FESTA DE SÃO LOURENÇO, DIÁCONO E
MÁRTIR
VIVER NO PARADOXO PARA VIVER UMA VIDA FECUNDA
Primeira Leitura: 2Cor 9,6-10
Irmãos,
6 “Quem semeia pouco colherá também pouco e quem semeia com largueza colherá
também com largueza”. 7 Dê cada um conforme tiver decidido em seu coração, sem
pesar nem constrangimento; pois Deus “ama quem dá com alegria”. 8 Deus é
poderoso para vos cumular de toda sorte de graças, para que, em tudo, tenhais
sempre o necessário e ainda tenhais de sobra para toda obra boa, 9 como está
escrito: “Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece
para sempre”. 10 Aquele que dá a semente ao semeador e lhe dará o pão como
alimento, ele mesmo multiplicará as vossas sementes e aumentará os frutos da
vossa justiça.
Evangelho: Jo 12,24-26
Naquele
tempo disse Jesus a seus discípulos: 24 “Em verdade, em verdade vos digo: Se o
grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas
se morre, então produz muito fruto. 25 Quem se apega à sua vida, perde-a; mas
quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna.
26 Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu
servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará”.
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Neste dia 10 de agosto celebramos a festa de São Lourenço, diácono e mártir. Seu nomem significa Coroa de louro. Uma das funções do diácono na época era distribuir as ajudas aos pobres. Lourenço foi feito diácono pelo Papa Sisto II (30/8/257-6/8/258). O Papa Sisto II, conhecido como Xisto, foi eleito exatamente na época em que o imperador Valeriano abandonou a política de tolerância para com todos os cristãos. O imperador Valeriano publicou um segundo edito mais severo, ordenando a execução de bispos, sacerdotes e diáconos e impondo várias penalidades aos leigos.
Os dados acerca deste santo são narrados pelo santo Ambrósio, santo Agostinho e o poeta Prudencio. Lorenço foi o mártir romano mais celebrado depois dos apóstolos Pedro e Paulo. Até seu nome consta na primeira oração eucarística.
Lourenço era um dos sete diáconos de Roma, ou seja, um dos sete homens de confiança do Sumo Pontífice. Seu trabalho era de grande responsabilidade, pois era encarregado de distribuir as ajudas aos pobres.
No ano 257/258 o imperador Valeriano publicou um decreto de perseguição no qual ordenava que aquele que se declarasse cristão seria condenado à morte. No dia 06 de agosto no mesmo ano o Papa Sisto II foi assassinado pela polícia do imperador enquanto estava celebrando a santa Missa com quatro de seus diáconos, em um cemitério em Roma.
Quatro dias depois, 10 de agosto de 258, o diácono Lourenço foi martirizado. A antiga tradição disse que quando Lourenço viu que o Sumo Pontífice estava para ser assassinado, disse: “Pai meu, tu te vais sem levar teu diácono?”. E o Papa Sisto II lhe respondeu: “Filho meu, dentro de poucos dias tu me seguirás”. Lourenço ficou muito feliz quando ouviu a palavra do Papa Sisto II.
Quando foi preso e conduzido ao martírio pelo imperador Valeriano, o Papa Sisto II deu ao diácono Lourenço o encargo de distribuir tudo o que tinha aos pobres.
O prefeito de Roma, que era um pagão e muito amigo de dinheiro (ganancioso), chamou Lorenço e lhe disse: "Disseram-me que os cristãos usam cálices e patenas de ouro em seus sacrifícios, e que em suas celebrações eles têm candelabros muito valiosos. Vá, recolha todos os tesouros da Igreja e traga-os para mim, porque o imperador precisa de dinheiro para pagar uma guerra que vai começar".
Lorenço pediu-lhe que lhe desse três dias para recolher todos os tesouros da Igreja, e nesses dias ele foi convidando todos os pobres, aleijados, mendigos, órfãos, viúvas, idosos, mutilados, cegos e leprosos que ele ajudava com suas esmolas. E no terceiro dia ele colocou todos eles em fila e mandou chamar o prefeito, dizendo: "Eu já juntei todos os tesouros da Igreja. Eu lhe garanto que eles são mais valiosos do que os que possui o imperador".
O prefeito chegou muito feliz pensando em encher-se de ouro e prata. Mas ao ver tal coleção de miséria e enfermidade, ficou muito enojado. Mas Lorenço lhe disse: "Por que você fica chateado? Esses são os tesouros mais apreciados da Igreja de Cristo!".
O prefeito, cheio de raiva, disse ao diácono Lourenço: "Pois bem, agora eu mando matá-lo, mas não pense que ele morrerá instantaneamente. Vou fazê-lo morrer pouco a pouco para que ele sofra tudo o que nunca imaginou. Já que ele tem tantos desejos de ser mártir, eu vou martirizá-lo horrivelmente".
Por essas palavras
ele foi colocado vivo sobre um braseiro ardente até a morte.
Depois de um tempo queimando no braseiro, o mártir disse ao juiz: "Já estou assado de um lado. Agora que me virem para o outro lado para eu ser completamente assado". O carrasco fez com que ele se virasse e assim o queimasse completamente. Quando sentiu que estava completamente assado, exclamou: "A carne está pronta, podem comer". E com uma tranquilidade que ninguém havia imaginado, ele orou pela conversão de Roma e pela difusão da religião de Cristo em todo o mundo, e ele deu seu último suspiro. Era 10 de agosto de 258.
Os cristãos viram o
rosto do mártir cercado por uma beleza esplêndida e sentiram um aroma muito
agradável enquanto o queimavam. Os pagãos não viam nem sentiam nada disso.
Santo Agostinho disse que o grande desejo que o mártir teve de ir com Cristo
fez com que ele não desse importância às dores daquela tortura.
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As orações da missa (eucologia) e vários textos da Liturgia das Horas descrevem o testemunho da vida de são Lourenço. O antífona da entrada descreve muito bem quem foi são Lourenço: “São Lorenço se entregou a si mesmo ao serviço da Igreja. Foi digno de sofrer o martírio e de subir com alegria para junto do Senhor Jesus”.
Na
coleta (oração presidencil no início da missa) enfatiza
duas características da vida de são Lourenço. Primeiro, destaca-se o ardor da caridade de são Lourenço:
“Ó Deus, o vosso diácono Lorenço, inflamado
de amor...”. O ardor de seu amor é o resultado da inspiração forte de
Deus: “inflamado de amor”. É uma vida cheia das chamas da caridade como fruto
de sua união profunda com o Deus de amor (cf. 1Jo 4,8.16). Segundo, a consequência do amor inflamado no diácono
Lourenço é a sua fidelidade ao seu ministério diaconal até o derramamento de
seu sangue como mártir. Como disse santo Agostinho no Ofício de Leitura: “No ofício de diácono da Igreja, administrou o sangue de Cristo, e pelo
nome de Cristo derramou o próprio sangue”.
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Nessa festa nos é proposto um evangelho luminoso. Jesus nos recorda que “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto”. Estas palavras retratam a perfeição do diácono Lourenço. Ele soube entregar a vida e por isso é fonte de vida. Ele viveu servindo os pobres e foi martirizado pelos pobres. Ali há uma vida gastada no serviço por amor ao próximo. Ali há um diácono, ou seja, um servidor. Daí São Lourenço nos está convidando a servimos, a estarmos abertos às necessidades dos homens e mulheres de hoje, dos pobres, dos marginalizados e excluídos. Nos dias de sua vida Lourenço semeou com generosidade a semente do amor, da fé, da esperança no coração de seus irmãos.
Ser cristão, a partir do texto do evangelho lido neste dia, é aprender a viver no paradoxo. Paradoxo significa pensamento ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, porém, nele, contém verdade e sabedoria de viver. Trata-se de um raciocínio aparentemente contraditório, porém contém nele uma sabedoria que nos faz crescermos em todos os sentidos. Viver no paradoxo é a lei da vida.
“Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna”. É o verdadeiro paradoxo: morrer para viver e produzir mais frutos como trigo.
Segundo Jesus, não se produz vida sem dar a própria. Um grão de trigo que morre e cai não terra produz muitos outros grãos de trigo. Este é o paradoxo. Não se pode viver sem aprender a morrer. Para ser feliz tem que aprender a fazer o outro feliz. Para subir até Deus, o cristão tem que aprender a descer até a humanidade. Para ser divino, o cristão tem quer ser muito humano. Esta morte é a culminação de um processo de doação de si mesmo: “Quem se apega à sua vida vai perdê-la”. É o paradoxo! Não se pode receber vida sem doá-la para o bem do próximo. Não se pode receber o perdão divino sem dar nosso perdão ao próximo: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, assim rezamos no Pai-Nosso. É o paradoxo! Para ser amado e ser amoroso é preciso amar e ser amoroso para com o outro. Amar é dar-se em abundância até desaparecer, se for necessário. A fecundidade não depende da transmissão de uma doutrina e sim da transmissão e da vivencia do amor fraterno. “Quem não ama permanece na morte. (...) Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”, diz-nos São João (1Jo 3,14b; 4,8).
“Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Este é o primeiro paradoxo apresentado por Jesus no evangelho de hoje.
Na metáfora do grão de trigo que morre na terra, a morte é a condição para que se libere toda a energia vital que a semente contém, e a vida ali encerrada se manifeste plenamente. Com esta metáfora Jesus afirma que o homem tem muitas potencialidades e que somente o dom total de si libera essas potencialidades para que exerçam toda sua eficácia. O fruto começa paradoxalmente no mesmo grão que morre porque se não cair na terra não dá vida, não frutifica, é infecundo. A morte da qual fala Jesus não é um acontecimento isolado e sim é a culminação de um processo de doação da própria vida.
Por isso, dar a própria vida é condição para a fecundidade, é a suprema medida do amor. Para Jesus essa entrega da própria vida para o bem de todos não é uma perda para o homem; não significa frustrar a própria vida e sim uma vida fecunda. Aquele que sabe fazer o outro viver bem tem uma vida cheia de alegria. É uma vida feliz e fecunda. Quando deixarmos de crescer, ficaremos envelhecidos antes do tempo. Enquanto estivermos abertos para o crescimento, permaneceremos jovens, e jovens fecundos. O medo de crescer é o medo de tomar conta de si próprio.
“Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna”. É a segunda afirmação paradoxal de Jesus no evangelho de hoje.
Não se pode produzir vida (dar frutos) sem dar a própria vida (morrer). A vida é fruto do amor e não brotará vida, se o amor não for pleno, se não chegar a ser um dom total. Amar é dar tudo, entregar tudo sem guardar nada para si, até desaparecer, se for necessário, como individuo ou como comunidade. Jesus vai se entregar pelos demais. Ele é solidário com os necessitados e por eles aceita a morte, mas logo prevê já o fruto: “Dou minha vida para retomá-la” (Jo 10,17).
“Quem se apega à sua vida, perde-a”. O temor de perder a vida e o tempo é o grande obstáculo para o compromisso pelos demais, porque o amor à própria vida pode levar alguém a praticar as injustiças e a ficar silêncio diante de uma realidade que necessite de sua colaboração. O silêncio dos bons diante da maldade faz com que a maldade avance. Mas aquele que oferece sua vida pelos demais, ama verdadeiramente, se esquece do próprio interesse e segurança, luta pela vida, pela dignidade em meio de uma sociedade onde reina a morte.
Como Jesus, muitos homens e mulheres de ontem e de hoje para dar vida deram sua própria vida porque estavam convencidos de que o fruto supõe uma morte, e a entrega exige uma fé na fecundidade do amor.
Um desses homens é São Lourenço cuja festa é celebrada neste dia (10 de agosto). Lourenço era o primeiro dos sete diáconos da Igreja de Roma em 258. Valeriano perseguia os membros da hierarquia eclesiástica: bispos, presbítero, diáconos. Lourenço era o principal dos sete diáconos encarregados de socorrer os pobres e de administrar os bens temporais da Igreja. Lourenço era chamado até “diácono do Papa”. O Estado, na pessoa de Valeriano, cobiçava os bens temporais da Igreja. “É rica, sim, a Igreja, não o nego. Ninguém no mundo é mais rico que ela. O próprio imperador não tem tanta riqueza como a Igreja tem. Não recuso a entregar-lhe esses bens. Deixe-me um prazo para unir e inventariar esses bens tão copiosos e preciosos”. Lourenço chamou e reunir todos os pobres e os doentes e os levou para o imperador e disse: “Eis os tesouros da Igreja que nunca diminuem e podem ser encontrados em toda parte!”. Por essa razão, o diácono Lourenço foi martirizado em 10 de agosto de 258.
Que tenhamos a caridade de são Lourenço para com tantos pobres e doentes que necessitam de nossa ajuda, seja nosso tempo para dar um pouco de nossa atenção, seja nossa ajuda material. “Não é louvável no pobre sua pobreza, mas sua humildade; nem condenável no rico sua riqueza, mas seu orgulho. Sejam ricos ou pobres, Deus dá sua graça aos humildes. Desapropria-te de ti mesmo e lança-te nos braços de Deus” (Santo Agostinho). Na nossa sociedade há mártires, homens e mulheres que foram capazes de morrer por um ideal de fraternidade como também na Igreja.
Sentir-se Igreja não é somente estar batizado ou ser batizado. Sentir-se Igreja é viver e assumir com claridade e decisão um serviço pelo bem dos que são necessitados. “Quem semeia pouco colherá também pouco e quem semeia com largueza colherá também com largueza. Dê cada um conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento; pois Deus ama quem dá com alegria... Aquele que dá a semente ao semeador e lhe dará o pão como alimento, ele mesmo multiplicará as vossas sementes e aumentará os frutos da vossa justiça” é o recado de São Paulo para todos nós através da Primeira Leitura de hoje.
Pe.Vitus
Gustama, SVD
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