sábado, 19 de agosto de 2023

21/08/2023- Segundaf Da XX Semana Comum

VIVER A VIDA FAZENDO O BEM PARA ESTAR NA FELICIDADE ETERNA COM DEUS

Segunda-Feira da XX Semana Comum

Primeira Leitura: Jz 2,11-19

Naqueles dias 11 os filhos de Israel fizeram o que desagrada ao Senhor, servindo a deuses cananeus. 12 Abandonaram o Senhor, o Deus de seus pais, que os havia tirado do Egito, e seguiram outros deuses dos povos que em torno deles habitavam, e os adoraram, provocando assim a ira do Senhor. 13 Afastaram-se do Senhor, para servir a Baal e a Astarte. 14 Por isso acendeu-se contra Israel a ira do Senhor, que os entregou nas mãos dos salteadores que os saqueavam, e os vendeu aos inimigos que habitavam nas redondezas. E eles não puderam resistir aos seus adversários. 15 Em tudo o que desejassem empreender, a mão do Senhor estava contra eles para sua desgraça, como lhes havia dito e jurado. A sua aflição era extrema. 16 Então o Senhor mandou-lhes juízes, que os livrassem das mãos dos saqueadores. 17 Eles, porém, nem aos seus juízes quiseram ouvir, e continuavam a prostituir-se com outros deuses, adorando-os. Depressa se afastaram do caminho seguido por seus pais, que haviam obedecido aos mandamentos do Senhor; não procederam como eles. 18 Sempre que o Senhor lhes mandava juízes, o Senhor estava com o juiz, e os livrava das mãos dos inimigos enquanto o juiz vivia, porque o Senhor se deixava comover pelos gemidos dos aflitos. 19 Mas, quando o juiz morria, voltavam a cair e portavam-se pior que seus pais, seguindo outros deuses, servindo-os e adorando-os. Não desistiram de suas obras perversas nem da sua conduta obstinada

Evangelho: Mt 19,16-22

Naquele tempo, 16 alguém aproximou-se de Jesus e disse: “Mestre, que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?” 17 Jesus respondeu: “Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é o Bom. Se queres entrar na vida, observa os mandamentos”. 18 O homem perguntou: “Quais mandamentos?” Jesus respondeu: “Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, 19 honra teu pai e tua mãe, e ama o teu próximo como a ti mesmo”. 20 O jovem disse a Jesus: “Tenho observado todas essas coisas. Que ainda me falta?” 21 Jesus respondeu: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me. 22 Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.

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Quando Deus Tem Lugar No Nosso Coração, Nossa Vida Se Torna Forte Para Superar As Dificuldades da Luta Diária

Sempre que o Senhor lhes mandava juízes, o Senhor estava com o juiz, e os livrava das mãos dos inimigos enquanto o juiz vivia, porque o Senhor se deixava comover pelos gemidos dos aflitos. Mas, quando o juiz morria, voltavam a cair e portavam-se pior que seus pais, seguindo outros deuses, servindo-os e adorando-os. Não desistiram de suas obras perversas nem da sua conduta obstinada”. É o resumo do que estava acontecendo com o povo eleito alguns anos depois da assembleia em Siquem que lemos do texto da Primeira Leitura tirado do livro de Juízes. 

O livro de Juízes nos relata o período entre a conquista da terra prometida até a monarquia.  Em outras palavras, o período dos juízes veio após a conquista de Canaã sob a liderança de Josué, o que trouxe relativa paz e estabilidade para os israelitas (Js 21,43-45). A geração seguinte, entretanto, fracassou em assegurar as bênçãos de Deus.  A consequência deste fracasso fou um enfraquecimento crescente na vida de Israel, maracado por conflitos entre as tribos, sincretismo religioso e a derrota diante das nações estrangeiras.  A resposta de Deus para a desobediência e a idolatria de Israel foi o juízo sobre a nação, ao permitir que sofressem derrotas nas mãos de uma sucessão de inimigos (Jz 2,12-15): Sírios (Jz 3,8), Moabitas (Jz 3,12), Filisteus (Jz 3,31; 13,1), Cananeus (Jz 4,2), Midianitas (Jz 6,1) e Amonitas (Jz 10,9). Os juízes eram homens levantados/chamados pelo Senhor (Jz 2,16) para livrar a nação da opressão estrangeira e restaurar a adoração a Deus. Este livro não foi escrito por uma pessoa nem de uma só época. 

O livro dos Juízes foi escrito para os israelitas dos séculos VIII e VII antes de Cristo, na época em que os israelitas experimentaram uma grave apostasia religiosa, transtornos sociais e situações políticas críticas. Segundo o(s) autor(es) do livro, a paz e a segurança nacional voltariam a Israel, se todos os israelitas confiassem novamente e de maneira exclusiva em Javé como havia acontecido nos tempos de Josué, seu antepassado. Isto significa que há sempre a esperança em Deus, pois Ele sempre está disposto a perdoar e a salvar o povo quando este se arrepender. O que tem por trás é uma chamada à conversão e à confiança no perdão. 

Por isso, a obra segue o seguinte esquema teológico: Pecado (cometido pelo povo: Israel faz o que é maus), castigo (vem de Deus em forma de fracassos militares na luta contra os inimigos no contexto da Primeira Leitura de hoje: o Senhor entrega o povo na mãos dos inimigos), arrependimento (Israel/o povo clama ao Senhor), libertação (vem de Deus, pois Ele é misericordioso e bondoso: o Senhor envia um libertador); o resultado é vitória e paz. 

O livro em hebraico tem como o título “Shofetim” (shapat=juiz) que os LXX traduziram para o grego sob o título “Kritai”, juízes, de onde o título da Vulgata “Líber Iudicum”: “Livro dos juízes”. Mas o qualificativo de “Juizes” não corresponde propriamente à missão primordial destes heróis que consistia em salvar Israel ou uma tribo da opressão de seus inimigos e estabelecer a ordem política, mais ou menos comprometida. Por isso, o título mais apropriado, a partir da missão desses homens-heróis é o de libertador que corresponde ao sentido primitivo do verbo “shafat”: estabelecer, restabelecer, salvar. 

A condição social destes homens-heróis é muito distinta. Alguns eram guerreiros, como Aod, Barac e Gedeão. Outros eram ricos proprietários, como Jair e Abdon. Outros ainda eram aventureiros, como Jefté, e heróis populares, como Sansão. Mas todos eles possuem um carisma ou uma marca divina: valor, sabedoria, habilidade ou força que lhes converte em chefes ou juízes salvadores de Israel. 

O texto deste livro que lemos hoje na Primeira Leitura nos narra a infidelidade do povo à Aliança em forma de adorar os deuses locais (deuses dos cananeus) eservir a Baal e a Astarte”, os deuses da fecundidade. 

Como consequência deste pecado vem o castigo medicinal de Deus: Deus “os entregou nas mãos dos salteadores que os saqueavam, e os vendeu aos inimigos que habitavam nas redondezas”. 

Diante deste castigo o povo se arrpende e se dirige a Deus para pedir-Lhe perdão e ajuda. Deus, com um coração sempre cheio de misericórdia e amor: “O Senhor se deixava comover pelos gemidos dos aflitos”. O Salmo Responsorial (Sl 105,34-44) está na mesma linha de pensamento: “Quantas vezes o Senhor os libertou! Eles, porém, por malvadez o provocavam, mas o Senhor tinha piedade do seu povo, quando ouvia o seu grito na aflição”. Como a resposta concreta para o grito do povo Deus: “O Senhor mandou-lhes juízes, que os livrassem das mãos dos saqueadores”. 

Com isto parecia que a coisa se remediava. Mas o mesmo livro nos conta que “quando o juiz morria, voltavam a cair e portavam-se pior que seus pais, seguindo outros deuses, servindo-os e adorando-os. Não desistiram de suas obras perversas nem da sua conduta obstinada”. 

É uma verdade permanente: se não houver fidelidade, não haverá tampouco a Aliança possível com Deus. Não pode contar com ser amigo de Deus aquele que faz o mal voluntariamente, porque não existe medida comum entre Deus santo e justo e nossas injustiças e indignidades. 

Mas por parte de Deus, a Aliança com a humanidade continua em pé. Esta é outra verdade permanente: a fidelidade incansável de Deus não renuncia nunca a querer salvar e perdoar que peca e se arrepende. Em Deus não há palavra cansaço para perdoar qualquer pessoa arrependida pelos pecados cometidos por maiorer e grave que eles sejam. Mas é preciso consentir e aceitar a graça oferecida por Deus. 

A dialética é a mesma. Somos débeis e voltamos às nossas andanças antigas de pecado por mais que ouçamos muitas vozes proféticas e boas orientações dos mais competentes e experientes na espiritualidade. Não acumulemos o negativo para não sofrermos terrivelmente mais tarde. Acumulemos para nossa vida o que é digno, certo, honesto, justo, correto e assim por diante para que cedo ou tarde sejamos pessoas mais felizes sobre a face da terra. Pensemos no bem e pratiquemos o bem para que o bem pense em nós e sejamos acumulados do bem. Não pensemos no mal para que o mal não pense em nós. Como no retiro ou no exercício da vida espiritual, precisamos fazer o exame de consciência para que não nos desviemos do caminho de Deus que é o caminho de nossa felicidade e de salvação. Acima de tudo, não nos esqueçamos que a bondade de Deus que não se cansa de nos amar e de nos perdoar continua à nossa disposição. Feliz seja quem sempre volta para a fonte da graça que nos dá a alegria de viver no Senhor permanentemente. 

A Bondade Praticada Nos Aproxima Da Vida Eterna 

Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. 

Mestre, o que eu devo fazer de bom para possuir a vida eterna?”. Esta é a pergunta de um jovem rico a Jesus. O jovem se aproxima de Jesus com entusiasmo e lhe faz essa pergunta fundamental que agora ninguém tinha feito. São João Crisóstomo comentou: “Todos se aproximam de Cristo ou para tentá-lo ou para obter dele a cura de alguma enfermidade deles ou de algum de seus familiares. Esse jovem se aproxima de Jesus para perguntar-lhe a vida eterna”. Até os próprios discípulos não fizeram essa pergunta a não ser para pedir alguma explicação. A pergunta do jovem aborda o sentido da existência humana e expressa todo seu desejo de comunhão com Deus. 

“Mestre, o que eu devo fazer de bom para possuir a vida eterna?”, pergunta um jovem rico a Jesus. Ele usa o verbo “possuir”, porque ele é um homem rico; é um homem acostumado a comparar para possuir. “Para possuir a vida”. Ele até quer ter na mão (possuir) a vida eterna mediante um ato de compra. Na verdade, a própria vida em si é um dom que deve ser recebida e vivida com gratidão. A existência de outros dons supõe a existência desse dom maior que é a vida. A vida é um dom, mas a minha maneira de viver a vida pode não estar de acordo com o dom. A vida, como dom, é bela, mas muitas vezes eu não sei me comportar bem diante desse dom ou não sei viver na gratidão. Tudo que eu sou e tenho é de Deus, menos o pecado. Quando se trata de um dom é porque estou em um mundo de gratuidade. O mundo da gratuidade me leva a viver a vida em ação de graças permanentemente. É ser pessoa eucarística. 

Na sua resposta Jesus corrige a pergunta do jovem rico. Em vez de usar a palavra “possuir”, Jesus usa a palavra “entrar”: “Se queres entrar na vida eterna...”. Jesus quer lhe dizer: “Deus te oferece a vida, portanto não é que tu possas possuí-la e sim, se quiseres participar nela, observa os mandamentos; se quiser entrar nela pratique a bondade, já que tu me perguntas ‘o que eu devo fazer de bom...’”. A bondade é a própria perfeição possuída por um ser e é a capacidade que possui num ser de dar a outro a perfeição que lhe falta. A bondade é a disposição natural a fazer o bem ou a trabalhar corretamente. Bondoso é quem se comporta com bondade. Quem tem bondade é porque tem amor. 

O texto nos diz que o jovem rico observa todos os mandamentos. Mas ele insiste: “O que ainda me falta?”. Nesta pergunta percebemos algo importante de que por mais que alcancemos algo, sempre falta alguma coisa ou algumas coisas na nossa vida. Por melhores que nós possamos ser, sempre falta alguma coisa na nossa vida ou para nossa vida. Com efeito, nós somos o que somos e o que nos falta. Com efeito, não somos cristãos e sim estamos cristãos, isto é, estamos em processo para ser verdadeiros cristãos a exemplo do próprio Cristo.  Em nós há algo que exige de nós muito mais, que nos convida a fazermos um passo adiante, que exige profundidade de relações, relações pessoais com Deus e com os demais homens. O que falta em nós nos dá força para que possamos buscá-lo e pode nos inquietar. 

Segundo Jesus, para entrar na vida definitiva o que se necessita não é a relação a um código (“o que deve fazer de bom”), mas a uma pessoa (Sl 145,9): “O Bom é um só”. A observância dos mandamentos é consequência dessa relação pessoal: os mandamentos são bons porque expressam a vontade do Supremo Bom que é Deus (Am 5,4.6.14-15; Mq 6,8). As normas ou as regras não produzem a graça. A graça é que produz regras para facilitar ou para orientar o homem no alcance da graça. Quando se vive na graça de Deus ou de acordo com o amor de Deus as regras cessam, pois pelo caminho de amor não há outro caminho. Enquanto estivermos na terra precisamos da fé. Mas, um dia, pela misericórdia divina, na face a face com Deus, não precisaremos mais da fé. 

Na sua resposta Jesus diz ao jovem que ele deve desfazer-se de tudo o que tem sem esperança de retorno: “vender tudo e dar o dinheiro aos pobres”. Não somente “vender tudo”, porque o jovem poderia possuir o dinheiro, fruto da venda dos bens. Jesus exige dele muito mais: “dar aos pobres” tudo que é o fruto da venda dos bens. Deixada a segurança da riqueza ele encontrará outra segurança superior (Mt 6,25-34) que é o próprio Jesus que é o Caminho, a verdade e a Vida (cf. Jo 14,6). Por isso, em seguida Jesus acrescenta: “Depois, vem e segue-me”. Jesus chama-o à nova fidelidade, ao amor a todo homem, como o Pai do céu (Mt 5,48). A felicidade plena, a vida em abundância está na partilha, na solidariedade, na compaixão, no amor mútuo... A felicidade não se obtém na sua busca e sim na partilha. Para eu poder ser feliz, eu preciso fazer o outro feliz. Este é o paradoxo da vida autêntica. 

O jovem não responde ao convite de Jesus. Vai-se triste, em sua mesma condição de jovem, incapaz de chegar à maturidade. Ele ouviu a mensagem de Jesus, mas a sedução das riquezas o afogou (cf. Mt 13,22). A riqueza governa o coração do jovem. Embora deseje a vida eterna, o jovem não vai atrás dela para encontrá-la. O defeito moral não se define pelo mal que se intenta, mas pelo bem que se abandona” (Santo Agostinho. De civ. Dei. 2,8). A riqueza, quando não se considera como meio, mas como fim, sufoca as relações fraternas, sociais, familiares e sufoca o crescimento espiritual de quem a tem. “Amando a Deus nos tornamos divinos; amando ao mundo nos tornamos mundanos” (Santo Agostinho. Serm. 121,1). Os bens materiais continuam a ser alheios a nós. Eles jamais serão nossos próximos. O ser humano é sempre nosso próximo com quem podemos conversar, contar nossas histórias, nossas vitorias e nossas falhas na vida, para desabafar, rir juntos que torna a vida mais leve. “Se você tem dinheiro acumulado, pergunte-se como o ganhou e como o usa. Se você continua acumulando mais dinheiro do que precisa para viver, sabe para que o faz?” (René Juan Trossero, escritor e psicólogo argentino). Santo Agostinho dizia: “A verdadeira felicidade não consiste em possuir o que se ama e sim em amar o que se deve possuir” (In ps. 26,2,7). 

Saber renunciar às coisas materiais é ser rico. Dar ou partilhar é a manifestação da riqueza. Segurar egoisticamente, sem partilha, é a expressão do pobreza interior. Para possuir o Tudo temos que aprender a deixar tudo. Posso possuir as coisas, mas jamais as coisas podem me possuir para que eu possa manter minha liberdade e leveza na vida. O apego exagerado aos bens materiais é um terrível empecilho para o seguimento de Jesus. A dinâmica deste seguimento vai exigindo rupturas sempre mais radicais dos bens deste mundo. É preciso usarmos as coisas que passam e abraçarmos as coisas que não passam. Quem não está livre para fazê-las, ficará na metade do caminho, como o jovem rico no evangelho lido neste dia. O caminho da perfeição passa pela liberdade de coração, em relação aos bens deste mundo, para buscar Deus e solidarizar-se com os mais necessitados. É assim que se chega à vida eterna. Um homem que não cresce diariamente regride um passo cada dia. 

“O que devo fazer para entrar na vida eterna” e “O que ainda me falta?”. São duas perguntas que devem ser respondidas por cada um de nós diariamente. Nós somos o que somos e o que nos falta, pois o nosso ideal é bastante alto: “Sejam perfeitos como o Pai do céu é perfeito” (Mt 5,48). Eu estou sendo o que devo ser para chegar a ser o que, na verdade, sou. Eu não posso me distancias, cada vez mais, daquilo para o qual devo ser. Sano Agostinho dizia: “Não andes averiguando quanto tens, mas o que tu és. Dentro do coração sou o que sou” (Serm. 23,3; Cof. 10,3)

P.Vitus Gustama, svd

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