ESCUTAR ATENTAMENTE
PARA VIVER SABIAMENTE
Sexta-Feira
Da V Semana Do Tempo Comum
Evangelho: Mc 7,31-37
Naquele tempo, 31Jesus saiu de novo da região de Tiro,
passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da
Decápole. 32Trouxeram então um
homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a
mão. 33Jesus afastou-se com o
homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos,
cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. 34Olhando
para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” 35Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua
língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. 36Jesus recomendou com
insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais
eles divulgavam. 37Muito
impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz
ouvir e aos mudos falar”.
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Viagem missionária de Jesus por
terra “pagã” continua: Tiro, Sidônia, Decápole. Tem como personagem central do
relato de hoje é um homem surdo que fala com dificuldade.
Na tradição profética, a surdez e a
cegueira são figuras da resistência à mensagem de Deus (Is 6,9; 42,18; Jr
20-23; Ez 12,2). Paralelamente, no evangelho, são figura da incompreensão e da
resistência à mensagem de Jesus.
No processo da cura do surdo-mudo,
Jesus abre primeiro os ouvidos do homem, depois desata sua língua. Com isso,
Jesus coloca o homem em situação de escutar primeiro para depois falar. “Escutar é um raro acontecimento
entre seres humanos. Você não pode ouvir a palavra sendo dita por alguém que
esteja falando, se estiver preocupado com a sua aparência, em impressionar o
outro ou tentando resolver o que vai dizer quando o outro parar de falar, ou
mesmo questionando se o que está sendo dito é verdade, relevante ou agradável. Essas
questões têm o seu lugar, mas só depois de escutar a palavra como está sendo
expressa. Escutar é
um ato primitivo de amor, em que a pessoa se dá à palavra de outro, tornando-se
acessível e vulnerável àquela palavra” (William Stringfellow. Ele trabalhava entre pobres afro-americanos e hispânicos em Nova
York).
Todos nós sabemos que a capacidade
de falar depende também da capacidade que o homem tem para escutar. Por isso,
as crianças, antes de começar a falar, antes de poder falar, necessitam
desenvolver sua capacidade auditiva. Falar significa abrir o próprio interior,
colocar-se ao lado de alguém de igual a igual. Escutar é estar em sintonia com
o outro para entender sua mensagem. Escutar supõe a existência de silêncio. Se
você nunca pode calar-se, pergunte-se o que é que você quer esconder? Uma
conversa sem silêncios é desperdício de monólogos sem destinatários. “Para o sábio é difícil falar de
sua sabedoria e para o tolo é difícil calar suas tolices” (René Juan
Trossero).
Um cristão ou qualquer pessoa de boa
vontade precisa aprender a escutar, a falar e a calar a seu tempo, levando a
sério a verdade e a caridade fraterna. Quando buscarmos a verdade e levarmos em
consideração a caridade fraterna, falaremos e escutaremos com responsabilidade,
isto é, saber escutar quando há que escutar; saber calar quando há que calar e
saber falar quando, como e o que há que falar. Para isso, precisamos manter
nossos ouvidos e coração abertos à Palavra de Deus, pois a Palavra de Deus tem
o único objetivo: salvar a humanidade. Muitas tragédias na Bíblia eram frutos
da falta da escuta da Palavra de Deus. “O pior cego é aquele que não sabe escutar!” (Cacau
Braga).
Pode ser que não sejamos surdos
fisicamente. Mas hoje em dia ficamos cada vez mais duros de ouvido porque todos
nós temos que filtrar o que ouvimos a fim de não sentirmos oprimidos,
irritados, desorientados pela superabundância de informações, de barulhos e de
conversas que entram em nossa vida com uma velocidade impressionante. E os
nossos ouvidos continuam a ficar abertos em tempo integral. Cada dia uma
quantidade enorme de notícias e de barulhos entra na nossa vida, mas sem a qual
não poderíamos nos posicionar bem nesta vida. Podemos ficar tristes ou alegres,
animados ou desanimados por aquilo que ouvimos e pelo modo como ouvimos e pela
maneira que interpretamos sobre o que ouvimos e os acontecimentos. O que
precisamos manter é a capacidade de sintetizar todas as informações para
construir nossa própria vida e nossa convivência. Tudo o que ouvimos, para
poder compreendê-lo temos que organizá-lo em um determinado horizonte, o qual é
distinto de pessoa a pessoa. Tal horizonte se produz a partir de decisões
vitais para nossa vida: o que preciso ouvir e o que eu preciso evitar de ouvir.
Aquilo que eu ouço é capaz de me dar um bom descanso ou de tirar meu bom sono.
É preciso termos uma audição seletiva para todas as informações para não
formarmos nossa personalidade erradamente. Sem a audição seletiva um dia as
coisas, que não deveriam entrar, acabarão dando comando para nossa vida.
Conseqüentemente, as portas que deveriam ficar fechadas, estarão abertas e as
que deveriam estar abertas, ficarão fechadas. Em outras palavras, perderemos
totalmente o controle sobre nossa vida por falta desta audição seletiva. Um
veículo sem bom controle de seu piloto tem grandes possibilidades ou
probabilidades de ter acidente.
O personagem central da cena do
evangelho de hoje é um surdo-mudo. O homem foi criado para se comunicar. Por
isso, mudez e surdez são dois empecilhos para a comunicação fluente. Esta era a
situação do homem que foi apresentado para Jesus.
Boca e ouvido têm um rico simbolismo
na Bíblia. O ser humano precisa da boca para cantar os louvores de Deus e
proclamar Suas maravilhas e narrar às gerações futuras a misericórdia de Deus.
Através dos ouvidos o homem é instruído nos caminhos de sabedoria. Mas a língua
pode levar o homem a perder-se. Daí o provérbio: “Falar com sabedoria é prata,
ouvir com amor é ouro”.
Para o evangelista Marcos esse homem
representa aqueles que vivem fechados no seu mundo sem partilha, sem diálogo. O
surdo-mudo representa aqueles que não se preocupam em comunicar, em partilhar a
vida, em dialogar, em deixar-se interpelar pelos outros. O surdo-mudo
representa aqueles que vivem instalados, no seu egoísmo, nas suas certezas e
nos seus preconceitos, convencidos de que é dono absoluto da verdade. Uma
pessoa que está cheia de si paradoxalmente é uma pessoa vazia.
“Abre-te”, diz Jesus ao surdo-mudo.
E ele saiu de seu isolamento e de seu silêncio mortal. Este “abre-te” é também
dirigido a cada um de nós. A ordem
“abre-te” existe porque há dentro de nós algo fechado. O que é que está muito
fechado em você que o impede de se comunicar com os demais e com o mundo? Abra
seu coração a quem lhe oferece a amizade. Abra-se aos que necessitam de seu
carinho. Abra seus ouvidos e mova sua língua para aqueles que necessitam de
suas palavras de consolo e de conforto. Quem tem ouvidos novos e os lábios
libertados do mal tem também os olhos abertos para os demais, a mão estendida
para os necessitados e o coração limpo para testemunhar o verdadeiro amor. Quem
faz o bem não faz barulho. Como dizia o Papa Pio XI: “O bem não faz barulho e o barulho não faz bem”.
“Abre-te!”, diz Jesus a cada um de nós. Cada
um precisa se perguntar: “O que é que está fechado em mim que necessita do
toque de Jesus para eu poder ser libertado?”.
A comunidade cristã entendeu o valor
sacramental do ensinamento de Jesus encontrado no texto do Evangelho de hoje
(Mc 7,33-35), e realiza sobre os candidatos para o batismo, sobre os catecúmenos
na Iniciação Cristã, o gesto de Jesus. Quem preside o Batismo ou a Iniciação cristã
toca os ouvidos do candidato para que possa acolher a Palavra de Deus e a boca
para professar a fé: “O Senhor Jesus, que fez os surdos ouvir e os mudos falar,
te conceda que possas logo ouvir sua Palavra e professar a fé para louvor e
glória de Deus”.
P. Vitus Gustama,svd
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