quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Domingo,01/03/2015
TRANSFIGURAÇÃO:
VIVER UMA VIDA TRANSFIGURADA ESCUTANDO JESUS CRISTO, PALAVRA DO PAI


II DOMINGO DA QUARESMA ANO “B”


Textos: Gn 22,1-2.9-15; Rm 8,31-34; Mc 9,2-8

Evangelho: Mc 9,2-10


Naquele tempo, 2Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. 3Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. 4Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. 5Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 6Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. 7Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” 8E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. 9Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”.

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O texto do Evangelho deste Domingo pertence à segunda parte do Evangelho de Marcos que fala do mistério do Filho do Homem: revelação do sofrimento de Jesus. Esta segunda parte é formada por três grandes seções:


1). O Caminho do Filho do Homem (8,31-10,52) na qual Mc enfatiza claramente sua Teologia da Cruz. Fala-se nesta parte três anúncios da paixão de Jesus que sempre termina com o anúncio da ressurreição. Para Marcos imitar Jesus significa seguir seu caminho. A expressão “no caminho” ocorre como refrão nesta seção. Jesus e seus discípulos estão “no caminho” (cf. Mc 8,27), e no fim, quando estão perto de Jerusalém, Bartimeu, depois que voltou a enxergar, segue a Jesus “no caminho” (10,52). “No caminho” os discípulos discutem sobre quem será maior (9,33-34). Jesus continua a “retomar seu caminho” (Mc 10,17) e conduz seus discípulos “no caminho” rumo a Jerusalém (Mc 10,52).


2). Na segunda seção Jesus se encontra em Jerusalém (Mc 11,1-13,37). Nesta seção falam-se das discussões mais ou menos polêmicas entre Jesus e os círculos dirigentes de Jerusalém: sumos sacerdotes, escribas, fariseus herodianos, saduceus. Nesta seção Mc quer antecipar as motivações da condenação de Jesus. Esta seção termina com o discurso escatológico (Mc 13,1-37).


3). A terceira seção fala da paixão e ressurreição de Jesus (Mc 14,1-16,8).                                         

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O texto do evangelho lido e proclamado neste dia fala da transfiguração de Jesus. Os sinóticos (Mt 17,1-13; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36) e 2Pd 1,17-18 relatam a cena da transfiguração para enfatizar sua importância na vida de Jesus.  A transfiguração é uma antecipação da ressurreição do Senhor Jesus que intenta levantar o ânimo dos discípulos, ratificando que o destino final não é a morte e sim a ressurreição. Por isso, em cada anúncio de sua Paixão (três anúncios), Jesus acrescenta esta frase: “... depois de três dias (o Filho do Homem) deve ressuscitar” (Mc 8,31; 9,31; 10,34). Por isso, um dos temas fundamentais que toma novo rumo no relato da transfiguração é o tema da morte e ressurreição. A morte deixa de ser o fim irremediável para o homem e a sombra do horror para começar a ser entendida como o transladar-se para onde Deus está, isto é, na plenitude. Por isso, desde então, a morte está intimamente ligada ao triunfo, e não pode ser entendida sem a luz da ressurreição.


1. Transfiguração Numa Montanha


A transfiguração acontece em uma alta montanha. A “montanha alta” simboliza o lugar de encontro do céu e da terra, lugar privilegiado para a revelação de Deus e a oração dos homens, recorda igualmente a revelação de Deus no Sinai (cf. Ex 19-20). A montanha, por ser um ponto elevado sobre a parte plana da terra, sempre foi considerada em todas as antigas religiões como um símbolo da “subida” do homem até Deus e como o sinal da manifestação ou epifania de Deus. Deus se manifesta no alto e o homem deve subir até Deus, abandonando uma vida medíocre, pois Deus está acima de nossos esquemas de viver.


Por isso, para o homem, subir a montanha significa superar-se a si mesmo, transcender-se, elevar-se um pouco mais além da rotina. Neste sentido, os textos bíblicos de hoje são um convite para a transcendência humana; transcendência que não será conseguida sem atravessar um caminho sinuoso, longo e escuro. No contexto da primeira leitura (Gn 22,1-18), a fé é subir até o pico mais alto da montanha de Deus para fazer ali o holocausto total de nós mesmos. A fé é o caminho da renúncia e da morte de nós mesmos para que Deus possa se manifestar através de nós. Somente com a morte de nós mesmos é que Deus pode anunciar e prometer uma vida nova para nós. Subir até Deus é morrer de nossos projetos pessoais, de tantos planos, esquemas e cálculos puramente humanos e pessoais para dar o lugar para os projetos de Deus. Certamente, nesta morte, Deus manifesta sua glória salvadora e sua eterna misericórdia.


Frases ou palavras como “o monte”, “os seis dias”, “os três acompanhantes”, “o esplendor”, “a visão” e “nuvem” recordam a Ex 24,9-18 (Moisés é chamado por Deus para subir a uma montanha). A expressão “depois de seis dias” equivale ao “sétimo dia”, isto é, um tempo de plenitude. Isto quer dizer que a transfiguração se converte em um momento de plenitude esperançadora no caminho para a dolorosa Jerusalém.


2. É Preciso Escutar Jesus Para Ser Salvo


Nessa transfiguração estão presentes Elias e Moisés. A presença de Moisés e de Elias, genuínos representantes da Lei e dos profetas (= AT) põe de manifesto que para o evangelista Mc, em Jesus se dá cumprimento total à lei e a profecia. Para Mc Jesus é o definitivo libertador de todo homem e mulher que assimilando sua causa, se deixa conduzir por ele para viver a plena liberdade de filhos de Deus (embora, muitas vezes, não saibamos lidar com nossa própria liberdade). 


Pedro, Tiago e João são testemunhas de alguns dos fatos mais importantes da vida de Jesus: a “ressurreição” da filha de Jairo (Mc 5,37), a transfiguração, a oração em Getsêmani (Mc 14,33). Os três apóstolos representam a Igreja, o novo Povo de Deus, o Povo que é interlocutor de Deus de Deus, que está em diálogo com Ele, que O escuta. Neles se expressa que a Igreja recebe do Pai, através dos apóstolos, a afirmação central da fé: o homem Jesus de Nazaré é o Filho de Deus. 


Um dos três apóstolos que é Pedro se extasia diante da luz da transfiguração. Ele sente como se estivesse no céu. Por isso, Pedro quer permanecer alí indefinidamente. Para isso, ele propõe a Jesus construir três tendas. É uma boa solução para seguir a Jesus sem ter que trilhar o difícil caminho para Jerusalém. Mas o evangelista Marcos comenta: “Pedro não sabia o que dizer”.


O relato é interrompido pela aparição de uma nuvem com uma voz que interpreta a transfiguração de Jesus e responde à reação de Pedro. A “nuvem” é sinal da presença de Deus (cf. Ex 40,35). A nuvem cobre com sua sombra Jesus e seus discípulos. E Deus fala da nuvem aos discípulos (cf. Ex 24,16), proclamando Jesus como seu Filho amado e convida os discípulos para que O escutem: “Este é o meu Filho amado, escutai-O!” O momento nos recorda o batismo de Jesus, mas com uma diferença. A voz não é dirigida mais exclusivamente a Jesus como no batismo (Mc 1,11), e sim aos discípulos. Um autêntico cristão é aquele que sabe escutar seu Mestre, Jesus Cristo, mesmo que suas palavras saiam da cruz e do sofrimento. Pedro é convidado pela Voz divina a voltar aos caminhos da vida para continuar no serviço do Reino de Deus.


Este é o meu Filho amado, escutai-O!”


No sentido lexical, a palavra “Escutar” significa tornar-se ou estar atento para ouvir, ou aplicar o ouvido com atenção para perceber ou ouvir (Aurélio).


Na Bíblia, a escuta é uma palavra–chave que caracteriza toda a tradição do povo hebraico. O povo foi formado pela escuta da Palavra de Deus. Por isso, o piedoso israelita, para se compenetrar da vontade de Deus, repete dia a dia esta frase: “Escutai, ó Israel”, conhecido como “Shemah” (Dt 6,4;Mc 12,29), que desde o fim do século I d. C não deixou de ser rezado de manhã e à tarde pelos judeus observantes. Por trás da palavra “Shemah”, que convida Israel a se colocar numa atitude de escuta, proclama-se solenemente a unidade de Deus que causa a união plena e total de Israel com o Senhor. Isto quer dizer que ao escutarmos Jesus, a Palavra do Pai, a unidade divina feita carne, criaremos a união plena com Deus e entre nós. Segundo o sentido hebraico a palavra “escutar” ou “acolher a Palavra de Deus” não é somente prestar-lhe ouvidos atentos, mas abrir-lhe o coração (At 16,14), pô-la em prática (Mt 7,24ss) e obedecer-lhe(Lc 1,38).  Essa obediência da fé é que a pregação ouvida exige. Como diz São Paulo: “A fé procede da audição e a audição da Palavra de Cristo” (Rm 10,14-17).O drama do homem, na verdade, consiste em não escutar a Deus e a Sua Palavra, não escutar os bons conselhos, não escutar as boas orientações. Deus diz no livro de Deuteronômio: “Eu, Deus, pedirei contas a quem não escutar as palavras de quem pronunciar em meu nome” (Dt 18,16.19). Por isso, Jesus declara feliz quem escuta a Palavra de Deus e a observa: “Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a observa” (Lc 11,28), pois eles são comparados a um homem que construiu a casa sobre a rocha (cf. Mt 7,24).


A primeira leitura (Gn 22,1-18) nos apresenta Abraão como exemplo da escuta atenta. Na sua existência Deus ocupa o lugar absolutamente central. Para ele Deus é o valor máximo, a prioridade fundamental. Para ele nada mais conta quando estão em jogo os planos de Deus. Por isso, ele nos ensina a confiar em Deus mesmo quando tudo parece cair à nossa volta e quando os caminhos de Deus se revelam estranhos e incompreensíveis, pois Deus é fiel.


3. A Transfiguração É A Resposta De Deus Sobre O Futuro Do Homem


A transfiguração de Jesus é a resposta de Deus para os discípulos, desanimados diante do anúncio da paixão e morte de Jesus. Deus quer mostrar-lhes antecipadamente, ainda que seja só num momento rápido, a glória de Jesus Cristo e a futura glória dos que vivem fielmente segundo a vontade de Deus ainda que tenham que atravessar o caminho de sofrimento. Através da transfiguração de Jesus, Deus quer nos dizer que a vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de colocar a sua vida ao serviço dos irmãos.


A antecipação da ressurreição, através da transfiguração, para os discípulos será uma força para o caminho que têm que percorrer. A vida, por dura que possa ser (cruz, morte), será vivida em outra perspectiva: a ressurreição transfigura tudo. A morte não terá a última palavra sobre a vida do homem. A partir da experiência da transfiguração tudo pode ser graça apesar de ter uma aparência da cruz, pois Deus envolve tudo na sua misericórdia.


A glória de Jesus se manifesta nas suas vestes brancas e resplandecentes que eram símbolo da glória dos justos no céu (Dn 7,9) e na brancura deslumbrante que simboliza a glória da condição divina(cf. Mc 16,5). Isto quer nos dizer que o Deus de Jesus é Aquele que mostra logo no início a vitória final. Por isso, em cada anúncio da paixão e morte de Jesus acrescenta-se também o anúncio da ressurreição, a vitória garantida sobre a morte.  E a vitória garantida no fim anima qualquer um para lutar até o fim sem se cansar. A vitória garantida dá força para cada seguidor para lutar até o fim.


Podemos dizer que a transfiguração é o grito de Deus para não ficarmos desanimados na nossa vida, pois a lógica de Deus não nos conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim. Cada um de nós precisa parar da agitação cotidiana para escutar esse grito de Deus.

P. Vitus Gustama,svd

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