Domingo,01/03/2015
VIVER UMA VIDA TRANSFIGURADA ESCUTANDO JESUS CRISTO , PALAVRA
DO PAI
II DOMINGO DA QUARESMA ANO “B”
Naquele tempo ,
2Jesus tomou consigo Pedro,
Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte , sobre
uma alta montanha .
E transfigurou-se diante deles. 3Suas roupas
ficaram brilhantes e tão brancas como
nenhuma lavadeira sobre
a terra poderia
alvejar . 4Apareceram-lhe Elias e Moisés,
e estavam conversando com Jesus. 5Então Pedro tomou a palavra
e disse a Jesus: “Mestre , é bom ficarmos aqui .
Vamos fazer três
tendas : uma para
ti, outra para
Moisés e outra para
Elias”. 6Pedro não sabia o que dizer , pois
estavam todos com
muito medo . 7Então desceu uma nuvem e os encobriu com
sua sombra .
E da nuvem saiu uma voz :
“Este é o meu
Filho amado .
Escutai o que ele
diz!” 8E, de repente , olhando em volta , não viram mais ninguém , a não ser somente Jesus com eles . 9Ao
descerem da montanha , Jesus ordenou que não
contassem a ninguém o que tinham visto ,
até que
o Filho do Homem
tivesse ressuscitado dos mortos . 10Eles observaram esta ordem ,
mas comentavam entre si o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”.
--------------------
O texto do Evangelho deste Domingo
pertence à segunda parte do Evangelho de Marcos que fala do mistério do Filho
do Homem: revelação do sofrimento de Jesus. Esta segunda parte é formada por
três grandes seções:
1). O Caminho do Filho do
Homem
(8,31-10,52) na qual Mc enfatiza claramente sua Teologia da Cruz. Fala-se nesta
parte três anúncios da paixão de Jesus que sempre termina com o anúncio da
ressurreição. Para Marcos imitar Jesus significa seguir seu caminho. A
expressão “no caminho” ocorre como refrão nesta seção. Jesus e seus discípulos
estão “no caminho” (cf. Mc 8,27), e no fim, quando estão perto de Jerusalém,
Bartimeu, depois que voltou a enxergar, segue a Jesus “no caminho” (10,52). “No
caminho” os discípulos discutem sobre quem será maior (9,33-34). Jesus continua
a “retomar seu caminho” (Mc 10,17) e conduz seus discípulos “no caminho” rumo a
Jerusalém (Mc 10,52).
2). Na segunda seção
Jesus se encontra em Jerusalém (Mc 11,1-13,37). Nesta seção falam-se das discussões
mais ou menos polêmicas entre Jesus e os círculos dirigentes de Jerusalém:
sumos sacerdotes, escribas, fariseus herodianos, saduceus. Nesta seção Mc quer
antecipar as motivações da condenação de Jesus. Esta seção termina com o discurso
escatológico (Mc 13,1-37).
3). A terceira seção fala
da paixão e ressurreição de Jesus (Mc 14,1-16,8).
--------------
O texto do evangelho lido e
proclamado neste dia fala da transfiguração de Jesus. Os sinóticos (Mt 17,1-13;
Mc 9,2-10; Lc 9,28-36) e 2Pd 1,17-18 relatam a cena da transfiguração para
enfatizar sua importância na vida de Jesus.
A transfiguração é uma antecipação da ressurreição do Senhor Jesus que intenta
levantar o ânimo dos discípulos, ratificando que o destino final não é a morte
e sim a ressurreição. Por isso, em cada anúncio de sua Paixão (três anúncios),
Jesus acrescenta esta frase: “... depois de três dias (o Filho do Homem)
deve ressuscitar” (Mc 8,31; 9,31; 10,34). Por isso, um dos temas
fundamentais que toma novo rumo no relato da transfiguração é o tema da morte e
ressurreição. A morte deixa de ser o fim irremediável para o homem e a sombra
do horror para começar a ser entendida como o transladar-se para onde Deus
está, isto é, na plenitude. Por isso, desde então, a morte está intimamente
ligada ao triunfo, e não pode ser entendida sem a luz da ressurreição.
1. Transfiguração Numa Montanha
A transfiguração acontece em uma
alta montanha. A “montanha alta” simboliza o lugar de encontro do céu e da
terra, lugar privilegiado para a revelação de Deus e a oração dos homens,
recorda igualmente a revelação de Deus no Sinai (cf. Ex 19-20). A montanha, por
ser um ponto elevado sobre a parte plana da terra, sempre foi considerada em
todas as antigas religiões como um símbolo da “subida” do homem até Deus e como
o sinal da manifestação ou epifania de Deus. Deus se manifesta no alto e o
homem deve subir até Deus, abandonando uma vida medíocre, pois Deus está acima
de nossos esquemas de viver.
Por isso, para o homem, subir a
montanha significa superar-se a si mesmo, transcender-se, elevar-se um pouco
mais além da rotina. Neste sentido, os textos bíblicos de hoje são um convite
para a transcendência humana; transcendência que não será conseguida sem
atravessar um caminho sinuoso, longo e escuro. No contexto da primeira leitura
(Gn 22,1-18), a fé é subir até o pico mais alto da montanha de Deus para fazer
ali o holocausto total de nós mesmos. A fé é o caminho da renúncia e da morte
de nós mesmos para que Deus possa se manifestar através de nós. Somente com a
morte de nós mesmos é que Deus pode anunciar e prometer uma vida nova para nós.
Subir até Deus é morrer de nossos projetos pessoais, de tantos planos, esquemas
e cálculos puramente humanos e pessoais para dar o lugar para os projetos de
Deus. Certamente, nesta morte, Deus manifesta sua glória salvadora e sua eterna
misericórdia.
Frases ou palavras como “o monte”,
“os seis dias”, “os três acompanhantes”, “o esplendor”, “a visão” e “nuvem”
recordam a Ex 24,9-18 (Moisés é chamado por Deus para subir a uma montanha). A
expressão “depois de seis dias” equivale ao “sétimo dia”, isto é, um tempo de
plenitude. Isto quer dizer que a transfiguração se converte em um momento de
plenitude esperançadora no caminho para a dolorosa Jerusalém.
2. É Preciso Escutar Jesus Para Ser Salvo
Nessa transfiguração estão presentes
Elias e Moisés. A presença de Moisés e de Elias, genuínos representantes da Lei
e dos profetas (= AT) põe de manifesto que para o evangelista Mc, em Jesus se
dá cumprimento total à lei e a profecia. Para Mc Jesus é o definitivo
libertador de todo homem e mulher que assimilando sua causa, se deixa conduzir
por ele para viver a plena liberdade de filhos de Deus (embora, muitas vezes,
não saibamos lidar com nossa própria liberdade).
Pedro, Tiago e João são testemunhas
de alguns dos fatos mais importantes da vida de Jesus: a “ressurreição” da
filha de Jairo (Mc 5,37), a transfiguração, a oração em Getsêmani (Mc 14,33).
Os três apóstolos representam a Igreja, o novo Povo de Deus, o Povo que é
interlocutor de Deus de Deus, que está em diálogo com Ele, que O escuta. Neles
se expressa que a Igreja recebe do Pai, através dos apóstolos, a afirmação
central da fé: o homem Jesus de Nazaré é o Filho de Deus.
Um dos três apóstolos que é Pedro se
extasia diante da luz da transfiguração. Ele sente como se estivesse no céu.
Por isso, Pedro quer permanecer alí indefinidamente. Para isso, ele propõe a
Jesus construir três tendas. É uma boa solução para seguir a Jesus sem ter que
trilhar o difícil caminho para Jerusalém. Mas o evangelista Marcos comenta:
“Pedro não sabia o que dizer”.
O relato é interrompido pela
aparição de uma nuvem com uma voz que interpreta a transfiguração de Jesus e
responde à reação de Pedro. A “nuvem” é sinal da presença de Deus (cf. Ex
40,35). A nuvem cobre com sua sombra Jesus e seus discípulos. E Deus fala da
nuvem aos discípulos (cf. Ex 24,16), proclamando Jesus como seu Filho amado e
convida os discípulos para que O escutem: “Este é o meu Filho amado,
escutai-O!” O momento nos recorda o batismo de Jesus, mas com uma
diferença. A voz não é dirigida mais exclusivamente a Jesus como no batismo (Mc
1,11), e sim aos discípulos. Um autêntico cristão é aquele que sabe escutar seu
Mestre, Jesus Cristo, mesmo que suas palavras saiam da cruz e do sofrimento.
Pedro é convidado pela Voz divina a voltar aos caminhos da vida para continuar
no serviço do Reino de Deus.
“Este é o meu Filho amado, escutai-O!”
No sentido lexical, a palavra
“Escutar” significa tornar-se ou estar atento para ouvir, ou aplicar o ouvido
com atenção para perceber ou ouvir (Aurélio).
Na Bíblia, a escuta é uma
palavra–chave que caracteriza toda a tradição do povo hebraico. O povo foi
formado pela escuta da Palavra de Deus. Por isso, o piedoso israelita, para se
compenetrar da vontade de Deus, repete dia a dia esta frase: “Escutai, ó
Israel”, conhecido como “Shemah” (Dt 6,4;Mc 12,29), que desde o fim do
século I d. C não deixou de ser rezado de manhã e à tarde pelos judeus observantes.
Por trás da palavra “Shemah”, que convida Israel a se colocar numa atitude de
escuta, proclama-se solenemente a unidade de Deus que causa a união plena e
total de Israel com o Senhor. Isto quer dizer que ao escutarmos Jesus, a
Palavra do Pai, a unidade divina feita carne, criaremos a união plena com Deus
e entre nós. Segundo o sentido hebraico a palavra “escutar” ou “acolher a
Palavra de Deus” não é somente prestar-lhe ouvidos atentos, mas abrir-lhe o
coração (At 16,14), pô-la em prática (Mt 7,24ss) e obedecer-lhe(Lc 1,38). Essa obediência da fé é que a pregação ouvida
exige. Como diz São Paulo: “A fé procede da audição e a audição da Palavra
de Cristo” (Rm 10,14-17).O drama do homem, na verdade, consiste em não
escutar a Deus e a Sua Palavra, não escutar os bons conselhos, não escutar as
boas orientações. Deus diz no livro de Deuteronômio: “Eu, Deus, pedirei
contas a quem não escutar as palavras de quem pronunciar em meu nome” (Dt
18,16.19). Por isso, Jesus declara feliz quem escuta a Palavra de Deus e a
observa: “Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a observa” (Lc
11,28), pois eles são comparados a um homem que construiu a casa sobre a rocha
(cf. Mt 7,24).
A primeira leitura (Gn 22,1-18) nos
apresenta Abraão como exemplo da escuta atenta. Na sua existência Deus ocupa o
lugar absolutamente central. Para ele Deus é o valor máximo, a prioridade
fundamental. Para ele nada mais conta quando estão em jogo os planos de Deus.
Por isso, ele nos ensina a confiar em Deus mesmo quando tudo parece cair à
nossa volta e quando os caminhos de Deus se revelam estranhos e
incompreensíveis, pois Deus é fiel.
3. A Transfiguração É A Resposta De Deus Sobre O Futuro Do
Homem
A transfiguração de Jesus é a
resposta de Deus para os discípulos, desanimados diante do anúncio da paixão e
morte de Jesus. Deus quer mostrar-lhes antecipadamente, ainda que seja só num
momento rápido, a glória de Jesus Cristo e a futura glória dos que vivem
fielmente segundo a vontade de Deus ainda que tenham que atravessar o caminho
de sofrimento. Através da transfiguração de Jesus, Deus quer nos dizer que a
vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como
Jesus, forem capazes de colocar a sua vida ao serviço dos irmãos.
A antecipação da ressurreição,
através da transfiguração, para os discípulos será uma força para o caminho que
têm que percorrer. A vida, por dura que possa ser (cruz, morte), será vivida em
outra perspectiva: a ressurreição transfigura tudo. A morte não terá a última
palavra sobre a vida do homem. A partir da experiência da transfiguração tudo
pode ser graça apesar de ter uma aparência da cruz, pois Deus envolve tudo na
sua misericórdia.
A glória de Jesus se manifesta nas
suas vestes brancas e resplandecentes que eram símbolo da glória dos justos no
céu (Dn 7,9) e na brancura deslumbrante que simboliza a glória da condição
divina(cf. Mc 16,5). Isto quer nos dizer que o Deus de Jesus é Aquele que
mostra logo no início a vitória final. Por isso, em cada anúncio da paixão e
morte de Jesus acrescenta-se também o anúncio da ressurreição, a vitória
garantida sobre a morte. E a vitória
garantida no fim anima qualquer um para lutar até o fim sem se cansar. A
vitória garantida dá força para cada seguidor para lutar até o fim.
Podemos dizer que a transfiguração é
o grito de Deus para não ficarmos desanimados na nossa vida, pois a lógica de
Deus não nos conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à
felicidade sem fim. Cada um de nós precisa parar da agitação cotidiana para
escutar esse grito de Deus.
P. Vitus Gustama,svd
Nenhum comentário:
Postar um comentário