quinta-feira, 17 de agosto de 2023

XX Domingo Comum "A",20/08/2023

Para os lugares onde a Solenidade da Assunção foi celebrada no dia 15 de agosto.

FÉ AUTÊNTICA RESISTE DIANTE DE QUALQUER DIFICULDADE E ALCANÇA A META ALMEJADA

XX DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”

I Leitura: Isaías 56, 1.6-7

1Eis o que diz o Senhor: «Respeitai o direito, praticai a justiça, porque a minha salvação está perto e a minha justiça não tardará a manifestar-se. 6Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos, se guardarem o sábado, sem o profanarem, se forem fiéis à minha aliança, 7hei-de conduzi-los ao meu santo monte, hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração. Os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceites no meu altar, porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos».

II Leitura: Romanos 11, 13-15.29-32

Irmãos: 13É a vós, os gentios, que eu falo: Enquanto eu for Apóstolo dos gentios, procurarei prestigiar o meu ministério 14a ver se provoco o ciúme dos homens da minha raça e salvo alguns deles. 15Porque, se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos? 29Porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis. 30Vós fostes outrora desobedientes a Deus e agora alcançastes misericórdia, devido à desobediência dos judeus. 31Assim também eles desobedeceram agora, devido à misericórdia que alcançastes, para que, por sua vez, também eles alcancem agora misericórdia. 32Efectivamente, Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos.

Evangelho: Mt 15,21-28

Naquele tempo, Jesus retirou-Se para a região de Tiro e Sidônia. E eis que, uma mulher Cananéia daquela região, veio gritando: «Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim: a minha filha está cruelmente endemoninhada». Ele, porém, nada lhe respondeu. Então os seus discípulos aproximaram-se dele e pediram-Lhe:  «Despede-a, porque ela vem gritando atrás de nós». Jesus respondeu:  «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel». Mas a mulher aproximando-se, prostrou-se diante d’Ele, e pôs-se a rogar: «Socorre-me, Senhor».  Ele respondeu: «Não fica bem tirar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos». Mas ela insistiu: «É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos». Então Jesus respondeu-lhe: «Mulher, grande é a tua fé! seja feito como queres! ». E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.

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Através do episódio do evangelho de hoje Mateus dá um passo importante para a frente, pois a cena não tem lugar em Israel e sim no território estrangeiro: na região de Tiro e Sidônia, na região pagã. Em termos de sociologia religiosa judaica isto significa que a cena se desenvolve no território pagão. Toma corpo assim o que Mateus tinha insinuado quando, ao apresentar a atividade de Jesus, citava o texto de Isaias que fala da Galiléia dos pagãos (Mt 4,15). Os pagãos estão agora aqui, representados pela mulher Cananéia que vivia na atual Líbano. É chamada de “cananéia”. Este termo é bastante negativo para um judeu por quanto encarna tudo o que é de sedutor e perigoso para a fé javista.

O texto está cheio de surpresas. A primeira surpresa: uma estrangeira dá a Jesus o título tipicamente judeu: “Filho de Davi” e “Senhor”. A mulher proclama Jesus como “Filho de Davi”, isto é, como Messias prometido a Israel. Com este titulo Mateus introduziu a ascendência de Jesus na genealogia (Mt 1,1). Além desse titulo, a mulher vê em Jesus o Salvador e O proclama “Senhor”.  Somente quem tem fé pode invocar a Jesus como “Senhor”. Trata-se de um título pós-pascal.

Seja quem for este Messias, tão falado pelos judeus (“Filho de Davi”), a cananeia reconhece humildemente que Deus é capaz de operar nele e através dele em função da libertação ou da salvação do povo. Ela não se considera nada, a não ser uma mulher com o coração cheio de dor por sua filha atormentada, e com a alma iluminada pela esperança tão certa, porque Deus nunca abandonará os que O procuram com simplicidade e sinceridade. Com toda a grandeza ela se entrega a Cristo que é o Senhor, o Salvador. Ela está necessitada; o Senhor e somente o Senhor pode ajudá-la. 

A segunda surpresa é o silêncio de Jesus diante do grito da mulher, primeiro, e sua resposta, depois, para a demanda dos discípulos (Mt 15,23): “Eu fui enviado somente para as ovelhas perdidas da casa de Israel(Mt 15,24). Esta resposta é repetição do mandato de Jesus aos Doze, no discurso sobre a missão, ao dizer-lhes: “Não deveis ir aos territórios dos pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt 10,5-6).

O aparente silêncio de Deus diante de nossos problemas não significa Sua ausência e Sua insensibilidade. O aparente silêncio de Deus é o momento precioso para entrarmos numa reflexão profunda. Além disso, pode ser que nesses momentos sejamos purificados de tudo para que possamos gritar com mais fé apesar dos obstáculos, a exemplo da mulher cananéia. A fé firme e insistente como a dessa mulher, nos leva ao triunfo. 

A terceira surpresa é a apresentação da mulher no v. 25 com o gesto típico judeu de adoração a Deus, gesto característico no evangelho de Mateus para expressar a atitude de um crente diante de Jesus. A mulher considera Jesus como Deus e por isso, ela se prostra diante de Jesus: “A mulher, aproximando-se, prostrou-se diante de Jesus e começou a implorar...”. E pediu: “Senhor, ajuda-me!”. Ela já é uma só coisa com sua filha. Ela se identifica totalmente com a dor e o tormento de sua filha. É uma verdadeira mãe! Para essa mãe, sua filha é ela mesma: “Senhor, socorre-me!”, em vez de dizer “Senhor, socorre minha filha”. A mãe vê na filha ela mesma. “As mães são o antídoto mais forte contra o propagar-se do individualismo egoísta. ‘Indivíduo’ quer dizer ‘que não se pode dividir’. As mães, ao contrário, ‘dividem-se’, a partir do momento que hospedam um filho para o dar à luz e fazer crescer. São elas, as mães, que mais odeiam a guerra, que mata os seus filhos” (Papa Francisco: Audiência Geral, 07 de janeiro de 2015). 

A quarta surpresa é a resposta de Jesus à mulher: “Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos” (Mt 15,26). Jesus faz seu o termo depreciativo “cachorro/cachorrinho” que os judeus aplicavam aos pagãos/ estrangeiros. O rabino Eliezer dizia: “Quem come com um idólatra é como quem come com um cachorro”. É difícil encontrar em qualquer dos quatro evangelhos uma imagem de Jesus tão judia como a que nos oferece Mateus neste texto. Será que ele aceita este termo ou está fazendo alguma ironia? Escutamos a frase fora do território judeu onde Jesus se encontra. É a frase que traz um questionamento sobre a tradição judaica na época. A lógica da encarnação está aqui levada ao máximo de identificação com a história concreta do povo.

A quinta e a ultima surpresa é a reação da mulher pagã que não aspira a suplantar, mas simplesmente a participar: “É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos (Mt 15,27).

Essa mulher não desiste nem é amedrontada. Seu amor de mãe espera contra toda esperança porque sabe captar nas palavras de Jesus uma nota de bondade. Jesus não a trata com apelido “cachorro” e sim com um apelido mais suave: “cachorrinhos”. Ela quer dizer: “Deixa que me alimente do que cai da mesa onde está o pai com os filhos; faz que também eu seja parte da família!”. E a mulher Cananéia, que não é membro do Povo de Deus, encarna o ideal do que deve ser um membro do Povo de Deus. 

Todo este conjunto de surpresas no texto de Mateus tem uma função de preparar e de ressaltar a frase final de Jesus: “Ó mulher, grande é tua fé!”. É a frase que o leitor de Mateus pressentia e esperava. A frase que ratifica a queda do muro de separação entre judeus e pagãos. Um mundo religioso fechado em si mesmo fica aqui superado e derrubado para dar lugar a outro mundo de todos e para todos. São Paulo expressa muito bem esse pensamento ao escrever: “Não há distinção entre judeu e grego, porque todos têm um mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam, porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10,12-13; Jl 3,5). 

Vale a pena fixar-se na capacidade de admiração de Jesus diante da fé dos pagãos. Jesus não duvida em afirmar: “Em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10). Fé, aqui, é confiança, é abertura a sua pessoa e a seu poder. E esta fé, que se dirige a Jesus, tem seu motor e extrai sua força da própria necessidade: a situação da filha “endemoninhada” (Mt 15,22), e o empregado que “está em cama paralitico e sofre muito” (Mt 8,6). Desde nossas situações vitais é que vamos a Jesus e confiamos nele, como a cananéia. Aprendamos a nos admirar da fé dos que estão fora da Igreja, da gente simples. E fiquemos atentos porque a fé pode estar ausente entre os próprios cristãos: “Em ninguém em Israel encontrei tanta fé” (Mt 8,10), disse Jesus sobre a fé de quem não pertence ao povo eleito. É uma grande ironia: os que se dizem crentes, têm pouco fé. Os que são considerados “pagãos”, têm tanta fé. afinal, quem é o verdadeiro pagão?

Ó mulher, grande é tua fé!”. Esta frase rompe os esquemas religiosos até agora vigentes no Povo de Deus. A partir daqui já não tem sentido falar do Povo de Deus num sentido limitado de etnia ou nação; já não há “cachorrinhos” nem amos, judeus nem gregos, servos nem livres, varões nem mulheres (cf. Rm 10,12; Gl 3,28). Nacionalidade, condição social e sexo ficam eliminados como fatores determinantes de pertença ao Povo de Deus. A própria escolha da mulher como protagonista do relato é um fato em si mesmo significativo. Se alguém não tinha voz no interior do Povo de Deus, eram precisamente as mulheres. Escolhendo uma mulher, primeiro; estrangeira, depois; e cananéia por último, Mateus acaba com todos os esquemas até então vigentes. A partir de agora o que determina a pertença ao Povo de Deus é a fé em Jesus, a adesão à sua Pessoa, a vivência de seus ensinamentos. Não nos esqueçamos nunca, no contexto de Mateus, de que esta fé significa a relativização da Lei e da Tradição, importantes e necessárias, por suposto, mas nunca prioritárias nem com valor de absolutos. Esquecer esta relativização tem o risco, entre outros, de reduzir a fé em Jesus a um pietismo pessoal. 

Muitas pessoas estão fora da Igreja porque ainda não sabemos acolhê-las, porque lhe exigimos uma mudança de cultura, de atitude diante da vida que nem mesmo Cristo pediu isso dos seus parceiros de diálogo. 

“Senhor, Filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!”. É uma oração de petição que sai de uma fé profunda em que Deus pode fazer o que se pede e de uma confiança ilimitada no que Deus fará alguma coisa para resolver o problema existente. A fé é o distintivo essencial do cristão, além do amor (cf. Jo 13,35). É uma fé que recebe o que quer, porque o que quer é a vontade de Deus. Esta mulher não desiste diante dos obstáculos. Ela está na linha que Jesus ensinou anteriormente: “pedi..., buscai..., chamai/batei a porta...,” (Mt 7,7-8). São estes três aspectos (pedir, buscar, bater a porta) que definem substancialmente o homem. Daí a necessidade de “lutar” com Deus no terreno de uma oração perseverante. A Cananéia obteve o que pedia porque se manteve nessa atitude de essencial pobreza. Por causa de sua perseverança, cumpre-se nela a Palavra de Deus: “recebereis..., achareis/encontrareis..., a porta será aberta...,” (Mt 7,7-8). “Pedindo as migalhas que caem da mesa, logo a mulher se encontrou sentada à mesa”, comentou Santo Agostinho. Três aspectos que definem Deus: receber, encontrar e a porta será aberta. Deus e o homem estão postos frente a frente e cada um faz o que lhe é próprio: o homem com sua pobreza do essencial e Deus com a abundância de sua graça e benção para o homem aberto diante da providência divina. 

Deus não pretende demonstrar que é um Criador poderoso e sim um Pai amoroso e misericordioso. Por ser Pai, Deus quer estar próximo de cada pessoa e de suas necessidades. Ele quer consolar e salvar. Mais que a admiração intenta provocar a confiança e o amor. Por isso, suas intervenções preferentemente têm lugar em contatos pessoais. Um caso é o da mulher Cananéia. É uma mãe pagã que pede a ajuda de Jesus em favor de sua filha. Na verdade ela é uma pessoa cheia de fé que se dirige a Jesus no convencimento de que Ele é o Enviado de um Deus que é Pai para todos. A oração dessa mulher foi atendida.

Jesus, ao elogiar a fé da mulher e curar sua filha, quer nos mostrar que para ele a fé tem uma força superior a qualquer delineamento ou prejuízo: a fé salva sempre. Ali onde há a fé, Jesus atua. E fé, aqui, significa convencimento de que Jesus é a Vida e o Caminho (cf. Jo 14,6) e confiança nele. Esta fé é que Jesus busca em cada um de nós. A mulher cananéia nos assinala o caminho para esta fé: a absoluta confiança em Jesus Cristo. É uma confiança que não necessita de nenhuma condição prévia; é uma fé que vai além do que pedimos para chegar à Pessoa de Jesus Cristo que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). 

Hoje somos convidados a examinar se nossa fé é verdadeira e firme, se temos Jesus presente em nossa vida, se confiamos nele em qualquer situação de nossa vida. Ao mesmo tempo somos convidados a examinar possíveis desvios: confiar demasiadamente em outras coisas (seja nossos bens materiais, sejam nossas “boas obras” etc.) ou se negamos o direito que o outro tem para expressar sua fé de modo distinto ao nosso.

Alguns Pensamentos Referentes À Fé A Partir Dessa Mulher Cananeia:

1.    Ela nos ensina que a fé e a oração devem andar juntas. Quem tem fé em Deus precisa rezar com perseverança. E quem reza, precisa ter fé firme. A fé é a resposta nossa diante da oferta do amor de Deus para nós. A oração evidencia, por sua vez, a presença e a vitalidade de nossa fé em Deus.

2.    “Fé é crer no que não vemos. O prêmio da fé é ver o que cremos”, dizia Santo Agostinho (Serm. 43,1,1; cfr. Hb 11,1).

3.    Fé é ver a luz com seu coração, quando seus olhos e sua razão somente conseguem ver a escuridão.

4.    A fé não torna coisas fáceis, mas torna possíveis as coisas. Por isso, deixe e mantenha sua fé maior do que seu medo e sua preocupação. Pode ter tempestade na vida, mas o tempo não é chuvoso tempo todo. As preocupações exageradas terminam quando a fé começa a ter raiz em nosso coração.

5.    Muitas vezes Deus não muda as circunstâncias em que nos encontramos, pois Ele se concentra em nos mudar, primeiro, dentro de nossas circunstâncias. Nosso caráter, nossa força interior, nossa integridade, nossa perseverança e esperança importam para Deus porque são qualidades eternas. A sabedoria, a força interior e a maturidade que crescem dentro de nós são coisas que precisamos permanentemente para nos manter firmes na nossa vida diária. Até na nossa dor ou no nosso sofrimento Deus tem proposta. Nossa tarefa é decifrar ou descobrir esta proposta.

6.    A partir da fé da cananeia, podemos dizer que há cristãos pagãos como também há pagãos cristãos. “Todos somos mais ateus do que acreditamos e mais crentes do que pensamos. Acho que os ateus não se opõem a Deus, mas às criaturas de Deus que os fiéis lhe mostram” (René Juan Trossero, psicólogo).

Ali onde há a fé, Jesus atua. E fé, aqui, significa convencimento de que Jesus é a Verdade, a Vida e o Caminho (cf. Jo 14,6) e confiança nele.

P.Vitus Gustama, svd


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