terça-feira, 25 de agosto de 2020

                                                                 31/08/2020

LIBERTADOS POR JESUS PARA LIBERTAR OS OUTROS A FIM DE CONSTRUIRMOS UMA FRATERNIDADE

Segunda-Feira da XXII Semana Comum

                                          Evangelho de hoje (Lc 4,16-30) - Egídio Serpa | Egídio Serpa ...

Primeira Leitura: 1Cor 2,1-5

1 Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana. 2 Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. 3 Aliás, eu estive junto de vós, com fraqueza e receio, e muito tremor. 4 Também a minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, 5 para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens.

Evangelho: Lc 4,16-30

Naquele tempo, 16 veio Jesus à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. 17 Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: 18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos 19 e para proclamar um ano da graça do Senhor”. 20 Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21 Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. 22 Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” 23 Jesus, porém, disse: “Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. 24 E acrescentou: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. 25 De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel. 26 No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia. 27 E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o Sírio”. 28 Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. 29 Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até o alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. 30 Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho.

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Entre a Sabedoria Da Cruz de Cristo e a Sabedoria Humana

Depois de ter provado a superioridade do Evangelho sobre os sistemas de sabedoria humana (1Cor 1,18-25), são Paulo explica por que não pregou uma doutrina de sabedoria humana a não ser Cristo Crucificado que é a força e a sabedoria de Deus: “Entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado... A minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens”, escreveu São Paulo aos Coríntios que lemos na Primeira Leitura.

São Paulo é o homem que confia na força da Palavra de Deus, pois vem do Dono da sabedoria infinita que é Deus. Trata-se da mensagem do próprio Senhor Crucificado para a humanidade, isto é, para todas as sabedorias humanas que são Paulo tem que transmitir aos outros, pois está em jogo a salvação. Porque a Palavra de Deus é maior do que qualquer sabedoria humana, são Paulo pede à comunidade de Corinto para que sua fé se fundamente sobre a Palavra de Deus e não sobre a sabedoria humana que tem apenas o poder persuasivo, mas sem poder para salvar. São Paulo se considera como pessoa com pouca sabedoria humana em relação aos Coríntios, mas estando com a sabedoria da Palavra de Deus que salva, ele tem obrigação de transmiti-la.

No fundo, a fé é a partilha e a transmissão de uma vivência pessoal e comunitária com o Senhor. A pregação é a partilha da fé vivida a partir da experiência com o Cristo Crucificado. Consequentemente, a pregação não é o momento para apresentar a própria sabedoria cheia de eloquência humana, mas que não salva. Em outras palavras, é preciso ser fiel à Palavra e o conteúdo da Palavra de Deus.  O Papa Francisco escreveu: “Se um texto foi escrito para consolar, não deveria ser utilizado para corrigir erros; se foi escrito para exortar, não deveria ser utilizado para instruir; se foi escrito para ensinar algo sobre Deus, não deveria ser utilizado para explicar várias opiniões teológicas; se foi escrito para levar ao louvor ou ao serviço missionário, não o utilizamos para informar sobre as últimas notícias” (Evangelii Gaudium n.147).

São Paulo não põe seu ponto de apoio na sabedoria humana e sim no conhecimento de Cristo Crucificado. Pela origem da palavra, o verbo “conhecer” quer dizer “com-nascer, nascer com, fazer-se um com outro. Somente conhecemos o outro, entregando-nos a ele e aceitando que ele se entregue a nós. Trata-se de uma relação existencial. O conhecimento de Cristo Crucificado é o que possuíram os santos ao longo da história da Igreja. Inclusive, os mais sábios humanamente se submeteram seu saber a Cristo, e se deram conta de que a sabedoria humana não tinha nenhum valor salvífico em comparação com o conhecimento de Deus, pois “para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,24-25).

A eloquência e a sabedoria humanas não levam são Paulo à verdade desnuda da Cruz de Cristo. Ele não quer apresentar-se aos Coríntios falando com palavras altíssonas (que soam alto) e fazendo alarde de eloquência para receber algum aplauso. São Paulo lhes pregou simplesmente Jesus Cristo Crucificado sem triunfalismos. São Paulo se apresentou diante dos Corintos como um pobre homem, débil e temeroso, do ponto de vista humano. Mas sua debilidade presta o único e o melhor serviço ao assunto de Jesus, evitando o equívoco e mostrando que não era a palavra avassaladora de um homem culto e sim a força de Deus que operava na pregação cristã.

São Paulo não prega uma doutrina da sabedoria e sim apresenta um testemunho: “Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana” (1Cor 2,1). O testemunho vale em razão da qualidade do acontecimento que apresenta e não em razão da retorica com que arroupa. As palavras da testemunha são são os fatos vividos que falam por si mesmas. No entanto, são Paulo realizou uma seleção nos sucessos de que dá testemunho: instituiu mais em torno da Cruz do que em torno da soberania de Cristo (1Cor 2,2); em torno da humildade de Jesus do que em torno de sua sabedoria.

São Paulo recusa decididamente os discursos de uma sabedoria humana, que seria persuasivos por si mesmos (1Cor 2,4) e que fariam da fé uma adesão de ordem puramente humana (1Cor 2,5). Sua pregação é muito mais uma demonstração do poder do Espirito que vem de Deus e requer, consequentemente, uma adesão de outro ordem: a do Espirito: “A minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens” (1Cor 2,4-5).

São Paulo quer nos mostrar que a autenticidade do trato com o Senhor é o pedestal da verdadeira pregação. É real que nossa força, a única força nossa como cristãos é a fé vivida e vivida profundamente pessoal e comunitariamente. A fé dá liberdade, segurança e independência para testemunhar diante das situações mais adversas, sem perder a esperança nem ser vítima da decepção e do desespero, a exemplo de são Paulo, pois a Palavra de Deus não conhece fracasso.

O mundo de hoje não parece tampouco ter ouvidos prestos a escutar a mensagem de Cristo Crucificado. A comunidade cristã, desde mais de dois mil anos, se apresenta diante do mundo “ débil e temeroso”, como são Paulo na Gréica, porque sabe que a mensagem que prega é difícil (Cristo crucificado). Mas por outro lado, a própria palavra que ele anuncia tem uma força intrínseca capaz de fazer frutificar nos ambientes menos predispostos. Para Deus, a força verdadeira está no simples e no débil. Na Cruz de Cristo, símbolo de fracasso e da fragilidade para o mundo, está a sabedoria e a chave para a salvação.

Nos momentos atuais de exaltação do homem e de sua tecnologia relativamente avançada é bom, de vez em quando, refletir sobre a debilidade humana e mostrar os verdadeiros valores para que ninguém se perca no meio do avanço tecnológico.

Deus Vem Para Nos Libertar a Fim De Estar Com Ele Eternamente

O texto do evangelho de hoje nos fala do início da pregação pública de Jesus segundo Lucas. A pregação inaugural (discurso programático em Nazaré) tem como lugar numa sinagoga em Nazaré, por ocasião de um culto sinagogal no Sábado. E a leitura que Jesus fez e sobre o qual comentou é o texto do Trito-Isaias (cf. Is 61,1-2) que fala da missão do Messias. E a missão do Messias, do Ungido de Deus, é proclamar a Boa Notícia que consiste na libertação dos prisioneiros do sofrimento, da opressão, da injustiça e proclamar a Boa Notícia, preferencialmente, para os pobres, os escravos, os marginalizados: os leprosos, os doentes, os publicanos, as mulheres. E Jesus se apresenta como o Ungido, o Messias (cf. Lc 3,21-22). Em outras palavras, o que o livro de Isaias anunciava se cumpriu em Jesus: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Jesus veio ao encontro do homem para devolver sua dignidade como pessoa humana e filho (filha) de Deus.

Trata-se de uma cena bem significativa, programática que se pode dizer que dá sentido a todo ministério messiânico de Jesus: sua primeira pregação na sinagoga de seu povo de Nazaré. Trata-se de uma cena densa, muito bem narrada por Lucas com uma série de detalhes significativos: o costume de ir à sinagoga todos os sábados; o convite para que leia a Palavra de Deus; o comentário de Jesus sobre a leitura do Livro de Isaias cujo conteúdo é o programa do ministério de Jesus: “Hoje se cumpriu a Escritura...”; as primeiras reações e aprovação por parte dos seus conterrâneos que ficam bloqueados em seu caminho de fé, pois conhecem demais Jesus: “Não é este o filho de José?”; a queixa de Jesus sobre essa falta de fé; a reação de ira.

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Jesus veio para libertar, para unir e reunir, para salvar.

A idéia de libertação, de liberdade, está subjacente em todo o Evangelho de Lucas (e outros evangelhos). Toda vez que Deus visita e se aproxima do homem, Ele o faz para libertá-lo: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo...” (Lc 1,68). E toda vez que o homem se aproxima de Deus, ele ganha a libertação e a liberdade. A aproximação de Deus em Jesus Cristo tem como objetivo libertar o homem: libertar para ser livre.

Jesus vem ao encontro do homem para que este se torne mais humano e mais irmão dos outros, e para fazer que o homem seja capaz de se levantar contra si próprio, isto é, contra àquilo que não é humano dentro de si, penetrando até o intimo de seu ser para destruir o que é caduco e podre dentro de si próprio a fim de fazer florescer o que tem de esplêndido e admirável dentro de si. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de jogar para longe as cadeias de seu egoísmo que prejudica a convivência fraterna. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de sentir-se, com todas as suas conseqüências, filho de Deus e irmão dos demais homens. Jesus vem para libertar o homem em sua totalidade a fim de fazê-lo apto para construir o hoje e o aqui do Reino de Deus que Ele anuncia e quer construir como tarefa prioritária de sua vida e missão. Jesus vem para libertar o homem daquilo que se chama “pecado” e que consiste em subverter a escala de valores e no lugar de buscar o Reino de Deus e sua justiça (cf. Mt 6,33), buscar a própria e direta satisfação acima de qualquer valor. Jesus vem para que, ao libertar o homem, desaparecem da terra o ódio, a guerra, a violência, a extorsão, a exploração, a injustiça, a miséria, a opressão, a intolerância, e assim por diante. Jesus vem para construir o homem novo capaz de colaborar na realização da nova terra e do novo céu (cf. Ap 21,1-8).

Jesus veio como o verdadeiro Libertador dos homens. Convém pensar serenamente na passagem do Evangelho deste dia e saborear a cena num momento no qual vivemos na atualidade com proliferação dos que se dizem “libertadores” ou “os liberais” e que pregam tantas “liberdades” ou “libertinagem”. Estamos rodeados dos libertadores oficiais que nos querem liberar para gozar do sexo, da vida, de cada momento que se escapa de nossas mãos como rapidez. No entanto, nunca o homem está tão prisioneiro de si próprio, prisioneiro, precisamente, daquilo por onde dizem que vem a libertação ou uma simples liberação de tudo. Trata-se de uma liberação ou libertinagem que arranca um sorriso limpo e estimulante de tantos lábios, a violência mortal ao impor os próprios modos de conceber a vida a ponta de uma pistola ou de um revolver, a fome que é possível morrer em nossas civilizadas e estupendas cidades, uma solidão que enche de vazio nossas populosas cidades, a injustiça que se traduz em pobreza institucionalizada. Esses são os frutos da liberação ou da libertinagem que nos anunciam os messias de turno. Diante deles se levanta Jesus, com a Escritura na mão, anunciando que real e verdadeiramente libertação consiste em romper as cadeias pessoais para conseguir ser o que se deve ser: filhos de Deus e irmãos dos demais homens. Para um cristão o que deve ser é ser um sincero e verdadeiro filho de Deus, com toda a amplitude e a exigência que essa realidade traz consigo. É preciso escutar a Palavra anunciada por Jesus, a Palavra do Pai.

Na sinagoga Jesus leu uma passagem da Escritura e fez o comentário sobre ela. Os nazarenos ficaram admirados com a explicação de Jesus, mas, ao mesmo tempo, se escandalizaram porque para eles Jesus é o filho de um simples carpinteiro. Jesus que anuncia é tão “humano” e por isso, ele é uma presença de Deus. O anúncio tão humano de Jesus não se trata de filantropia ou de ação social, mas trata-se, precisamente do projeto de Deus e da ação do Espírito Santo: “O Espírito do Senhor está sobre mim para...”. A presença de Jesus é uma chuva de benefícios para todos: para os pobres, para os cativos, para os cegos, para os oprimidos...   

Quando escutamos a Palavra de Deus, temos que recebê-la não como um discurso humano e sim como uma Palavra que tem um poder transformador em nós, pois tudo o que diz está profundamente cheio de sentido e de amor. Deus não fala para nossos ouvidos e sim para nosso coração. A Palavra de Deus é uma fonte inextinguível de vida. A Palavra de Deus sai do próprio coração de Deus. Desse Coração, do seio da Trindade veio Jesus, a Palavra do Pai, para os homens (cf. Jo 1,1-4.14).

Por isso, cada dia, quando lemos ou escutamos o Evangelho, nós temos que dizer, como Maria: “Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38). Ao que Deus nos responderá: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabastes de ouvir”. Os nazarenos não compreenderam as palavras de Jesus, pois olhavam somente com os olhos humanos: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22). Viam a humanidade de Jesus, mas se escondia a Sua divindade aos olhos dos nazarenos. Toda vez que escutamos a Palavra de Deus, além de seu estilo literário, da beleza das expressões ou da singularidade da situação, temos que saber e estar conscientes de que é Deus Quem nos fala.

O Senhor “me enviou para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos”. A vida de Jesus é nossa vida. A missão de Jesus é nossa missão. Temos missão de libertar as pessoas de suas “ataduras” de vida; de fazer as pessoas enxergarem sua vida e a realidade ao redor para tomar posição como cristão, de viver na alegria do Senhor apesar dos contra-tempos. Mas para podermos libertar os outros temos ser, primeiro, livres, pois somente quem é livre pode libertar.

P. Vitus Gustama,svd

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