segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Domingo, 15/02/2015
 
A LEPRA FATAL É A VIDA SEM AMOR FRATERNO


VI DOMINGO DO TEMPO COMUM
 

Evangelho: Mc 1,40-45


Naquele tempo, 40 um leproso chegou perto de Jesus e, de joelhos, pediu: “Se queres, tens o poder de curar-me”. 41 Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero: fica curado!”. 42 No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado. 43 Então Jesus o mandou logo embora, 44 falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!” 45 Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade; ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.
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I. Sobre Lepra e Leproso
   

O evangelho deste domingo fala da cura de um leproso(cf. Mt 8,2-4;Lc 5,12-16). Naquela época, lepra não se restringia apenas à doença que a medicina moderna chama de lepra, mas qualquer doença da pele era considerada como lepra.
      

Na época todas as doenças eram consideradas como um castigo de Deus, mas a lepra era o próprio símbolo do pecado. A lepra era considerada como a própria morte, pois dificilmente podia ser curada. A cura da lepra era, por isso, considerada um milagre, como se fosse uma ressurreição de um morto. Isto quer dizer que somente Deus podia curá-lo dessa lepra. Acreditava-se, além disso, que a lepra era um instrumento eficaz usado por Deus para castigar os invejosos, os arrogantes, os ladrões, os assassinos, os responsáveis por falsos juramentos e por incestos.
       

Os leprosos eram considerados no AT como impuros(cf. Lv 13,3), por isso eram excluídos de qualquer direitos sociais  e eram marginalizados do convívio da comunidade até a sua cura(eles deviam ficar fora dos povoados), pois a lepra era considerada como uma impureza contagiosa(cf. Lv 13,45-46). Qualquer judeu piedoso evitava o contato com um leproso para não se tornar impuro. Um leproso, além de sofrer a dor da lepra(fisicamente), sofria também o preconceito (psicologicamente e socialmente), pois era excluído da comunidade por ser impuro. Além disso, era acusado como um grande pecador, porque a lepra era considerada como um grande castigo de Deus. O leproso é o protótipo da marginalização religiosa e social imposta pela Lei (Lv.13,45-46).
     

Sendo estes os costumes e mentalidade naquela época, percebemos no relato da cura do leproso uma grande novidade tanto da parte do próprio leproso como também da parte de Jesus que o curou. Qual novidade?
    

Apesar de ter consciência de sua lepra (leproso deve ficar  distante do resto, cf. Lc 17,12), esse homem leproso se aproxima de Jesus, de joelhos. E Jesus, embora saiba da proibição de fazer o contato com qualquer leproso, estende a mão e o tocou. Era um ato verdadeiramente audacioso para a época de Jesus. Os dois quebram o costume de longa data. O leproso tem grande vontade de ficar curado e acredita no poder de Jesus. E Jesus, por sua vez, tem compaixão pela miséria do homem, por isso, quer integrá-lo à vida normal como qualquer ser humano.


II. Meditar Sobre o Texto          
   

O leproso, de joelho, se aproxima de Jesus para pedir a purificação: “Se queres, podes purificar-me” (v.40). Qualquer leproso era obrigado a manter-se a distância das pessoas sãs, mas esse homem, violando a Lei, se aproxima de Jesus para pedir a purificação. Ao longo do evangelho de Marcos os enfermos insistem em tocar o corpo de Jesus em busca nele a força que os cure (cf. Mc 3,10;5,27-31;6,56;8,22). A angústia leva o leproso a arriscar tudo. Quando a vida está em jogo, qualquer pessoa faz qualquer coisa em função da salvação da vida. O leproso se aproxima de Jesus com a coragem porque ele percebe na pessoa de Jesus o poder divino de purificar (de joelho). E esse poder só depende da própria vontade de Jesus. Por isso, o leproso diz: “Se queres”. Através da expressão “se queres” sublinha-se uma relação estreita entre o poder e a vontade (cf. Jó 10,13;42,2;Sb 1,23;12,18). Basta Jesus querer (vontade), a cura acontecerá (pois ele tem o poder de curar).
     

O que se pede é a purificação: “Se queres, podes purificar-me”. No NT o verbo “purificar” é usado para designar a purificação do pecado (cf. At 15,9;2Cor 7,1;1Jo 1,7.9). Se a lepra era considerada um castigo de Deus, então, para tornar uma pessoa novamente salva e curada, Deus teria que apagar primeiro o castigo. O leproso, por isso, em vez de pedir a cura primeiro, ele pede para ser purificado, pois a cura vem depois. Purificar significa restaurar a pessoa para possibilitar-lhe uma vida nova, em harmonia com os desígnios de Deus no meio da comunidade.
    

Diante do pedido da purificação do leproso, onde se acentua a coragem e o reconhecimento do leproso pelo poder divino de Jesus, Jesus dá uma resposta positiva. Mas temos no v.41 uma dupla interpretação a partir do verbo que se emprega: “compadecer-se” ou “encolerizar-se”.
   

Na versão que recebemos, o verbo que se emprega é “compadecer-se” (comovido): “Comovido de compaixão, estendendo a mão, Jesus tocou-o e diz-lhe: ‘Quero, fica purificado’”. O verbo “Comover-se” se usava no judaísmo somente ao falar de Deus (cf. Is 63,15;Jr 31,20); e no NT somente de Jesus. Compadecer-se é o comportamento próprio de Deus. Sabemos que a compaixão significa sentir com (pati + cum, em latim). A compaixão é uma resposta natural ao sofrimento humano. Ela representa uma imersão total da condição do ser humano. Ela nos pede para irmos até onde o sofrimento existe. O ápice da compaixão é identificar-se com o outro. Jesus se comoveu diante do sofrimento do leproso, pois em Jesus se manifesta o amor entranhado de Deus pelos homens. Isto significa que Deus não marginaliza ninguém. Jesus liberta o leproso de seu sofrimento. Ao libertá-lo, Jesus o arranca da morte social e da morte religiosa.
  

Quem se fecha em seu cômodo egoísmo não se preocupa com a sorte dos outros. Mas quem tem um coração misericordioso experimenta muitas vezes a compaixão. A compaixão que é nascida do amor, nos leva a assumir a causa dos outros e nos obriga ao empenho social.
     

O Reinado de Deus não exclui ninguém da salvação. Neste contexto, o leproso personifica a multidão de marginalizados em busca da salvação. E Deus sempre acolhe quem o busca com sinceridade e fé. Deus não decepciona quem o procura permanentemente. O gesto exterior de Jesus de estender a mão e de tocar no leproso é sua identificação interior profunda com o sofrimento do leproso.
      

Podemos também fazer outra leitura do v.41 a partir do verbo usado, que provavelmente mais original: “encolerizar-se”. O versículo 41  seria, então: “Encolerizando-se, estendeu a mão e o tocou, dizendo: ‘Quero, fica purificado!’”. Mas qual é o motivo da cólera ou indignação de Jesus? Temos duas respostas. Primeiro, o ato de Jesus de tocar no leproso (v.41) causa a marginalização de Jesus (quem toca um leproso se torna impuro) descrita no v.45: “...de modo que Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade: permanece fora, em lugares desertos”. Em segundo lugar, a cólera de Jesus acontece por causa da insensibilidade do centro religioso (instituição oficial), um sistema que exclui e marginaliza as pessoas. Essa ira se manifesta através do ato de tocar no leproso com as próprias mãos para unir-se a ele fisicamente. Jesus faz questão de tocar o leproso como um gesto mais corajoso diante da coragem do leproso de se aproximar de Jesus. O que se enfatiza aqui é a solidariedade que provoca unir-se corajosamente com o marginalizado sem medo de enfrentar as normas do sistema estabelecido. A palavra que segue, “Quero, fica purificado” tem apenas a função de explicitar o gesto.
     

A prostração do leproso em pedir a purificação indica todo o fervor do seu pedido e de sua fé. Sua súplica é uma confissão da sua fé: “Se queres, podes purificar-me”. Todos os pedidos que fizermos a Deus devem ter sempre como fundamento a nossa fé. Não somente crer na cura, mas crer sempre na grandeza e na soberania de Deus para nos salvar. Se não existir a fé nos pedidos de qualquer um de nós, ele não estará rezando, mas estará conversando consigo mesmo e não com Deus.


Além da expressão de fé, pedir de joelho expressa a humildade do leproso. A humildade será alcançada quando experimentamos nossa própria insuficiência diante do infinito e perfeito de Deus. A humildade é a coragem de descermos ao fundo de nosso ser e aos aspectos escuros que lá se encontram e que nos levar a gritarmos a Deus para pedir socorro. Isto quer nos dizer que a humildade é a experiência de si mesmo na experiência de Deus. Na experiência da infinitude de Deus, reconhecemos nossa finitude.  Essa experiência nos leva a pedirmos a ajuda aos outros, pois somos finitos e experimentamos a insuficiência. O humilde não tem dificuldade em pedir ajuda dos outros, pois ele reconhece e aceita seus limites. O orgulhoso ou o auto-suficiente normalmente tem dificuldade e vergonha de pedir ajuda. A humildade também nos leva a ajudarmos os outros na sua experiência de finitude e da insuficiência. É saber estender a mão para levantar os outros do peso da própria história, como Jesus que estendeu a mão e tocou no leproso a fim de libertá-lo da sua lepra.
     

No relato diz-se também que Jesus estende a mão para tocar o leproso.  “Estender a mão” recorda o gesto típico de Deus para salvar seu povo. No AT Deus manda Moisés para estender a mão por ocasião da libertação do povo (cf. Ex 4,4;7,19;8,5;9,22-23;14,16.21.26-27). Encontramos também nos salmos as referências que falam continuamente da mão de Deus como símbolo de sua ação salvífica (cf. Sl 18,36;37,24;73,23;80,18). O gesto de Jesus de estender a mão significa, então, comunicar a salvação e a libertação do homem. O evangelista Marcos apresenta Jesus como o novo Moisés.
      

O ato de Jesus de se aproximar do leproso e de tocá-lo nos leva a nos perguntarmos: “Como você se posiciona perante “os leprosos” (marginalizados) da humanidade: fugir, faz de conta não vê-los, aproximar-se ou procurar erguê-los como Jesus fez?” Ou o nosso coração está cheio de “lepra” faz com que nos afastemos dos outros e afastemos os outros? A “lepra” que mata é a vida sem  amor pelo próximo: mata quem vive sem amor e mata quem precisa deste amor. A vida sem amor mata a família, mata a amizade, mata o casamento, mata a solidariedade, mata a fraternidade, mata a comunhão e a comunidade...       
      

Depois da cura do leproso, Jesus dá uma dupla ordem ao homem curado. A primeiro ordem, Jesus adverte severamente o homem curado para não espalhar a notícia da cura. A proibição é dada para que a multidão não faça uma interpretação errada sobre o messianismo de Jesus, pois o tipo de Messias que o povo esperava era um homem forte, guerreiro valente e libertador no sentido político, um messias nacionalista. Jesus é, ao contrário, um Servo sofredor que se doa  e se doa até o fim para salvar a humanidade. Para compreendê-Lo como tal, deve-se caminhar os passos da fé. Para compreender Jesus, precisamos segui-Lo, aprender os seus gestos e assumir o Seu destino e sua causa. A segunda ordem, Jesus manda o homem a se apresentar aos sacerdotes para examinar a sua cura e para, depois, oferecer algo pela purificação (cf. Lv 14). Somente os sacerdotes têm a autoridade competente para identificar a lepra e reconhecer publicamente sua cura.
      

O texto não diz que o homem curado da lepra se apresenta aos sacerdotes (é um rompimento do sistema vigente?). Diz-se apenas que ele partiu para anunciar o fato extraordinário de sua cura. O fato é tão inédito que é impossível ficar calado (cf. At 4,20;1Jo 1,1-4). Nota-se, aqui, a intenção teológica de Mc na escolha do verbo “keryssein” em grego que significa “pregar’, “anunciar”, “proclamar” para descrever a ação do curado. E excluído se torna testemunha válida e seu testemunho contagia a todos. O curado, o purificado se torna um evangelizador para os demais.
      

O anúncio feito pelo homem curado da lepra traz conseqüências para Jesus. Ele não pode mais aparecer publicamente nas cidades. Assumir a condição de marginalizado é o que se exige de quem se solidariza profundamente e efetivamente com os excluídos deste mundo.
    

Além da conseqüência acima mencionada, há também uma conseqüência positiva teologicamente que o evangelista quer transmitir que se resume na conclusão do relato. Jesus se encontra “fora da cidade”, mas “de toda parte vinham procurá-lo” (v.45). Jesus se torna, assim, o centro da peregrinação, já não mais a cidade e o templo de Jerusalém. Jesus se torna o ponto de referência para todos. Jesus se torna o novo Templo de Deus (cf. Jo 2,13-22;Hb 8-9). E por causa de Jesus, os seguidores formam um só corpo (cf. 1Cor 6,15-20) e se tornam um santuário de Deus (cf. 1Cor 6,15-20). Todos são irmãos em Jesus.
   

A proclamação feita pelo homem curado da lepra resulta na procura de Jesus pela grande multidão. A multidão não julga Jesus impuro, mas como o Messias esperado. Hoje, nós somos portadores do Evangelho de Jesus. Será que pelo nosso anúncio, seja através da pregação, seja através de testemunho da vida cristã, as pessoas são movidas para procurar Jesus como seu único Salvador? Quais são nossas “lepras” que nos excluem da convivência e que nos afastam da comunhão com Jesus, nosso Salvador? O leproso de joelho diante de Jesus para pedir a ajuda. Quais são motivos ou dificuldades que temos para pedir a ajuda dos outros: vergonha, sentimento de superioridade, arrogância, etc.? Quais são nossas “lepras” de nossa vida que necessitam de uma purificação profunda? A lepra é contagiosa. Quais são nossos comportamentos, nossa maneira de viver, nossa maneira de falar que causam o desânimo, a infelicidade ou a fatalidade para as pessoas com quem convivemos e trabalhamos? Precisamos nos aproximar de Jesus para que Ele toque nosso coração a fim de que possamos amar os outros como irmãos e compreender suas fraquezas e ajudá-los a sair delas. A lepra que mata é a vida sem o amor fraterno.

P. Vitus Gustama,svd

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