09/02/2015
TOCAR E DEIXAR-SE TOCAR
POR JESUS
Segunda-Feira Da V Semana Do Tempo Comum
Evangelho: Mc 6, 53-56
Naquele tempo, 53tendo Jesus e seus discípulos acabado de
atravessar o mar da Galileia, chegaram a Genesaré e amarraram a barca. 54Logo que desceram da barca, as pessoas
imediatamente reconheceram Jesus. 55Percorrendo
toda aquela região, levavam os doentes deitados em suas camas para o lugar onde
ouviam falar que Jesus estava. 56E,
nos povoados, cidades e campos onde chegavam, colocavam os doentes nas praças e
pediam-lhe para tocar, ao menos, a barra de sua veste. E todos quantos o tocavam
ficavam salvos.
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O texto do evangelho de hoje pode
ser qualificado na categoria de “sumário” ou síntese que o evangelista Marcos
faz, de vez em quando, para resumir um período de atividade de Jesus e para
unir as distintas partes de seu relato. Nesse sumário Jesus não toma nenhuma
iniciativa nem se põe, como tantas outras vezes, a ensinar (cf. Mc 6,34). As
pessoas se aproximam de Jesus para ser tocadas e curadas por Ele: “Nos povoados, cidades e
campos onde chegavam, colocavam os doentes nas praças e pediam-lhe para tocar,
ao menos, a barra de sua veste. E todos quantos o tocavam ficavam salvos”. O povo vê em Jesus a última
esperança. Como a última esperança o povo não mede esforço para levar os
doentes para que Jesus toque neles. A fé profunda desse povo simples é
recompensada pela cura dos seus doentes.
Marcos nos relatou que Jesus visitou
a região de Genesaré. “Genesaré” é figura da periferia do judaísmo, à margem da
instituição judaica. Em outras palavras, é o lugar dos pagãos e por isso, os
seus habitantes são impuros segundo a religião oficial. Mas Jesus Cristo, Filho
de Deus, entra em qualquer núcleo da população por pequeno que seja ou por
impuros que pareçam ser seus habitantes, pois Jesus é “Deus que visitou seu
povo” (Lc 1,68; 7,16). E esse Deus visita Seu povo porque ouviu o clamor do
povo que está em necessidade de ajuda. Na região de Genesaré não se encontram
os endemoninhados, isto é, fanatismos destruidores. Encontra-se mal (Mc
1,32;2,17): os enfermos que vivem excluídos pela sociedade legalista que
espiritualmente mata todos os que padecem algum tipo de mal físico.
Anteriormente Jesus fez o milagre da
multiplicação dos pães. E esse milagre
despertou o entusiasmo popular. Jesus e seus discípulos querem sair desse
entusiasmo e vão para algum lugar para descansar. Mas Jesus e seus discípulos
não têm como escapar das multidões em necessidade. Jesus acaba atendendo essas
pessoas e deixa o descanso para mais tarde. Este gesto se chama a
disponibilidade baseada na misericórdia e compaixão. A misericórdia e a compaixão
são sinônimas da partilha íntima da dor dos que sofrem, dos desprezados, dos
marginalizados ou dos excluídos. Por isso, a misericórdia cura e liberta. A
verdadeira misericórdia obriga à ação. O preço da misericórdia divina é
infinito: a encarnação de Deus em Jesus Cristo e sua morte salvadora na cruz.
“... levavam os doentes deitados em
suas camas para o lugar onde ouviam falar que Jesus estava”, assim relatou o
evangelista Marcos.
A enfermidade e os sofrimentos
acompanham a vida do homem permanentemente e o situa numa terrível insegurança
e medo da perda vida. Tudo isso simboliza a fragilidade da condição humana
submetida aos riscos inesperados e imprevisíveis. A vida humana na história é
precária e a precariedade termina, inevitavelmente, na morte física. A
enfermidade contradiz o desejo de absoluto e de solidez que todos nós temos.
Por isso é que a enfermidade guarda sempre uma significação religiosa mesmo
para o homem moderno.
Em nossos dias a cura das
enfermidades corresponde à ciência médica. Mas os antigos, em todas as
civilizações do mundo, deram à enfermidade e à cura um significado religioso.
As pessoas enfermas recorreram a Deus para ser curadas. Hoje em dia a primeira
reação de quem se encontra enfermo é procurar remédio ou ir ao encontro do
médico. Mas se refletirmos profundamente nós perceberemos que o homem com a
inteligência que Deus lhe deu, e que combate o mal através de ajuda, de remédios
capazes de curar etc. continua sendo um dom de Deus. A vocação de ser médico e
enfermeiro é maravilhosa ao serviço da humanidade. Deus quer cuidar dos
enfermos através de seus filhos médicos e enfermeiros e agentes de saúde.
“Todos quantos tocavam Jesus,
ficavam salvos”. Esta frase tem um
peso teológico. “Salvar” é ato próprio de Deus em relação ao homem. Por isso, esta
frase vai muito além de uma simples cura. Toda proximidade de Jesus possibilita
a passagem do homem para a nova condição de vida. Trata-se de uma total
restauração do homem que se aproxima de Jesus com fé. A fé é simples: as
pessoas querem tocar Jesus para ficar curadas de seus males. As pessoas dos
contornos levavam os enfermos para Jesus para que pudessem tocar, ao menos, a
barra de sua veste. As pessoas, na sua
simplicidade, acreditavam que somente o contato direto com Jesus é que se
sentiam afetadas pelo poder de Jesus. Dessa maneira ficavam curadas.
Com estas curas o evangelista Marcos
quer nos mostrar o efeito mais notável do anúncio do Reino de Deus: a Graça. A
graça de Deus nos devolve a alegria de viver, pois em Deus encontramos o
sentido de nossa vida, inclusive de nossas dores e enfermidade e nos dá
esperança de estar em comunhão plena com Deus um dia. No seu ato de libertação
Jesus nos apresenta o plano maravilhoso de seu Pai: o amor gratuito de Deus Pai
para com o ser humano. Este amor gratuito não pode ser comprado nem exigido nem
é resposta aos méritos que alguém crê ter acumulado. Diante da graça anunciada
e vivenciada por Jesus, o sistema religioso de seu tempo, que se baseava na
acumulação de méritos, entra em crise. Os pobres, os marginalizados e
excluídos, por outro lado, são os maiores beneficiados pela proposta
revolucionária de Jesus, pois são mais disponíveis e abertos diante da graça de
Deus.
O amor gratuito, que Deus nos tem,
desperta nossa consciência de que vivemos num mundo de gratuidade que nos faz
vivermos agradecidos e gratos permanentemente ou nos faz vivermos uma vida
eucarística. E essa consciência nos leva a ajudarmos gratuitamente os que se
encontram “enfermos” nesta vida. Da experiência cotidiana percebemos que os que
ajudam mais os outros, sem esperar nada de troca, são mais felizes do que os
demais. “Quando perguntamos pela bondade de um homem, não perguntamos por
suas crenças ou esperanças, mas por seus amores” (Santo Agostinho: De
fide, spe et char. 31).
“Todos quantos tocavam Jesus,
ficavam salvos”. Nós, cristãos, temos que aprender a “tocar” Jesus, a não
perder nenhuma maneira o contato direto com Jesus, porque Ele é a fonte do que
somos e daquilo que dá sentido à nossa vida. Somente tocando Jesus,
encontraremos a força para seguir adiante nesta vida e para segui-Lo pelos
caminhos da vida.
Há, pelo menos, dois caminhos para
nos encontrarmos com Jesus e tocá-Lo. Um é através da Eucaristia e da leitura e
da escuta da Palavra de Deus. Em cada Palavra proclamada e meditada há sempre
alguma palavra para minha vida se eu estiver aberto diante dela. Há sempre uma
palavra que toca minha vida ou minha maneira de viver. Na Eucaristia a Palavra
de Deus se faz alimento para minha peregrinação nesta terra rumo à casa do Pai,
nosso lar definitivo. Outra maneira é
nos aproximarmos dos nossos irmãos e irmãs, especialmente dos mais pobres e
desamparados, dos que sofrem. Eles são, hoje, sacramentos viventes da presença
de Jesus no meio de nós (Mt 25,40.45). O contato físico, real, diário, com eles
nos fará experimentar, sem dúvida nenhuma, a humanidade viva e real de Jesus
que nos cura de nossas enfermidades.
O Senhor nos recebe em sua Casa e nos
alimenta com sua Palavra e Seu Pão eucarístico. Mas ele nos envia para que
demos testemunho de nossa fé, alimentando os demais com nosso amor gratuito
para que eles possam voltar a viver com mais vigor como filhos e filhas amados
do Pai.
P. Vitus Gustama,svd
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