segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

05/02/2015
SER CRISTÃO-MISSIONÁRIO NO MUNDO ATUAL

Quinta-Feira da IV Semana do Tempo Comum

 
Evangelho: Mc 6,7-13

Naquele tempo, 7Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. 8Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. 9Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. 10E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. 11Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” 12Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. 13Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.
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Estamos na terceira seção (Mc 6,6b-8,26) da primeira parte do Evangelho de Marcos que se concentra em Jesus, o Messias (Mc 1,14-8,30). Na primeira seção fala-se das manifestações  de Jesus com palavras e curas (Mc 1,14-3,6). E na segunda seção (Mc 3,7-6,6ª) fala-se da manifestação de Jesus aos seus sobre o mistério do Reino. Nesta terceira seção fala-se da manifestação de Jesus e a incompreensão dos discípulos.


O evangelho nos fala do envio dos discípulos para a missão. Eles já têm acompanhado Jesus durante um período relativamente longo. Eles têm escutado os ensinamentos de Jesus em parábolas e suas explicações complementares. Têm presenciado seus milagres. Agora eles devem empreender a segunda fase do programa, pregando a conversão e dando a conhecer a oferta divina de salvação.


 “Jesus chamou os doze e começou a enviá-los...”


Esta é a primeira vez que os Doze vão se encontrar sós, sem Jesus, longe dele. É o tempo da Igreja. É o tempo da prática. É o tempo de levar adiante os ensinamentos de Jesus que consiste na eliminação daquilo que impede a integridade da pessoa humana (poder de expulsar os espíritos impuros, curar doentes), em não se preocupar com tanta coisa inútil para o desenvolvimento do ser humano, espiritual e humanamente (não levar nada para o caminho...), em formar uma comunidade de irmãos (ficar numa casa que supõe a familiaridade), em reconhecer o amor infinito de Deus pronto para perdoar para que todos vivam como filhos e filhas de Deus, irmãos uns dos outros (pregar a conversão).


Durante os cinco primeiros capítulos de seu relato, o evangelista Marcos nos apresentou Jesus com seus discípulos, com muita insistência, diante da multidão e dos adversários. No momento de sua vocação (Mc 3,13-14), o evangelista Marcos havia dito: “Jesus constituiu Doze para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar...”.  É igual ao movimento do coração: diástole, sístole... O sangue vem ao coração e do coração é enviado ao organismo. Dessa maneira é que o organismo pode se manter. É o mesmo movimento do apostolado: viver com Cristo para depois ir ao mundo para levar o Cristo; intimidade com Deus e a presença no mundo com o espírito de Deus. Quem não vive, primeiro, com Cristo, não pode ser um bom missionário, não pode ser um cristão crível no mundo. Somente quem fala com Cristo permanentemente tem autoridade para falar de Cristo para os outros. Um cristão tem que animar tudo com espírito de Cristo.
  

O texto do evangelho de hoje procura mostrar como deve agir o seguidor de Jesus e o que vai acontecer com ele se sair pelo mundo para pregar o Evangelho. Tudo isto se resume numa só idéia: o seguidor deve agir como o Mestre Jesus agiu. O que aconteceu com o Mestre vai acontecer também com o discípulo, pois o discípulo não é maior do que o próprio Mestre (Mt 10,24).
   

No Evangelho de hoje Jesus anuncia alguns pontos fundamentais para o discípulo/seguidor realizar a missão:
    

Em primeiro lugar, o texto diz que Jesus envia os discípulos dois a dois. “Dois a dois” indica que a missão é um serviço comunitário e os cristãos devem ajudar-se mutuamente em suas atividades; não é um trabalho de promoção pessoal; é um trabalho de conjunto ou coletivo. “Ir dois a dois” implica também a afirmação da igualdade e exclui a subordinação de um ao outro (cf. Dt 19,15). Quem vive o Evangelho do Senhor deve estar em sintonia com os irmãos de sua comunidade.


Jesus começou a enviá-los dois a dois...” Independentemente das razoes bíblicas esta expressão é muito moderna e avançada. Na Igreja de Jesus não se trabalha só e sim em equipe. É a vontade explícita de Cristo. A atitude de quem trabalha na Igreja, na comunidade eclesial deve ser interrogada a partir daqui. O individualismo tem formas muito sutis: não gostamos que os nossos irmãos controlem nossos próprios comportamentos apostólicos e outros comportamentos; cada um quer ser uma estrela solitária a ponto de apagar o brilho do outro; nada se discuta, cada um vai fazer as coisas do jeito que quer. O pior é que o Cristo fica de lado ou de costas para a pessoa em questão estar em destaque. O cristão deve ter uma consciência plena de que onde ele estiver e para onde ele for, ele é enviado de Cristo. Consequentemente, sua fala, sua escolha, sua maneira de viver deve refletir os ensinamentos de Jesus. O mundo deve perceber que na maneira de viver de um cristão se reflete o próprio Cristo.


O Papa Francisco, na sua Exortaçao Apostolica, Evangelii Gaudiu escreveu: “Cada cristão e cada comunidade há-de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (no. 20)...  A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão reveste essencialmente a forma de comunhão missionária. Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo” (idem no.23).
    

Em segundo lugar, Jesus deu aos doze o poder messiânico de Cristo contra as forças do mal, ou seja, a autoridade para libertar as pessoas de tudo aquilo que aliena, oprime e despersonaliza as pessoas. O evangelista Marcos resume o poder dos enviados em três palavras: o carisma da “palavra” que proclama a necessidade de mudança de vida (conversão); o carisma de expulsar demônios, isto é, o poder contra o mal; e o carisma de “curar os enfermos”, isto é, melhorar a vida humana na sua qualidade.


Eles são enviados com autoridade sobre os espíritos imundos, para dominá-los e não para dominar os outros irmãos.  O cristão tem o poder de tirar esse mal, pois o Senhor Jesus lho deu. A primeira tarefa de cada cristão consiste em tirar o mal que está no meio das comunidades, no meio da própria família, de dentro do próprio coração. Porque somente quem é livre pode libertar os outros. O enviado de Jesus, cada cristão deve instaurar um mundo mais justo e fraterno, mais humano e familiar. Em outras palavras, a presença e a atuação do cristão devem melhorar a vida humana, deve fazer outros crescerem na direção do bem.
     

Em terceiro lugar, Jesus exige dos doze um modo de vida baseada num desprendimento absoluto dos bens materiais (vv.8-9). Jesus pede que os discípulos vivam um estilo de austeridade e a pobreza evangélica de modo que não se ponham ênfase nos meios humanos: econômicos ou técnicos e sim na força de Deus que ele lhes transmite. Deus não se serve de anjos nem de revelações diretas. É a Igreja, ou seja, são os cristãos que continuam e visibilizam a obra salvadora de Cristo. E o modo de vida do cristão deve ser reflexo o de Cristo. A linguagem que o mundo de hoje facilmente entende: austeridade e o desinteresse na hora de fazer o bem: o cristão deve fazer o bem pelo bem e não por algum interesse por trás. O cristão não poder fazer o bem em função dos bens materiais como vantagens para si próprio. É claro que necessitamos dos meios que fazem parte da evangelização, porém jamais podemos nos deixar de nos apoiar na graça de Deus e na nossa fé sem buscar seguranças e prestígios humanos.


Trata-se de uma pobreza voluntária, porque somente assim eles poderiam ser considerados como fidedignos. Jesus enfatiza mais o ser dos discípulos do que o seu ter. Jesus não despreza os bens deste mundo, não apresenta a miséria como um ideal de vida, mas alerta para o perigo de nos deixarmos condicionar pela posse de bens materiais. A porta da morte é tão estreita que somente passa aquilo que é a bagagem de amor na condivisão dos bens materiais com os irmãos e irmãs que não têm nada para sua vida.


O desapego a tudo não implica somente a renúncia a uma carga pesada de bens materiais, mas também o abandono de preconceitos, de tradições, de idéias retrógradas, às quais muitas vezes estamos amarrados de uma forma emocional e irracional: “Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da terra”, alertou-nos o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium (no. 25). Referimo-nos ao pesado ônus representado por certos usos, por certos costumes, por certas tradições religiosas embutidas em determinado ambiente histórico e cultural, que muitos, confundem ou equiparam com os valores do Evangelho. Não podemos acumular “bastões”, “dinheiro”, “sandálias” e “túnicas”. “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação. A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. Como dizia João Paulo II aos Bispos da Oceânia, ‘toda a renovação na Igreja há-de ter como alvo a missão, para não cair vítima duma espécie de introversão eclesial’”, escreveu o Papa Francisco na mesma exortação (no. 27).
    

Em quarto lugar, Jesus envia os doze para pregar a mudança de vida (conversão) para si e para os outros (v.12). Para Jesus, a conversão é condição sine qua non para construir uma sociedade nova ou Reino de Deus (Mc 1,15). A conversão sempre envolve movimento de uma dimensão para outra. E isso envolve a pessoa toda, não apenas seu senso moral, sua capacidade intelectual ou sua vida espiritual. Corpo, mente e alma juntos são afetados pelo ato da conversão, e as conseqüências são sentidas em todos os aspectos da vida da pessoa, inclusive nos campos social e político.
    

Em quinto lugar, a outra instrução de Jesus prevê uma atitude de bom senso e formação de comunidade: “Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10).


É interessante observar que não se fala para os discípulos irem às sinagogas, instituição judaica, o que seria contrario à finalidade do envio. Menciona-se somente “o lugar” e “a casa/ família” que podem encontra-se em qualquer país. Hão de aceitar a hospitalidade que a eles é oferecida, sem mudar de casa, para não desprezar a boa vontade do povo nem afrontar a hospitalidade oferecida. Os discípulos devem aceitar o que a eles são oferecidos sem mostrar reações ao uso do lugar.


“Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem” (v.10). Isto não indica a plena estabilidade para os discípulos, mas um local onde, com a sua partida, a comunidade possa continuar a se reunir e dar prosseguimento à Boa Nova do reino. Os cristãos devem ensinar os outros a assumirem o compromisso, a andarem com as próprias pernas.


Para os Doze, o novo Israel, esta instrução implica uma mudança radical de mentalidade: entrar em casa de pagãos, desprezados pelos judeus, e depender deles para a sobrevivência. Jesus pretende que os discípulos esqueçam sua identidade judaica para colocar-se no plano da humanidade. É preciso viver a humanidade para se tornar humano para os outros.
     

À luz do Evangelho de hoje procuremos nos perguntar: será que somos meros espectadores e admiradores de Jesus ou somos seus seguidores? O que pode estar tornando menos convidativo e pouco crível a nossa mensagem? Qual é o testemunho que devemos dar para que os outros acreditem na nossa mensagem? É impossível ser um verdadeiro cristão sem estar com Cristo antes.

P. Vitus Gustama,svd

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