domingo, 28 de fevereiro de 2016

01/03/2016




PERDÃO MÚTUO SEM LIMITE É O SINAL DA COMUNHÃO OM DEUS DA MISERICÓRDIA  


Terça-Feira da III Semana da Quaresma


Primeira Leitura: Dn 3,25.34-43


Naqueles dias: 25 Azarias, parou e, de pé, começou a rezar; abrindo a boca no meio do fogo, disse: 34 'Oh! não nos desampares nunca, nós te pedimos, por teu nome, não desfaças tua aliança 35nem retires de nós tua benevolência, por Abraão, teu amigo, por Isaac, teu servo, e por Israel, teu Santo, 36ª os quais prometeste multiplicar a descendência como estrelas do céu e como areia que está na beira do mar; 37 Senhor, estamos hoje reduzidos ao menor de todos os povos, somos hoje o mais humilde em toda a terra, por causa de nossos pecados; 38 neste tempo estamos sem chefes, sem profetas, sem guia, não há holocausto nem sacrifício, não há oblação nem incenso, não há um lugar para oferecermos em tua presença as primícias, e encontrarmos benevolência; 39 mas, de alma contrita e em espírito de humildade, sejamos acolhidos, e como nos holocaustos de carneiros e touros 40 e como nos sacrifícios de milhares de cordeiros gordos, assim se efetue hoje nosso sacrifício em tua presença, e tu faças que nós te sigamos até ao fim; não se sentirá frustrado quem põe em ti sua confiança. 41 De agora em diante, queremos, de todo o coração, seguir-te, temer-te, buscar tua face; 42 não nos deixes confundidos, mas trata-nos segundo a tua clemência e segundo a tua imensa misericórdia; 43 liberta-nos com o poder de tuas maravilhas e torna teu nome glorificado, Senhor'.


Evangelho: Mt 18,21-35


Naquele tempo, 21Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” 22Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu acertar as contas com seus empregados. 24Quando começou o acerto, trouxeram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. 25Como o empregado não tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto com a mulher e seus filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida. 26O empregado, porém, caiu aos pés do patrão, e prostrado, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo’. 27Diante disso, o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair dali, aquele empregado encontrou um de seus companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’. 29O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei’. 30Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que ele pagasse o que devia. 31Vendo o que havia acontecido, os outros empregados ficaram muito tristes, procuraram o patrão e lhe contaram tudo. 32Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. 33Não devias tu também, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ 34O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida. 35É assim que meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”.
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Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se. Você quer ser feliz para sempre? Perdoe” (Tertuliano)


O texto do evangelho lido neste dia faz parte do quarto grande discurso de Jesus no evangelho de Mateus (Mt 18). Este discurso é conhecido como “Discurso comunitário”, isto é, como devemos conviver como uma comunidade. Para Mateus o pecado sempre existe, a fraqueza humana nunca conhece seu fim. Por isso, na comunidade deve haver espaço para o mútuo perdão. Perdão mútuo é um dos temas neste quarto discurso. Sem o perdão mútuo, a comunidade deixaria de existir. Os que são capazes de perdoar mostram que são totalmente dominados pela misericórdia de Deus apesar das ofensas recebidas. Se aplicar a lei de talião “dente por dente” e “olho por olho”, o que vai resultar? Todos ficarão sem dentadura e cegos. Para que todos possam continuar a enxergar a ação misericordiosa de Deus deve haver o perdão mútuo.


O Homem É Tentado Para Limitar a Caridade Fraterna


Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” é a pergunta de Pedro a Jesus que lemos no evangelho de hoje.


Pedro se dirige a Jesus chamando-o de “Senhor”. Pedro sabe que Aquele que está diante dele não é apenas o Mestre que ensina, e sim o “Kyrios”, o Senhor, que tem plenos poderes e cheio da glória de Deus. Por isso, tem poder de dar ordens precisas.


“Até sete vezes devo perdoar meu irmão que peca contra mim?”.  Em todas as culturas antigas, inclusive a Bíblia, o sete era o número da perfeição e da totalidade, da plenitude acabada e perfeita (Santo Agostinho), da universalidade (Santo Tomás), o número que une o par e o ímpar, o fechado e o aberto, o visível e o invisível. Para os autores do século XII o sete tinha uma dignidade suprema: sete foram os dias da criação; sete eram os dons do Espírito Santo; há sete virtudes (três teologais, quatro cardinais); sete os pecados capitais; sete as bem-aventuranças. O “Sete” é um número sagrado. “Até sete vezes” significaria estou pronto a perdoar além da única vez exigida com toda certeza pelo dever da caridade. Pensa-se, portanto, que com “sete vezes” já se atingiria o máximo.


Pedro propõe um número elevado de oportunidades de perdão, considerando que isso é uma atitude nobre. Sete vezes não são poucas! Mas de qualquer maneira, ele se preocupa com os limites da atitude fraterna.


O Cristão Deve Ser Um Homem de Perdão Permanente


Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”, disse Jesus a Pedro. Jesus lhe corrige sua perspectiva legalista. No lugar de umsete” é melhor setenta vezes sete. No AT o numero 77 representava a vingança dos filhos de Caim (Gn 4, 24). Jesus muda os términos e converte o número de vingança em símbolo da reconciliação. Logo Jesus propõe uma parábola que mostra a deficiente atitude dos que estão pendentes de contabilizar a misericórdia, o perdão e a fraternidade.


Jesus fala para Pedro que no exercício da caridade fraterna, especialmente neste caso sobre o perdão mútuo, não existe limites. O Papa Francisco escreveu: “Depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade sozinha e à mercê do mal. Por isso, pensou e quis Maria santa e imaculada no amor (cf. Ef 1, 4), para que Se tornasse a Mãe do Redentor do homem. Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa” (Bula Misericordiae Vultus n.3b).


A misericórdia divina quer que o perdão deva estender-se até onde chegou a dor ou o desejo de vingança. Em outras palavras, o perdão deve ser proporcional à dor que sentimos causada por nosso semelhante, ou o perdão deve chegar ao desejo de vingança que temos contra quem nos fez mal. Quem perdoa e é perdoado hoje, sempre tem possibilidade de voltar a pecar amanha, porque nossa fidelidade a Deus pode não ser definitiva. No entanto, sempre que nos convertermos e voltarmos arrependidos, nós encontraremos um Pai bondoso e misericordioso para nos acolher e perdoar. A simples consciência da imensidade do perdão recebido de Deus deveria ser suficiente para motivar cada um de nós a perdoar. Ao contrário, a insensibilidade em relação ao dom recebido de Deus torna impossível a concessão de perdão ao próximo.


Perdão e perdão mútuo são uma atitude fundamental para qualquer cristão. Trata-se de uma atitude pela qual o cristão se torna semelhante a Deus que “faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45). Ao perdoar sempre que o irmão voltar para pedir o perdão o cristão se torna realmente o filho de Deus. Perdoar é uma atitude que nos leva à comunhão com Deus e com nosso irmãos. Nessa comunhão o limite de perdão é excluído. Consequentemente, onde não existe esta comunhão, isto é, a união de vida, também não pode haver perdão, ou seja, o mútuo perdão se torna difícil.


Ao imitar o Deus misericordioso que não se cansa de nos perdoar, percebemos que perdoar não é somente dever moral, e sim o eco da consciência de ter sido perdoado por Deus. Assim chega a ser uma espécie de virtude teologal que prolonga o perdão dado por Deus a mim (cf. Cl 3,13; Mt 6,14-15; 2Cor 5,18-20). Em outras palavras, o cristão deve ser um homem de perdão permanente. Tanto perdoar quanto ser perdoado sempre causa uma alegria. Saber perdoar é também uma das fontes de alegria. Não é por acaso que o Papa Frnacisco nos escreveu: “O perdão das ofensas torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir. Tantas vezes, como parece difícil perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz” (Bula Misericordiae Vultus n.9c).


O perdão refaz as pontes, encurta as distâncias e desarma os espíritos. Quando a pessoa não perdoar, ela se torna refém do próprio ódio ou rancor, e conseqüentemente perde a liberdade e perturba a convivência. O perdão é que possibilita a própria existência e a continuação da comunidade ou de uma convivência. Sem perdão não existe vida fraterna, vida conjugal, vida familiar, vida religiosa ou vida comunitária e social.


Hoje o mundo enfrenta um ambiente de intolerância, violência e desrespeito aos direitos humanos. Esta cadeia se faz interminável porque os agredidos buscam vingança por sua própria mão e fazem crescer a espiral de violência. É igual aos filhos de Caim: se um fosse agredido, a vingança seria sete vezes. Somos seguidores de Cristo e por isso, nossa atitude não é a dos filhos de Caim que assassinou o próprio irmão, Abel. Nossa atitude é a de Jesus Cristo que morreu perdoando: “Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”, rezou Jesus da cruz pelos seus inimigos (Lc 23,34). Para perdoar o cristão tem que ser forte espiritualmente. Não perdoar é a manifestação de nossa fraqueza espiritual. Não podemos transformar nossa fraqueza espiritual em uma morte lenta de nossa vida como filhos e filhas de Deus.


Não saber perdoar para qualquer seguidor de Cristo é um comportamento cínico e é o fruto de uma atitude interior na qual o egoísmo, o próprio interesse ocupa de tal forma o posto reservado ao amor limpo, ao gozo pela felicidade dos demais, à alegria de sentir-se instrumento de paz e concórdia que não deixam a luz do Espírito divino e a luz da sensatez humana penetrar no nosso coração e inundar nossa vida de cristãos.


O perdão é uma categoria fundamental e radical no Evangelho e é proposto por Jesus, para a comunidade, como um elemento constitutivo da qualidade das relações. Perdoando o passado doloroso se constrói um futuro cheio de esperança. Trata-se de uma atitude positiva e otimista. O mal não tem a ultima palavra porque o homem e a mulher podem mudar.


A tradição bíblica apresenta um Deus que ama um povo apaixonadamente. Ele ama o povo não por sua grandeza cultural nem por mérito, e sim porque Deus o ama loucamente. Não existe outra razão. “O amor apaixonado de Deus pelo seu povo — pelo homem — é ao mesmo tempo um amor que perdoa. E é tão grande, que chega a virar Deus contra Si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão vê já esboçar-se veladamente o mistério da Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-Se feito Ele próprio homem, segue-o até à morte e, deste modo, reconcilia justiça e amor”, escreveu o Papa Bento XVI (Carta Encíclica: Deus Caritas Est, no.10).


Deus que ama e perdoa se encarna em Jesus. Da cruz Jesus faz um testamento sobre o perdão ao perdoar aqueles que o crucificaram: “Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Nós somos convidados a atuar nesta direção de gratuidade. Se nossa relação com o próximo é vivida sob o sinal da maldade, não há razão para que nossa própria relação com Deus se viva de outra maneira. Para amar verdadeiramente, temos que aprender a perdoar a exemplo de Jesus Cristo.


O versículo final da parábola (Mt 18,35) considera o amor fraterno como uma condição para obter o perdão de Deus. O amor dispõe ao homem para o perdão. O perdão fraterno significa submeter-se completamente à ação misericordiosa de Deus. Neste sentido, perdoar o próximo é sinal da plenitude da eficácia do perdão de Deus recebido. O perdão dado é o perdão recebido.


O perdão é um ato de doação, tanto para aquele que o recebe como para aquele que o brinda. Ambos se enriquecem com o benefício da paz; ambos se libertam do cárcere que os aprisiona. Por isso, o perdão é seguir avançando; é amparo e encontro. O perdão revela a graça. O ato de perdoar é um ato da misericórdia de Deus que apaga os pecados (Am 7; Ex 32,12.14; Jr 26,19; Ez 36,29.33). No NT, reconciliação e perdão somente se entendem a partir da cruz, do amor entregue e do sangue derramado pelo perdão dos pecados (Mc 10,45; Hb 9,22; Rm 8,32; Mt 26,28...).


Deixemos hoje as seguintes interrogações que podem complementar a interrogação de Pedro: Quantas vezes eu tenho que perdoar? O que tenho que perdoar? Quantas vezes os outros devem me perdoar? O que devem me perdoar?


A vida nos oferece diversas ocasiões para exercermos o mistério do perdão entre nós: na família, no trabalho, nas relações pessoais e assim por diante. Cada sinal de perdão comunica também a graça de Deus que atravessa todas as nossas ações. A reconciliação nos devolve a verdadeira liberdade e a responsabilidade que nos permite acolhermos e praticarmos novamente o bem, suscitá-lo ou restaurá-lo dentro de nós e ao nosso redor. Ao cultivarmos a dimensão do perdão e da reconciliação entre nós temos a esperança de construir um mundo novo sem violência. O fraco jamais perdoa, o perdão é característica do forte” (Mahatma Gandhi). Quaresma é o tempo para se reconciliar e para o mútuo perdão para podermos experimentar, por antecipação, a vitória da ressurreição sobre a morte e sobre o que é mortal em nós. A palavra “perdão” provém do latim “per”: intensificação e “donare”: doar, dar. Assim o perdão é um ato de doação, tanto para aquele que o recebe como para aquele que o brinda.


P. Vitus Gustama,svd

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