domingo, 16 de julho de 2023

19/07/2023-Quartaf Da XV Semana Comum

A SIMPLICIDADE E A HUMILDADE SÃO MEIOS NOS QUAIS O SAGRADO SE REVELA

Quarta-Feira da XV Semana Comum

Primeira Leitura: Ex 3,1-6.9-12

Naqueles dias, 1 Moisés apascentava o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã. Levou um dia, o rebanho deserto adentro e chegou ao monte de Deus, o Horeb. 2 Apareceu-lhe o anjo do Senhor numa chama de fogo, do meio de uma sarça. Moisés notou que a sarça estava em chamas, mas não se consumia, e disse consigo: 3 “Vou aproximar-me desta visão extraordinária, para ver por que a sarça não se consome”. 4 O Senhor viu que Moisés se aproximava para observar e chamou-o do meio da sarça dizendo: Moisés! Moisés!” Ele respondeu: Aqui estou. 5 E Deus disse: “Não te aproximes! Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa”. 6 E acrescentou: “Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”. Moisés cobriu o rosto, pois temia olhar para Deus. 9 E agora, o clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e vi a opressão que os egípcios fazem pesar sobre eles. 10 Mas vai, eu te envio ao Faraó, para que faças sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel”. 11 E Moisés disse a Deus: “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair os filhos de Israel do Egito?” 12 Deus lhe disse: “Eu estarei contigo; e este será o sinal de que fui eu que te enviei: quando tiveres tirado do Egito o povo, vós servireis a Deus sobre esta montanha”.

Evangelho: Mt 11,25-27

25 Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26 Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. 27 Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”

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Deus Também Chama Você Para Libertar Os Que Se Encontram Escravizados Pelo Mundo

Apareceu a Moisés o anjo do Senhor numa chama de fogo, do meio de uma sarça”.

A visão da sarça ardente representa um momento decisivo na vida de Moisés e de seu povo: Deus chama Moisés para libertar Seu povo da escravidão. “O Senhor viu que Moisés se aproximava para observar e chamou-o do meio da sarça dizendo: Moisés! Moisés!”.  A experiência da sarça ardente é um momento fundante na vida e vocação de Moisés. Esta é uma cena de vocação. Deus chama Moisés pelo nome e este responde prontamente: “Eis-me aqui!”. Nessa experiência, Deus revela seu nome a Moisés: “Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”. Trata-se de uma presença misteriosa que acompanha permanentemente Seu Povo. “Eu sou o que sou”, “Eu sou o Deus de teus pais”, “Eu estou contigo”. Deus se revela através de uma presença permanente e misteriosa. Mesmo que não percebamos a presença de Deus, Ele está conosco diariamente. Ele não abandona seu povo:O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e vi a opressão que os egípcios fazem pesar sobre eles”. Deus está conosco. Fortalecido por esta experiência, Moisés começa sua missão libertadora: “Vai, eu te envio ao Faraó, para que faças sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel”. 

Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair os filhos de Israel do Egito?”, é a resposta de Moisés ao Deus que o chama. Isto quer nos dizer que nenhum homem está à altura para sair com êxito das obras de Deus. A missão para libertar nos dá medo como Moisés. Diante da magnitude da tarefa, sentimo-nos sempre muito pequenos. “Quem sou eu para ir ao Faraó?”. Faraó representa o poder humano, poder que destrói. E Moisés é um fugitivo. Ele é ordenado por Deus a voltar para o lugar de onde ele fugiu para encarar Faraó a fim de libertar os irmãos da escravidão. Tudo isso não é uma tarefa fácil! Quando nos sentimos pequenos e limitados é bom sinal. Aos pequenos é que Deus se revela. 

Deus sempre leva a cabo seus planos por meio de intermediários humanos, por meio de homens e mulheres cheios de limitações. Deus necessita dos homens e das mulheres apesar de suas limitações. Ele chama as pessoas para Seu serviço. Ele também me chama para a mesma missão. A força daquele que recebeu missão não vem de si mesmo e sim vem de Deus, é uma força de Deus: “Eu estou contigo!”. Deus repetirá essa mesmas palavras para outros colaboradores humanos. 

Na vocação de Moisés, encontramos o caminho contrário do ponto de vista humano. Normalmente é o homem quem chama a Deus porque nossa condição de criatura nos faz sentirmos dor e a indigência. Por isso, suplicamos a Deus para pedir Seu socorro. Este é o caminho humano. O texto quer que levemos em consideração o caminho sobrenatural em que Deus chama o homem, que o implica em Seus planos, que conta com o homem e faz um caminho junto a Ele: “Eu estarei contigo”. Deus e o homem caminham juntos para salvar os escravizados pelo espirito mundano ou pelo poder mundano que destrói. A salvação acontece quando Deus e o homem trabalham juntos. Como o homem precisa de Deus assim também Deus “precisa” do homem. Deus ajuda o homem. Mas o homem também precisa “ajudar” Deus. Nisto consiste a salvação.

Deus Põe Um Limite Na Nossa Vocação: É Preciso Respeitar o Sagrado

Não te aproximes! Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é uma terra santa”, disse Deus a Moisés.

Deus atrai Moisés através da sarça ardente que não se queima. Deus chama Moisés pelo nome: “Moisés, Moisés!”, mostrando assim que Deus conhece Moisés de modo singular assim como conhece sua singularidade e a dor do povo hebreu que Ele ouviu. 

No entanto, Deus também põe um limite a Moisés: “O lugar onde estás é uma terra sagrada”. Notemos o papel do Sagrado aqui. As dores dos israelitas são concretas e aparentemente “terrenas”: falta de descanso, sobrecarga de trabalho, maltrato. Para solucionar tudo isto, Deus marca uma fronteira, define uma terra como sagrada. 

Faraó se considera dono e senhor da terra onde ele domina e governa. Moisés se encontra em Horeb, num monte. E Deus está dizendo: “Este monte é meu!”. O próprio monte com suas rochas, sarças e pedras etc. não são mais importantes. O que mais importante é que o Sagrado existe. A terra não é univocamente do homem. Com isso, Deus está restaurando a ordem original da criação: as coisas serão nossas, se nós formos de Deus. 

Eu preciso respeitar o Sagrado dentro de mim, o Sagrado que está no coração do outro, o Sagrado que está no universo. A consciência da presença do Sagrado no outro resulta no respeito pela dignidade do outro, o respeito pela natureza e o respeito a mim mesmo. Consequentemente, o maltrato, a violência, o assassinato, a exploração irresponsáveis da natureza serão evitados.  Eu não posso profanar meu corpo, o outro e a natureza, pois neles está presente o Sagrado. Pelo fato de o Sagrado estar dentro nós, nós nos tornamos o Templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). Quando o homem não respeitar o Sagrado, tudo o que ele fizer tem como fim a sua própria destruição. Quando expulsarmos o Sagrado de dentro de nós, seremos incapazes de ser construtivos e sim destrutivos da vida alheia, de nossa própria vida e da natureza. 

Somos Chamados a Ser Pequeninos Para Que Deus Se Revele a Nós 

Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. 

Para entender o sentido do texto lido neste dia é preciso ler o texto precedente no qual Jesus condena as cidades da Galiléia (cf. Mt 11,20-24). Por esta razão, para manter a continuação do narrativo Mateus usa a expressão “Por esse tempo”: “en ekeinoi toi kairõi...” (Mt 11,20). Mateus emprega neste texto o termo “kairós” que aqui significa mais do que simplesmente “tempo”. É um tempo determinado, oportuno e decisivo. É o tempo de Deus. É o tempo da graça. É o tempo da salvação. Por isso, a conotação escatológica é bem clara neste texto. 

No texto precedente Jesus dirige sua condenação às três cidades: Corazim, Betsaida e Cafarnaum, que são sede de escolas rabínicas e, por conseguinte, centros de cultura religiosa. Por ser centros de cultura religiosa, seus membros se enchem de autossuficiência e orgulho que lhes impedem de descobrir as ações divinas que se realizam por meio das obras de Jesus. Santo Agostinho perguntava retoricamente: “Se tu estás preocupado com tua própria glória, como poderás interessar-te seriamente pelo bem dos demais?” (In ps. 37,8). Os sábios e os entendidos são, neste contexto, todos aqueles que com sua atitude irresponsável não são capazes de aceitar as intervenções de Deus na história. Sua soberba lhes impede de aceitar e de perceber a manifestação divina. “A alma do soberbo está cheia, mas de ar”, dizia Santo Agostinho (In ps. 39,28). Por isso, o mesmo Santo Agostinho deu o seguinte conselho: “Para tu alcançares as alturas necessitas de uma escada. Para alcançares a altura da grandeza, usa a escada da humildade” (Serm. 96,3). E "Quanto mais humildes, maiores" (In ps. 146,16)           

Mesmo assim, Deus, apresentado como “Senhor do céu e da terra” continua sua obra criadora na história. Se Deus é apresentado como “Senhor do céu e da terra”, isto significa que não há outro “senhor” que seja maior do que Deus. Todos os demais são criaturas, simplesmente. O poder humano é temporário. A sabedoria humana é limitada. Quem estiver em sintonia com o Espírito de Deus, captará a presença de Deus nesta vida ou na história. O desígnio de Deus (do Pai) encontra sua realização em outros sujeitos que são classificados como “gente simples”.             

No texto do evangelho de hoje Jesus louva a Deus em uma oração de ação de graças: “Eu Te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra...”. É uma oração de ação de graças. É um louvor. O coração de Jesus transborda de agradecimento ao Pai.           

O louvor se refere principalmente a Deus. Um cristão é vivo quando ergue o olhar para algo maior do que qualquer criatura, e o louva. Ao louvar a Deus, o homem olha tudo além de si mesmo. O homem louva porque percebe sua vida e seu sentido e a beleza do mundo a partir de Deus, e louva a Deus por tudo de bom que existe. O louvor é sinal de uma alma saudável e sempre faz bem para a alma. O louvor relativiza os problemas cotidianos. O homem que louva sempre ganha nova força para superar os problemas diários. O louvor é uma maneira de ver o mundo sob a nova luz que é a luz de Deus. Quem vive louvando a Deus vive feliz e sereno.                    

Somente quando estivermos serenos é que percebemos a beleza da vida. A serenidade é a expressão da tranquilidade vivida com gratidão por nos sentirmos amparados por Deus e em Deus. A serenidade oferece e garante a justa perspectiva das coisas. Diante da glória e da bondade do Deus misericordioso qualquer sofrimento ou dificuldade perde o seu caráter ameaçador. 

Jesus louva a Deus com o seguinte motivo: “... porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos(Mt 11,25).Estas coisas” das quais o texto fala se referem às obras messiânicas de Jesus das quais o capítulo inteiro fala por ocasião da pergunta dos enviados de João Batista (cf. Mt 11,2-6). 

Os pequeninos dos quais Jesus fala são os que se sabem necessitados e limitados. Esta é a razão pela qual eles abrem seu coração à misericórdia divina. Sempre necessitamos ser amados por Deus e pelos homens, pois somente o amor é que nos faz crescer e chegar à maturidade como pessoa. A simplicidade e a humildade são a porta de entrada ao conhecimento de Deus. Se não fizermos este primeiro passo, avançaremos na direção da falsidade e ficaremos cheios de vangloria. As pessoas simples, as de coração humilde, são as que sabem entender os sinais da proximidade de Deus. Elas têm um coração sem demasiadas complicações. Os humildes têm um coração limpo e simples que lhes permite ver tudo com os olhos de Deus. É a pureza de coração, a ausência de todo interesse distorcido que nos permite discernirmos as coisas de Deus na nossa vida e na história. Jesus chama bem-aventurados os que têm o coração puro: “Bem-aventurados os puros do coração, porque verão a Deus(Mt 5,8).           

O simples não se louva nem se despreza. Ele é o que é, sem desvios, sem afetação, faz o que faz, mas não vê nisso matéria para discursos ou para comentários. É a vida sem mentiras, sem exagero, sem grandiloquência. Ele acolhe o que vem, sem nada guardar como coisa sua. Ele ocupa-se do real, não de si. Por isso, a vida de um simples é leve.         

Deus quer que os homens não se ocupem de si mesmos para que ele possa ter espaço neles para Sua graça, pois aquele que se enche de si não sobra espaço nem para Deus nem para os outros. Em outras palavras, que os homens voltem a ser simples.          

Deus se revela certamente àquele que se despoja de si mesmo e de tudo, ao simples, àquele que vive segundo o Espírito, àquele que tem um olhar e o coração limpos. O coração limpo e a ausência de todo interesse torcido permitem o simples discernir a ação de Deus na história. Os simples são os que, ao se esvaziarem de si mesmos, se abrem a Cristo e aos irmãos. Por isso, eles são preferidos de Deus. A atitude dos simples é, portanto, a alternativa diante da obstinada petulância dos soberbos.  Não é por acaso que Mahatma Gandhi dizia: “Como Deus se encontra mais frequentemente entre suas criaturas mais humildes do que entre os poderosos, esforço-me por me colocar no nível das primeiras- o que só se pode fazer colocando-se a seu serviço. Daí minha paixão pelo serviço das classes oprimidas. Servir é a minha religião. Não me inquieto com o futuro”. 

Eu Te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos”. Que esta oração de Jesus seja um grande motivo para voltarmos a viver no louvor e na simplicidade, pois uma vida de louvor a Deus e uma vida vivida na simplicidade é uma vida leve, alegre, animada e cheia de esperança.

Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. É bom recordar: a simplicidade e a humildade são a porta de entrada ao conhecimento de Deus. Se não dermos este primeiro passo, avançaremos para a vanglória.

P.Vitus Gustama, SVD

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