação da condição humana e na plena fidelidade à vontade de Deus, seu Pai, na aceitação da cruz como consequência de sua fidelidade ao projeto do Pai onde se manifesta a sua filiação divina.


Neste segundo título, Mt acrescenta também o adjetivo “vivo”: “Filho de Deus vivo”. Jesus como o “Filho de Deus vivo” equivale à fórmula “Deus Conosco/Emanuel” (Mt 1,23; 18,20; 28,20). Se Deus sempre está conosco porque Ele é vivo. “Vivo” (cf. 2Rs 19,4.16; Is 37,4.17;Os 2,1;Dn 6,21) opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos; significa o que possui a vida e a comunica para quem acredita nele. O Deus de Jesus é vivo e vivificante. Jesus é o Filho de Deus vivo, portanto também é doador de vida e vencedor da morte. O Deus de Jesus Cristo é o Deus da vida (Dt 5,26; Js 3,10;1Sm 17,26.36; 2Rs 19,4.16;Sl 42,2;84,2;Os 1,10;Dn 6,20). Isto quer dizer que ele é criativo, ativo, fiel e justo. Ser o Deus vivo e vivificante, possuir a vida e comunicá-la é a característica do Deus verdadeiro. Os “deuses”, os ídolos não têm vida própria e por isso, não podem comunicá-la. Ao contrário, eles exigem sacrifícios humanos e escravizam e devoram todos os que se tornam seus adoradores. E como Filho, Jesus expressa esta vida em suas palavras e ações (curas, alimentar o povo faminto, exorcismos etc. cf. Mt 11,2-6) e criando uma comunidade que participa no império de Deus.


Quem aceitar Jesus e estiver pronto para segui-Lo deve proteger a vida em todas as suas instâncias.  Ninguém pode decidir se alguém pode viver ou pode ser eliminado. Cada ser humano é o próprio templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). A vida humana é o sopro ou o hálito de Deus (cf. Gn 2,7).


Pedimos hoje a São Pedro e ao Apóstolo dos pagãos, Paulo, um coração como o deles, para sabermos passar por cima das pequenas humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham necessariamente a ação apostólica, ou a nossa vida em geral. E dizemos a Jesus que estamos dispostos a conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade de conhecê-lo e amá-lo, sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos êxitos imediatos. Assim seja!
P. Vitus Gustama,svd

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