domingo, 23 de agosto de 2020

MARTÍRIO DE SÃO JOÃO BATISTA

29/08/2020

JOÃO BATIST É DECAPITADO COMO MÁRTIR

                                           29 de Agosto

                                    Martírio de São João Batista, o último e maior dos profetas

                                    Pr C. J. Jacinto: LIÇÕES DE UM SANTO DECAPITADO | Produção de arte ...

Primeira Leitura: Jr 1,17-19

Naqueles dias, a Palavra do Senhor foi-me dirigida: 17“Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te e comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer. Não tenhas medo, senão, eu te farei tremer na presença deles. 18Com efeito, eu te transformarei hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro, num muro de bronze contra todo o mundo, frente aos reis de Judá e seus príncipes, aos sacerdotes e ao povo da terra; 19eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te”, diz o Senhor.


Evangelho: Mc 6,17-29

Naquele tempo, 17 Herodes tinha mandado prender João, e colocá-lo acorrentado na prisão. Fez isso por causa de Hero­díades, mulher de seu irmão Filipe, com quem se tinha casado. 18 João dizia a Herodes: “Não te é permitido ficar com a mulher do teu irmão”. 19 Por isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, mas não podia. 20 Com efeito, Herodes tinha medo de João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava. 21 Finalmente, chegou o dia oportuno. Era o aniversário de Herodes, e ele fez um grande banquete para os grandes da corte, os oficiais e os cidadãos importantes da Galileia. 22 A filha de Herodíades entrou e dançou, agradando a Herodes e seus convidados. Então o rei disse à moça: “Pede-me o que quiseres e eu to darei”. 23 E lhe jurou dizendo: “Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. 24 Ela saiu e perguntou à mãe: “O que vou pedir?” A mãe respondeu: “A cabeça de João Batista”. 25 E, voltando depressa para junto do rei, pediu: “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista”. 26 O rei ficou muito triste, mas não pôde recusar. Ele tinha feito o juramento diante dos convidados. 27 Imediatamente, o rei mandou que um soldado fosse buscar a cabeça de João. O soldado saiu, degolou-o na prisão, 28 trouxe a cabeça num prato e a deu à moça. Ela a entregou à sua mãe. 29 Ao saberem disso, os discípulos de João foram lá, levaram o cadáver e o sepultaram.

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São João Batista é o único santo de quem a Igreja comemora o nascimento e a morte, pois ele é o Precursor do Senhor. No dia 24 de Junho, a Igreja celebra o seu nascimento, e no dia 29 de agosto comera o dia de sua morte como mártir, decapitado por ordem de Herodes.


Como observação inicial vamos lançar a seguinte pergunta: Por que é introduzido o episodio sobre a morte de João Batista num evangelho cujo tema fundamental é dizer quem é Jesus? A resposta é simples: para continuar explicando quem é Jesus, na realidade é o objetivo principal do evangelho de Marcos. Aqui o evangelista Marcos toma posição a respeito das opiniões do povo e diz que Jesus não é Elias, enquanto que João Batista o é, como profeta (cf. Mc 8,27-30). Já havia insinuado ao descrever João Batista com a vestimenta do profeta Elias (Mc 1,4). Agora, o faz apresentando João Batista que se enfrenta a um rei e sua cônjuge, Herodíades, que intenta eliminar o incômodo profeta, João Batista. Não aconteceu também com o temível profeta Elias contra o rei Acab e Jezabel, sua esposa? (cf. 1Rs 18-19).


No texto do evangelho lido na festa do martírio de João Batista se encontram três personagens principais: Herodes Antipas, Herodíades (e sua filha) e João Batista.


Herodes Antipas era o filho de Herodes chamado o Grande, aquele perseguidor de Jesus-menino que havia mandado degolar os inocentes (Mt 2,13-23). Herodes Antipas reinava, como tetrarca, na Galiléia e em Perea desde a morte de seu pai. Ele é descrito como um homem rico e poderoso. Abusa da riqueza e do poder e é arrogante. Ele se entregou totalmente aos prazeres. Enganado por uma bailarina e por sua vingativa mãe, Herodíades, ele se converteu em um assassino de um inocente, João Batista. Desde que a moça dançarina entra na sala, tudo é um crescendo de horror e de pecado, até que o ódio da pecadora, Herodíades, se desafoga vendo numa bandeja a cabeça de João Batista, um homem justo e santo (Mc 6,20). Herodes priva João Batista de sua liberdade, impedindo sua atividade ao coloca-lo na prisão. O povo vê em João Batista um enviado divino, mas Herodes não quer saber disso. Mesmo que Herodes dê a ordem de encarcerar João Batista, outra pessoa o instiga a fazê-lo, mulher de seu irmão, Filipe, a quem Herodes tomou por esposa.


Herodíades é descrita como assassina sem compaixão. Injustamente se tornou esposa de Herodes Antipas. Herodíades era a mulher de Filipe, irmão de Herodes. Herodes tomou Herodíades por esposa que era proibido pela Lei (Ex 20,17; Lv 18,16;20,21). João Batista não era parcial com os poderosos e denunciou essa injustiça. A mais sensível a essa denúncia é Herodíades, a adúltera. Para Herodíades a denúncia de João Batista feriu seu orgulho e sua soberba. Ela não quer saber da verdade na denúncia de João Batista. Por isso, ela se propõe a acabar com a vida de João Batista. O ódio e a vingança levam essa mulher a procurar todos os meios, utilizando até a própria filha, para eliminar João Batista do seu mundo. Herodíades quer tirar a vida de João, mas há um obstáculo a seu intento: o temor que Herodes sente por João, por ele considerado um homem justo, de conduta agradável a Deus e santo ou consagrado por Deus, profeta. 


Perguntamos para nós mesmos: Por que você vira meu inimigo só porque eu falo a verdade sobre você? Por que vergonha? Por que essa reação violenta? A verdade continua sendo verdade mesmo que as pessoas tentem manipulá-la.


O dia oportuno é a ocasião propícia para que Herodíades cumpra seu desígnio de matar João Batista. Celebra-se a vida de Herodes, o poder absoluto e com ele a celebram os representantes de todos os possuidores do poder.


Aparece outra personagem, a filha de Herodíades, sem nome, que se define por sua mãe. Sem nome significa não tem personalidade própria. Por isso, ela representa o povo sem vontade própria (o povo submisso) e a mãe representa a classe dirigente ou classe dominante. A moça não tem vontade própria; mostrando sua total dependência, vai perguntar à mãe o que quer que a filha faça. Herodes faz promessa à filha de Herodíades: “Pede-me o que quiseres e eu to darei. Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. Mas quem decide é a mãe, que busca só seu próprio interesse: eliminar João (quer a cabeça de João Batista). A maldade só pode produzir a maldade. Mas a maldade não é capaz de enterrar a bondade. O sangue de um mártir é a semente para a Igreja.     


Marcos sublinha a imaturidade da jovem: entra logo, a toda pressa, sem criticar nem julgar a decisão da mãe nem considerar se era ou não favorável para ela: ela é a escrava de sua mãe, é uma pessoa sem personalidade e sem valores vividos e por isso, sem posição certa na vida. Os valores vividos orientam nossa maneira de viver e nossas escolhas na vida. Sem os quais a vida se torna sem rumo e sem objetivos claro.


No poder civil há um resto da humanidade: Herodes estimava João Batista e sabe que o que pedem não é só uma injustiça, mas também um desprezo a Deus. Mas um rei sem valores vividos não quer ficar em má situação, pois ele acha que perderia seu prestígio. Herodes Antipas, o covarde, mandou tirar, então, a cabeça de João Batista em nome da vaidade. Um vaidoso é uma pessoa frívola, presunçosa e incoerente. Sem juízo e sem bom senso, ele vive só para aparecer e ser admirado. Na prática, o prazer de um vaidoso não consiste em possuir méritos, mas em saber que os outros o elogiam.


Além de ser vaidoso, Herodes é uma pessoa extremamente orgulhosa. O orgulhoso não se preocupa em conhecer a verdade, mas apenas em ocupar uma posição em que ele possa ser o centro e a norma. Ele pretende que tudo esteja sujeito a si próprio. Ele é prepotente, arrogante, insolente e violento. Seus atos não precisam respeitar moral alguma, mas impõe aos outros normas morais.


Os psicólogos dizem que soberbo, vaidoso, arrogante, presunçoso, endeusado, imodesto, pedante, petulante, narcisista, autossuficiente, envaidecido, presumido são todos sinônimos de uma mesma palavra: orgulhoso. Só de pensar que alguém reúne todos esses qualificativos, essa pessoa já tem ‘má reputação’. Numa pessoa que tem uma personalidade narcisista e desvio de caráter não entra mudança nenhuma. A palavra “autossuficiente” já diz tudo.


Da atitude de Herodes Antipas percebemos que no poder civil, muitas vezes, para não dizer sempre, os interesses do poder estão acima do humano. O evangelho nos relata que da parte dos convidados, não há nenhuma reação: tudo é permitido ao rei, dono da vida de seus súditos. Herodes mandou tirar a cabeça de João Batista. E a jovem dá a cabeça de João Batista à mãe, e ela mesma fica sem nada.   


De Herodes podemos tirar muitas outras lições. Em primeiro lugar, nunca façamos promessas quando formos dominados por uma grande emoção. Sejamos cautelosos, prudentes, sóbrios em tudo. “Quem não se controla no lícito está em perigo de sucumbir diante do ilícito. Por isso, o sóbrio se abstém da saciedade para não cair na embriaguez”, dizia Santo Agostinho (De ut. Jej. 5,6).  Herodes Antipas tem medo ao mesmo tempo ama João Batista: odeia a mensagem de João Batista, mas incapaz de se livrar da admiração por ele. Mas em nome da vaidade e do poder, Herodes não quer saber da verdade. Herodes não entende que aquele que conhece a verdade e vive de acordo com a verdade é um homem mais livre do mundo (cf. Jo 8,32). Herodes é também um homem que age por impulsos. Dele aprendemos que saibamos pensar antes de falar e de agir. Muitos acham que falar o que pensar seja uma virtude. Mas na verdade a verdadeira virtude é pensar bastante antes de falar. Se o mundo vive reagindo, o cristão deve viver refletindo.


O caso de Herodes e Herodíades é um caso típico de como um pecado leva a cometer outro pecado. Herodes e Herodíades começaram sendo adúlteros e terminaram sendo assassinos. O pecado de adultério levou os dois ao crime, ao assassinato de um santo, de um inocente, de um João Batista. Herodes e Herodíades calaram a santa boca que recordava o dever; calaram a boca do pregador da virtude. Mas a boca que recorda o dever pode ser tirada, mas não o próprio dever tatuado em cada coração. A boca que prega a virtude pode ser calada, mas não a virtude que habita em cada coração que sempre grita diante da desonestidade.


Com o seu exemplo cheio de fortaleza, João Batista nos ensina a cumprir, apesar de todos os obstáculos, a missão de viver de acordo com a justiça, a verdade, a retidão. É viver a função profética de anunciar o bem e de denunciar o mal e a maldade na convivência. Cada um recebeu de Deus essa missão profética através do sacramento do Batismo. João Batista foi um verdadeiro mártir, pois foi morto por cumprir seu dever de viver de acordo com a retidão e a verdade.

 

Façamos uma pausa e consideremos quantas vezes na história, antes ou depois de João Batista, aconteceu o mesmo fato: que quem denuncia a mentira e defende a verdade, que quem condena o pecado e proclama a virtude, que quem fustiga a injustiça e prega a dignidade humana é a vítima ou o objeto de zombaria e é condenado diante do tribunal do ímpio, mas é glorificado e coroado diante do tribunal de Cristo (cf. Mt 7,21-23; 25,31-46).


Olhando para Herodes Antipas e a adúltera Herodíades, temos que reconhecer que todos nós temos a capacidade de abafar, nos recessos mais secretos do nosso ser, todos os erros que cometemos. Desenvolvemos técnicas sofisticadas para silenciar a consciência e apagar qualquer vestígio de remorso. Essa habilidade tem sido descrita pelos psicólogos como capacidade de nos tornarmos entorpecidos. Freud chama isto de “escudo protetor” que criamos em torno de sentimentos ameaçadores. Mas há um real crescimento em nós quando reconhecemos esses erros e tomamos uma atitude para corrigi-los.


Todos nós tendemos a usar máscaras: a máscara da superioridade ou da inferioridade, a máscara da dignidade ou da vítima. Não nos é fácil deixar cair nossas máscaras e descobrir a criancinha que, dentro de nós, anseia por amor e que tem medo de ser magoado. O perdão e a reconciliação, no entanto, implicam a remoção dessas máscaras, a aceitação de quem realmente somos: aquele que foi ferido e aquele que feriu outras pessoas. Quando entendemos nossa fragilidade, não precisamos cair em depressão. Quando enxergamos a verdadeira beleza da vida e da convivência, não precisamos ficar orgulhosos como pavões.  Enxergar nossa fragilidade e nossa beleza interior, ocultas sob a fragilidade, nos permite reconhecermos nosso valor e nossa sacralidade. Essa descoberta é um momento abençoado para nossa vida, um momento de graça e um momento de iluminação que nos capacita de fazer o verdadeiro encontro com o Deus do amor que nos revela que somos amados incondicionalmente. Quando nos deixarmos governar pelo amor de Deus, não nos vestiremos de antipatia, de mágoa, de raiva e de ódio.


Para Refletir:

  • O orgulho é o complemento da ignorância (Bernard de Fontenelle).

  • Se o homem orgulhoso soubesse como parece ridículo perante quem o conhece, por orgulho seria humilde (Mariano Aguiló).

  • A ciência é orgulhosa pelo muito que aprendeu; a sabedoria é humilde pelo que sabe (William Cowper).

  • O conhecimento aumenta nosso poder na mesma proporção em que diminui nosso orgulho (Paul Bernard, Tristão).

     

    P. Vitus Gustama,svd






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