06/01/2016
Quarta-Feira Após A Epifania
Primeira
Leitura: 1Jo 4,11-18
11 Caríssimos: se Deus
nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros. 12 Ninguém jamais
viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor é
plenamente realizado em nós. 13 A prova de que permanecemos com ele, e ele
conosco, é que ele nos deu o seu Espírito. 14 E nós vimos e damos testemunho,
que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo. 15 Todo aquele que proclama
que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus. 16 E nós
conhecemos o amor que Deus tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor:
quem permanece no amor, permanece com Deus, e Deus permanece com ele. 17 Nisto
se realiza plenamente o seu amor para conosco: em nós termos plena confiança no
dia do julgamento, porque, tal como Jesus, nós somos neste mundo. 18 No amor
não há temor. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, pois o temor
implica castigo, e aquele que teme não chegou à perfeição do amor.
Evangelho:
Mc 6,45-52
Depois de saciar os
cinco mil homens, 45 Jesus obrigou os discípulos a entrarem na barca e irem na
frente para Betsaida, na outra margem, enquanto ele despedia a multidão. 46
Logo depois de se despedir deles, subiu ao monte para rezar. 47 Ao anoitecer, a
barca estava no meio do mar e Jesus sozinho em terra. 48 Ele viu os discípulos
cansados de remar, porque o vento era contrário. Então, pelas três da
madrugada, Jesus foi até eles andando sobre as águas, e queria passar na frente
deles. 49 Quando os discípulos o viram andando sobre o mar, pensaram que era um
fantasma e começaram a gritar. 50 Com efeito, todos o tinham visto e ficaram
assustados. Mas Jesus logo falou: “Coragem, sou eu! Não tenhais medo!” 51 Então subiu com eles na barca, e o vento
cessou. Mas os discípulos ficaram ainda mais espantados, 52 porque não tinham
compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles estava endurecido.
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A cena relatada no evangelho de hoje nos apresenta de
maneira simbólica a situação em que se encontra a comunidade cristã primitiva
depois da ressurreição de Jesus. A comunidade se encontra no meio de
dificuldades (tempestade) e sente a ausência de Jesus Cristo. As ondas e o mar
representam no AT as forças do mal que Deus vence com seu poder (Sl 77; Jó
9,8;38,16). Mas agora é Jesus quem vence a esta força maligna, pois Jesus é o
Deus-Conosco, o Emanuel. Sua manifestação aos discípulos neste episódio tem
todas as marcas dos relatos de aparições: a cena tem lugar de noite, o mesmo
que a ressurreição do Senhor; Jesus vem ao encontro dos seus (cf. Jo 20,19); os
discípulos crêem ver um fantasma (cf. Lc 24,37s); finalmente, Jesus se
apresenta afirmando sua identidade: “Coragem, sou Eu! Não tenhais medo!”.
“Coragem, sou Eu!
Não tenhais medo!”. E são João, na
Primeira Leitura, nos diz: “No amor não há temor. Ao
contrário, o perfeito amor lança fora o temor, pois o temor implica castigo, e
aquele que teme não chegou à perfeição do amor”.
“No amor não há temor”. Amor e temor são duas atitudes
fundamentais de nossa psicologia. O homem é radicalmente temeroso, falta-lhe
segurança no mundo que se levanta contra ele. Alguns homens se comportam como
adversários e por isso, roubam a alegria dos outros. Alguns homens se tornam
ameaças para os outros, pois estes não querem saber dos direitos dos outros:
roubam, seqüestram, maltratam e matam. No nível espiritual, sobretudo, diante
do mundo das divindades e do misterioso sagrado, o homem também tem seu temor.
O homem pagão trata de libertar-se desse temor inventando ritos; o homem ateu
se assegura a base de seus próprios meios transformando seu eu e sua técnica em
meios de autodivinizaçao; o homem judeu opta por outro caminho muito distinto
eliminando o temor às forças superiores anônimas para descobrir em cada
acontecimento, bom ou mau, a presença do amor e da misericórdia de Javé (Deus).
A partir desse momento, o temor ao Sagrado deixa de ser um temor cego para ser
uma exigência de conhecimento de Deus e de correspondência ao Seu amor.
Jesus levou mais longe ainda a descoberta dos judeus. Jesus
descobre que o homem, que é Ele próprio, é co-participante ativo de Deus na
realização de Seu desígnio salvífico, pois ele acredita no Deus de amor que salva
a humanidade por amor (Jo 3,16). Conseqüentemente, o cristão se assemelha ao
“ateu” na confiança que põe nos meios humanos para responder aos desafios da
fome, da guerra, da injustiça social e internacional. Mas ao fazer assim, o
cristão dá testemunho da verdade do homem realizado em Jesus Cristo que ama os
seus até o fim (cf. Jo 13,1).
Com isso, são João nos mostra que amor e fé (idéias
prediletas de são João), são duas virtudes que se compenetram e se apoderam
juntas na pessoa do cristão. Toda decisão de fé implica o amor, pois o Deus em
quem o cristão acredita é amor (1Jo 4,8.16). “Coragem, sou Eu! Não tenhais medo!”. “No amor não há temor”. O cristão é sempre lembrado para tomar
qualquer decisão sobre o amor. Toda decisão tomada sobre o amor leva o homem a
estar próximo de Deus e dos homens. O amor dá segurança, faz crescer na direção
de Deus e do próximo. O amor torna o homem muito humano a ponto de ser muito
divino. “Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece
conosco e seu amor é plenamente realizado em nós” (1Jo 4,12b).
Marcos também nos relata que Jesus “subiu ao monte para rezar”. Em geral, oração solitária de Jesus
precede ou segue a algum acontecimento muito importante. Aqui, sua oração
precede a sua manifestação como Filho de Deus.
Ao olhar para o modo de viver de Jesus, percebemos a dupla
dimensão de seu ministério: a oração e a ação, a solidão e a solidariedade, a
intimidade mais profunda com o Pai e o engajamento mais radical no serviço dos
necessitados. Em Jesus as duas dimensões são vividas não só como
complementares, mas como necessariamente referidas uma à outra. A vida se põe
na oração e a oração se traduz na vida. A vida antes de ser vivida, é rezada. A
oração, além do amor, mantém o homem unido a Deus. A oração é a expressão viva
da fé. Quando rezarmos, manifestaremos que nossa fé está viva. A fé nos leva a
orarmos e orarmos porque somos movidos pela fé.
Enquanto Jesus está se retirando para orar, os discípulos
se encontram no meio da noite lutando contra a tempestade. Evidentemente eles
estão atormentados. O barco agitado pelas ondas representa a Igreja sacudida
pelas forças opostas e que por isso, a Igreja se sente impotente, frágil e
abandonada e que luta para encontrar um rumo certo.
Muitas vezes, no meio das dificuldades, pensamos que somos
nós os que temos que fazer triunfar a Igreja com a nossa luta. Esquecemo-nos de
que o único que pode salvar a Igreja é Jesus Cristo. E por isso, precisamos
manter nossa união com Cristo na fé, na oração e no amor ao próximo. Não
podemos nos esquecer que somos apenas missionários do Senhor e não salvadores.
O único Salvador é Jesus Cristo. Em tudo que fizermos na Igreja do Senhor temos
que saber contar com Jesus. A Igreja é de Cristo (cf. Mt 16,18). O rebanho é do
Senhor (cf. Jo 21,15-17). Somos encarregados de cuidar de nossos irmãos,
ovelhas do Senhor. Fazemos parte do mesmo rebanho. Somos ovelhas entre as
outras ovelhas. Ninguém pode se achar superior às demais ovelhas. O verdadeiro
Pastor do rebanho é Jesus Cristo (cf. Jo 10,11-18). Quem não sabe contar com
Jesus, em vão vai trabalhar na Igreja do Senhor. Quem salva a Igreja é o
próprio Senhor com a colaboração de cada membro dessa Igreja. Que sejamos
membros comprometidos e ovelhas comportadas. Cada compromisso supõe sempre o
sacrifício. E o sacrifício é fazer algo sagrado, isto é, toda vez que fizermos
qualquer coisa para os irmãos devemos fazê-lo para consagrá-los (torná-los
sagrados).
Quando Jesus vem ao encontro dos discípulos, o medo se torna
maior, pois acham que é um fantasma, pois eles não reconhecem Jesus. E quando
eles não reconhecem Jesus, acabam tendo medo dos fantasmas que eles mesmos
criam. Nessa altura Jesus se dá conhecer: “Coragem! Sou Eu”. Esta frase é
suficiente para acalmar os discípulos.
Deixemos que esta frase “Coragem! Sou Eu! Não tenhais
medo!” penetre em nós, nos momentos mais difíceis de nossa vida. Quando
ouvirmos a voz do Senhor, a paz estará presente no nosso coração, ainda que
estejamos rodeados pelas provações ou dificuldades.
A mensagem do texto é nitidamente eclesiológica. A cena
simboliza a relação de Cristo com todos nós como a Igreja. A barca no meio da
tempestade e no meio da noite representa a Igreja. E Jesus se revela como “Eu
sou”, o Deus-Conosco (Mt 1,23;28,20). Jesus está sempre unido à sua Igreja.
Quando estamos longe dele ou nos afastamos dele, como os discípulos, nós sentimos
o medo e o pavor. Mas estes desaparecem no fim da noite, quando Jesus vai ao
nosso encontro. Aparentemente, Jesus está ausente quando nos encontramos no
meio da tempestade desta vida ou em perigo de morte. Mas, na realidade, Jesus
está sempre unido a cada um de nós, como sua Igreja, orando por nós, pois ele é
o nosso Emanuel (Mt 1,23;18,20;28,20). E na hora certa ele vai manifestar o seu
poder, libertando-nos do medo e infundindo-nos ânimo: “Coragem! Sou Eu! Não
tenhais medo!”, assim ele nos diz, como disse aos discípulos.
Por isso, temos que perseverar na fé, mesmo quando agitados
e açoitados pelas ondas e pelos ventos de provações e de perseguições,
quaisquer que sejam as dificuldades e os obstáculos no caminho que temos que
percorrer para ir ao encontro com Jesus e para obedecer à missão recebida dele.
Amar a Cristo e aos irmãos é o segredo para edificar e firmar a Igreja do
Senhor que somos nós todos. “Se nos amamos uns aos outros, Deus
permanece conosco e seu amor é plenamente realizado em nós”. Por amor, Deus nos chama à vida. Por amor Deus nos enviou
Seu Filho, o que para Ele é mais caro, e morreu na cruz em nosso favor. Por
amor Deus anda em nossa busca pelos caminhos do mundo. E só por amor é que
podemos alcançar a eternidade.
P. Vitus Gustama,svd
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