25/04/2020
CAMINHAR COM O SENHOR E SERVIR AOS NECESSITADOS POR
AMOR NOS MANTÉM NA UNIDADE E NA PAZ
Sábado
da II Semana da Páscoa
Primeira Leitura: At 6,1-7
1 Naqueles dias, o
número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a
queixar-se dos fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas
viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário. 2 Então os Doze Apóstolos
reuniram a multidão dos discípulos e disseram: “Não está certo que nós deixemos
a pregação da Palavra de Deus para servir às mesas. 3 Irmãos, é melhor que
escolhais entre vós sete homens de boa fama, repletos do Espírito e de
sabedoria, e nós os encarregaremos dessa tarefa. 4 Desse modo nós poderemos
dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra”. 5 A proposta
agradou a toda a multidão. Então escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do
Espírito Santo; e também Filipe, Prócoro, Nicanor, Timon, Pármenas e Nicolau de
Antioquia, um pagão que seguia a religião dos judeus. 6 Eles foram apresentados
aos apóstolos, que oraram e impuseram as mãos sobre eles. 7 Entretanto, a
Palavra do Senhor se espalhava. O número dos discípulos crescia muito em
Jerusalém, e grande multidão de sacerdotes judeus aceitava a fé.
Evangelho: Jo 6,16-21
16Ao
cair da tarde, os discípulos desceram ao mar. 17Entraram na barca e
foram em direção a Cafarnaum, do outro lado do mar. Já estava escuro, e Jesus
ainda não tinha vindo ao encontro deles. 18Soprava um vento forte e
o mar estava agitado. 19Os discípulos tinham remado mais ou menos
cinco quilômetros, quando enxergaram Jesus, andando sobre as águas e
aproximando-se da barca. E ficaram com medo. 20Mas Jesus disse: “Sou
eu. Não tenhais medo”. 21Quiseram, então, recolher Jesus na barca,
mas imediatamente a barca chegou à margem para onde estavam indo.
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Servir Os Pobres Por Amor
“O
número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a
queixar-se dos fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas
viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário”.
Com o relato da Primeira Leitura começa uma
nova etapa na comunidade cristã primitiva: o crescente número cada vez maior
dos cristãos. Com este crescimento, aparecem também tensões que humanamente são
compreensíveis. Com isso cresce a responsabilidade e solicitude dos Doze
Apóstolos.
Na primeira comunidade cristã de Jerusalém
havia dois grupos ou partidos: os helenistas e os hebreus. Ambos grupos são
israelitas. Mas a língua e a forma de vida diferenciam os dois.
Os helenistas procediam da emigração judia
(da diáspora) falavam o grego. Com a palavra “helenista” se alude aos judeus
que se formaram com uma estreita vinculação à cultura helenista (grega). Os
helenistas se mostravam mais abertos. O grupo judeu-helenista estava
disseminado por todo o mundo mediterrâneo. Ou seja, aqueles que viveram
naqueles territórios de Palestina e ao seu redor nos quais, desde a expansão da
cultura helenista sob Alexandre Magno, predominavam a língua grega e a maneira
de viver dos gregos. Paulo/Saulo (de Tarso de Cicília) e Barnabé (natural de
Chipre- cf. At 4,36) eram helenistas. Os hebreus nascidos na Palestina falavam
o hebraico (isto é, o aramaico).
As queixas dos helenistas são dirigidas aos
hebreus porque estes não atendem às viúvas (e pobres) helenistas. Não se trata
aqui apenas de desatendimento, mas trata-se de marginalizar todo o grupo
helenista. Enquanto a comunicação dos bens era entendida como expressão de uma
mesma comunhão de fé. Isto significaria estar contra a própria fé da comunidade
cristã primitiva.
Os Apóstolos percebem o perigo e buscam
ajudantes e colaboradores para o serviço da comunidade. Assim começa uma
memorável evolução. A Igreja penetra no tempo e no espaço da história.
Nenhuma comunidade está livre de tensões, por
perfeita que pareça ser e por muito conjuntada que ela viva. Inclusive podemos
dizer que as tensões são necessárias e ajudam a comunidade a crescer. Assim
sucedeu na primitiva comunidade cristã. As queixas de um dos grupos deu origem
a um melhor estudo da realidade. Apareceu a oportunidade de dividir as tarefas
e responsabilidades.
Os apóstolos propõem aos discípulos para que a
comunidade escolham sete homens para cuidar da administração e serviço aos
pobres, pois eles passarão a ser dedicado exclusivamente à oração e à pregação
do evangelho. Com o capítulo 6 do Livro dos Atos dos Apóstolos começa, então,
um tema novo. Aparecem-nos as testemunhas para o serviço da caridade, os que
depois foram os “diáconos”. Estas testemunhas, homens cheios do Espirito Santo
e de sabedoria, são os sete primeiros colaboradores dos Apóstolos, com Estevão
como chefe.
Ao ler o relato dos sete colaboradores
constatamos que algo mudou na comunidade cristã primitiva. A crise (entre os
hebreus e os helenistas), bem conduzida, leva a uma descentralização: “Não está certo que nós deixemos a pregação
da Palavra de Deus para servir às mesas”, disse o grupo dos Apóstolos. O
motor dessa descentralização é uma exigência da fidelidade à missão apostólica na
que tem de essencial: a oração e o serviço da Palavra. Esta oração apostólica e
litúrgica, com o ensinamento, é um dos componentes básicos da comunidade cristã.
Oração e serviço da Palavra são dois aspectos de uma mesma tarefa: a dedicação
à Palavra de Deus, sem dualismo e sem subordinações desnecessárias.
Surge assim a instituição da “diakonia”
(diaconia), o serviço da caridade ou a caridade feita serviço. A diakonia será
uma das dimensões fundamentais da Igreja, junto ao culto e a Palavra.
O amor e o bom sentido cristão salvou a
unidade e as diferenças. A comunidade elege e apresenta os eleitos, mas somente
os Apóstolos impõem as mãos sobre os eleitos. A “imposição de mãos” é um rito
sagrado e jurídico pelo qual se autoriza a exercer um serviço público na
comunidade e também significa a comunicação do Espirito (Santo) ou força de
Deus para exercer bem este serviço. Seguindo o exemplo de Moisés que impus as mãos
sobre Josué, os rabinos ordenavam seus discípulos com o mesmo rito. Por certo
que nesta ordenação, na qual se conferia o poder de ensinar e de julgar segundo
a Lei, se requeria a presença de três rabinos que impuseram as mãos sobre um
discípulo.
Vale a pena sublinhar que também neste caso a
necessidade cria o órgão que a Igreja vai se organizando a partir de suas
necessidades e que os novos ministérios são sempre novos serviços. Sobretudo é
necessária sublinhar a participação da comunidade na designação (eleição) e
apresentação de seus servidores.
Como é que uma comunidade resolve suas
tensões? Será que desta tensões podem surgir um novo serviço ou causar apenas
mais divisões?
Jesus Anda Sobre As Águas
O relato da caminhada de Jesus sobre as águas
se encontra, curiosamente, entre a multiplicação dos pães (cf. Jo 6,1-15) e o
discurso sobre o Pão da vida (Jo 6,26-66). O “sinal” da caminhada sobre as
águas está estreitamente ligado com a multiplicação dos pães (cf. Jo 6.1-15). A
multiplicação dos pães prepara a parte principal do discurso sobre o Pão da
vida: “O verdadeiro pão de Deus, Sou Eu, é meu Corpo e meu Sangue... dados em
alimento”, assim Jesus disse.
A caminhada sobre as águas inicia o final do
discurso (Jo 6,60-71): nele aparece Jesus andando sobre as águas, mostrando seu
domínio sobre a natureza. E isto é uma resposta às dificuldades dos que não
aceitam o discurso de Jesus sobre o Pão de vida que é Ele próprio.
“Ao cair da tarde, os
discípulos desceram ao mar. Entraram na barca e foram em direção a Cafarnaum,
do outro lado do mar. Já estava escuro,
e Jesus ainda não tinha vindo ao encontro deles”. Jesus fica só. Por que não embarcou com os
discípulos? Parece que foi muito intencional da parte de Jesus. O evangelista
João ao empregar determinado(s) termo(s) é porque tem algum valor. A “noite”,
as “trevas” têm um significado: Jesus está ausente. Onde Jesus estiver ausente
ou for excluído as trevas começam a dominar a vida dos homens. Jesus é a Luz do
mundo (Jo 8,12) e por isso, sua ausência significa a desorientação total. Sem a
luz o ser humano vive apalpando. Através do mundo sensível o evangelista João
sugere ou nos leva para o mundo espiritual. Tudo é símbolo. O evangelista João
nos sugere que cultivemos nosso espírito de contemplação para captar o
significado profundo das coisas e dos acontecimentos.
“Já estava escuro” ou “já era noite”, assim
nos relatou o evangelista João. Esta noite era algo muito real. Mas, ao mesmo
tempo, para o evangelista João “noite” significava a ausência de Jesus, Luz do
mundo.
1. “Não
Tenham Medo… Sou Eu”.
Consciente ou inconscientemente temos medo
de algo ou de alguém. Em outras palavras, convivemos com o medo, ou melhor, com
os medos. Não estamos errados em sentir medo, porque somos criaturas expostas a
perigos e ameaças. Sentir medo é vivenciar a nossa condição de criatura. O medo
é uma manifestação de nosso instinto fundamental de conservação. É a reação a
uma ameaça para nossa vida, a resposta a um verdadeiro ou suposto perigo: desde
o perigo maior, que é o da morte até os perigos particulares que ameaçam a tranquilidade
física ou nosso mundo afetivo.
Existem medos justificados como também os
injustificados ou patológicos. Os nossos medos são um sinal de alarme que podem
nos ajudar a evitar o perigo. O imprudente geralmente suprime o medo e se atira
inutilmente ao perigo. O covarde teme tudo, se paralisa e não se atreve a
correr nenhum risco. Não podemos nos torturar aumentando os nossos medos com
nossa fantasia. O homem sadio usa seus medos para agir prudentemente.
“Não tenham medo…
Sou Eu!”. Cristo
dirigiu muitas vezes este convite aos homens com os quais se encontrava. Esta
frase foi dita pelo Anjo do Senhor a Maria: “Não tenhas medo, Maria” (Lc 1,30).
Foi dita ao São José: “Não tenhas medo, José” (Mt 1,20), e assim por diante.
O evangelho ou a Palavra de Deus, a Palavra
daquele que é maior do que a morte nos ajuda a libertar de todos os nossos
medos, revelando o caráter relativo, não absoluto dos perigos que os provocam.
Há algo de nós que ninguém nem nada no mundo possa nos tirar: trata-se da alma
imortal: “Não tenhais medo daqueles que
matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28ª).
De que não devemos ter medo? Não devemos ter
medo da verdade sobre nós mesmos, sobre nossa vida, sobre nossas fraquezas,
sobre nossos defeitos e limitações, sobre nossas dificuldades, sobre nossas
incapacidades. Não podemos fingir como se fossemos super-homens. Somente uma
pessoa forte é que capaz de reconhecer suas próprias fraquezas e pede, sem medo
nem vergonha a ajuda dos que mais competentes na área.
2. Em Tudo Devemos Contar Com Jesus
Os discípulos navegam pela noite sem “a Luz
do mundo” (Jesus). Confiados no poder e na força próprios, eles pensavam que
pudesse controlar as circunstâncias. De fato, sua força é insuficiente. O mar
que eles acreditam poder dominar se torna incontrolável. Nessa altura,
normalmente vem a pergunta na cabeça: Onde está o Senhor? Acaso, Ele nos
abandonou? O Senhor jamais abandona os seus mesmo que eles O abandonem: “Não
temais! Sou Eu!”.
Quantas vezes cada um de nós quer fazer as
coisas sozinho, à sua maneira e não como o Senhor quer. Quantas vezes cada um
de nós caiu na tentação de pensar: “Sou uma pessoa forte e independente, posso
tudo!”. Mas cedo ou tarde vai cair no fracasso. Lança-se, então, a pergunta:
“Senhor, por que me abandonaste?”. Mas, na realidade, fui eu quem abandonou o
Senhor; esqueci-me dele. Sem o Senhor, nada podemos fazer (cf. Jo 15,5). Mas
com Ele não há nada que possa me separar dele (cf. Rm 8,31-39). Se caminharmos
com o Senhor nesta vida, se vivermos em comunhão com Ele, a nossa vida será
mais leve, pois o jugo do Senhor é suave e sua carga é ligeira (cf. Mt 11,30).
Como na pesca milagrosa, o texto do evangelho
deste dia quer nos transmitir uma verdade de que sem Jesus é inútil qualquer
esforço na missão e não haverá paz. Mas quando Jesus se aproxima, volta
novamente a calma, e o trabalho resulta plenamente eficaz. É preciso colaborar
com a graça de Deus para que ela possa operar em nós e através de nós para um
trabalho frutífero.
3. Colaborar Com O Senhor A
Partir De Nossas Condições
Não pedimos a Deus uma vida sem dificuldades,
porque elas fazem parte de um verdadeiro crescimento. Não há crescimento sem
dificuldades e obstáculos. Pedimos a Deus, sim, a força e a serenidade para
encarar tudo na vida com ele. A partir do evangelho deste dia percebemos que a
dificuldade não é um lugar vazio e desabitado, porque no meio da dificuldade
está o Senhor. Ele está no centro da vida.
Tenhamos sagacidade para saber converter as dificuldades em lugar de
encontro com Jesus, o Senhor que caminha sobre as águas dessas dificuldades.
Basta escutá-lo em silêncio no meio do ruído do medo, e reconhecê-lo: “Não
tenha medo, sou Eu”. E essas contrariedades serão esplêndida ocasião para o
exercício contemplativo. Somente assim se produz o milagre.
Toda vez que celebramos a Eucaristia, o
Ressuscitado se faz presente na comunidade reunida, nos é dada a Palavra
salvadora e nos alimenta com o Pão da vida. É verdade que sua presença é sempre
misteriosa como para os discípulos de então. Mas pela fé temos que saber ouvir
a frase que tantas vezes se repete com suas variações na Bíblia: “Eu sou, não
tenha medo!”. Com isso, de cada missa ganharemos mais ânimo e convicção para o
resto da jornada, porque o Senhor nos acompanha, ainda que nós não O vejamos
com os nossos olhos humanos. Por nossa vez, que se encarne na nossa vida a
Palavra de Jesus: “Não tenha medo!”, isto é, que nossa presença não represente
uma ameaça para os outros e sim a paz e a harmonia. Que não tiremos a alegria e
o sucesso dos outros e sim que sejamos irmãos solidários com todos.
P. Vitus Gustama,svd
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