08/02/2016
TOCAR
E DEIXAR-SE TOCAR POR JESUS
Segunda-Feira Da V Semana Do Tempo
Comum
Primeira Leitura:
Naqueles dias, 1 Salomão
convocou para junto de si, em Jerusalém, todos os anciãos de Israel, todos os
chefes das tribos e príncipes das famílias dos filhos de Israel, a fim de
transferir da cidade de Sião, que é Jerusalém, a arca da aliança do Senhor. 2 Todo
o Israel reuniu-se em torno de Salomão, no mês de Etanim, ou seja, no sétimo
mês, durante a festa. 3 Vieram todos os anciãos de Israel, e os sacerdotes
tomaram a arca 4 e carregaram-na junto com a tenda da reunião, como também
todos os objetos sagrados que nela estavam; quem os carregava eram os
sacerdotes e os levitas. 5 O rei Salomão e toda a Comunidade de Israel, reunida
em torno dele, imolavam diante da arca ovelhas e bois em tal quantidade, que
não se podia contar nem calcular. 6 E os sacerdotes conduziram a arca da
aliança do Senhor ao seu lugar, no santuário do templo, ao Santo dos Santos,
debaixo das asas dos querubins, 7 pois os querubins estendiam suas asas sobre o
lugar da arca, cobrindo a arca e seus varais por cima. 9 Dentro da arca só
havia as duas tábuas de pedra, que Moisés ali tinha deposto no monte Horeb,
quando o Senhor concluiu a aliança com os filhos de Israel, logo que saíram da
terra do Egito. 10 Ora, quando os sacerdotes deixaram o santuário, uma nuvem
encheu o templo do Senhor, 11 de modo que os sacerdotes não puderam continuar
as funções porque a glória do Senhor tinha enchido o templo do Senhor. 12 Então
Salomão disse: “O Senhor disse que habitaria numa nuvem, 13 e eu edifiquei uma
casa para tua morada, um templo onde vivas para sempre”.
Evangelho: Mc 6, 53-56
Naquele tempo, 53tendo
Jesus e seus discípulos acabado de atravessar o mar da Galileia, chegaram a
Genesaré e amarraram a barca. 54Logo
que desceram da barca, as pessoas imediatamente reconheceram Jesus. 55Percorrendo toda aquela região, levavam os
doentes deitados em suas camas para o lugar onde ouviam falar que Jesus estava.
56E, nos povoados, cidades e
campos onde chegavam, colocavam os doentes nas praças e pediam-lhe para tocar,
ao menos, a barra de sua veste. E todos quantos o tocavam ficavam salvos.
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O texto do evangelho de hoje pode ser
qualificado na categoria de “sumário” ou síntese que o evangelista Marcos faz,
de vez em quando, para resumir um período de atividade de Jesus e para unir as
distintas partes de seu relato. Nesse sumário Jesus não toma nenhuma iniciativa
nem se põe, como tantas outras vezes, a ensinar (cf. Mc 6,34). As pessoas se
aproximam de Jesus para ser tocadas e curadas por Ele: “Nos povoados, cidades
e campos onde chegavam, colocavam os doentes nas praças e pediam-lhe para
tocar, ao menos, a barra de sua veste. E todos quantos o tocavam ficavam
salvos”.
O povo vê em Jesus a última esperança. Como a última esperança o povo não mede
esforço para levar os doentes para que Jesus toque neles. A fé profunda desse
povo simples é recompensada pela cura dos seus doentes.
Marcos nos relatou que Jesus visitou a região
de Genesaré. “Genesaré” é figura da periferia do judaísmo, à margem da
instituição judaica. Em outras palavras, é o lugar dos pagãos e por isso, os
seus habitantes são impuros segundo a religião oficial. Mas Jesus Cristo, Filho
de Deus, entra em qualquer núcleo da população por pequeno que seja ou por
impuros que pareçam ser seus habitantes, pois Jesus é “Deus que visitou seu
povo” (Lc 1,68; 7,16). E esse Deus visita Seu povo porque ouviu o clamor do
povo que está em necessidade de ajuda (cf. Ex 3,7-10). Na região de Genesaré
não se encontram os endemoninhados, isto é, fanatismos destruidores.
Encontra-se o mal (Mc 1,32;2,17): os enfermos que vivem excluídos pela
sociedade legalista que espiritualmente mata todos os que padecem algum tipo de
mal físico.
Anteriormente Jesus fez o milagre da
multiplicação dos pães. E esse milagre
despertou o entusiasmo popular. Jesus e seus discípulos querem sair desse
entusiasmo e vão para algum lugar para descansar. Mas Jesus e seus discípulos
não têm como escapar das multidões que estão em necessidade. Jesus acaba
atendendo essas pessoas e deixa o descanso para mais tarde. Este gesto se chama
a disponibilidade baseada na misericórdia e compaixão. A misericórdia e a
compaixão são sinônimas da partilha íntima da dor dos que sofrem, dos
desprezados, dos marginalizados ou dos excluídos. Por isso, a misericórdia cura
e liberta. A verdadeira misericórdia obriga ou força à ação. O verdadeiro amor
atormenta quem tem compaixão pela dor alheia. Deus tem tanto amor pela
humanidade. Deus se compadece pela humanidade. O preço da misericórdia divina é
infinito: a encarnação de Deus em Jesus Cristo e sua morte salvadora na cruz.
“... levavam
os doentes deitados em suas camas para o lugar onde ouviam falar que Jesus
estava”,
assim relatou o evangelista Marcos.
A enfermidade e os sofrimentos acompanham a
vida do homem permanentemente e o situa numa terrível insegurança e medo da
perda vida. Tudo isso simboliza a fragilidade da condição humana submetida aos
riscos inesperados e imprevisíveis. A vida humana na história é precária e a
precariedade termina, inevitavelmente, na morte física. A enfermidade contradiz
o desejo de absoluto e de solidez que todos nós temos. Por isso é que a
enfermidade guarda sempre uma significação religiosa mesmo para o homem
moderno.
Em nossos dias a cura das enfermidades
corresponde à ciência médica. Mas os antigos, em todas as civilizações do
mundo, deram à enfermidade e à cura um significado religioso. As pessoas
enfermas recorreram a Deus para ser curadas. Hoje em dia a primeira reação de
quem se encontra enfermo é procurar remédio ou ir ao encontro do médico. Mas se
refletirmos profundamente nós perceberemos que o homem com a inteligência que
Deus lhe deu, e que combate o mal através de ajuda, de remédios capazes de curar
etc. continua sendo um dom de Deus. A vocação de ser médico e enfermeiro é
maravilhosa ao serviço da humanidade. Deus quer cuidar dos enfermos através de
seus filhos médicos e enfermeiros e agentes de saúde.
“Todos
quantos tocavam Jesus, ficavam salvos”. Esta frase tem um peso teológico. “Salvar” é
ato próprio de Deus em relação ao homem. Por isso, esta frase vai muito além de
uma simples cura. Toda proximidade de Jesus possibilita a passagem do homem
para a nova condição de vida. Trata-se de uma total restauração do homem que se
aproxima de Jesus com fé. A fé é simples: as pessoas querem tocar Jesus para
ficar curadas de seus males. As pessoas dos contornos levavam os enfermos para
Jesus para que pudessem tocar, ao menos, a barra de sua veste. As pessoas, na sua simplicidade, acreditavam
que somente o contato direto com Jesus é que se sentiam afetadas pelo poder de
Jesus. Dessa maneira ficavam curadas.
Com estas curas o evangelista Marcos quer nos
mostrar o efeito mais notável do anúncio do Reino de Deus: a Graça. A graça de
Deus nos devolve a alegria de viver, pois em Deus encontramos o sentido de
nossa vida, inclusive de nossas dores e enfermidade e nos dá esperança de estar
em comunhão plena com Deus um dia. No seu ato de libertação Jesus nos apresenta
o plano maravilhoso de seu Pai: o amor gratuito de Deus Pai para com o ser humano.
Este amor gratuito não pode ser comprado nem exigido nem é resposta aos méritos
que alguém crê ter acumulado. Diante da graça anunciada e vivenciada por Jesus,
o sistema religioso de seu tempo, que se baseava na acumulação de méritos,
entra em crise. Os pobres, os marginalizados e excluídos, por outro lado, são
os maiores beneficiados pela proposta revolucionária de Jesus, pois são mais
disponíveis e abertos diante da graça de Deus.
O amor gratuito, que Deus nos tem, desperta
nossa consciência de que vivemos num mundo de gratuidade que nos faz vivermos
agradecidos e gratos permanentemente ou nos faz vivermos uma vida eucarística.
E essa consciência nos leva a ajudarmos gratuitamente os que se encontram
“enfermos” nesta vida. Da experiência cotidiana percebemos que os que ajudam
mais os outros, sem esperar nada de troca, são mais felizes do que os demais. “Quando perguntamos pela bondade
de um homem, não perguntamos por suas crenças ou esperanças, mas por seus
amores” (Santo Agostinho: De fide, spe et char. 31).
“Todos
quantos tocavam Jesus, ficavam salvos”. Nós, cristãos, temos que aprender a
“tocar” Jesus, a não perder nenhuma maneira o contato direto com Jesus, porque
Ele é a fonte do que somos e daquilo que dá sentido à nossa vida. Somente
tocando Jesus, encontraremos a força para seguir adiante nesta vida e para
segui-Lo pelos caminhos da vida.
Há, pelo menos, dois caminhos para nos
encontrarmos com Jesus e tocá-Lo. Um é através da Eucaristia e da leitura e da
escuta da Palavra de Deus. Em cada Palavra proclamada e meditada há sempre
alguma palavra para minha vida se eu estiver aberto diante dela. Há sempre uma
palavra que toca minha vida ou minha maneira de viver. Na Eucaristia a Palavra
de Deus se faz alimento para minha peregrinação nesta terra rumo à casa do Pai,
nosso lar definitivo.
Outra maneira tocar Jesus é nos aproximarmos
dos nossos irmãos e irmãs, especialmente dos mais pobres e desamparados, dos
que sofrem, dos necessitados, dos abandonados e assim por diante. Eles são,
hoje, sacramentos viventes da presença de Jesus no meio de nós (Mt 25,40.45). O
contato físico, real, diário, com eles nos fará experimentar, sem dúvida
nenhuma, a humanidade viva e real de Jesus que nos cura de nossas enfermidades.
Os doentes, os sofredores, os excluídos, os necessitados são carne viva de
Jesus que necessita de nossa aproximação para aliviar ou erradicar esse mal da
vida de nossos irmãos. “As necessidades de um ser humano são sagradas. Sua satisfação não pode
estar subordinada a razões de estado, ou por qualquer consideração de dinheiro,
nacionalidade, raça ou cor, ou quanto a moral ou qualquer outro valor atribuído
ao ser humano em questão, ou a qualquer outro tipo de consideração” (Simone Weil).
“... levavam
os doentes deitados em suas camas para o lugar onde ouviam falar que Jesus
estava”.
Para onde os nossos doentes tem que ser levados se nossos hospitais não estão
funcionando, se os hospitais estão sem recursos financeiros e humanos? Será que
é proibido ficar doente? Dizia o sábio chinês, Confúcio: "Num país bem governado, a pobreza é algo que causa vergonha; num país
mal governado, a riqueza é algo que deve causar vergonha. Se pudesse resumir em
uma frase todos os meus ensinamentos eu diria: Nunca deixe o mal dominar seus
pensamentos”.
O Senhor nos recebe em sua Casa e nos
alimenta com sua Palavra e Seu Pão eucarístico. Jesus, o Pão da Vida é partido
e repartido nos nossos altares e comungamos esse Pão partido e repartido para
que sejamos também pão partido para os irmãos necessitados. Mas ele nos envia para
que demos testemunho de nossa fé, alimentando os demais com nosso amor gratuito
para que eles possam voltar a viver com mais vigor como filhos e filhas amados
do Pai. Procuremos o Senhor não para conseguir milagres e sim para oferecer
nosso amor, nosso serviço, nossa devoção para que Ele possa nos usar como Seus instrumentos
a fim de ajudar os necessitados em todos sentidos. Precisamos nos tornar arcas
para levar o amor de Deus para os
outros. Que assim seja!
P. Vitus Gustama,svd
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