quarta-feira, 9 de agosto de 2023

11/08/2023-Sextaf Da XVIII Semana Comum

MEMÓRIA DE DEUS QUE NOS RECORDA AS MARAVILHAS DIVINAS

Sexta-Feira da XVIII Semana Comum

Primeira Leitura: Dt 4,32-40

Moisés falou ao povo dizendo: 32 Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra e investiga de um extremo a outro dos céus, se houve jamais um acontecimento tão grande, ou se ouviu algo semelhante. 33 Existe, porventura, algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando-lhe do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha permanecido vivo? 34 Ou terá vindo algum Deus escolher para si um povo entre as nações, por meio de provações, de sinais e prodígios, por meio de combates, com mão forte e braço estendido, e por meio de grandes terrores, como tudo o que por ti o Senhor vosso Deus fez no Egito, diante de teus próprios olhos? 35 A ti foi dado ver tudo isso, para que reconheças que o Senhor é na verdade Deus e que não há outro Deus fora ele. 36 Do céu ele te fez ouvir sua voz para te instruir, e sobre a terra te fez ver o seu grande fogo; e do meio do fogo ouviste suas palavras, 37 porque amou teus pais e, depois deles, escolheu seus descendentes. Ele te fez sair do Egito por seu grande poder, 38 para expulsar, de diante de ti, nações maiores e mais fortes do que tu, e para te introduzir na terra deles e dá-la a ti como herança, como tu estás vendo hoje. 39 Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele. 40 Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje te prescrevo, para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti, e vivas longos dias sobre a terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre.

Evangelho: Mt 16,24-28

Naquele tempo, 24 Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga. 25 Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. 26 De fato, de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro mas perder a sua vida? Que poderá alguém dar em troca de sua vida? 27 Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta. 28 Em verdade vos digo: Alguns daqueles que estão aqui não morrerão antes de verem o Filho do Homem vindo com seu Reino”.

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Recordar Em Cada Instante Os Atos De Deus Em Nosso Benefício Faz Parte De Nossa Fé e Nos Faz Vivermos Na Alegria

Existe, porventura, algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando-lhe do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha permanecido vivo? Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele. Guarda suas leis e seus mandamentos para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti”. Falou Moisés para o povo eleito. 

A partir de hoje e durante cinco dias leremos o livro de Deuteronômio, o último livro do Pentateuco. “Deuteronômio” significa “Segunda Lei”, pois contém a despedida de Moisés, com a revisão sobre os quarenta anos de marcha pelo deserto e as normas que tem como objetivo recordar o povo eleito sobre os atos de Deus na sua história: “Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra e investiga de um extremo a outro dos céus, se houve jamais um acontecimento tão grande, ou se ouviu algo semelhante” (Dt 4,32). Quem não tem memória não tem história. Quem não tem história vive sem referência. A experiência no passado na faz viver o presente com sabedoria e prudência e a certeza na nossa caminhada para o futuro. “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas somente pode ser vivida olhando-se para frente” (Sören Kiekergaard, filósofo) 

No Sinai foi entregue a primeira lei (a Aliança) ao povo. Agora, quando o povo eleito está para entrar em Canaã (terra prometida), Moisés, antes de morrer, deixa para o povo a recomendação que serve como testamento para que cumpra aquela Aliança. Moisés interpela frontalmente seu povo para despertar nele sua memória histórica. É o que faz o Salmo Responsorial hoje: “Recordando os grandes feitos do passado, vossos prodígios eu relembro, ó Senhor; eu medito sobre as vossas maravilhas e sobre as obras grandiosas que fizestes” (Sl 76). 

Recordar! Relembrar! Quem não tem memória, não tem história. No Novo Testamento Jesus, na Última Ceia, dirá aos Apóstolos: Fazei isto em minha memória”. Esta palavra, “memória”, se abre para o futuro e compromete a transformação do presente. Por isso, ela não é apenas uma recordação do passado. É uma atualidade. “Fazei isto...” é uma ordem para repetir aquilo que Jesus fizera, subentende toda a história de Jesus com os seus e com o povo. Esta ordem recapitula a missão. Jesus fez de sua vida um ato de libertação: ele cura, perdoa e liberta. E tudo é animado pelo amor e misericórdia do Pai e dos homens. “Recorda!” é um dos refrãos da liturgia. Toda a Bíblia é uma imensa memória que conserva os “atos de Deus” para a humanidade. A memória é correlativa ao nosso ser no tempo. Ela nos permite fazer presentes fatos, dados, distantes no espaço e no tempo. A memória é condição de nossa identidade psicológica. Quem sofre a amnésia pode chegar a ficar rompido do passado, e não sabe mais quem é. A memória mantém a identidade pessoal através do tempo e dos acontecimentos. A memória carrega e dispara sua virtude (cf. Dt 7,18;9,7;15,15;24,17).   

A catequese que Moisés faz se baseia nas atuações de Deus em favor do povo eleito. Todo o Deuteronômio insiste nesta verdade: que as relações de Deus com o povo e as relações do povo com Ele são regidas pelo amor. Moisés quer recordar esta verdade para o povo eleito. Com esta catequese Moisés pede ao povo que seu estilo de vida esteja de acordo com a Aliança: “Do céu ele te fez ouvir sua voz para te instruir, e sobre a terra te fez ver o seu grande fogo; e do meio do fogo ouviste suas palavras, porque amou teus pais e, depois deles, escolheu seus descendentes. Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele. Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje te prescrevo”. “Senhor é o Deus... não há outro além dele”. Trata-se do monoteísmo que não se deve a civilizações filosóficas e sim à história concreta do povo com Deus numa relação de amor. 

A fé judeu-cristão, diferentemente das grandes religiões, não pertence à ordem das ideias e sim à ordem dos “fatos históricos”. Nosso Credo é uma série de acontecimentos ocorridos que chegaram até nós, e que orientam o porvir e nos garantem o nosso futuro com Deus. Daí a importância de pôr em prática esta fé. Temos que entrar nesta história santa que Deus continua desenvolvendo: “Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho”, disse Jesus (Jo 5,17). 

Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele. Guarda suas leis e seus mandamentos”. “Hoje” é uma das palavras-chave do Deuteronômio. Deus sempre renova seu convite cada dia para que possamos viver em plenitude. Deus está aqui, agora, no nosso hoje. É um hoje da salvação. É um “hoje” de Deus no tempo humano, isto é, um momento excepcional da “graça” (kairos) no desenrolar-se da história dos homens (kronos), um momento decisivo na história da salvação. O passado já não está em nossas mãos; somente sua memória. O futuro não o temos ainda; somente um sonho ou um desejo. Mas tenho em minhas mãos o Dia de Hoje para construí-lo com correspondência à vontade de Deus para minha felicidade e salvação. Deus não nos dá lentes telescópicos para ver o futuro, mas os olhos para enxergar o presente que devemos vivê-lo na plenitude. Ou eu devo viver hoje ou nunca mais. Os planos podemos fazer, mas os próximos momentos não pertencem a nós. Precisamos nos concertar no Hoje, pois é tudo que temos em mãos. Dentro do Hoje temos muitas escolhas. Não podemos controlar o resultado no futuro, pois só este instante está ao nosso alcance. Este momento que temos em nossas mãos é a própria vida. É preciso vivê-lo e saboreá-lo. Comecemos o dia livres de ontem e esperançosos, alegres e confiantes no Senhor do Tempo e da Eternidade. Aprendamos a viver um dia de cada vez! 

Consequências Do Seguimento 

Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. 

As exigências do seguimento de Jesus das quais fala o evangelho deste dia são repetidas seis vezes com variantes maiores e menores nos quatro evangelhos (Mt 16,24ss; Mc 8,34ss; Lc 9,23s; Jo 12,24ss; Lc 14,27; Mt 10,38s). Essa repetição nos indica a importância dada pela Igreja dos apóstolos a essas exigências. 

Os discípulos já fizeram uma opção inicial por Jesus. Agora, diante das implicações do seguimento se encontram diante de uma situação da escolha definitiva. Para ser discípulo de Jesus não é suficiente a chamada; é necessária uma resposta clara depois de ter consciência das condições que a chamada impõe.          

Ao apresentar para os discípulos as condições do seguimento, Jesus não impõe, mas propõe: “Se alguém quer...”. São João Crisóstomo comentou: “Ele disse: Eu não forço nem obrigo ninguém a me seguir, deixo a cada um dono de sua própria escolha; por isso, digo: Se alguém quer...”. O seguimento não é uma imposição. Todos têm a liberdade de aceitar ou de recusar. Mas quem quer seguir verdadeiramente a Jesus, tem que assumir as exigências propostas por ele. Tudo tem que ser tomado na base da liberdade, da obediência da fé e por amor.          

A primeira condição é a renúncia a si mesmo: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...” (v.24). 

Pela renúncia e pela cruz, Jesus não propõe uma destruição e sim um desenvolvimento, uma expansão total e eterna. Por isso, renunciar a si mesmo ou negar-se a si mesmo significa que a pessoa deixa de encontrar em si mesma “seu centro” (egoísmo), mas aberta diante de Deus e do próximo. A renúncia não tem seu fim em si mesma. A renúncia é a condição de uma vida em plenitude. Através da renúncia a própria vida se converte em uma vida de entrega com a possibilidade de sofrimento (cruz) sem nenhum tipo de gratificação humana, pois a vida se entrega unicamente Àquele que é capaz de dar sentido. Somente a pessoa que não se fecha ou não se encerra em si mesma pode verdadeiramente realizar em plenitude sua própria vida em Deus. Renúncia significa antes de tudo a libertação da própria liberdade dos egoísmos a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus. A falta de renúncia atrasa o crescimento. Quem não renuncia certos valores efêmeros em função dos valores eternos infantiliza-se. 

Por isso, renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida nem uma “entrega dos pontos” nem por falta de opções. Antes de tudo a renúncia significa a libertação da própria liberdade do egoísmo a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus. O seguidor é chamado a colocar o próprio eu no centro do interesse do Reino de Deus. O centro de sua vida está doravante na vontade de Deus, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. E esta entrega tem de ser livre para poder ser feita na alegria, no entusiasmo e na generosidade. O seguidor é chamado à renúncia, a arriscar a própria vida, porque só assim poderá, como Cristo, chegar à glória que é a meta de todo caminho da cruz. Mas toda renúncia deve ter como base o amor. O sacrifício, a renúncia de si mesmo que não seja animado pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, que não seja uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas uma tortura auto-infligida. A renúncia que Jesus pede não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. Tudo tem que ser feito por amor. Sem o amor, viveremos uma vida dupla. E este tipo de vida, não traz a alegria verdadeira nem para si nem para os outros. Renunciar a si mesmo é que faz qualquer um discípulo ou seguidor de Jesus.          

A segunda condição é o “carregar a sua cruz”: “Se alguém quer me seguir, tome a sua cruz e me siga” (v.24b). Ser cristão não significa curtir a dor. “Carregar a cruz” é uma expressão que os primeiros cristãos utilizaram muito para expressar sua união com Jesus na sua morte e ressurreição. É uma expressão relacionada ao mistério pascal de Jesus Cristo. A cruz de Jesus é o maior sinal de seu amor por nós. 

Viver fielmente os ensinamento de Jesus pode ter consequências de sofrimento. Quem vive de acordo com a justiça e a honestidade, será perseguido por quem vive na corrupção, na desonestidade e na injustiça. Ser verdadeiro seguidor de Jesus jamais será isento de sofrimento ou cruz. Não dá para parar de sofrer. A Igreja de Jesus é a Igreja dos mártires. A cruz é a consequência de colocar o bem acima de qualquer interesse pessoal. É uma morte do eu para que o outro possa viver. Jesus pede ao seguidor o esvaziamento total de si mesmo, até a morte física, se for preciso. Quem não tiver esta disponibilidade, ainda não é verdadeiramente seguidor de Cristo. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão, pois o “mundo” tenta crucificar e eliminar os seguidores de Cristo por todos os meios, como aconteceu com Jesus.          

Depois dessas condições, Jesus mostra os motivos em forma de ditos paradoxais.          

Em primeiro lugar Jesus afirma que quem busca egoisticamente, a todo custo, usando quaisquer meios, aproveitar, gozar e conservar a própria vida acaba desperdiçando-a e perdendo-a: “Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.  (Mt 16,25; cf. Mt 10,39; Mc 8,35; Lc 9,25;17,33; Jo 12,25). 

Nossa vida não é feita para ser guardada e sim para ser entregue e doada. Amar não é “sentir emoção”, não é desejar possuir o outro. Amar é esquecer-se de si mesmo para dar-se ao outro. Isso supõe muita renúncia. Toda vez que alguém tomar para si o outro, ele deixa de amá-lo. Não podemos dizer que amamos o outro quando queremos dizer somente para desfrutar do outro. Isso seria apenas amar a nós mesmos. Amaremos de verdade quando formos capazes de nos renunciar, de nos esquecer, de morrer a nós mesmo em beneficio daqueles aos quais amamos. Quem amou muito e até o fim foi Jesus (cf. Jo 13,1; 15,13). E somos chamados de seguidores de Jesus. Somos cristãos, isto é, somos de Cristo. 

Querer guardar para si a própria vida é o caminho mais seguro para perdê-la. Pelo contrário, quem vive em função do serviço desinteressado aos outros na bondade e no amor, ele acaba encontrando a vida na sua plenitude, acaba ganhando a vida eterna. A vida só se encontra, doando-a. O próprio Jesus é o exemplo desta doação. Ele se doou até o fim a Deus e aos homens. O homem muitas vezes somente dá um pouco de sua vida. O verdadeiro cristão se doa tudo por amor.          

No v. 26 Jesus repete o paradoxo anterior: “De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” Possuir os bens deste mundo não seria um mal em si mesmo, mas torna-se o maior dos males quando, por causa de tais posses, o cristão é impedido de seguir a Cristo ou de viver os valores do Reino de Deus. Jesus, certamente, rejeitou o “mundo inteiro” que o Tentador lhe oferecera, pois o preço da oferta era a idolatria (Mt 4,8s). “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (S. Afonso de Ligório). Ainda que alguém ganhasse o mundo inteiro (riqueza, glória, poder), a vida é efêmera. Na ótica da fé, todas as riquezas do mundo são insignificantes quando o que está em jogo é a vida em plenitude (eterna) que Jesus oferece aos que o seguem. 

Jesus nos ensina o caminho do amor. Não há amor verdadeiro sem renúncia. Para amar tem que aprender a sacrificar-se. Quem busca a si mesmo e seus próprios interesses, nunca experimentará o verdadeiro amor que faz feliz a alma. Somente poderemos ser cristãos se nos amarmos uns aos outros (cf. Jo 15,12). Amar de verdade supõe o sofrimento, supõe cruz. uma boa maneira de fazê-lo é servir aos outros ao meu redor com pequenos detalhes e não queixando-me diante dos inconvenientes típicos de cada jornada.          

O fundamento último da nossa opção pelo seguimento incondicional de Cristo é a certeza, dada pela fé, de que o Filho do Homem virá um dia na sua glória (v.27). Ele terá a última palavra sobre o homem. Essa palavra será uma palavra da graça divina para quem segue a Jesus incondicionalmente por amor. O juízo final torna-se, então, a medida para avaliar a existência histórica e ao mesmo tempo a bússola que orienta a vida do cristão nas escolhas justas e sensatas na vida diária neste mundo.

P. Vitus Gustama,svd

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