DOMINGO, 22/02/2015
JESUS É IMPELIDO
PELO ESPÍRITO DE DEUS E SUPEROU TENTAÇÃO
I DOMINGO DA QUARESMA DO ANO “B”
Evangelho: Mc 1,12-15
Naquele tempo, 12 o Espírito impeliu
Jesus para o deserto. 13 E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi
tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam. 14 Depois
que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de
Deus e dizendo: 15 “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo.
Convertei-vos e crede no Evangelho!”
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Para entender o trecho do evangelho
deste domingo precisamos ligá-lo com a cena anterior. Na cena anterior fala-se
do Batismo do Senhor (Mc 1,9-11). A cena do Batismo do Senhor estabelece uma
íntima ligação com a da tentação de Jesus. Por isso, Marcos usa o advérbio
“logo”, “imediatamente”, “sem tardar” ao falar da tentação de Jesus (v.12).
Isto quer dizer que a estada de Jesus no deserto está intimamente ligada à
missão a qual Jesus foi chamada. No lecionário dominical, normalmente, não
aparece o advérbio “logo”, pois é substituído por “Naquele tempo...”, o que não
diz muita coisa exegeticamente. Além disto, o termo “Espírito” é a palavra
chave de ambas as cenas. A cena do Batismo acontece no rio de Jordão e a
tentação de Jesus acontece na região deserta vizinha do Jordão.
Nós podemos dividir o texto em duas
partes. A primeira parte relata a cena da tentação de Jesus (vv.12-13). A
segunda parte (vv.14-15) serve de introdução ao relato da vida pública de
Jesus.
I. A Cena Da Tentação De Jesus (vv. 12-13)
O relato da tentação é desenvolvido
mais amplamente em Mt (Mt 4,1-11) e em Lc (Lc 4,1-13) do que em Marcos.
1. Jesus É Impelido Pelo Espírito De Deus
A cena da tentação em Mc começa com
esta afirmação: “E logo o Espírito impeliu Jesus para o deserto” (v.12).
O Espírito que acabou de descer sobre Jesus no seu Batismo (Mc 1,10), impele-o
para o deserto. Sabemos da tradição bíblica de que geralmente as pessoas que
recebem a missão especial de Deus são conduzidas e transportadas pelo Espírito
de Deus, como Elias (1Rs 18,12;2Rs 2,16), Ezequiel (Ez 3,12.14-15;8,3;11,24),
Felipe (At 8,39) etc..
Mas em relação a Jesus, o termo
usado não é mais “conduzir” ou “transportar”, mas “impelir”. “Impelir”, no seu
sentido lexical, significa fazer avançar com força; dar impulso a, empurrar
para diante, projetar com força para algum lugar. Isto quer dizer que impelir
implica em pressão ou em agir com violência. Este ato de impelir é igual à cena
que encontramos na expulsão dos demônios (Mc 1,34), em tratar do membro que provoca
escândalo (Mc 9,47), em expulsar os vendilhões do Templo (Mc 12,8), ou na
própria expulsão de Adão e Eva do paraíso (Gn 3,34). Com o poder irresistível
arrebata Jesus para a solidão, longe do homem para ficar a sós com Deus.
A expressão “O Espírito impeliu
Jesus” significa que Jesus é totalmente dominado pelo Espírito de Deus. Jesus
se deixa totalmente conduzir ou guiar pelo Espírito de Deus. Tudo o que ele faz
e prega é conduzido pela vontade de Deus. Ele é tão dominado e guiado pelo
Espírito de Deus a ponto de não poder fazer outra coisa a não ser a própria
vontade de Deus. No Evangelho de São João Jesus afirmou: “Meu alimento é
fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,34).
Se Jesus se
deixa impelir pelo Espírito divino, será que sabemos viver sob impulso do
Espírito de Deus? Ou deixamos outro espírito nos conduzir? Embora o poder do
Espírito divino seja irresistível para quem o aceita, não será frutificante
para quem tem resistência diante do mesmo. Verifiquemos, se em determinada
ocasião, o Espírito de Deus falou no nosso coração fortemente ou nos impeliu
para fazer algo e se atendemos ou o mesmo encontrou resistência em nós. Para
que possamos viver os ensinamentos de Jesus é indispensável deixarmos nos
conduzir pelo Espírito de Deus.
2. O Espírito
Impele Jesus Para o Deserto
O Espírito impele Jesus para o
deserto. Na tradição bíblica o deserto é o lugar da provação ou da
verificação e o lugar do encontro com Deus, especialmente nos momentos de dificuldade.
O povo eleito tinha sentimento de que não teria sobrevivido na passagem do
deserto rumo à Terra prometida, se não houvesse contado com a proteção de Javé (cf.
Dt 8,14ss;Jr 2,6). Além disto, o deserto é o lugar onde se tomam as grandes
decisões. E no judaísmo posterior, o deserto é também o lugar de moradia dos
espíritos (cf. Mt 12,43).
Em Mc ocorre várias vezes o deserto.
Além de ser o lugar onde acontece o encontro com Deus, também acontece a
multiplicação dos pães (Mc 6,35). Jesus chama os discípulos a ficarem sós (Mc
1,35;6,31). O deserto é o lugar de silêncio. E Deus chama e age no silencio e
move a história ao impulso das forças armazenadas na solidão com Ele. O
silêncio toma o lugar de destaque na vida de Jesus e de seus discípulos.
Temos impressão
de que, hoje em dia, a inflação verbal suprime o espaço do silêncio e do
recolhimento. Além disto, muitas vezes acontece que a nossa própria desordem
oferece resistência ao silêncio. Estamos cheios de barulhos ou de ruídos. É
preciso que nos calemos para que Deus possa falar e possamos escutar a sua voz.
Quando pensamos que Deus ficou calado, não foi Ele que emudeceu, mas nós é que
tapamos os ouvidos. Reclamamos que Deus não ouve nossas preces nem responde
nossas perguntas, mas, na verdade, nós é que não escutamos suas respostas e não
enxergamos suas obras na nossa vida. Na vida são necessárias “paradas” para calar-se.
Silenciar é escutar Deus em todo o lugar, até dentro de nós mesmos, onde Ele
fala. O silêncio é um caminho para o nosso relacionamento com Deus e para nos
encontrarmos. Depois de fazer-se silêncio escuta-se melhor. As palavras
precisas e acertadas são frutos de um silêncio.
3. Jesus É Tentado
No Deserto
“Jesus ficou no deserto
durante quarenta dias, e aí foi tentado por
Satanás”
Jesus está no deserto durante quarenta
dias, enfrentando as provas (tentação) do adversário (Satanás).
Assim, Jesus revive em si mesmo as grandes experiências de provação que
aconteceu com o povo de Deus no AT: a provação do dilúvio (Gn 7,17), a prova na
passagem do deserto durante quarenta anos (Ex 16,35; Dt 1,3; Nm 14,3-34; Sl
95,10; Ne 9,21), a prova da opressão sob o poder dos filisteus durante quarenta
anos(Jz 13,1), Moisés se retirou durante quarenta dias no Montanha de Deus (Ex
24,18;34,28; Dt 9,9) e quarenta dias da caminhada do profeta Elias pelo
deserto(1Rs 19,8).
O número quarenta representa uma
totalidade ilimitada (4 x 10), ou uma geração. Isto quer nos dizer que Jesus é
permanentemente posto à prova durante sua vida terrena, seja pelos próprios
parentes e discípulos, seja pelos fariseus (cf. Mc
1,35-38;2,1-3,5;3,20-21.32;8,11;9,19;11,27-33;12,13.15;14,32-42;15,34) ou seja
pela própria personificação do mal ou toda força do adversário contra o Reino
de Deus (Mc 3,23.26). Mas Jesus venceu todas as provas de sua vida e com isto
ele nos abriu o caminho da vitória (cf. Hb 4,15;5,7-9;12,1-4). A proteção de
Deus sobre Jesus durante tentação nos garante que Jesus é único capaz de nos
ajudar na nossa luta contra as forças do mal que ameaçam controlar nossa vida.
Para que isto aconteça devemos nos deixar habitar pelo Espírito de Deus como
aconteceu com Jesus.
No deserto Jesus foi tentado, mas
saiu vitorio. Tentação
é toda aquela sugestão interior que procedendo de causas, tanto internas como
externas, estimula o homem a pecar. Ela engana o entendimento com
ilusões; enfraquecendo-nos a vontade, tornando-a fraca ao cair no comodismo, na
negligência, na preguiça etc.; estimulando os sentidos internos principalmente
a imaginação com pensamento de sensualidade, de soberba, de ódio, de vingança,
etc..
A tentação é uma verificação da
fidelidade do homem a Deus. “Nossa
maturidade se forja nas tentações. Ninguém conhece a si mesmo se não é tentado;
nem pode ser coroado, se não vence; nem vencer, se não luta; nem lutar, se lhe
faltam inimigos” (Santo Agostinho, In Ps. 60,30). Quem é tentado não é propriamente o pecador,
mas o homem piedoso, isto é, aquele que caminha com o Senhor permanentemente.
Por isso, a tentação é, a partir desta ótica, uma prova da predileção de Deus
para com aquele que é tentado (cf. Dt 8,2). Jesus é o Filho de Deus. Apesar
disso, ele não está isento de qualquer tipo de tentação. A santidade de Jesus
não anula sua condição como um ser humano. A tentação faz o cristão rever mais
uma vez sua compreensão do desígnio de Deus e o perigo que possa desviá-lo do
caminho de Deus.
Nesta vida é impossível escapar do
ataque de tentações. Mas uma coisa é certa: tentações que enfrentamos existem
não para fazer-nos cair; elas nos fortalecem; não para nos arruinar, mas para
nosso bem. Elas são teste para superarmos as barreiras na nossa caminhada rumo
ao encontro com Deus e com o irmão. Porque a tentação só pode estimular a
pecar, e nunca obriga a vontade. Nenhuma força interna ou externa pode obrigar
o homem a pecar. Por isso, podemos vencer sempre as tentações, pois nenhuma
delas é superior às nossas forças (cf. 1Cor 10,13). Jesus sentiu tentações, mas
não as consentiu.
4. No Deserto Jesus Está Entre Os Animais Ferozes e Os
Anjos
Mc é o único evangelista que relata
que Jesus “estava entre as feras” que não ameaçam a vida de Jesus (v.13). Isto
nos indica a vida paradisíaca. Além disto, Mc é o único evangelista que não fala
do jejum no deserto, porque quando se vive a alegria (paraíso) não pode haver o
jejum, pois viver no paraíso é viver na plena harmonia com Deus. A vitória de
Jesus sobre a tentação possibilita o restabelecimento do paraíso perdido. Jesus
se torna, assim, o novo Adão (Gn 2,19-20; Sl8), princípio de novas relações e
da harmonia universal e cósmico (Is 11,1-9; 35,5-10;
65,25; Jó 5,22; Os 2,16-20; Ez 34,23-28). A presença de Jesus não é uma
ameaça para as feras nem as feras para Jesus. Isto acontece porque Jesus vive
permanentemente em comunhão com Deus. Por isso, ele se encontra em paz com as
feras selvagens tão perigosas para o homem. Isto quer nos dizer que quando
vivemos em plena comunhão com Deus, os outros se tornam irmãos nossos e não são
ameaças para nós. São Francisco de Assis chamava tudo de irmão/irmã: Irmão sol,
Irmã lua, irmã morte etc..
E os anjos, de guardas do paraíso
que proibiam a entrada de Adão e Eva no paraíso depois de sua expulsão, agora,
são servidores de Jesus (cf. Gn 3,24; Sl 91;1Rs 19,5-9). O universo inteiro
volta para sua harmonia primordial e o homem convive harmoniosamente com as
forças do alto (anjos) e com as potências inferiores (feras). Os homens podem
voltar a conviver com os animais ferozes, pois eles não se tornam mais
adversários, mas próximos (cf. Sl 91;Dn 6,17-25). O segredo dessa comunhão
cheia de paz e de harmonia é deixar-se conduzir totalmente pelo Espírito de
Deus.
II. A segunda parte (vv.14-15) serve de introdução ao relato da vida pública de
Jesus
Depois que terminou
seu retiro no deserto, Jesus começa a proclamar a Boa Notícia. É a Boa Notícia porque Deus se importa com
todos; porque Deus ama a todos e quer salvá-los (cf. Jo 3,16). Ninguém está
excluído deste amor que salva e liberta. Ninguém fica cortado da atenção
amorosa de Deus nem mesmo os que cometeram grandes crimes desde que voltem
novamente para Deus: “Eu sou o que apaga as tuas transgressões por amor de
mim, e já não me lembro dos teus pecados”, diz-nos Senhor (Is 43,25). Deus
sempre oferece novas chances para todos, pois ele é amor (cf. 1Jo 4,8.16).
No entanto, toda dádiva divina, toda
oferta de amor de Deus espera uma resposta da parte dos homens. O amor de Deus
exige amor igual, tanto a Ele como aos próximos (cf. Mc 12,30s). Eis porque segue
à proclamação da Boa Nova o postulado da conversão e da fé no Evangelho:
“Convertei-vos e crede no Evangelho” (v.15). Aqui a conversão está intimamente
ligada à fé. A conversão é sempre sinal de que alguém crê em Deus. Por isso, a
falta de disposição para a conversão é sinal da falta de fé.
Converter-se significa colocar-se em
dia com as exigências da justiça, deixar de explorar o próximo e reparar, se
necessário, as injustiças cometidas (cf. Lc 19,8); significa começar a amar de
um modo diferente, mudar de vida para o bem. Jesus pede a conversão a quem
mantém escondida uma vida desonesta só para conservar ao mesmo tempo pecado e
bom nome; a quem enche a própria vida de pecados carnais; a quem macula o
próprio matrimônio com infidelidade.
Devemos estar convencidos de que não
estamos sozinhos nesta luta contra o mal dentro e fora de nós. Jesus está
conosco nesta luta, aquele que venceu as tentações no deserto. Com ele e
somente com ele é que poderemos vencer todas as provas e tentações nesta vida.
Mas há uma condição: deixarmo-nos totalmente impelir pelo Espírito de Deus a
exemplo do próprio Jesus.
P. Vitus Gustama,svd
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