quarta-feira, 4 de abril de 2018

Domingo,08/04/2018
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JESUS RESSUSCITADO DEVE OCUPAR O LUGAR CENTRAL NA VIDA DOS HOMENS PARA QUE HAJA A PAZ NA CONVIVÊNCIA
II DOMINGO DA PÁSCOA


I Leitura: At 2,42-47
 Os que se haviam convertido 42eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. 43E todos estavam cheios de temor por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam. 44Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum; 45vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. 46Diariamente, todos frequentavam o Templo, partiam o pão pelas casas e, unidos, tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. 47Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas.


II Leitura: 1Pd 1,3-9
3Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo, para uma esperança viva, 4para uma herança incorruptível, que não se mancha nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. 5Graças à fé, e pelo poder de Deus, vós fostes guardados para a salvação que deve manifestar-se nos últimos tempos. 6Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações. 7Deste modo, a vossa fé será provada como sendo verdadeira — mais preciosa que o ouro perecível, que é provado no fogo — e alcançará louvor, honra e glória no dia da manifestação de Jesus Cristo. 8Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, 9pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação.


Evangelho: Jo 20,19-31
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. 24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” 30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
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I. APARIÇÃO DE JESUS SEM TOMÉ


A cena do evangelho deste dia acontece em Jerusalém num lugar não especificado. A tradição o identificou, embora não tenha fundamento, com o Cenáculo, a sala de cima na qual os discípulos se reuniram antes de Pentecostes (At 1,13), e onde fora instituída a Eucaristia (Lc 22,12). Jo só nos relatou que os discípulos estavam reunidos num mesmo lugar para sublinhar o caráter eclesial da aparição. A primeira unidade do evangelho de hoje (Jo 20,19-23) narra sobre a aparição do Ressuscitado aos discípulos sem a presença de Tomé.


1. Jesus vem nos trazer “Shalom” conquanto ele deve estar no meio de nós


O relato diz que as portas estão fechadas por medo dos judeus. “Todos os homens têm medo. Todos. Aquele que não tem medo não é normal, isso nada tem a ver com a coragem”, escreveu Sarte. “Sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido”, acrescentou G. Delpierre.


Realmente, a segurança fica cada vez mais distante de nós hoje em dia. Os homens perdem cada vez mais o direito de ir e de vir. Praticamente como se não fôssemos dono das coisas que conquistamos pelo nosso trabalho duro de cada dia. Perdemos o direito de usar as coisas que são nossas, fruto de nossa conquista e suor. Todos têm medo de andar na rua com coisas valiosas na mão. O muro de um prédio ou casa fica cada vez mais alto com intuito de impedir um pouco a invasão dos estranhos. As câmeras podem ser vistas em qualquer canto vigiando os que entram e saem num e dum prédio. Mas todas são feitas por um ser humana o que sugere a sua precariedade. Todos começam, por isso, a ter saudade dos tempos antigos em que podiam ficar na rua numa noite de lua cheia sem medo nem preocupação. É uma saudade do paraíso perdido pela própria culpa do ser humano. O pecado expulsa de nossa convivência a beleza do Paraíso da fraternidade. Consequentemente o ser humano se torna cada vez mais estranho para si e para os outros. Ele vive suspeitando qualquer outro desconhecido por causa da insegurança. O outro não é mais considerado como irmão, mas como uma ameaça. “A necessidade de segurança é, portanto, fundamental; está na base da afetividade e da moral humanas. A insegurança é símbolo de morte e a segurança símbolo da vida. Mas se ultrapassa uma dose suportável, ele se torna patológico e cria bloqueios. Pode-se morrer de medo, ou ao menos ficar paralisado por ele”, afirma Jean Delumeau. Nas cidades grandes tem-se impressão de que o medo já ultrapassou uma dose suportável. “O medo é um inimigo mais perigoso do que todos os outros” (Simenon). O medo constitui uma das maiores ameaças à vida; impede que a vida seja desfrutada e vivida em sua tranquilidade. O medo impede a criatividade e põe em perigo a esperança.


Será que temos ainda alguma esperança de encontrar algum meio para arrancar todo este medo que ultrapassou uma dose suportável? A Bíblia conhece somente um meio pelo qual o coração humano se pode defender do medo: a fé em Deus. Só Deus é a rocha. As outras seguranças desiludem. Somos desafiados, por isso, a viver e a mostrar este Deus, Pai de todos para que a fraternidade universal volte a ser marca de uma convivência humana. Mas enquanto Deus continuar a ser marginalizado (ficar na margem de nosso coração), o medo e a insegurança permanecerão na convivência humana.


O motivo do medo não é novo no quarto evangelho (cf. Jo 7,13;9,22;12,42). Os discípulos experimentaram amplamente o medo dos judeus. Seu Mestre foi executado e eles corriam risco de receber o mesmo castigo. O medo é uma emoção-choque, frequentemente precedida de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça.  Normalmente o medo provoca efeitos como: a aceleração dos movimentos do coração ou sua diminuição; uma respiração demasiadamente rápida ou lenta; um comportamento de imobilização ou uma exteriorização violenta etc. Nessa situação, para os discípulos, ter medo era ser realista.


Certamente nessa situação Jesus apareceu no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.  A paz, Shalom, é a palavra que os judeus usam até hoje como uma saudação comum. A ideia bíblica de paz, Shalom, é rica. Significa muito mais que a cessação de violência e conflito. É o estado para o qual o mundo foi criado por Deus. É a melhor descrição de como será o Reino de Deus: um “lugar” de segurança, justiça e verdade; “lugar” de confiança, inclusão e amor; “lugar” de alegria, felicidade e bem-estar. Talvez possamos traduzir a palavra “Shalom” para o português com a expressão: “Tudo de bom para você!”


O “A paz esteja convosco” de Jesus, aqui neste texto, não é um desejo, e sim uma declaração. Ele vai além de um cumprimento por causa daquilo que Jesus proclamou na última ceia: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vos dou a paz como o mundo dá” (Jo 14,27). A própria presença de Jesus Ressuscitado oferece aos discípulos essa paz maravilhosa, pois essa é, agora, a experiência de Jesus. Seu sofrimento ficou atrás, e ele agora habita na paz de Deus. Jesus ressuscitado vem libertar os seus. Ele é fiel, pois cumpriu aquilo que ele tinha prometido: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós” (Jo 14,18). Aquele que se sente desamparado, aquele que está desorientado, aquele que se sente perdido deve escutar e refletir a verdade dessa promessa da presença de Jesus ressuscitado: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós”. A paz voltará para a convivência, se houve um lugar central para Jesus na convivência.


Sejam órfãos no sentido literal da palavra, sejam aqueles órfãos de sentido, de carinho, de reconhecimento, de amor etc., todos encontrarão o amparo em Jesus Cristo. Procuremos este Amparo para que não sejamos órfãos de tudo. Não é por acaso que o evangelista João usa esta expressão “pôr-se no meio (centro) deles” (v.19). Isto quer dizer que Jesus deve ser o centro de nossa vida, deve ser o centro da vida da comunidade, pois ele é a fonte da vida, ele é o tronco dos galhos (cf. Jo 15,1-8), ele é o ponto de referência, o fator da unidade (cf. Jo 17,11.21-22). Para que uma comunidade se torne cristã, ela deve estar centrada em Jesus Cristo e somente nele.  Somente quando Jesus se torna centro de uma comunidade, evitar-se-á todo tipo de disputa desnecessária, a não ser somente uma disputa para servir. Sem este centro ficaremos órfãos, desamparados e perderemos a segurança. Além do mais a presença do outro se torna sempre uma ameaça e não mais uma presença de um irmão ou de uma irmã, quando Jesus Cristo não se torna único centro para todos.


Os discípulos são convidados a superar o medo e a abrir-se à fé; só assim tornam-se disponíveis para o dom da paz e da alegria, os dois dons que Jesus lhes tinha prometido no seu discurso de despedida (cf. Jo 14,27;16,33). A paz e a alegria são o dom do Cristo Ressuscitado, mas também condição para reconhecê-lo.


Ao contar a reação dos discípulos, Jo escreveu: “Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor” (v.20b). O uso deste título-padrão “Senhor” pós-ressurreição é o mais próximo que João podia empregar para nos dizer que os discípulos acreditavam. Certamente “crer” no Senhor é o objetivo principal do Evangelho de João.


2. Missão de Jesus é a missão dos discípulos que tem origem no Pai


O que se segue é a missão dos discípulos: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (v.21). Jesus é o Enviado por excelência (Jo 3,31-34;5,30;7,17s.28;8,16.28s.42;12,44s;16,28).        A missão provém de Deus, que quer dar a vida ao mundo. O envio dos discípulos implica tudo o que visava o ministério confiado a Jesus: glorificar o Pai, fazendo conhecer seu nome e manifestando seu amor (cf. 17,6.26). Do mesmo modo como o Pai esteve presente com Jesus na sua missão, assim os discípulos não estarão nunca sozinhos no cumprimento de sua missão (cf. Mt 28,20).  O uso do termo “como” aqui (vv.17.18.20.21), por isso, expressa ao mesmo tempo semelhança e causalidade. A missão dos discípulos deve ser uma continuação da missão de Jesus que tem como modelo na missão de revelação e de salvação que Jesus recebeu do Pai (cf. Jo 3,17.34; 5,36.38;6,57 etc.). Isto significa que os discípulos devem seguir o caminho que Jesus percorreu, devem agir como Jesus agiu, servir como ele serviu, perdoar como ele perdoou; ou simplesmente pode-se dizer que devem amar como ele amou (cf. Jo 13,34; 15,12). Trata-se, por isso, de uma única missão.


Aqui a ressurreição está vinculada à missão. Os discípulos são chamados e enviados para ser testemunhas do anúncio da morte que foi vencida, para ser testemunhas do “Shalom”. A Igreja surge ao redor dessa fé na ressurreição. Os discípulos são enviados para proclamar a verdade de que não é qualquer vida pode ressuscitar gloriosamente como a de Jesus, e sim somente uma vida que tem como características: vida de doação, de serviço, de perdão, de fidelidade plena a Deus, como foi a vida de Jesus. Somente assim, o cristão possuirá a vida eterna ressuscitada. Ser enviado significa ser pessoa que lança as sementes da ressurreição feito de justiça, de amor, de reconciliação e de abertura incondicional a Deus. Se um cristão, o enviado, fizer assim, a vida nova e a ressurreição estão germinando. E ele tem que cuidar bem deste germe para que ele possa chegar à sua plenitude.


3. O sopro de Jesus é o sopro da vida


“Dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (v.22). O gesto de Jesus reproduz o gesto primordial da criação dos seres humanos por Deus (Gn 2,7). O Criador “insuflou no homem um sopro que faz viver” (Sb 15,11;Ez 37,9). Assim como na primeira criação o sopro de Deus trouxe a vida ao ser humano, à sua imagem e semelhança, assim também a dádiva de Jesus de seu próprio Espírito torna os discípulos filhos de Deus, à semelhança do Filho. Agora eles nasceram do Espírito (cf. Jo 3,5). O sopro de Deus no Gênesis deu vida; o sopro de Jesus dá vida eterna. “Soprar”, por isso, quer dizer dar vida a quem não a tem. Isso significa que o ser humano só existe porque é sustentado pelo sopro de Deus. Trata-se agora da nova criação: Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem (cf. Jo 3,3-8), capacitando-o para partilhar a comunhão divina. O Filho que “tem a vida em si mesmo” dispõe dela a favor dos seus (cf. 5,26.21); e seu sopro é o da vida eterna. 


4. A participação dos discípulos no poder de Jesus ressuscitado de perdoar


João relata a dádiva do Espírito por Jesus com poder sobre o pecado: “A quem perdoardes os pecados eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (v.23). Jesus foi enviado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1,29; cf. 1Jo 2,1-2). Agora Jesus compartilha esse poder com seus discípulos. A descrição deste poder se relaciona ao fato de que a vinda de Jesus produzirá um julgamento (krisis) na medida em que as pessoas optarem pelas trevas ou pela luz, de modo que alguns serão condenados e outros, não (cf. Jo 3,18-21).  Jesus se assemelha tanto a Deus, a ponto de as pessoas que o encontram serem levadas a um autojulgamento. Do mesmo modo, os discípulos devem se assemelhar a Jesus para que aqueles que os encontram sejam levados também a um autojulgamento similar. Neste sentido, representar Cristo em um grau que força as pessoas a tomarem uma decisão em suas vidas é um tremendo poder. A outorga do poder de perdoar os pecados, repetida duas vezes, é formulada de maneira tipicamente semita. A frase acima dita por Jesus (v.23) significa que o poder de perdoar dado por Ressuscitado à sua Igreja é total e definitivo. Os discípulos representam, em Jo, todos os cristãos futuros: as palavras que Jesus lhes dirige coletivamente visam sempre aos fiéis em geral. Do ponto de vista exegético, não se pode limitar aos “Onze” e aos seus “sucessores” a mediação do perdão divino que o Ressuscitado confia à comunidade dos seus, menos ainda porque esta palavra segue-se imediatamente depois daquela sobre o dom do Espírito Santo.


Para Jo o pecado fundamental é a recusa do Logos libertador. E essa recusa se manifesta através do medo e a busca da própria glória (Jo12,42s), da mentira (Jo 8,44), do ódio (Jo 15,18-25), do assassinato do Justo (Jo 7,19;8,40 e cf. 19,11). Estes princípios frustram o projeto criador e levam o homem à sua própria condenação. O pecado é opção que frustra o desígnio divino sobre o homem, privando-o da vida. O pecado cria assim uma situação de morte. O homem que faz a opção pelo pecado condena-se com ela à morte. O pecado é a solidariedade com o mal. Essa solidariedade opõe-se à solidariedade do bem criada por Jesus. Mas a salvação divina prevaleceu sobre as trevas e alcançou doravante todo ser humano, pela mediação dos discípulos. No contexto joanino, é o próprio Jesus que por meio dos seus discípulos, exerce o ministério do perdão (Jo 14,12. 20). A formulação em forma positiva e negativa vem do estilo semítico, que exprime a totalidade por um par de opostos. “Perdoar/manter” significa aqui a totalidade do poder misericordioso transmitido pelo Ressuscitado aos discípulos. A forma passiva “serão perdoados/retidos” referente ao efeito obtido implica que Deus é o autor do perdão. Pode-se dizer que no momento em que a comunidade perdoa, Deus mesmo perdoa.


II. A APARIÇÃO DE JESUS AOS DISCÍPULOS COM TOMÉ (Jo 20,24-29)


1. A incredulidade e a profissão de fé de Tomé 


A segunda unidade fala do episódio com Tomé. É exclusivo de Jo. Tomé foi retratado em Jo 11,16 e 14,5 como uma figura não facilmente persuasível. Ele é um seguidor fino ou sutil mas é lento em captar o mistério da pessoa de Jesus, pois ele procura provas concretas e claras de fé (Jo 11,16;14,5).


O texto nos diz que “Tomé não estava com eles quando Jesus apareceu” (v.14). Ele está ausente da comunidade não só em sentido próprio, mas também no figurado. Com intransigência, ele rejeita o testemunho pascal dos outros discípulos que viram o Senhor. Recusar o testemunho da ressurreição é romper com a comunidade. Por esta recusa Tomé estraga sua própria alegria e ele se torna um isolado e decepcionado. Uma pessoa que se isola não tem como curá-la. As pessoas decepcionadas têm logo a tendência a criticar duramente nos outros aquilo que mais ardentemente desejaram para si mesmas, e que não puderam conseguir. A inveja torna a pessoa amarga. A pessoa se fecha no passado, incapaz de superá-lo. A dificuldade de Tomé é ter permanecido na Paixão quando a Ressurreição mudou tudo. Ele vive nas trevas do passado e recusa o hoje radioso. Por isso, ele se torna um isolado. Uma pessoa isolada não pode ser ajudada. Só ao sair do isolamento é que ela pode ser ajudada.


Os discípulos, que viram Jesus ressuscitado em Jo 20,19-23, fazem exatamente o mesmo relato que Maria Madalena fizera a eles: “Vimos o Senhor!”(Jo 20,18.25). Mas Tomé foi inflexível ao recusar-se a acreditar na palavra deles: “Se eu não vir... e puser meu dedo... não acreditarei” (v.25b). Na verdade, outros evangelistas relatam também dúvidas dos discípulos depois da ressurreição (cf. Mt 28,17; Mc 16,11.14; Lc 24,11.41), mas somente o evangelista João dramatiza a dúvida de modo tão pessoal em um só indivíduo. A atitude de Tomé em pedir provas foi condenada por Jesus em Jo 4,48: “Se não virdes sinais e prodígios, não crereis”. O Jesus de João não rejeita a possibilidade de que sinais (milagres) e prodígios levem o povo à fé, mas rejeita sinais(milagres) que exijam o cumprimento absoluto de condições. Neste relato Tomé é apresentado como um discípulo pré-pascal, pois ele exige o aspecto miraculoso da aparição de Jesus (Jo 4,48). Como Natanael, Tomé rejeitou a fé dos outros discípulos que tinham “visto o Senhor” (v.25;1,45-46). Tomé não só não aceita o testemunho dos que viram Jesus, mas põe condições para crer. Para ele a ressurreição não aconteceu e ele acha que ele tem razão e o resto está enganado. Tais exigência revelam a teimosia e a autossuficiência de Tomé. Ele pretende ter razão sozinho contra o testemunho de todos os outros. A teimosia, geralmente, costuma pagar caro.


Apesar da decepção e da dúvida que ele tem, no coração de Tomé ainda sobrevive o sentimento ou o desejo de ver o Senhor. Embora, para ele, voltar ao grupo signifique curvar a cabeça. Mas justamente no lugar de cura é que alguém tem coragem de mostrar as feridas. Diante de um médico é que uma pessoa tem coragem de falar das doenças.   


Nesse encontro quem toma a iniciativa é Jesus. Depois de saudá-los, Jesus logo convida Tomé a colocar dedo nas suas feridas dos pregos. Nessa altura, na sua experiência pessoal com Jesus, Tomé somente é capaz de dizer: “Meu Senhor e meu Deus” (v.28). A profissão de fé de Tomé encerra uma série de confissões feitas ao longo do Evangelho de João: por Natanael (1,49), pelos samaritanos(4,42), por Pedro(6,69), pelo cego de nascença(9,38), por Marta (11,27). ”Senhor” e “Deus” (Yahweh Elohim) são nomes para Deus no AT (Sl 35,23). Isto quer dizer que a fé pascal de Tomé reconhece Deus em Jesus ressuscitado. Na verdade, o evangelista já reconhece a divindade de Jesus desde o prólogo do seu evangelho: “No princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,1.14). A resposta de Tomé em sua profissão de fé chama de volta as palavras de Jesus para si próprio e para Filipe: “Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai...Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,7.9).  Como Natanael, o seu firme cepticismo se transforma numa suprema profissão de fé depois que ele teve uma experiência pessoal com Jesus (v.28; 1,45-49).


A profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus” é a maior profissão de fé no Evangelho de João. A resposta de Tomé é tão extremada como sua incredulidade. Ao chamá-lo “meu Senhor”, Tomé reconhece o amor de Jesus e o aceita, expressando ao mesmo tempo sua total adesão. Tomé reconhece em Jesus o acabamento do projeto divino sobre o homem e o toma como modelo para si (meu Senhor e meu Deus) e reconhece em Jesus o servo glorificado em pé da igualdade com o Pai (Deus).


Esta confissão de fé no fim do Evangelho de João faz um elo com o prólogo (Jo 1,1). A ironia final do Evangelho é que o discípulo que mais duvidou faz a mais alta da profissão de fé e diz a expressão da mais alta avaliação de Jesus, proferida em qualquer Evangelho: “Meu Senhor e meu Deus”. No prólogo o evangelista afirma que a Palavra era Deus (Jo 1,1). Agora, por uma inclusão, ele mostrou como foi difícil para os seguidores de Jesus chegarem à tal visão. Tomé tem sido lembrado como o homem que duvida por excelência; todavia, as últimas palavras de Jesus para ele, em resposta à sua profissão de fé, constituem um invejável elogio: “Tu acreditaste” (v.29a).


3. A bem-aventurança dirigida a Tomé e a todos os que creem em Cristo


Tomé acreditou quando foi desafiado pelo Mestre a realizar seu projeto de investigação para acabar com a incredulidade. O louvor final para a fé, no entanto, é estendido por Jesus àqueles que tinham acreditado sem ver a presença corporal: “Felizes os que, sem terem visto, creram!” (v.29b). Esta é a única bem-aventurança explícita referente à fé no Evangelho de João (compare Jo 13,17). Além desta bem-aventurança, somente há em todo o NT mais uma bem-aventurança referente à fé: “Feliz és tu que creste...” (Lc 1,45) dita por Isabel a Maria. A autenticidade da fé não é verificada por experiências extraordinárias, como pretendia Tomé, mas pelas práticas concretas de comunhão (Tomé antes afastou-se da comunidade), de amor (que é o maior mandamento do Senhor cf. Jo 15,12), e de serviço aos irmãos como Jesus enfatizou no lava-pés (Jo 13,14-17). Por isso, esta bem-aventurança está ao alcance de todos. Ela privilegia os que creem sem ter visto. Esta bem-aventurança é dirigida aos cristãos de todos os tempos. Portanto ela é dirigida também a mim.  Tenho que estar consciente de que para Jesus sou feliz porque creio nele como o Senhor da minha vida.  Exageradamente posso dizer que eu deveria gritar diante do mundo que sou feliz, sou bem-aventurado pelo fato de eu acreditar nAquele que dá sentido à minha existência, Aquele se chama “Meu Senhor e meu Deus”. No evangelho de João, nenhum maior louvor pode ser dado a Jesus do que a frase “Meu Senhor e meu Deus”; e nenhum maior louvor pode ser dado aos seguidores de Jesus do que a frase “Felizes os que, sem terem visto, creram!”. Através desta fé, a profecia de Oséias 2,25 é cumprida: “Um povo que antigamente não era um povo disse: ‘O Senhor é meu Deus’”. O próprio evangelista João afirma que através daquela fé, os seguidores de Jesus “têm a vida em seu nome” (Jo 20,31).


Na verdade, não precisamos mais de outros sinais ou aparições. É basta abrir o Evangelho, descobrir o sentido profundo da Palavra de Deus e crer em Jesus para ter a vida em abundância (Jo 20,31), pois Jesus é a maior revelação do Pai. Crendo, começaremos ver o mundo com olhos diferentes, começaremos a perceber sentido na proposta de Jesus. A fé produz um modo novo de ver, traz uma nova escala de valores. A carta de São João diz que a vitória que vence o mundo é a fé (1Jo 5,4). Essa fé é que dá força para viver a partilha, mesmo quando a sociedade vive de acumular e explorar o próximo. Não se pode viver em paz enquanto outros sofrem e têm carência do essencial. Não sobra espaço onde cada um só pensa em si. Crer em Jesus é apostar a vida naquilo que ele propôs, mesmo quando não vemos logo um resultado. Ele nos diz que seremos felizes se acreditarmos nele. Mas também nos convida a levar a outros essa capacidade de crer e viver o evangelho. Pedro nos oferece um paralelo em sua primeira carta: “Sem tê-Lo visto, vós o amais “(1Pd 1,8). Este amor pede coragem porque jamais vimos Jesus histórico; e esta fé exige generosidade, porque não há mão que possamos segurar a não ser a mão de Deus. Que esta fé se realize na vida de cada um de nós e por nós na vida de muitos outros pois somos carta viva do Senhor ressuscitado, como diz São Paulo: “Evidentemente, sois uma carta de Cristo, entregue ao nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos corações!” (2Cor 3,3).
P. Vitus Gustama,svd

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