sábado, 19 de outubro de 2024

21/10/2024-Segundaf Da XXIX Semana Comum

A MISERICÓRDIA DE DEUS E NOSSA FÉ NOS SALVOU E NOS LEVAM A USARMOS OS BENS MATERIAIS CORRETAMENTE

Segunda-Feira da XXIX Semana Comum

Primeira Leitura: Efésios 2,1-10

Irmãos, 1 vós estáveis mortos por causa de vossas faltas e pecados, 2 nos quais vivíeis outrora, quando seguíeis o deus deste mundo, o príncipe que reina entre o céu e a terra, o espírito que age agora entre os rebeldes. 3 Nós éramos deste número, todos nós. Outrora nos abandonávamos às paixões da carne; satisfazíamos os seus desejos, seguíamos os seus caprichos e éramos por natureza como os demais, filhos da ira. 4 Mas Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, 5 quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos! 6 Deus nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus em virtude de nossa união com Jesus Cristo. 7 Assim, pela bondade, que nos demonstrou em Jesus Cristo, Deus quis mostrar, através dos séculos futuros, a incomparável riqueza da sua graça. 8 Com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! 9 Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. 10 Pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos.

Evangelho: Lc 12,13-21

Naquele tempo, 13 alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. 14 Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” 15 E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. 16 E contou-lhes uma parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita. 17 Ele pensava consigo mesmo: ‘Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então resolveu: ‘Já sei o que vou fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. 19 Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!’ 20 Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21 Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus”.

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A Misericórdia De Deus Nos Salvou Em Jesus Cristo

Continuamos com a leitura da Carta aos Efésios. São Paulo descreveu qual é o admirável mistério que Deus nos revelou em Jesus. Hoje são Paulo nos apresenta o contraste: antes estávamos mortos, pois Outrora nos abandonávamos às paixões da carne; satisfazíamos os seus desejos, seguíamos os seus caprichos e éramos por natureza como os demais, filhos da ira”.

Mas agora Deus “pelo grande amor com que nos amou”,”nos fez viver com Cristo, nos ressuscitou com Cristo, nos fez sentar no céu com Cristo”.

Em outras palavras, há três ideias  aparecem nesta leitura: nos encontramos todos sob o domínio do pecado (Ef 2,1-3); Deus nos deu uma nova vida pela fé em que Deus demonstrou  sua imensa bondade e misericórdia (Ef 2,4-6); e isto não se deve a nós (Ef 2,7-10). O amor de Deus é o ponto de partida, e também o termo de nossa configuração com Cristo. Duas coisas concorrem para nossa salvação: a graça de Deus (causa principal: Deus nos ama gratuitamente) e nossa fé (condição necessária como resposta de nossa parte). Por causa de tudo isso, o cristão vive na terra, mas já é cidadão do céu. Cada cristão deve ser um homem de ação de graças por tudo que Deus criou e que dá tudo para o homem.

O texto da Carta aos Efésios que lemos hoje na Primeira Leitura está totalmente composto em torno da antítese natureza e graça. “A natureza” é o homem abandonado unicamente a suas forças humanas, o homem-sem-Deus. “A Graça”, é o homem elevado pela potência divina, o homem-com-Deus.

Em primeiro lugar, o homem-sem-Deus: “Vós estáveis mortos por causa de vossas faltas e pecados, nos quais vivíeis outrora, quando seguíeis o deus deste mundo, o príncipe que reina entre o céu e a terra, o espírito que age agora entre os rebeldes”.

A  natureza humana não é somente frágil, mas também desordenada e culpável. Naturalmente, seguindo sua tendência natural, o homem volta para si mesmo e não leva em conta a existência dos outros. O homem se satisfaz egoisticamente em lugar de amar. Cada homem se esquece, muitas vezes, que ele é o outro do outro. Eu sou o outro do outro.

Em segundo lugar, o homem-com-Deus: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos!”.

O poder divino foi posto à disposição do homem. Por causa da misericórdia de Deus o homem não é mais um simples homem e sim um homem-com-Deus. Quem realizou tudo isso é Cristo: “Deus nos deu a vida com Cristo”.

Esta convicção deveria nos encher de alegria. Deus nos amou  gratuitamente, sem nenhum mérito de nossa parte: “Deus é rico em misericórdia. É por graça que vós sois salvos!”.

Temos Apenas o Usufruto Dos Bens De Deus Neste Mundo

Ainda estamos na seção chamada Lições do Caminho (Lc 9,51-19,28). Jesus passa para nós suas últimas e mais importantes lições no seu caminho (êxodo) para Jerusalém antes de ser crucificado e morto. Esse caminho nos mostra que a vida é uma peregrinação rumo à vida glorificada. Desse caminho a presença da cruz ou das cruzes é inevitável. Mas ao olhar para a vida glorificada mostrada por Jesus, antecipadamente (cf. Lc 9,28-36), teremos condições e forças para superar as barreiras e ultrapassar os obstáculos. A vida glorificada antecipada nos renova nossas forças permanentemente. Se o nosso objetivo é a vida glorificada, isto é, estar com Deus eternamente, o própria Deus vai nos ajudar a superarmos tudo (cf. Rm 8,28-39). Quem tem meta, procura os meios para realizá-la e enfrenta seus obstáculos ou cruzes.

Na passagem do evangelho de hoje Jesus nos dá lição sobre como devemos nos comportar diante dos bens materiais. Essa lição nos mostra que nossa relação com as coisas não é de propriedade e sim de uso. Usaremos os bens materiais enquanto tivermos o direito de usufruí-los. Mas esse direito cessará assim que terminar nossa missão ou nossa existência neste mundo. Por isso, um projeto de vida fundamentado na acumulação dos bens materiais não tem nenhuma solidez, pois tudo será deixado assim que morrermos. Com efeito, a vida e a salvação do homem não consistem na abundância de seus posses materiais. Na velhice e no leito da morte o homem, que colocou seu fundamento de vida nos bens materiais, vai experimentar a solidão mórbida. Ninguém está tão só do que aquele que vive sem Deus, seu Criador. Estejamos conscientes de que somos valorizados não pelos bens que possuímos ou pelo cargo que temos e sim pelos valores que vivemos.

Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens”, alerta-nos Jesus no evangelho deste dia (Lc 12,15). O homem ganacioso coloca sua própria segurança nos bens acumulados e por isso, ele está contado entre as coisas. O verdadeiro seguidor de Jesus coloca sua segurança no amor do Pai que criou todas as coisas e dos irmãos (Lc 12,22-34). Em outras palavras, para os seguidores de Jesus Cristo a verdadeira vida, a vida plena não está nos bens, mas n´Aquele que os criou e que os doa a nós sem reserva. A sabedoria nos ensina que os bens serve como instrumento para preencher a necessidade que somos: a comunhão com o Pai que doa tudo e com o irmão com o qual partilhamos. Este é o nosso verdadeiro tesouro. Somos ricos somente daquilo que se dá. Deus é tudo para nós porque Ele nos dá tudo.

“Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância”. Um dos sentidos lexicais da palavra “ganância” é a ambição exacerbada de ganho, de lucro. A ganância é um tipo de ambição violenta. Usam-se todos os meios, até os meios ilícitos para alcançar o que se deseja. 

O homem é sempre tentado a buscar sua salvação nos bens, a pôr nas riquezas sua segurança. O cristão deve estar vigilante contra essa tentação insidiosa /cheia de ciladas. Os bens não asseguram nem a mesma vida, menos ainda a salvação. Num leito de morte toda riqueza e todo poder mundano caíram no chão. A felicidade não está nos bens e sim está no próprio homem e entre os homens numa convivência fraterna.

O homem da parábola dialoga consigo mesmo. Este diálogo falha na ordem de salvação. Faltam-lhe interlocutores. Não intervém Deus. Não intervêm os demais homens, pois esse homem fala consigo próprio (fala sozinho). O homem foi feito para a comunicação, foi feito para a comunhão. E o seu desenvolvimento depende da existência dos outros. Ninguém foi feito para o isolamento. A comunhão sugere calor, compreensão e abraço para que o homem possa se desenvolver. Quando ficamos isolados, estamos propensos a ser prejudicados. Sentir-se integrado mantém a pessoa em equilíbrio. Os antigos e eternos valores da vida humana: verdade, unidade, solidariedade, bondade, justiça, honestidade, amor e assim por diante, são afirmações da verdadeira comunhão ou integração. Podemos possuir tudo que o mundo tem a oferecer em termos de status, poder, realização, e bens, no entanto, sem nos sentirmos integrados, sem a convivência com os outros, tudo isso parece vazio e inútil.

Bloquear a vida! Este é o grande pecado do homem rico na parábola. Ele acreditava que podia comprar a vida, encerrá-la, dominá-la. Pensava “agarrar” a vida. Mas a vida se escapa dele: “Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?”, diz-lhe Deus (Lc 12,20).

A riqueza não é algo diabólica (diabólico é aquilo que divide o homem por dentro ou entre si. O contrário do diabólico é simbólico, isto é, duas coisas que se encaixam bem); o faz diabólico o uso que o homem faz dele. Tampouco é um poder que escraviza por si. A riqueza nenhuma tem poder de escravizar. O homem é que se faz escravo dos seus bens ou quem a utiliza para escravizar seus irmãos. O dinheiro é satânico quando o homem, ao servir-se dele, não tem outro horizonte. Mas o dinheiro é um bem quando o homem o utiliza para a felicidade de si (esforço) e dos demais (partilha). Mesmo sendo rico, quando o homem partir deste mundo, ele não terá mais poder sobre suas riquezas. São os vivos que determinarão o uso da riqueza deixada. O  caixão não acompanha o cofre. Ou o cofre não acompanha o caixão. 

A cobiça pode ser de dinheiro, mas também de fama, de poder, de prazer, de ideologias e assim por diante. Mas sempre é idolatria, porque pomos nossa confiança em algo frágil e caduco e não nos valores duradouros, e isso nos bloqueia outras coisas mais importantes. Tudo isto não nos deixa sermos livres, nem sermos solidários com os demais, nem estarmos abertos diante de Deus.

Ser rico diante de Deus significa dar importância àquelas coisas que levaremos conosco na morte: as boas obras, a caridade praticada na verdade, a justiça e a honestidade que vivemos e assim por diante. É saber compartilhar com os outros nossos bens que é uma riqueza que vale a pena diante de Deus.

No fundo, Jesus quer nos dizer que nem o trabalho nem o capital (dinheiro) será a última palavra sobre o homem; tanto o um como o outro se fica sem resposta diante da morte, e a morte é a maior questão que persegue o homem. É preciso buscarmos as coisas do alto para superar esta questão, pois Deus rico em misericórdia, que vivificou Jesus, nos vivificará também.

Quase em toda a Bíblia se encontram termos que aludem à tensão em que vive o ser humano: graça e pecado, amor e desamor/ódio, verdade e mentira, autenticidade e falsidade, coerência e incoerência, generosidade e egoísmo, reconciliação e vingança, cautela e despreocupação, ganância e a vida eterna, e assim por diante. Em todo ser humano entram em luta permanente duas forças ou inclinações contrárias: o bem-virtude, e o mal-vício. O primeiro salva, e o segundo condena. Essas duas coisas sempre nos acompanham diariamente. Cabe a cada um escolher, e aceitar as conseqüências dessa escolha. O alerta sobre a importância da vigilância vale para todo momento de nossa vida. Sem a vigilância nos deixaremos levar sem saber o destino final.

P. Vitus Gustama,svd

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