segunda-feira, 14 de agosto de 2023

17/08/2023-Quintaf Da XIX Semana Comum

POR QUE E PARA QUE PERDOAR?

Quinta-Feira da XIX Semana Comum

Primeira Leitura: Js 3,7-10ª.11.13-17

Naqueles dias 7 o Senhor disse a Josué: “Hoje começarei a exaltar-te diante de todo Israel, para que saibas que estou contigo assim como estive com Moisés. 8 Tu, ordena aos sacerdotes que levam a arca da aliança, dizendo-lhes: Quando chegardes à beira das águas do Jordão, ficai parados ali”. 9 Depois Josué disse aos filhos de Israel: “Aproximai-vos para ouvir as palavras do Senhor vosso Deus”. 10ª E acrescentou: “Nisto sabereis que o Deus vivo está no meio de vós e que ele expulsará da vossa presença os cananeus. 11 Eis que a arca da aliança do Senhor de toda a terra vai atravessar o Jordão adiante de vós. 13 E logo que os sacerdotes, que levam a arca do Senhor de toda a terra, tocarem com a planta dos pés as águas do Jordão, elas se dividirão: as águas da parte de baixo continuarão a correr, mas as que vêm de cima pararão, formando uma barragem”. 14 Quando o povo levantou acampamento para passar o rio Jordão, os sacerdotes que levavam a arca da aliança puseram-se à frente de todo o povo. 15 Quando chegaram ao rio Jordão e os pés dos sacerdotes se molharam nas águas da margem – pois o Jordão transborda e inunda suas margens durante todo o tempo da colheita –, 16 então as águas que vinham de cima pararam, formando uma grande barragem até Adam, cidade que fica ao lado de Sartã, e as que estavam na parte de baixo desceram para o mar da Arabá, o mar Salgado, até secarem completamente. Então o povo atravessou, defronte a Jericó. 17 E os sacerdotes que levavam a arca da aliança do Senhor conservaram-se firmes sobre a terra seca, no meio do rio, e ali permaneceram até que todo Israel acabasse de atravessar o rio Jordão a pé enxuto.

Evangelho: Mt 18,21-35     

Naquele tempo, 18,21 Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” 22 Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu acertar as contas com seus empregados. 24 Quando começou o acerto, trouxeram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. 25 Como o empregado não tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto com a mulher e os filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida. 26 O empregado, porém, caiu aos pés do patrão, e, prostrado, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo’. 27 Diante disso, o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. 28 Ao sair dali, aquele empregado encontrou um dos seus companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’. 29 O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei’. 30 Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia. 31 Vendo o que havia acontecido, os outros empregados ficaram muitos tristes, procuraram o patrão e lhe contaram tudo. 32 Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. 33 Não devias, tu também, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ 34 O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida. 35 É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”. 19,1 Ao terminar estes discursos, Jesus deixou a Galileia e veio para o território da Judeia além do Jordão.

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Deus Continua Nos Acompanhando Diariamente

Hoje e nos próximos dias (alguns dias) o texto da Primeira leitura é tirado do Livro de Josué. Este livro não é uma história científica escrita de acordo com as regras da historiografia moderna e sim uma coleção de dados que o autor sagrado, sob o influxo da inspiração divina escolheu e selecionou para pôr em destaque o profundo significado religioso da fidelidade de Deus em cumprir sua promessa de entregar a terra de Canaã ao seu povo eleito. Não se faz tanto história e sim catequese, inclusive com uma linguagem que parece litúrgica: a passagem pelo Rio Jordão com trombetas, cantos, procissão de sacerdotes e, sobretudo, a Arca da Aliança, símbolo da presença de Deus entre o povo eleito. Evidentemente, trata-se de mostrar que a divina providência continua cuidando do povo eleito. Deus sempre o mesmo e atua com idêntica misericórdia. Em cada época ou circunstância da história humana Deus oferece ao povo algun sinal de sua existência e de sua proximidade. 

Na Primeira Leitura de hoje lemos: “Hoje começarei a exaltar-te diante de todo Israel, para que saibas que estou contigo assim como estive com Moisés”, disse Deus a Josué, o sucessor de Moisés. 

Depois que terminou o êxodo pelo deserto, agora chegou o momento de o povo eleito entrar na terra de Canaã sob a direção de Josué; a entrada não foi tao pacífica nem poética como aqui se descreve. Foi uma luta longa, encarnizada com muitas vítimas, povo por povo e região por região. Mas quando se escreve o livro, séculos depois, tende-se a mitificar. 

No texto da Primeira Leitura de hoje fala-se da mudança da liderança. Depois que Moisés morreu, o seu fiel discípulo, Josué, assume a liderança. Diz-se que a vida do ser humano começa sempre a projetar-se à sombra de outras vidas. Assim é Josué. Josué vive ao lado de Moisés. Desfruta a sorte de crescer e caminhar junto de um grande homem, sonhador de liberdade e condutor de povos: Moisés. Josué é o protótipo de todos os jovens que descobrem imediatamente o esplendor dos feitos libertadores que se fazem vida nas vidas que se elevam e movem-se a seu redor. Em consequência disso, Josué é muito fiel a Moisés.   Josué  (Yahweh é salvação, sentido do seu nome) é fiel a Moisés nas horas do combate. Aparece pela primeira vez, eleito guia, para lutar contra os amalequitas na batalha de Rafidim, enquanto Moisés reza na colina vizinha (Ex 17,9.13). Josué, porém, é fiel a Moisés também nas horas de oração. Josué tem o privilégio, que não é concedido aos enciãos, de acompanhar Moisés ao alto do monte no qual Deus se mostra a ele e entrega-lhe as tábuas de pedra (Ex 24,13). E mais tarde, em virtude de um privilégio, Josué permanece na tenda em que Moisés fala face a face com seu Deus, “como se fala de pessoa a pessoa” (Ex 33,11-12). Josué é fiel a Moisés nos projetos e na esperança. A fidelidade aos ideiais do guia Moisés levou Josué à identificação com seu sonho e projeto. Por toda a sua vida haverá de lembrar-se da missão de espionagem que lhe foi confiada. 

À hora da morte, Moises dirige a Josué palavras exemplares com as quais o convida a depositar sua confiança em Yahweh (Deus): “Então Moisés convocou Josué e lhe disse na presença de todo o Israel: "Seja forte e corajoso, pois você irá com este povo para a terra que o Senhor jurou aos seus antepassados que lhes daria, e você a repartirá entre eles como herança. O próprio Senhor irá à sua frente e estará com você; ele nunca o deixará, nunca o abandonará. Não tenha medo! Não desanime!" (Dt 31,7-8). É a hora da fidelidade a uma promessa divina, a um programa humano, a uma esperança compartilhada. A audácia de Josué trará o fruto da posse da terra da identidade, a terra prometida, a antiga herança prometida em outros tempos aos pais. 

Mas o importante que o autor sagrado quer destacar é que Deus continua a estar na frente de seu povo: “Hoje começarei a exaltar-te diante de todo Israel, para que saibas que estou contigo assim como estive com Moisés”. 

Aplicando este detalhe para nossa vida particular e missão, este relato significa que sempre devemos saber contar com o apoio de Deus, pois segundo o filosofo B. Pascal, quem não conta com Deus é porque sabe contar. Quando incluímos Deus como o protagonista de nossa vida e missão, no fim saborearemos o sucesso final. A fim de vencermos as dificuldades da vida, não podemos confiar totalmente nas nossas forças nem podemos luta baseando-nos apenas sobre nossa boa vontade. É importante manter nossa união com Deus e confiar na Sua força para que ganhemos e renovemos as forças que temos para continuar nossa luta. Deus é a fonte que não se esgota. Por isso, podemos voltar sempre para este Fonte para nos abastecer e renovar nossa forças.  

Além disso, nós podemos nos alegrar, com maior razão do que nossos irmãos do AT de que um Deus vivo está no meio de nós, pois seu nome é Emanuel, Deus-conosco que arrumou sua tenda no meio de nós (Jo 1,14). Agora não mais acompanhamos a Arca da Aliança e sim o próprio Cristo que se faz Eucaristia, se faz alimento para o caminho que percorremos rumo à eternidade. Por isso esse alimento se chama “viatico”. O próprio Jesus é nosso Comapnheiro da viagem. Com Ele não ficaremos perdidos, pois além de ser nosso alimento, Ele é o próprio caminho para o céu (cf. Jo 14,6).

Perdão É A Expressão Máxima Do Amor

Não te digo até sete vezes tu deves perdoar, mas até setenta vezes sete”. 

Estamos na última parte do quarto discurso de Jesus sobre a vida comunitária no evangelho de Mateus (Mt 18). Na passagem do evangelho de hoje Jesus enfatiza a importância do mútuo perdão para que a convivência subsista e o Reino de Deus se realize na terra. 

Um dos maiores desafios para qualquer tipo de convivência, como também na comunidade de Mt, é o perdão. A sobrevivência de qualquer comunidade humana depende da capacidade que seus membros têm de perdoar. Sem isto, não há comunidade ou convivência que possa subsistir por muito tempo. O perdão é que possibilita a própria existência e a continuação da comunidade ou de uma convivência. Sem o perdão não existe vida fraterna, vida religiosa, vida conjugal, vida familiar ou vida comunitária. Para aprender a amar verdadeiramente o cristão tem que aprender a perdoar vivendo o espírito de Deus que não se cansa de nos perdoar. Por isso, perdoar não é somente dever moral, e sim o eco da consciência de ter sido perdoado por Deus. Assim chega a ser uma espécie de virtude teologal que prolonga o perdão dado por Deus a mim (cf. Cl 3,13; Mt 6,14-15; 2Cor 5,18-20). “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...”, assim rezamos no Pai Nosso. Neste sentido, perdoar o próximo é sinal da plenitude da eficácia do perdão de Deus recebido. Para pedir o perdão a Deus tenho que aprender a perdoar o outro.          

Até quantas vezes devo perdoar? Os judeus diziam que o máximo de vezes a perdoar era quatro vezes. E quem perdoava sete vezes já era considerado santo. Pedro é generoso porque ele eleva o número para sete, pensando chegar ao ideal de Jesus. Mas qualquer que seja o motivo que leva Pedro a fazer sua pergunta ou a elevar o número quatro para o sete, uma coisa é certa: ele quer que Jesus confirme a existência de um limite no exercício da caridade cristã, especialmente no perdão.         

Jesus, porém, enfatiza o perdão sem limite: Até 70 vezes sete (v.22). No AT o número 77 representava a vingança dos filhos de Caim (Gn 4, 24). O que tem por trás da afirmação de Jesus é o Deus da misericórdia. Jesus quer nos levar à consciência primordial sobre a razão de nossa existência. Jesus quer nos relembrar de que no início era a misericórdia. Fomos criados por um gesto misericordioso, fomos feitos por mãos misericordiosas, fomos idealizados por uma mente misericordiosa e fomos gerados pelo ventre misericordioso (misericórdia no AT significa “seio materno” = rahamim que se traduz para o português por “misericórdia”, que deriva do latim: miseris, “miserável” + “cor”, “coração” + “dare”, “dar”. Misericórdia significa dar o coração aos miseráveis).      

A nossa origem é a misericórdia. Somos seres perdoados e por isso somos chamados a perdoar sem parar. Se esta é a nossa origem, o perdão não é mais uma realidade ocasional, da qual temos necessidade de vez em quando. Se a misericórdia existe desde o princípio, ela ainda agora é fonte de vida e da graça da qual temos necessidade continuamente e que constantemente está agindo em nós para nos reconciliar. O perdão é a expressão máxima do amor. Por isso, não existe perdão sem amor. O perdão é o critério para saber se temos ou não o amor no coração. Se não tem amor no coração, então somos ateus porque Deus é amor (1Jo 4,8.16). O amor é uma força poderosíssima, maior que pecado, não se rende diante do mal, porque é sempre capaz de descobrir o bem e de dar novamente a esperança ou de convidar ainda o outro a caminhar juntos. Para perdoar, basta ter um ato de amor. Mas se é sincero, é força que pode mudar a história.          

Perdoar significar encarar positivamente os nossos sentimentos negativos como: a raiva, a mágoa, a culpa, a vingança, o rancor e assim por diante. Os sentimentos estão em cada um de nós. Os sentimentos não podem ser controlados, mas sim podem ser controladas suas reações. Sentir-se ofendido ou ofender o outro é uma prova de que somos vulneráveis e humanos, e que nossa pobreza interior foi posta à vista. Posso ser ofendido por alguém e sentir raiva ou mágoa dele. Mas posso reagir a esse sentimento com o perdão, pois o perdão não é sentimento, mas é decisão. Quando a raiva e outros sentimentos negativos não se libertam, costumam manifestar-se em forma de medo, isolamento, autodepreciação, fúria, depressão, comportamentos agressivos, falta de concentração no trabalho e incapacidade para relações emocionais íntimas. Muita gente sofre demasiadamente porque vive em mágoa contínua. Mantém-se preso ao passado levando vida sofrida, estagnada como água parada que apodrece. A mágoa produz efeitos nocivos. O estresse causado pela mágoa, pela falta de perdão, ataca muitas vezes o sistema imunológico. Assim se pode explicar a origem de muitas doenças, tais como artrite, arteriosclerose, doenças cardiovasculares, diabetes etc. Entre as melhores estratégias contra os efeitos múltiplos do ressentimento é a prática habitual do perdão no dia-a-dia. Muitas vezes acontece que o que nos perturba não é o que acontece, mas o modo de ver o que acontece; não o fato em si, mas a interpretação que é dada a esse fato. A interpretação, muitas vezes, atinge mais a pessoa do que o próprio ato ou evento desagradável. O que perturba é o modo de olhá-lo ou de interpretá-lo. Algumas pessoas não se corrigem e não podem sofrer correção porque vivem negativamente e se ofendem por qualquer coisa.          

A recusa do perdão é a fonte de tristeza. O rancor (a mágoa do coração) é fruto do perdão recusado. A Bíblia mostra as conseqüências da amargura: o obscurecimento da inteligência, o desespero, o refúgio em Deus considerado um Deus vingativo (cf. Sl 12,2-5). O perdão recusado pode gerar a raiva e o desespero. Em troca, o perdão libera em nós a força de amar. A verdadeira liberdade é amar, pois o amor dilata o coração.                 

Perdoar não é uma atitude para gente fraca. A vingança é que o prazer do ofendido e o ódio rancoroso é o único refúgio do mais fraco. Quando se odeia alguém, o que se quer, no fundo, é que ele sofra e até se fica satisfeito com seus sofrimentos. A dificuldade de perdoar o outro nos revela a nós mesmos que existe em nós um instinto de perversidade e nos faz descobrir um eu hostil, atraído pelo mal. Isto quer dizer que existe violência em nosso coração e seria ingênuo e perigoso negá-lo. Perdoar, neste sentido, significa abandonar os desejos sutis de vingança, é renunciar a fazer justiça em causa própria. Quando você perdoa, você se livra do veneno que está dentro de você e sua saúde é recuperada. Quando você se nega a perdoar, você adoece e sofre pelo veneno da recusa do perdão.    

A palavra grega para “perdão” é aphesis, que significa liberar, libertar da escravidão, remissão da dívida, da culpa e do castigo. É usada quando a prisão é aberta e o prisioneiro pode sair livre. 

Todos nós somos chamados a ser livres, perdoando os outros e recebendo o pedido de perdão do outro. O não- perdão é um veneno que adoece a pessoa, que faz a pessoa infeliz, presa, triste, sem liberdade por causa dos sentimentos negativos cultivados em si. Todos nós que pensamos sobre a paz e queremos a paz, devemos considerar seriamente esse apelo para perdoar. É um apelo à mudança, a não mais sermos controlados por nossas mágoas e medos, nossos sentimentos de vingança e ressentimentos. “Quereis ser feliz por um instante? Vingai-vos! Quereis ser feliz para sempre? Perdoai! (Henri Ladordaire). 

Deixemos hoje as seguintes interrogações que podem complementar a interrogação de Pedro: 

1). Eu em relação aos outros no perdão:

Quantas vezes eu tenho que perdoar os outros quando o outro me ofendeu? O que é que eu tenho que perdoar nos outros? Eu devo colocar o limite para o perdão que eu devo dar aos outros? 

2). Os outros em relação a mim no perdão:

Quantas vezes os outros devem me perdoar quando eu os ofendeu? O que eles devem me perdoar? Os outros devem colocar o limite para o perdão que eles devem me dar?

3. Eu e a Oração do Pai-Nosso

No Pai-Nosso rezamos: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Isto quer dizer que o perdão dado é o perdão recebido. Dentro do conteúdo dessa oração, o que acontecerá comigo diante de Deus se eu não perdoar o irmão? “O homem não se movimenta pelos pés, mas pelos afetos. Até os próprios pés ele move por afetos” (Santo Agostinho: In ps. 9,15). O afeto nos move a perdoarmos o outro. Perdoar não muda o passado, mas engrandece o presente e o futuro.

P.Vitus Gustama, svd

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