Sexta-feira Santa,10/04/2020
A CRUZ QUE ME SALVOU
1. O homem que questiona a existência de Deus por causa do sofrimento
Celebrar a
Sexta-Feira Santa nos leva a pensarmos na cruz e a cruz nos leva a pensarmos na
dor e no sofrimento. E falar da dor é falar das pessoas concretas, pessoas que
sofrem.
A pergunta que o
próprio sofrimento faz a todos nós é esta: Se existe um Deus justo, por que
existem o mal e o sofrimento? E se existem o mal e o sofrimento, como poderá
existir um Deus justo? E se Deus é justo
e misericordioso, por que um inocente ou uma criança recém-nascida sofre? Por
que Deus parece ficar calado diante de uma oração para pedir a solução para um
problema ou para um sofrimento insuportável?
Por que as coisas ruins acontecem a pessoas boas? Como posso acreditar
num Deus que ame a dor, num Deus que acende a luz vermelha às alegrias humanas?
Estas perguntas
servem apenas como exemplo de uma ladainha de perguntas sobre o mesmo
tema. As desgraças que atingem as
pessoas boas não são um problema apenas para as próprias vítimas e para suas
famílias, mas também são problemas para todos os que desejam acreditar em Deus,
e num mundo mais justo, fraterno, razoável e suportável.
A dor é realidade
e mistério, noite e dia, névoa e luz, fraqueza e força, morte e vida, desespero
e esperança. A vida é uma mistura de alegria, felicidade e esperança, e também de
tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós carrega sempre esse pequeno fardo. Nós
sofremos simplesmente porque essa é a condição do ser humano. A vida humana
terrena é por si mesma pequena, fraca e frágil. A morte e a dor são
companheiras naturais de nossa própria estrutura. O sofrimento chega a todos
nós. Não lhe podemos escapar. Mas embora a dor em si seja inevitável, durante
esta vida, muitas dores e muitas mortes podem ser evitadas.
Mas quando nos
damos conta do amor que Nosso Senhor tem por nós, quando compreendemos que a
sua vida nos revelou o amor que Deus tem por nós, então temos de ficar cheios
de esperança, de alegria e de paz. Por isso, sei que a resposta se encontra
olhando para Cristo crucificado. Madre Teresa de Calcutá dizia: “Se olhamos
para a Cruz de Jesus sabemos muito bem como ele nos amou. Quando olhamos para a
Eucaristia, sabemos muito bem como ele nos ama”.
2. Nós Também Estávamos Lá
O perigo que temos ao ler o
relato da Paixão de Jesus é ficarmos como espectadores da cena cujo papel de
cada personagem da Paixão não tem nada a ver com a nossa vida cotidiana. Mas se
refletirmos seriamente sobre este relato, na verdade, estávamos também lá
desempenhando nosso papel para causar o sofrimento de Jesus. E ao olharmos para
o nosso modo de viver atualmente confessamos que continuamos a fazer Jesus
sofrer, pois “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus
irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. E todas as vezes que o deixastes de
fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,39.45).
Hoje Cristo continua
sofrendo a Paixão quando não soubermos acompanhar nossos irmãos que sofrem, que
sentem angústia e se sentem sós, como fizeram os discípulos prediletos no
Jardim de Getsêmani. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando vendermos
nossa dignidade por algumas moedas como Judas que vendeu Jesus por trinta
moedas de prata; quando nossa ganância nos levar a fazermos negócios sujos e
quando não prestarmos a ajuda aos irmãos necessitados. Hoje Cristo continua
sofrendo a Paixão quando buscarmos na violência a solução de nossos problemas
como aqueles que prenderam Jesus com paus e espadas; quando não estivermos
convencidos de que “quem usa espada, com/ de a espada morrerá”. Hoje Cristo
continua sofrendo a Paixão quando acusarmos injustamente os irmãos como fizeram
os líderes religiosos de Jerusalém e as falsas testemunhas; quando não
respeitarmos os homens e os acusamos sem verdade. Hoje Cristo continua sofrendo
a Paixão quando negarmos ou mentirmos por vergonha e covardia, como fez Pedro;
quando não confessarmos com valentia e sinceridade nossa fé; quando não
defendermos a causa da justiça por medo dos problemas e dificuldades que isto
possa nos trazer. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando lavarmos as
mãos como Pilatos; quando não vivermos comprometidos com a causa dos que
sofrem; quando encolhermos os ombros e não defendermos a verdade e a justiça
por medo das consequências. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando
condenarmos os outros sem ponderar o que há de verdade nessas condenações, como
fez a multidão em Jerusalém. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando
zombarmos os que sofrem, os marginalizados da sociedade, os pobres, os idosos,
os embriagados, os aleijados, os débeis e assim por diante. Somos nós responsáveis
deste mundo. Sou eu responsável deste mundo!
Nosso caminho de conversão
se une hoje ao caminho de Jesus para aprender dele que o mais importante da
vida é colocá-la ao serviço de uma causa digna. Se nos esforçamos por mudar
atitudes e afinar nossos sentimentos durante o tempo da Quaresma é simplesmente
para nos identificar melhor com este Jesus que hoje entra triunfante em
Jerusalém, e compreender que a alegria e a felicidade formam parte de nosso ser
cristão, para celebrar e viver mais autenticamente unidos a Cristo Ressuscitado
a nova vida que ele nos oferece no domingo da Páscoa. Nosso caminhar ao lado de
Jesus ao longo da Semana Santa é a melhor escola que podemos frequentar para
nossa vida de cada dia. Com a segurança de que nosso caminho já não o fazemos
sozinhos, e sim com este Jesus da Semana Santa e com tantos irmãos na fé que
têm a mesma esperança. Hoje Jesus nos ensina mais do que nunca a caminharmos
juntos: Jesus, os irmãos e eu mesmo. Manifestamos isto simbolicamente na procissão
que fazemos juntos com os ramos na mão, símbolo de nossa vitória antecipada.
3. Jesus Cristo crucificado que ressuscitou é a resposta de
Deus para nós
Popularmente, a cruz, com frequência, tem
sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para
induzir os homens a não se rebelarem, mas a negociar com a dor; tem sido motivo
para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de
repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua referência
a Jesus, Salvador.
Sem dúvida nenhuma, Deus não aceita a
sociedade na qual uns homens desprezam, injustiça, exploram, roubam, maltratam,
atropelam e matam os outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos
são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso lutar contra elas, pois Deus as
detesta.
Jesus Cristo também sente na própria carne
todas as dimensões do sofrimento humano. A dor nos faz mais próximos de Jesus
Cristo. Mas a dor de Jesus não se encerrou jamais sobre si mesmo, ao contrário,
estava totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta Isaías resumiu: Jesus
“tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17). Tão
profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos, para
aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e da irmandade (Lc
4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a
dor alheia. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia o máximo possível
para que cada um pudesse ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio
valor humano.
Portanto, Jesus não veio para glorificar a
dor, mas sim para dar um fim a seu reinado. A cruz de Jesus é um instrumento de
exaltação porque ela é o fruto de amor. A cruz é o último ato de uma vida
vivida no amor, na doação e na entrega. A cruz é a expressão suprema do amor de
Deus por nós. Por isso, para os cristãos a contemplação da cruz é fonte de
alegria serena porque vemos na cruz a manifestação mais clara do amor de Deus
por nós todos e por cada um em particular. Deus fez a alma humana de tal forma
que apenas uma vida de bondade, de amor e de honestidade nos faz sentir
espiritualmente saudáveis, humanos e fraternos.
Por isso, nunca podemos olhar para a cruz de
Jesus sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer
significado sem o Domingo da Páscoa. No Calvário a vida ganhou, porque o amor
era mais forte que a morte. Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se
corrige e se assume o símbolo da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória.
Cristo é o vencedor da morte. Cristo é o Salvador do mundo, Salvador de cada um
de nós.
Todos nós carregamos alguma cruz na nossa
vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Há cruzes com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz,
então, tem uma história e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a
cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem
finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem
renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem
responsabilidade. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de
castigo em bênção.
Por isso, somos convidados a olhar para o
alto, para a cruz de Jesus. Somente olhando para o alto, para Deus, o homem
encontra o sentido da sua existência e tudo que se passa aqui nesta terra. Só
do alto vem a luz que dá sentido à alegria e à dor, às vitórias e às derrotas,
à solidão e à morte. Olhar para Jesus na cruz significa aceitar com fé a
mensagem que ele dirige para todos nós, cristãos. Aqui crer significa
identificar a própria vida com a de Cristo. Este é o caminho para alcançar a
vida do alto, a salvação. Por isso, Madre Teresa de Calcutá dizia: “Se olhamos
para a Cruz de Jesus sabemos muito bem do quanto Deus nos amou. Mas quando
participamos da Eucaristia, da missa, sabemos muito bem do quanto Deus nos
ama”, porque Jesus continua nos amando, dando-nos Seu Corpo e Sangue para nos
fortalecer na nossa caminhada para alcançar a vida eterna.
“Jesus Crucificado!
Sempre Te levo comigo,
Preferindo-Te acima de qualquer coisa.
Quando caio, Tu me levantas.
Quando choro, Tu me consolas.
Quando sofro, Tu me curas.
Quando Te chamo, Tu me respondes.
Tu és a Luz que me ilumina.
O sol que me aquece.
O alimento que me nutre.
A fonte que me sacia.
A doçura que me inebria.
O bálsamo que me restaura.
A beleza que me encanta.
Jesus Crucificado!
Sejas Tu a defesa de minha vida.
Meu conforto e confiança na minha agonia.
E repousa no meu coração
Quando chegar a minha última hora.
Amém!”
(Dom Bruno Forte).
P. Vitus Gustama,svd
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