20/05/2015
SER FATOR DA UNIDADE, DA ALEGRIA, DA
SANTIFICAÇAO E DA VERDADE
Quarta-Feira da VII Semana da Páscoa
Evangelho: Jo 17,11b-19
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos para o céu e rezou,
dizendo: 11b“Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste,
para que eles sejam um assim como nós somos um. 12 Quando eu estava
com eles, guardava-os em teu nome, o nome que me deste. Eu os guardei e nenhum
deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, para se cumprir a Escritura. 13Agora,
eu vou para junto de ti, e digo estas coisas, estando ainda no mundo, para que
eles tenham em si a minha alegria plenamente realizada. 14Eu lhes
dei a tua palavra, mas o mundo os rejeitou, porque não são do mundo, como eu
não sou do mundo. 15Não te peço que os tires do mundo, mas que os
guardes do Maligno. 16Eles não são do mundo, como eu não sou do
mundo. 17Consagra-os na verdade; a tua palavra é verdade. 18Como
tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo. 19Eu me
consagro por eles, a fim de que eles também sejam consagrados na verdade”.
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O longo discurso de despedida de Jesus (Jo 13-17) termina
com uma oração. Lemos neste dia a segunda parte desta oração. A segunda parte
da oração de Jesus se centra em três pontos principais: Viver na verdade, viver
na unidade e viver no mundo sem ser do mundo.
A Palavra de Deus é verdade. Jesus transmite esta palavra a
seus discípulos para que sejam consagrados na verdade: “Consagra-os na
verdade: a verdade é a tua Palavra. Assim como Tu Me enviaste ao mundo, Eu
também os envio ao mundo. Eu consagro-Me por eles, a fim de que também eles
sejam consagrados na verdade” (Jo 17,17-19). Na Bíblia a verdade é sinônimo
de lealdade, fidelidade, firmeza, segurança. Para são João “verdade” significa
a realidade divina que consiste no amor sem limite do Pai pela humanidade (cf.
Jo 3,16). Toda a atividade de Jesus é a atividade de amor e por isso, a
atividade vivificante. Jesus é a Verdade (cf. Jo 14,6) porque nele reside a
realidade divina.
Quando Cristo pede ao Pai que consagre seus discípulos na
verdade, ele quer dizer com isto que sejam santificados no plano da realidade
absoluta, que a vida dos discípulos seja governada no amor e por amor, pois o
verdadeiro amor é a realidade divina (1Jo 4,8.16). Para são João os discípulos
devem alcançar o mesmo nível da santidade de Deus, já que são colocados por
Cristo no mesmo plano de Deus (veja também Mt 5,48); são filhos de adoção
eleitos pelo Pai e dados por ele ao Filho. Esta consagração na verdade, este
acesso à santidade do Pai deve proporcionar-lhes a plenitude da alegria, a
mesma alegria de Cristo: “Agora vou para junto de Ti. Entretanto, continuo a
dizer estas coisas neste mundo, para que eles possuam toda a minha alegria”
(Jo 17,13).
A palavra “Consagrar” tem o mesmo significado que
“santificar”. A idéia cristã de santidade é chamada à transcendência e também
separação. Santificar significa eleger e separar. Os que recebem a Verdade
ficam santificados, isto é, separados e eleitos para cumprir no mundo e diante
do mundo uma missão em nome de Deus. O cristão é um homem como todos os demais,
mas é um consagrado de Deus. A santidade é uma forma normal de viver os
ensinamentos de Cristo. Santo é aquele que vive de acordo com os ensinamentos
de Cristo.
Mas os discípulos de Jesus ou os cristãos têm que permanecer
na unidade entre eles, como o Pai e o Filho são um: “Pai santo, guarda-os em
teu Nome, o Nome que Me deste, para que eles sejam um, assim como Nós somos um”
(Jo 17,11b). No texto anterior Jesus pede para que os discípulos permaneçam
nele, isto é, estar em unidade com Ele, a fim de poder produzir bons frutos
(cf. Jo 15,1-8). A unidade é um tema querido para são João. O tema sobre a
unidade será desenvolvido nos próximos versículos (17,21-24). Certamente esta
unidade que deve formar os discípulos entre si é a mesma unidade entre o Pai e
Jesus. Ao permanecer nesta unidade os cristãos podem permanecer também na
verdade, isto é, na realidade eterna absoluta. Santo Agostinho dizia: “Os
que vivem em discórdia não louvam o Senhor. E, portanto, tampouco o Senhor os
abençoa. Seus lábios desfiam louvores, mas seus corações o maldizem. Quem
abandona a unidade se faz desertor da caridade”. O Senhor nos quer
fraternalmente unidos pelo amor que procede dele (cf. Jo 15,12). “Guarda-os em
Teu Nome”. Aqui “nome” significa pessoa, seu ser, sua presença e seu agir.
Reflitamos sobre as palavras do Papa Francisco sobre a
importância da unidade: “Deus
nos doa a unidade, mas nós mesmos façamos esforço para vivê-la. É preciso
procurar, construir a comunhão, educar-nos à comunhão, a superar incompreensões
e divisões, começando pela família, pela realidade eclesial, no diálogo
ecumênico também. O nosso mundo precisa de unidade, está em uma época na qual
todos temos necessidade de unidade, precisamos de reconciliação, de comunhão e
a Igreja é Casa de comunhão. São Paulo dizia aos cristãos de Éfeso: ‘Exorto-vos,
pois – prisioneiro que sou pela causa do Senhor – que leveis uma vida digna da
vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e amabilidade, com
grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em
conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz’ (4, 1-3). Humildade, doçura,
magnanimidade, amor para conservar a unidade! Estes, estes são os caminhos, os
verdadeiros caminhos da Igreja. Ouçamos uma vez mais. Humildade contra a
vaidade, contra a soberba, humildade, doçura, magnanimidade, amor para
conservar a unidade. E continuava Paulo: um só corpo, aquele de Cristo que
recebemos na Eucaristia; um só Espírito, o Espírito Santo que anima e
continuamente recria a Igreja; uma só esperança, a vida eterna; uma só fé, um
só Batismo, um só Deus, Pai de todos (cf. vv. 4-6). A riqueza daquilo que nos
une! E esta é uma verdadeira riqueza: aquilo que nos une, não aquilo que nos
divide. Esta é a riqueza da Igreja! Cada um se pergunte: faço crescer a unidade
em família, na paróquia, na comunidade, ou sou um fofoqueiro, uma fofoqueira.
Sou motivo de divisão, de desconforto? Mas vocês não sabem o mal que fazem à
Igreja, às paróquias, às comunidades, as fofocas! Fazem mal! As fofocas ferem.
Um cristão antes de fofocar deve morder a língua! Sim ou não? Morder a língua:
isto nos fará bem, para que a língua inche e não possa falar e não possa
fofocar. Tenho a humildade de
reconstruir com paciência, com sacrifício, as feridas da comunhão? Enfim, o
último passo mais em profundidade. E esta é uma bela pergunta: quem é o motor
desta unidade da Igreja? É o Espírito Santo que todos nós recebemos no Batismo
e também no Sacramento da Crisma. É o Espírito Santo. A nossa unidade não é
primeiramente fruto do nosso consenso, ou da democracia dentro da Igreja, ou do
nosso esforço de concordar, mas vem Dele que faz a unidade na diversidade,
porque o Espírito Santo é harmonia, sempre faz a harmonia na Igreja. É uma
unidade harmônica em tanta diversidade de culturas, de línguas e de
pensamentos. É o Espírito Santo o motor. Por isto é importante a oração, que é
a alma do nosso compromisso de homens e mulheres de comunhão, de unidade. A
oração ao Espírito Santo, para que venha e faça a unidade na Igreja” (Texto da catequese do
Papa Francisco na audiência da quarta-feira: Aprofunda sobre o sacramento do
Batismo: a "porta" da fé e a fonte da vida cristã. Roma, 13 de
Novembro de 2013).
“Eles não pertencem ao mundo,
como Eu não pertenço ao mundo”. A palavra “mundo” aparece 11 vezes
nos vv.11 a 19. Para o evangelista João, como para todo o NT, “mundo”, neste
contexto, não se refere a este planeta onde habitamos e sim ao conjunto das
três grandes ambições humanas: a ambição inerente à condição humana (concupiscência
humana), a ambição dos olhos e a arrogância da fortuna, como afirma o
próprio São João na sua primeira Carta: “Porque tudo o que há no mundo — a
concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza — não vem
do Pai, mas do mundo” (1Jo 2,16). No
entanto, os discípulos de Cristo, os cristãos não devem ser puritanos, no
sentido de separar-se ou fugir do mundo e sim devem ser puros, no sentido de
não deixar-se contaminar pelo ambiente hostil. O cristão deve trabalhar como o
fermento: discreto, mas efetivo. É saber-se posicionar como cristão. A presença
de um cristão no mundo deve ser uma presença interrogante e profética.
“Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do
Maligno. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo”.
O cristão não é uma pessoa isolada do mundo ou que se afasta do mundo.
Sua vocação peculiar e indispensável é estar inserta no mundo onde realizara
sua missão profética. Ele é chamado a ser o sal da terra e a luz do mundo (cf.
Mt 5,13.14). O mundo é o único cenário onde cada cristão ou cada ser humano
decide sua salvação ou sua condenação. A comunidade cristã está no mundo não
para se afastar dele e sim para dar testemunho de um caminho de salvação. Este
testemunho deve ser verificado em sua opção pelo Deus da vida que se concretiza
no serviço aos mais simples e excluídos da sociedade.
Para os presbíteros o que isto significa?
O Concilio Vaticanos II afirma: “Os presbíteros, tirados dentre os
homens e constituídos a favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para
oferecerem dons e sacrifícios pelos pecados, convivem fraternalmente com os
demais homens... Não poderiam ser ministros de Cristo se não fossem testemunhas
e dispensadores de uma vida diferente da terrena, e nem poderiam servir aos
homens se permanecessem alheios à sua vida e às suas situações” (Presbyterorum
Ordinis no.3, sobre o Ministério e a Vida dos presbíteros).
Para os leigos: “Uma vez que é próprio do estado dos leigos viverem no
meio do mundo e dos negócios seculares, eles próprios são chamados por Deus a
exercerem aí o seu apostolado, à maneira de fermento, com entusiasmo e espírito
cristão” (Apostolicam Actuositatem no.2, sobre o Apostolado dos
Leigos, do Concilio Vaticano II).
Portanto, Jesus pede ao Pai por nós para que não sejamos
perdidos neste mundo, sejamos unidos, tenhamos alegria, sejamos preservados do
mal e santificados na verdade. O conteúdo dessa oração serve como guia de nossa
vida diária. Negativamente podemos dizer que nós cristão não podemos ser
causadores da desunião, da tristeza, do escândalo e da falsidade. Fortalecidos
por estes dons do Pai podemos ser enviados para o mundo.
Hoje o Senhor nos reúne em torna do Altar para participarmos
de sua Vida e de seu Espírito. Através de sua oração o Senhor nos quer
fraternalmente unidos pelo amor que procede dele. O Senhor nos quer não somente
fraternalmente unidos, mas Ele quer também que trabalhemos constantemente pela
unidade, de tal forma que o amor, que procede dele e que habita em nosso
coração, nos faça autênticos construtores de unidade e não de divisão. Ele nos
ama e quer que sejamos um só rebanho sob um só Pastor, Jesus Cristo.
Santificados pela Palavra de Deus somos enviados ao mundo para santificá-lo e
não para destruí-lo. “A unidade de todas as coisas vivas
existe neste mundo onde todo o mundo e todas as coisas buscam silenciosamente a
Deus. Somente os ateus vêem um silêncio eterno” (Jean-Jacques Rousseau). “A
Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo, a Unidade é a Lei de
Deus” (Pitágora).
“Nas coisas essenciais, a unidade; nas coisas não essenciais, a liberdade;
em todas as coisas, a caridade” (Santo Agostinho).
P. Vitus Gustama,svd
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