quinta-feira, 17 de setembro de 2020

22/09/2020: VIVER COM SABEDORIA

SER MEMBRO DA FAMÍLIA DE JESUS E VIVER DE ACORDO COM A PALAVRA DE DEUS SIGNIFICAM VIVER NA SABEDORIA

Terça-Feira da XXV Semana


Primeira Leitura: Provérbios 21,1-6.10-13

1 O coração do rei nas mãos do Senhor é como água corrente; ele o dirige para onde quer. 2 O homem pensa que o seu caminho é sempre reto, mas é o Senhor quem sonda os corações. 3 Praticar a justiça e o direito é mais agradável ao Senhor do que os sacrifícios. 4 Olhar arrogante e coração orgulhoso, a lâmpada dos malvados não é senão o pecado. 5 Os projetos do homem aplicado produzem abundância, mas todos os apressados só alcançam indigência. 6 Tesouros adquiridos com língua mentirosa são ilusão passageira dos que procuram a morte. 10 A alma do malvado deseja o mal, ele olha sem piedade para o seu próximo. 11 Quando se castiga o zombador, aprende o imbecil, e quando o sábio é instruído, ele adquire mais saber. 12 O justo observa a casa do ímpio e leva os ímpios à desgraça. 13 Quem tapa os ouvidos ao clamor do pobre, também há de clamar, mas não será ouvido.

 

Evangelho: Lc 8,19-21

Naquele tempo, mãe e os irmãos de Jesus aproximaram-se, mas não podiam chegar perto dele, por causa da multidão. 20 Então anunciaram a Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver”. 21 Jesus respondeu: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática”.

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É Necessário Viver e Conviver Com Sabedoria e Discernimento

 

Durante duas semanas, a partir de hoje,  leremos e meditaremos nas Primeira Leituras semanais uma pequena seleção tirada dos Livros Sapienciais: Livro dos Provérbios e Eclesiastes.

 

Hoje  e no dia seguinte (amanhã) meditamos sobre o texto do livro do Provérbio. Segundo muitos especialistas este livro foi escrito em Jerusalém em torno dos anos 190/180 antes de Cristo. Este livro é feito de centenas de frase breves atribuídas a Salomão ou a outros sábios do Antigo Testamento e que, baseando-se na fé em Deus, mas também no bom sentido e na experiência da vida, nos querem orientar em nossa conduta de cada dia. Todos querem a verdadeira sabedoria para caminhar com segurança nesta vida sem equivocar a direção.

 

Os pensamentos sapienciais dessa leitura nos convidam para uma reflexão sobre a história e a vida. Neles falam daqueles “sábios” do Antigo Testamento que guiaram seu povo e preparam a vinda de Jesus, o autentico Mestre e Sábio. Os Sábios viviam numa sociedade violenta e tratavam de entender seu significado, especialmente como armadilha que conduz à morte e nos priva da desejada plenitude de vida. Nisto é importante ter discernimento como elemento indispensável para construir uma sociedade mais justa. Aqueles que perseguem a justiça e a bondade encontrarão vida (Pr 21,21) e a vida dará a mente serena ao corpo (Pr14,30).

 

A primeira palavra hebraica que serve como o título do livro é “Provérbios de Salomão” (mishlê shelomôh). A palavra “provérbios” aqui tem um sentido muito amplo. Ela se refere a diferentes tipos de comparações e analogias que inclui provérbios ou refrãos.

 

O livro tem muita a ver com a atualidade, pois seus principais temas são importantes para nós. O livro dos Provérbios em seu conjunto gira em torna da busca da vida, da qualidade da vida, da plenitude de vida, do discernimento na vida. O livro dos Provérbios fala da vida mais de trinta vezes. O desejo humano mais profundo é a plenitude de vida.

 

Além da vida, o livro dos Provérbios fala do discernimento. Uma pessoa sábia tem muito discernimento, isto é, fazer o que é justo no momento justo. É fazer as coisas pelo seu sentido e não somente pelo prazer de fazê-las. O discernimento é penetração, intuição, compreensão, sutileza, prudência (Pr 1,2-3). O discernimento é o centro da teologia moral. O discernimento pode ser descrito como um caminho. O bom caminho significa fazer o que é correto, justo e adequado (Pr 2,9). Discernimento é escutar os bons conselhos de outras pessoas. O discernimento conduz cada pessoa individualmente e a comunidade em geral para a vida.

 

Além da vida e do discernimento encontra-se neste livro outro tema: mulheres. Encontramos neste livro cinco mulheres distintas. Em Pr 1-9 encontramos a Dona Sabedoria e a Dona Necessidade. Em Pr 31 encontramos a mãe de Lemuel, e a Mulher forte e capaz. A quinta mulher que se encontra no livro (Pr 1-9) é definida como a “zarah” e, às vezes, como “nokriyah” (Pr 5,20) que pode significar estrangeira, estranha, forasteira ou simplesmente “outra”. A colocação dessas mulheres como símbolo deve ter certa relevância social depois do exílio de Babilônia.

 

Outro tema que se sublinha no livro é o tema da violência. Para o livro dos Provérbios, o caminho da vida é um caminho de amor. Do amor dependem as relações humanas mais saudáveis e a construção da comunidade mais fraterna. A violência é contrária do amor. A violência é uma armadilha que conduz à morte. O ódio faz parte da violência. O ódio provoca disputas, mas o amor cobre todas as ofensas. Este provérbio se repete sete vezes no Novo Testamento (1Cor 13,4-7; 1Pd 4,8; Tg 5,20). Os que odeiam a sabedoria amam a morte (Pr 8,36). O malvado comete violência (Pr 21,7). O discernimento nos liberta da violência recíproca. Os sábios não necessitam da violência porque são mais poderosos que os fortes. A violência é a arma dos mais fracos.

 

Por fim, encontra-se também neste livro o tema da justiça. A justiça (sedaqah) é uma categoria básica do livro dos Provérbis. A justiça está intimamente ligada à vida. A recompensa do justo conduz à vida (Pr 10,16). O malvado não reconhece os direitos do pobre (Pr 29,7), e não entende nada de justiça (Pr 28,5). Para aumentar sua riqueza, o malvado oprime o pobre (Pr 22,16). O malvado confia somente na sua riqueza e imagina que os bens o protegem de todo mal (Pr 18,11). O malvado usa a lei para devorar o pobre (Pr 13,23) e gosta de mentir. Mas aqueles que vão atrás da justiça e da bondade encontrarão honra e vida (Pr 21,21).

 

Continuamos a acompanhar as reflexões do sábio do livro dos Provérbios (começaria  ontem se não fosse a festa de são Mateus, evangelista), cheias de sentido comum e de sensibilidade religiosa. São páginas para ler sem pressa, projetando suas gotas de sabedoria sobre nosso comportamento, e que servem como um exame de consciência para todos nós. Mesmo sendo ideias dispersas sem relação aparente entre elas, porém elas são critérios de sabedoria para a vida cotidiana para qualquer ser humano.

 

Por exemplo, “O coração do rei nas mãos do Senhor é como água corrente; ele o dirige para onde quer”. Mas muitas vezes, os grandes “dirigentes” ou “governantes”, ou “chefes” vivem como se não tivesse Alguém superior (Deus, o Criador) e por este comportamento acabam fazendo tudo ao seu gosto e prazer, esquecendo-se que um dia todos terminarão sua passagem neste mundo e cada um tem que prestar contas diante de Deus por tudo que fez na vida (Cf. 2Cor 5,10; Hb 9,27). Por fazer tudo a seu gosto e prazer, os “chefes” acabam criando sofrimento nos outros, especialmente nos mais pobres e simples.

 

O sábio dos Provérbios nos relembra também que, “O homem pensa que o seu caminho é sempre reto, mas é o Senhor quem sonda os corações”.

 

Frequentemente, caímos na tentação das aparências, mas é Deus quem conhece o coração humano e sabe se é sólido ou não. Já deveríamos ter a experiência de que “Tesouros adquiridos com língua mentirosa são ilusão passageira dos que procuram a morte”. Quantas pessoas se enriquecem ilicitamente roubando o que é do comum, deixando a maioria na miséria por mentir a população com um discurso e”recheado” de tanta beleza, mas esconde-se a mentira. Porém o sábio do livro nos relembra que "tesouros ganhos pela boca enganosa são a fumaça que se dissipa". O dono mentiroso vai desparecer com os bens que não são seus como uma nuvem ou uma fumaça que só se vê momentaneamente e depois des aparece. Nosso conhecimento é sempre limitado e superficial e por isso, acabamos abusando das criaturas e deixamos de lado o Criador das coisas. Somente Deus tem um conhecimento exato das coisas e dos homens e o sentido de cada coisa criada, pois “é o Senhor quem sonda os corações”.

 

Além disso, mais uma vez aparece uma afirmação, tantas vezes ouvida nos lábios dos profetas e do próprio Jesus, que "Praticar a justiça e o direito é mais agradável ao Senhor do que os sacrifícios”. No evangelho Jesus afirma que “amar a Deus de todo o coração, de toda a inteligência e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios” (Mc 12,33). As exigências de justiça e de direito são exigências divinas. Praticar a justiça e direito vale mais do quea  “prática religiosa”, se as práticas religiosas nao correspendem com a boa conduta diariamente. Nossos atos  e escolhas devem preencher as exigências éticas. Nisto praticamos justiça e direito.

 

Também somos lembrados de que um dia nos acontecerá o que vemos acontecer aos outros na sua necessidade, no entanto, não os ajudamos. Sabemos muito bem que nossa vida é uma roda que gira sem parar. Um dia estamos muito bem, outro dia nos encontramos sem força pelo peso dos problemas ou de alguma doença e dor. Nisso, a convivência fraterna nos ajuda muito nesses momentos difíceis. Por isso, o sábio nos alerta: “Quem tapa os ouvidos ao clamor do pobre, também há de clamar, mas não será ouvido”.

 

Com o Salmo Responsorial de hoje (Sl 118/119), rezemos a Deus que nos ensine Sua Sabedoria: “Guiai-me, Senhor, no caminho de vossos preceitos! Fazei-me conhecer vossos caminhos, e então meditarei vossos prodígios! Escolhi seguir a trilha da verdade, diante de mim eu coloquei vossos preceitos. Dai-me o saber, e cumprirei a vossa lei, e de todo o coração a guardarei. Guiai meus passos no caminho que traçastes, pois só nele encontrarei felicidade. Cumprirei constantemente a vossa lei, para sempre, eternamente a cumprirei!”. A vontade de Deus deve ser a lei para cada homem, pois Deus está em todas as coisas e Seu domínio é supremo. A capacidade de “ver” Deus em todas as coisas e Sua vontade em todos os eventos é o caminho para a sabedoria, a felicidade e a paz.

 

Ser Praticante Da Palavra De Deus Nos Torna Membros Da Família do Senhor

 

 “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver”.

 

Os parentes, mãe e irmãos, querem “ver” Jesus. É muito difícil saber o significado preciso desta palavra: VER. No texto correspondente de Marcos, a intenção da família é bem precisa: buscar Jesus para levá-Lo para a casa porque pensam que ele está fora de si (Mc 3,20-21). Lucas como um evangelista fino e humano que respeita a família de Jesus suprimiu esse motivo (sobre a intenção da família em querer ver Jesus). Mesmo assim tem-se impressão de que os parentes querem monopolizar Jesus, utilizando os privilégios que lhes oferece seu parentesco. Neste contexto compreende-se a resposta da parte de Jesus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles, que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”. Diante do velho parentesco de sangue, Jesus funda as bases da nova família de Seu Reino, no qual fazem parte aqueles que recebem e cumprem Sua Palavra com dois traços. Primeiro, é preciso “escutar a Palavra”, isto é, estar aberto diante da graça recebendo o dom de amor que Deus ofereceu em e através de Jesus. Segundo, há que cumprir a Palavra. Somente aquele que traduz a Palavra de Deus em sua vida faz parte da família de Jesus. Neste sentido, ser cristão significa viver no mistério do amor que Deus nos comunica como nova possibilidade de existência. E este amor se torna um principio de nossa existência: Devemos ser pontes do amor de Deus para que ele chegue aos outros. Em Jesus e por Jesus, encarnação do amor de Deus, os homens, que escutam Sua Palavra e a vivem conforme essa Palavra, constituem uma mesma família com Jesus.

 

“Minha mãe e meus irmãos são aqueles, que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”.

 

A comunidade com Jesus está no ouvir e no tornar realidade a Palavra de Deus. Maria é a mãe de Jesus por causa do seu “sim” total e absoluto, dado um dia à Palavra de Deus. “Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,37), disse Maria, a mãe de Jesus na anunciação. Maria guarda cada Palavra e a medita em seu coração (Lc 2,19). Ela leva a Palavra a Isabel, e seu anúncio é tão rico que transborda em um cântico chamado “Magnificat” (Lc 1,46-55) e em alegria para quem ainda em crescimento (Lc 1,44). Maria é o coração bom que retém para irradiar a Palavra de Deus e produz fruto com constância. Maria foi um “sim” à Luz e deu a luz a Luz do mundo (Jo 8,12). Por isso, o texto do evangelho deste dia é um grande elogio de Jesus a Maria, sua mãe que entregou totalmente sua vida e sua vontade a Deus para o bem de todos. Maria escuta a Palavra de Deus, medita-a e vive de acordo com esta Palavra. Pela escuta e vivência da Palavra Maria se torna de Deus e do Povo de Deus.

        

Para escutar bem precisamos criar o silêncio dentro de nós e ao nosso redor. O silêncio cria ressonância à Palavra. Para escutar bem é necessário que estejamos vazios de nós mesmos: “Estar vazio de toda criatura é estar cheio de Deus. E estar cheio de toda criatura é estar vazio de Deus” (Meister Eckhart). O silêncio é um vazio em que a plenitude se torna presente. O silêncio nos ajuda a calarmos em nós a fantasia, o nosso rancor, o nosso ódio, o nosso medo, a nossa angústia, a nossa indiferença, o nosso mau humor, a nossa inveja, o nosso orgulho, ou o nosso ser em geral, e a limparmos da alma tudo quanto nos possa perturbar para ouvir a verdade de Quem é maior que nós: Deus.

        

Cada um de nós é vítima da agressão externa de hordas de palavras, de sons, de clamores, que ensurdecem o nosso dia e até mesmo, às vezes, a nossa própria noite. Somos agredidos e envolvidos pelo multilóquio mundano que, com mil futilidades, nos distrai e nos dispersa. Só depois do amor ao silêncio é que despertará a nossa capacidade de escuta.

    

Quando compreendemos a Palavra de Deus como um chamado urgente para ser escutada é que conseguimos perceber melhor o que está em jogo na nossa vida. É a Palavra de Deus que nos mostra o que fazer e como fazer.

 

Uma comunidade somente pode ser chamada de a Igreja de Cristo, se cada um de seus membros souber viver de acordo com a Palavra de Deus. O que nos une é a vivência da Palavra de Deus e a mútua oração. O povo eleito foi formado não por decreto, mas pela escuta e pela obediência à Palavra de Deus. A Igreja de Cristo é edificada pela Palavra de Deus. A Igreja dá a igual reverência à Mesa da Palavra e à Mesa da Eucaristia. Esta é a alma da Igreja e a Igreja é seu fruto. Da Palavra de Deus brota sempre Igreja viva. Somos cristãos não por decreto, mas pela convicção e pela opção. Ser cristão significa viver no mistério de amor que Deus nos comunicou através de Jesus, Deus encarnado, a Palavra Encarnada como nova possibilidade de existência. A partir desse amor de Deus que nos é oferecido nós devemos ser ponte de amor para os outros. Os irmãos e as irmãs se reconhecem mutuamente pela mesma prática do amor fraterno, pela disposição a viver reconciliados e a trabalhar juntos pela causa de Jesus.

 

Além desse amor mútuo, outra característica da comunidade de Jesus é o serviço mútuo. Quando um começar a servir o outro na comunidade, todo tipo de rivalidade desaparece. Mas quando cada um começar a se considerar como o mais importante do que os outros, a disputa e a briga vão começar a acontecer na própria comunidade e a comunidade perderá sua força para dar testemunho. Se cada membro deixar de cuidar do outro membro da comunidade, a comunidade vai formar uma comunidade de traidores, como Judas que traiu o próprio Mestre. E as palavras de Mahatma Gandhi vão ter que soar novamente nos nossos ouvidos: “Aceito vosso Cristo, mas não aceito vosso cristianismo”.

 

Se o Senhor nos diz hoje: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles, que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”, cada um de nós precisa se perguntar: “Será que sou mãe, irmã ou irmão de Jesus? Será que posso me dizer que sou um dos membros da comunidade de Jesus?”. Que Deus nos conceda, por intercessão de Maria, nossa Mãe a graça de viver de acordo com a Palavra de Deus para que possamos, pela misericórdia divina, alcançar os bens eternos.

 

A comunhão com Jesus somente se alcança na aceitação de Seu projeto, de Sua vida e de Suas palavras na própria vida e somente dele se pode construir um autentico vínculo familiar que faça indissolúvel nossa união com Ele.

P. Vitus Gustama,svd

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