Domingo,08/04/2018
JESUS
RESSUSCITADO DEVE OCUPAR O LUGAR CENTRAL NA VIDA DOS HOMENS PARA QUE HAJA A PAZ
NA CONVIVÊNCIA
II
DOMINGO DA PÁSCOA
I Leitura: At 2,42-47
Os que se haviam convertido
42eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão
fraterna, na fração do pão e nas orações. 43E todos estavam cheios de temor por
causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam. 44Todos os
que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum; 45vendiam suas
propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a
necessidade de cada um. 46Diariamente, todos frequentavam o Templo, partiam o
pão pelas casas e, unidos, tomavam a refeição com alegria e simplicidade de
coração. 47Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o
Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas.
II Leitura: 1Pd 1,3-9
3Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande
misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez
nascer de novo, para uma esperança viva, 4para uma herança incorruptível, que
não se mancha nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. 5Graças à fé, e
pelo poder de Deus, vós fostes guardados para a salvação que deve manifestar-se
nos últimos tempos. 6Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário
que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações.
7Deste modo, a vossa fé será provada como sendo verdadeira — mais preciosa que
o ouro perecível, que é provado no fogo — e alcançará louvor, honra e glória no
dia da manifestação de Jesus Cristo. 8Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem
o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e
gloriosa, 9pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação.
Evangelho: Jo 20,19-31
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por
medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus
entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois
dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se
alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco.
Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso,
soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os
pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão
retidos”. 24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles
quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o
Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos,
se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não
acreditarei”. 26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente
reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus
entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27Depois disse a
Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a
no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e
meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os
que creram sem terem visto!” 30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos
discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para
que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo,
tenhais a vida em seu nome.
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I. APARIÇÃO DE JESUS SEM TOMÉ
A cena do evangelho deste dia acontece em Jerusalém num lugar não especificado.
A tradição o identificou, embora não tenha fundamento, com o Cenáculo, a sala
de cima na qual os discípulos se reuniram antes de Pentecostes (At 1,13), e
onde fora instituída a Eucaristia (Lc 22,12). Jo só nos relatou que os
discípulos estavam reunidos num mesmo lugar para sublinhar o caráter eclesial
da aparição. A primeira unidade do
evangelho de hoje (Jo 20,19-23) narra
sobre a aparição do Ressuscitado aos discípulos sem a presença de Tomé.
1. Jesus vem nos trazer “Shalom” conquanto ele deve
estar no meio de nós
O relato diz que
as portas estão fechadas por medo
dos judeus. “Todos os homens têm medo.
Todos. Aquele que não tem medo não é normal, isso nada tem a ver com a coragem”,
escreveu Sarte. “Sem o medo nenhuma
espécie teria sobrevivido”, acrescentou G. Delpierre.
Realmente, a
segurança fica cada vez mais distante de nós hoje em dia. Os homens perdem cada
vez mais o direito de ir e de vir. Praticamente como se não fôssemos dono das
coisas que conquistamos pelo nosso trabalho duro de cada dia. Perdemos o
direito de usar as coisas que são nossas, fruto de nossa conquista e suor.
Todos têm medo de andar na rua com coisas valiosas na mão. O muro de um prédio
ou casa fica cada vez mais alto com intuito de impedir um pouco a invasão dos
estranhos. As câmeras podem ser vistas em qualquer canto vigiando os que entram
e saem num e dum prédio. Mas todas são feitas por um ser humana o que sugere a
sua precariedade. Todos começam, por isso, a ter saudade dos tempos antigos em
que podiam ficar na rua numa noite de lua cheia sem medo nem preocupação. É uma
saudade do paraíso perdido pela própria culpa do ser humano. O pecado expulsa
de nossa convivência a beleza do Paraíso da fraternidade. Consequentemente o
ser humano se torna cada vez mais estranho para si e para os outros. Ele vive
suspeitando qualquer outro desconhecido por causa da insegurança. O outro não é
mais considerado como irmão, mas como uma ameaça. “A necessidade de segurança é, portanto, fundamental; está na base da afetividade
e da moral humanas. A insegurança é símbolo de morte e a segurança símbolo da
vida. Mas se ultrapassa uma dose suportável, ele se torna patológico e cria
bloqueios. Pode-se morrer de medo, ou ao menos ficar paralisado por ele”,
afirma Jean Delumeau. Nas cidades grandes tem-se impressão de que o medo já
ultrapassou uma dose suportável. “O medo
é um inimigo mais perigoso do que todos os outros” (Simenon). O medo
constitui uma das maiores ameaças à vida; impede que a vida seja desfrutada e
vivida em sua tranquilidade. O medo impede a criatividade e põe em perigo a
esperança.
Será que temos
ainda alguma esperança de encontrar algum meio para arrancar todo este medo que
ultrapassou uma dose suportável? A Bíblia conhece somente um meio pelo qual o
coração humano se pode defender do medo: a fé em Deus. Só Deus é a rocha. As
outras seguranças desiludem. Somos desafiados, por isso, a viver e a mostrar
este Deus, Pai de todos para que a fraternidade universal volte a ser marca de
uma convivência humana. Mas enquanto Deus continuar a ser marginalizado (ficar
na margem de nosso coração), o medo e a insegurança permanecerão na convivência
humana.
O motivo do medo
não é novo no quarto evangelho (cf. Jo 7,13;9,22;12,42). Os discípulos experimentaram
amplamente o medo dos judeus. Seu Mestre foi executado e eles corriam risco de
receber o mesmo castigo. O medo é uma emoção-choque, frequentemente precedida
de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e
urgente que ameaça. Normalmente o medo
provoca efeitos como: a aceleração dos movimentos do coração ou sua diminuição;
uma respiração demasiadamente rápida ou lenta; um comportamento de imobilização
ou uma exteriorização violenta etc. Nessa situação, para os discípulos, ter
medo era ser realista.
Certamente nessa
situação Jesus apareceu no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
A paz, Shalom, é a palavra que os judeus usam até hoje como uma saudação
comum. A ideia bíblica de paz, Shalom, é rica. Significa muito mais que a
cessação de violência e conflito. É o estado para o qual o mundo foi criado por
Deus. É a melhor descrição de como será o Reino de Deus: um “lugar” de
segurança, justiça e verdade; “lugar” de confiança, inclusão e amor; “lugar” de
alegria, felicidade e bem-estar. Talvez possamos traduzir a palavra “Shalom”
para o português com a expressão: “Tudo de bom para você!”
O “A paz esteja
convosco” de Jesus, aqui neste texto, não é um desejo, e sim uma declaração. Ele
vai além de um cumprimento por causa daquilo que Jesus proclamou na última ceia: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não
vos dou a paz como o mundo dá” (Jo 14,27). A própria presença de Jesus
Ressuscitado oferece aos discípulos essa paz maravilhosa, pois essa é, agora, a
experiência de Jesus. Seu sofrimento ficou atrás, e ele agora habita na paz de
Deus. Jesus ressuscitado vem libertar os seus. Ele é fiel, pois cumpriu aquilo
que ele tinha prometido: “Não vos
deixarei órfãos. Eu virei a vós” (Jo 14,18). Aquele que se sente
desamparado, aquele que está desorientado, aquele que se sente perdido deve
escutar e refletir a verdade dessa promessa da presença de Jesus ressuscitado:
“Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós”. A paz voltará para a convivência, se
houve um lugar central para Jesus na convivência.
Sejam órfãos no
sentido literal da palavra, sejam aqueles órfãos de sentido, de carinho, de
reconhecimento, de amor etc., todos encontrarão o amparo em Jesus Cristo.
Procuremos este Amparo para que não sejamos órfãos de tudo. Não é por acaso que
o evangelista João usa esta expressão “pôr-se no meio (centro) deles” (v.19). Isto quer dizer que Jesus
deve ser o centro de nossa vida, deve ser o centro da vida da comunidade, pois
ele é a fonte da vida, ele é o tronco dos galhos (cf. Jo 15,1-8), ele é o ponto
de referência, o fator da unidade (cf. Jo 17,11.21-22). Para que uma comunidade
se torne cristã, ela deve estar centrada em Jesus Cristo e somente nele. Somente quando Jesus se torna centro de uma
comunidade, evitar-se-á todo tipo de disputa desnecessária, a não ser somente
uma disputa para servir. Sem este centro ficaremos órfãos, desamparados e
perderemos a segurança. Além do mais a presença do outro se torna sempre uma
ameaça e não mais uma presença de um irmão ou de uma irmã, quando Jesus Cristo
não se torna único centro para todos.
Os discípulos são
convidados a superar o medo e a abrir-se à fé; só assim tornam-se disponíveis
para o dom da paz e da alegria, os dois dons que Jesus lhes tinha prometido no
seu discurso de despedida (cf. Jo 14,27;16,33). A paz e a alegria são o dom do
Cristo Ressuscitado, mas também condição para reconhecê-lo.
Ao contar a reação
dos discípulos, Jo escreveu: “Então os
discípulos se alegraram por verem o
Senhor” (v.20b). O uso deste título-padrão “Senhor”
pós-ressurreição é o mais próximo que João podia empregar para nos dizer que os
discípulos acreditavam. Certamente “crer” no Senhor é o objetivo principal do
Evangelho de João.
2. Missão de Jesus é a
missão dos discípulos que tem origem no Pai
O que se segue é a
missão dos discípulos: “Como o Pai me enviou, também eu vos
envio” (v.21). Jesus é o Enviado por excelência (Jo
3,31-34;5,30;7,17s.28;8,16.28s.42;12,44s;16,28). A missão provém de Deus, que quer dar a vida ao mundo. O envio
dos discípulos implica tudo o que visava o ministério confiado a Jesus:
glorificar o Pai, fazendo conhecer seu nome e manifestando seu amor (cf.
17,6.26). Do mesmo modo como o Pai esteve presente com Jesus na sua missão,
assim os discípulos não estarão nunca sozinhos no cumprimento de sua missão (cf.
Mt 28,20). O uso do termo “como” aqui (vv.17.18.20.21),
por isso, expressa ao mesmo tempo semelhança e causalidade. A missão dos
discípulos deve ser uma continuação da missão de Jesus que tem como modelo na
missão de revelação e de salvação que Jesus recebeu do Pai (cf. Jo 3,17.34; 5,36.38;6,57
etc.). Isto significa que os discípulos devem seguir o caminho que Jesus
percorreu, devem agir como Jesus agiu, servir como ele serviu, perdoar como ele
perdoou; ou simplesmente pode-se dizer que devem amar como ele amou (cf. Jo
13,34; 15,12). Trata-se, por isso, de uma única missão.
Aqui a
ressurreição está vinculada à missão. Os discípulos são chamados e enviados
para ser testemunhas do anúncio da morte que foi vencida, para ser testemunhas
do “Shalom”. A Igreja surge ao redor dessa fé na ressurreição. Os discípulos
são enviados para proclamar a verdade de que não é qualquer vida pode
ressuscitar gloriosamente como a de Jesus, e sim somente uma vida que tem como
características: vida de doação, de serviço, de perdão, de fidelidade plena a
Deus, como foi a vida de Jesus. Somente assim, o cristão possuirá a vida eterna
ressuscitada. Ser enviado significa ser pessoa que lança as sementes da
ressurreição feito de justiça, de amor, de reconciliação e de abertura
incondicional a Deus. Se um cristão, o enviado, fizer assim, a vida nova e a
ressurreição estão germinando. E ele tem que cuidar bem deste germe para que
ele possa chegar à sua plenitude.
3. O sopro de Jesus é o
sopro da vida
“Dito isso, soprou sobre eles e disse:
‘Recebei o Espírito Santo’” (v.22). O gesto de Jesus reproduz o gesto
primordial da criação dos seres humanos por Deus (Gn 2,7). O Criador “insuflou
no homem um sopro que faz viver” (Sb 15,11;Ez 37,9). Assim como na primeira
criação o sopro de Deus trouxe a vida ao ser humano, à sua imagem e semelhança,
assim também a dádiva de Jesus de seu próprio Espírito torna os discípulos
filhos de Deus, à semelhança do Filho. Agora eles nasceram do Espírito (cf. Jo
3,5). O sopro de Deus no Gênesis deu vida; o sopro de Jesus dá vida eterna.
“Soprar”, por isso, quer dizer dar vida a quem não a tem. Isso significa que o
ser humano só existe porque é sustentado pelo sopro de Deus. Trata-se agora da
nova criação: Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem (cf.
Jo 3,3-8), capacitando-o para partilhar a comunhão divina. O Filho que “tem a
vida em si mesmo” dispõe dela a favor dos seus (cf. 5,26.21); e seu sopro é o
da vida eterna.
4. A participação dos discípulos no poder de Jesus
ressuscitado de perdoar
João relata a
dádiva do Espírito por Jesus com poder sobre o pecado: “A quem perdoardes os pecados
eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”
(v.23). Jesus foi enviado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo
1,29; cf. 1Jo 2,1-2). Agora Jesus compartilha esse poder com seus discípulos. A
descrição deste poder se relaciona ao fato de que a vinda de Jesus produzirá um
julgamento (krisis) na medida em que
as pessoas optarem pelas trevas ou pela luz, de modo que alguns serão
condenados e outros, não (cf. Jo 3,18-21).
Jesus se assemelha tanto a Deus, a ponto de as pessoas que o encontram
serem levadas a um autojulgamento. Do mesmo modo, os discípulos devem se
assemelhar a Jesus para que aqueles que os encontram sejam levados também a um autojulgamento
similar. Neste sentido, representar Cristo em um grau que força as pessoas a
tomarem uma decisão em suas vidas é um tremendo poder. A outorga do poder de
perdoar os pecados, repetida duas vezes, é formulada de maneira tipicamente
semita. A frase acima dita por Jesus (v.23) significa que o poder de perdoar
dado por Ressuscitado à sua Igreja é total e definitivo. Os discípulos
representam, em Jo, todos os cristãos futuros: as palavras que Jesus lhes
dirige coletivamente visam sempre aos fiéis em geral. Do ponto de vista
exegético, não se pode limitar aos “Onze” e aos seus “sucessores” a mediação do
perdão divino que o Ressuscitado confia à comunidade dos seus, menos ainda
porque esta palavra segue-se imediatamente depois daquela sobre o dom do
Espírito Santo.
Para Jo o pecado
fundamental é a recusa do Logos libertador. E essa recusa se manifesta através
do medo e a busca da própria glória (Jo12,42s), da mentira (Jo 8,44), do ódio (Jo
15,18-25), do assassinato do Justo (Jo 7,19;8,40 e cf. 19,11). Estes princípios
frustram o projeto criador e levam o homem à sua própria condenação. O pecado é
opção que frustra o desígnio divino sobre o homem, privando-o da vida. O pecado
cria assim uma situação de morte. O homem que faz a opção pelo pecado
condena-se com ela à morte. O pecado é a solidariedade com o mal. Essa
solidariedade opõe-se à solidariedade do bem criada por Jesus. Mas a salvação
divina prevaleceu sobre as trevas e alcançou doravante todo ser humano, pela
mediação dos discípulos. No contexto joanino, é o próprio Jesus que por meio
dos seus discípulos, exerce o ministério do perdão (Jo 14,12. 20). A formulação
em forma positiva e negativa vem do estilo semítico, que exprime a totalidade
por um par de opostos. “Perdoar/manter” significa aqui a totalidade do poder
misericordioso transmitido pelo Ressuscitado aos discípulos. A forma passiva
“serão perdoados/retidos” referente ao efeito obtido implica que Deus é o autor
do perdão. Pode-se dizer que no momento em que a comunidade perdoa, Deus mesmo
perdoa.
II. A APARIÇÃO DE JESUS AOS
DISCÍPULOS COM TOMÉ (Jo 20,24-29)
1. A incredulidade e a
profissão de fé de Tomé
A segunda unidade
fala do episódio com Tomé. É
exclusivo de Jo. Tomé foi retratado em Jo 11,16 e 14,5 como uma figura não
facilmente persuasível. Ele é um seguidor fino ou sutil mas é lento em captar o
mistério da pessoa de Jesus, pois ele procura provas concretas e claras de fé (Jo
11,16;14,5).
O texto nos diz
que “Tomé não estava com eles quando Jesus apareceu” (v.14). Ele está ausente
da comunidade não só em sentido próprio, mas também no figurado. Com
intransigência, ele rejeita o testemunho pascal dos outros discípulos que viram
o Senhor. Recusar o testemunho da ressurreição é romper com a comunidade. Por
esta recusa Tomé estraga sua própria alegria e ele se torna um isolado e
decepcionado. Uma pessoa que se isola não tem como curá-la. As pessoas
decepcionadas têm logo a tendência a criticar duramente nos outros aquilo que
mais ardentemente desejaram para si mesmas, e que não puderam conseguir. A
inveja torna a pessoa amarga. A pessoa se fecha no passado, incapaz de
superá-lo. A dificuldade de Tomé é ter permanecido na Paixão quando a
Ressurreição mudou tudo. Ele vive nas trevas do passado e recusa o hoje
radioso. Por isso, ele se torna um isolado. Uma pessoa isolada não pode ser
ajudada. Só ao sair do isolamento é que ela pode ser ajudada.
Os discípulos, que
viram Jesus ressuscitado em Jo 20,19-23, fazem exatamente o mesmo relato que
Maria Madalena fizera a eles: “Vimos o Senhor!”(Jo 20,18.25). Mas Tomé foi
inflexível ao recusar-se a acreditar na palavra deles: “Se eu não vir... e puser meu dedo... não acreditarei” (v.25b). Na
verdade, outros evangelistas relatam também dúvidas dos discípulos depois da
ressurreição (cf. Mt 28,17; Mc 16,11.14; Lc 24,11.41), mas somente o
evangelista João dramatiza a dúvida de modo tão pessoal em um só indivíduo. A
atitude de Tomé em pedir provas foi condenada por Jesus em Jo 4,48: “Se não virdes sinais e prodígios, não
crereis”. O Jesus de João não rejeita a possibilidade de que sinais (milagres)
e prodígios levem o povo à fé, mas rejeita sinais(milagres) que exijam o
cumprimento absoluto de condições. Neste relato Tomé é apresentado como um
discípulo pré-pascal, pois ele exige o aspecto miraculoso da aparição de Jesus (Jo
4,48). Como Natanael, Tomé rejeitou a fé dos outros discípulos que tinham
“visto o Senhor” (v.25;1,45-46). Tomé não só não aceita o testemunho dos que
viram Jesus, mas põe condições para crer. Para ele a ressurreição não aconteceu
e ele acha que ele tem razão e o resto está enganado. Tais exigência revelam a
teimosia e a autossuficiência de Tomé. Ele pretende ter razão sozinho contra o
testemunho de todos os outros. A teimosia, geralmente, costuma pagar caro.
Apesar da decepção
e da dúvida que ele tem, no coração de Tomé ainda sobrevive o sentimento ou o
desejo de ver o Senhor. Embora, para ele, voltar ao grupo signifique curvar a
cabeça. Mas justamente no lugar de cura é que alguém tem coragem de mostrar as
feridas. Diante de um médico é que uma pessoa tem coragem de falar das doenças.
Nesse encontro
quem toma a iniciativa é Jesus. Depois de saudá-los, Jesus logo convida Tomé a
colocar dedo nas suas feridas dos pregos. Nessa altura, na sua experiência
pessoal com Jesus, Tomé somente é capaz de dizer: “Meu Senhor e meu Deus” (v.28). A profissão de fé de Tomé encerra
uma série de confissões feitas ao longo do Evangelho de João: por Natanael (1,49),
pelos samaritanos(4,42), por Pedro(6,69), pelo cego de nascença(9,38), por
Marta (11,27). ”Senhor” e “Deus” (Yahweh Elohim) são nomes para Deus no AT (Sl
35,23). Isto quer dizer que a fé pascal de Tomé reconhece Deus em Jesus
ressuscitado. Na verdade, o evangelista já reconhece a divindade de Jesus desde
o prólogo do seu evangelho: “No princípio
era o Verbo... e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”
(Jo 1,1.14). A resposta de Tomé em sua profissão de fé chama de volta as
palavras de Jesus para si próprio e para Filipe: “Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai...Quem me vê, vê o Pai”
(Jo 14,7.9). Como Natanael, o seu firme
cepticismo se transforma numa suprema profissão de fé depois que ele teve uma
experiência pessoal com Jesus (v.28; 1,45-49).
A profissão de fé:
“Meu Senhor e meu Deus” é a maior profissão de fé no Evangelho de João. A
resposta de Tomé é tão extremada como sua incredulidade. Ao chamá-lo “meu
Senhor”, Tomé reconhece o amor de Jesus e o aceita, expressando ao mesmo tempo
sua total adesão. Tomé reconhece em Jesus o acabamento do projeto divino sobre
o homem e o toma como modelo para si (meu Senhor e meu Deus) e reconhece em
Jesus o servo glorificado em pé da igualdade com o Pai (Deus).
Esta confissão de
fé no fim do Evangelho de João faz um elo com o prólogo (Jo 1,1). A ironia
final do Evangelho é que o discípulo que mais duvidou faz a mais alta da
profissão de fé e diz a expressão da mais alta avaliação de Jesus, proferida em
qualquer Evangelho: “Meu Senhor e meu Deus”. No prólogo o evangelista afirma
que a Palavra era Deus (Jo 1,1). Agora, por uma inclusão, ele mostrou como foi
difícil para os seguidores de Jesus chegarem à tal visão. Tomé tem sido
lembrado como o homem que duvida por excelência; todavia, as últimas palavras
de Jesus para ele, em resposta à sua profissão de fé, constituem um invejável
elogio: “Tu acreditaste” (v.29a).
3. A bem-aventurança
dirigida a Tomé e a todos os que creem em Cristo
Tomé acreditou
quando foi desafiado pelo Mestre a realizar seu projeto de investigação para
acabar com a incredulidade. O louvor final para a fé, no entanto, é estendido
por Jesus àqueles que tinham acreditado sem ver a presença corporal: “Felizes os que, sem terem visto, creram!”
(v.29b). Esta é a única bem-aventurança explícita referente à fé no Evangelho
de João (compare Jo 13,17). Além desta bem-aventurança, somente há em todo o NT
mais uma bem-aventurança referente à fé: “Feliz
és tu que creste...” (Lc 1,45) dita por Isabel a Maria. A autenticidade da
fé não é verificada por experiências extraordinárias, como pretendia Tomé, mas
pelas práticas concretas de comunhão (Tomé antes afastou-se da comunidade), de
amor (que é o maior mandamento do Senhor cf. Jo 15,12), e de serviço aos irmãos
como Jesus enfatizou no lava-pés (Jo 13,14-17). Por isso, esta bem-aventurança
está ao alcance de todos. Ela privilegia os que creem sem ter visto. Esta
bem-aventurança é dirigida aos cristãos de todos os tempos. Portanto ela é
dirigida também a mim. Tenho que estar
consciente de que para Jesus sou feliz porque creio nele como o Senhor da minha
vida. Exageradamente posso dizer que eu
deveria gritar diante do mundo que sou feliz, sou bem-aventurado pelo fato de
eu acreditar nAquele que dá sentido à minha existência, Aquele se chama “Meu
Senhor e meu Deus”. No evangelho de João, nenhum maior louvor pode ser dado a
Jesus do que a frase “Meu Senhor e meu
Deus”; e nenhum maior louvor pode ser dado aos seguidores de Jesus do que a
frase “Felizes os que, sem terem visto,
creram!”. Através desta fé, a profecia de Oséias 2,25 é cumprida: “Um povo
que antigamente não era um povo disse: ‘O Senhor é meu Deus’”. O próprio
evangelista João afirma que através daquela fé, os seguidores de Jesus “têm a
vida em seu nome” (Jo 20,31).
Na verdade, não
precisamos mais de outros sinais ou aparições. É basta abrir o Evangelho,
descobrir o sentido profundo da Palavra de Deus e crer em Jesus para ter a vida
em abundância (Jo 20,31), pois Jesus é a maior revelação do Pai. Crendo,
começaremos ver o mundo com olhos diferentes, começaremos a perceber sentido na
proposta de Jesus. A fé produz um modo novo de ver, traz uma nova escala de
valores. A carta de São João diz que a vitória que vence o mundo é a fé (1Jo
5,4). Essa fé é que dá força para viver a partilha, mesmo quando a sociedade
vive de acumular e explorar o próximo. Não se pode viver em paz enquanto outros
sofrem e têm carência do essencial. Não sobra espaço onde cada um só pensa em
si. Crer em Jesus é apostar a vida naquilo que ele propôs, mesmo quando não
vemos logo um resultado. Ele nos diz que seremos felizes se acreditarmos nele.
Mas também nos convida a levar a outros essa capacidade de crer e viver o
evangelho. Pedro nos oferece um paralelo em sua primeira carta: “Sem tê-Lo
visto, vós o amais “(1Pd 1,8). Este amor pede coragem porque jamais vimos Jesus
histórico; e esta fé exige generosidade, porque não há mão que possamos segurar
a não ser a mão de Deus. Que esta fé se realize na vida de cada um de nós e por
nós na vida de muitos outros pois somos carta viva do Senhor ressuscitado, como
diz São Paulo: “Evidentemente, sois uma
carta de Cristo, entregue ao nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o
Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos
corações!” (2Cor 3,3).
P. Vitus Gustama,svd
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