quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Domingo,27/10/2019
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VIVER E REZAR COM SIMPLICIDADE E HUMILDADE
XXX DOMINGO COMUM “C”

Primeira Leitura: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a
15b O Senhor é um juiz que não faz discriminação de pessoas. 16 Ele não é parcial em prejuízo do pobre, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos; 17 jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas. 20 Quem serve a Deus como ele o quer, será bem acolhido e suas súplicas subirão até as nuvens. 21 A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, 22ª faça justiça aos justos e execute o julgamento.


Segunda Leitura: 2Tm 4,6-8.16-18
Caríssimo: 6 Quanto a mim, eu já estou para ser oferecido em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. 7 Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. 8 Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor a sua manifestação gloriosa. 16 Na minha primeira defesa, ninguém me assistiu; todos me abandonaram. Oxalá que não lhes seja levado em conta. 17 Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças; ele fez com que a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e eu fui libertado da boca do leão. 18 O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.


Evangelho: Lc 18,9-14
Naquele tempo, 9 Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros: 10 “Dois homens subiram ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos. 11 O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. 12 Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda’. 13 O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’ 14 Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado”.
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As leituras deste Domingo nos falam sobre o como deve ser nossa relação com Deus: com muita humildade por sermos pecadores, mas confiamos totalmente na misericórdia do Senhor. O centro de tudo é saber-se e sentir-se pecador e débil. Esta é a Boa Notícia: que sentir-se pecador não é uma desgraça, mas sim uma alegria.


A Primeira Leitura e o Salmo Responsorial de hoje, que em princípio se referem aos pobres e oprimidos do mundo, hoje podemos entender como uma canção para esse Deus que "gosta" de salvar aqueles que não têm como se salvar, que somos todos nós. É necessário, apenas, que o reconheçamos e nos coloquemos nas mãos deste Deus misericordioso. Deus “jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva, quando desabafa suas mágoas. ... A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento”, lemos na Primeira Leitura de hoje.


E na Segunda Leitura são Paulo nos relembra que pretender salvar-se mediante o cumprimento da Lei é impossível, pois ninguém jamais poderia dizer que cumpre a Lei totalmente. O que salva não é chegar a cumprir tudo o que há que cumprir e sim caminhar pelo caminho de Jesus Cristo com muita confiança, com muita fé.


No Evangelho de hoje, Jesus sublinha a humildade do publicano, seu arrependimento e a abstenção de julgar em seu coração, e isto será o que o justifica e que o faz voltar para a casa com o sentimento profundo do perdão de Deus.


O fariseu mais que rezar a Deus, se reza a si mesmo. Ele tem ousadia de dar graças por não ser como os demais homens: ladroes, injustos e adúlteros. Para ele a salvação não depende de Deus, mas de si mesmo, de sua própria fidelidade, de sua própria vida. Isso faz que para o fariseu a Lei seja fonte de direitos diante de Deus. Para ele, as boas obras lhe fazem merecedor, por direito próprio, da própria salvação. E ao mesmo tempo, ele despreza quem não vive como ele vive.


A figura do fariseu do Evangelho de hoje podemos encontrar com certa frequência nos círculos cristãos: homens cumpridores, seguros de si mesmos, que despezam os que não são como eles.


Todos nós temos em nossas vidas uma série de atitudes farisaicas que nos leva a acreditar que somos bons, melhores do que outros. Todos nós, em alguma ocasião, pensamos no que Deus nos dará " como pagamento justo pelos nossos méritos".


Cristo condena o fariseu não por ser um religioso, não por levar uma vida moral digna, nem por praticar fiemente o jejum e o dízimo. O que Cristo critica nele é seu espirito de juízo que o leva a pensar que não existe outra forma de vida religiosa que possa merecer a graça de Deus. Cristo quer nos libertar do juízo sobre nossos irmaos na Igreja.


Somos fariseus quando esquecemos a grandeza de Deus e nosso nada, e cremos que as virtudes próprias exigem o desprezo dos demais irmãos. Somos fariseus quando nos separamos dos demais irmãos e nos cremos mais justos, menos egoístas e mais limpos do que os outros. Somos fariseus quando entendemos que nossas relações com Deus hão de ser quantitativas e medimos somente nossa religiosidade a partir das missas e orações.


O importante é começarmos po confiar no amor de Deus, que tudo pode e tudo supera, inclusive nossos erros mais graves; é reconhecer nossa pequenez, nossa impotência, nosso nada que somente fica pleno precisamente por esse amor de Deus; é reconhecer que nossa principal obrigação é tratar de fazer todo o bem que possamos para todos os homens, sem distinção; é ser reflexo do amor que Deus nos tem, sabendo que nada somos e que estamos completamente nas mãos de Deus; é ter sempre muito presente que nossa salvação não é obra obtida pelo homem a base de cumprimentos de normas ou regras e sim dom generoso do amor de Deus. Se tivermos consciência disso tudo, começaremos a “cumprir” menos para começarmos a amar mais. Sobretudo, nos sentiremos irmãos de todos, não superiores a ninguém.


É curioso comprovar que os santos se consideram sempre uns grandes pecadores, pois eles compreendem de verdade o que o pecado significa. Somente à luz de Deus é possível reconhecer a própria miséria. Fora desta luz não se conhece nem reconhece o pecado. A consciência do pecado é o que paradoxalmente nos aproxima de Deus. Quando se toma consciência do pecado, em toda sua terrível amargura, aparece a esperança de salvação.


Estendamos um pouco mais nossa reflexão sobre o texto do Evangelho de hoje!


Continuamos a acompanhar as Lições do Caminho (Lc 9,51-19,28) dadas por Jesus aos discípulos durante sua caminhada para Jerusalém onde ele será crucificado e morto. Mas também será ressuscitado e a partir de Jerusalém, o Senhor vai enviar seus discípulos para o resto do mundo (At 1,8).


No Domingo anterior o Evangelho falou da oração perseverante e a fé no Deus que sempre atende as nossas orações. Continuando o tema da oração vê-se agora como se deve orar. A parábola do fariseu e do cobrador de impostos (publicano) no evangelho deste domingo é exclusivamente lucana. Ela não é uma história verdadeira, mas uma história que diz alguma coisa de verdadeiro, como toda parábola. Nesta parábola o evangelista Lucas contrapõe duas atitude: a atitude do fariseu que pensa ganhar a salvação com o seu próprio esforço. Por isso, segundo ele, Deus tem obrigação de atender sua “oração”. Por outro lado, há outra atitude: a do publicano que reconhece a sua condição de pecador e pede a Deus a conversão. O publicano se apoia na misericórdia de Deus e não em suas obras. Para Lucas, a misericórdia é a lei fundamental da ação de Deus. A atitude tão humilde do publicano diante de Deus, para o evangelista, serve como o modelo para sua comunidade e seus leitores.


O texto podemos dividir em três partes: v.9 serve como uma introdução; vv.10-14a falam da parábola do fariseu e publicano e v.14b serve como uma sentença generalizante.


V.9: “Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros”.


Esta pequena introdução é destinada a “alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros”. Com a palavra “alguns” sublinha-se a mensagem para qualquer um, seja fariseu, publicano ou outra pessoa, pois sentir-se superior aos outros não é exclusivo para os fariseus.


Todos sabem que um orgulhoso/arrogante não se preocupa em conhecer a verdade, mas apenas em ocupar uma posição em que ele possa ser o centro e a norma; livre de qualquer subordinação, ele pretende que tudo esteja sujeito a si próprio. O orgulhoso/arrogante possui todos os vícios: ser egoísta, injusto, ingrato, imoral, fanfarrão (está sempre falando de si, atribuindo a si próprio elogios por façanhas jamais realizadas).


Depois deste versículo introdutório vem a parábola (vv.10-14b). Na parábola temos a encenação de duas personagens profundamente opostas nas pessoas do fariseus e do publicano, para representar os dois papeis. O fariseu representa o” justo” reconhecido como tal no judaísmo e o publicano que é enriquecido ilegalmente como cobrador de impostos, por isso é considerado um pecador público.


O fariseu de nossa parábola observou escrupulosamente todos os mandamentos até os mais detalhes e as proibições da lei. A lei prescrevia um único jejum público por ano, no dia da expiação (Lv 16,29-39). Porém, o nosso fariseu jejuava duas vezes por semana, nas segundas e nas quintas-feiras, para compensar os pecados dos outros e atrair sobre seu povo as bênçãos de Deus. Por isso, era uma obra de merecimento adicional. Além disso, a lei prescrevia o dízimo do trigo, do vinho novo, do azeite, dos primogênitos do gado e do rebanho a fim de poder ajudar o serviço do Templo e as obras de caridade (Dt 14,22-29). Mas o nosso fariseu paga o dízimo de todos os seus rendimentos e de todos os alimentos que compra e até mesmo as ervas do jardim (Lc 11,42). Ele ora como todos os devotos judeus: de pé, com os braços levantados e a cabeça erguida. Ele agradece a Deus. Esta é a forma clássica da oração bíblica e judaica: o louvor e o agradecimento a Deus (cf. Lc 10,21). Este homem piedoso, com efeito, se preocupa com o futuro do seu povo. É exatamente o contrário duma pessoa interessada ou egoísta. Ele se sacrifica pelo bem comum. Até aqui ninguém conseguiria descobrir nele alguma transgressão.


Qual, então, a falha do fariseu?

Primeiro, ele se auto-justifica. Na sua oração, Deus quase ficou esquecido, ou se quisermos falar radicalmente diremos que Deus ficou esquecido e somente o EU predomina: Eu não sou como os demais, eu jejuo, eu pago o dízimo. Os demais homens são o fundo escuro do magnífico auto-retrato e auto-elogio. Ele vai ao Templo, carregando consigo as suas boas obras, na certeza de que estas lhe possam merecer a justificação. A arrogante consciência de ter feito alguma coisa, o faz acreditar que Deus se tornou seu devedor, aliás inútil. Esse homem não está mais disponível à dádiva gratuita da salvação. Ele se aproveita de Deus para ilustrar a si mesmo devidamente. Para ele, o que importa não é Deus, mas sua própria perfeição. Em outras palavras, ele rezava a si mesmo. Ele não saia de si mesmo nem olhava para Deus, mas exclusivamente para a sua própria pessoa. Ele ficava dentro de si mesmo, rezava a si mesmo e adorava a si mesmo. Ele abusava da oração para demonstrar sua própria grandeza a fim de se colocar sob a devida luz diante de Deus e dos homens. Certo, ele cumpre a lei, mas de maneira formal e material sem abandonar-se a Deus, não espera nada de Deus, esquecendo que só Deus é justo, e só Ele é que justifica. O fariseu se torna uma pessoa exibicionista. A preocupação deste tipo de pessoa é ser notado e elogiado. Tudo o que ele faz é na perspectiva de algum louvor ou elogio. O exibicionismo é a linguagem que demonstra a ausência de um valor. Quando um valor cresce na experiência espiritual de uma pessoa, ela ama discrição, que é a linguagem do tesouro escondido, e se comunica pelo caminho da simplicidade, amiga do pudor.


Segundo, ele não age por amor, pois menospreza o pecador. Ele dá graças a Deus não porque Deus é a fonte de toda justiça, mas porque não é “como o resto dos homens: ladrões, injustos, adúlteros e nem como este publicano”. Ele se preocupa com o futuro da nação mas não ama o seu povo. Fica sozinho com a contagem de seus méritos. Até mesmo a palavra “obrigado” /”agradecer” perde o seu significado, porque é dita apenas em função de si mesmo. Essa palavra mais sagrada e mais expressiva da gratuidade do amor é profanada pela arrogância do “eu”. Até mesmo o nome de Deus é o pressuposto de um interlocutor de um diálogo que não houve. Na realidade, o fariseu está concentrado apenas em si mesmo. A sua prece é um falso diálogo, que tudo contamina e profana: Deus, o agradecimento, a si mesmo, aos outros. Deus é apenas uma oportunidade para ele falar de si mesmo, e a egolatria, arrogante e presunçosa, transforma-se em desprezo pelos outros.


O resultado dessa prece são as trevas de uma vida que permanece a mesma: com o silêncio de Deus, a distância hostil dos outros e o retorno mortificante ao próprio pecado.


Um perigo que corremos na nossa vida espiritual e comunitária é o de nos imaginarmos perfeitos, santos, inteligentes e piedosos. Consequentemente, corremos o perigo de nos colocarmos acima dos outros na própria oração e na vida cotidiana com os demais. Nós sentimo-nos superiores aos demais. O ato de julgar encontra-se, por vezes, naqueles mesmos (todos nós) que guardam o domingo. O ir à igreja pode ser motivo para se sentir à vontade para olhar de modo severo a quem não vai. Isto é o sinal de que não houve a prece(oração). Assim a finalidade de ir à igreja não é mais o serviço ou a missão, mas é o destacar-se. O resultado não é o compromisso, mas o julgamento, que aumenta ainda mais a distância.


Somos fariseus cada vez que apelamos à nossa boa consciência, ao cumprimento cultual, à cultura ou status religioso e social, para nos julgarem melhores e desprezarem os “novos publicanos”: marginalizados, alcoólicos, toxicodependentes, divorciados, mães solteiras, prostitutas, vigaristas, oportunistas etc.... Com isto corremos o perigo de estarmos excluídos da misericórdia divina, que somente alcançaremos confessando-nos pecadores e miseráveis diante da tamanha santidade de Deus. O farisaísmo nos impede de ver o que somos e falseia a nossa relação com Deus e com os irmãos, nossos próximos. Precisamos, por isso, pedir a Deus que nos ilumine para que possamos nos ver tal como somos e nos reconhecer pecadores. Com este reconhecimento correremos sempre ao encontro do Senhor para que ele nos perdoe e nos fortaleça dia após dia até o nosso encontro definitivo com ele na vida eterna.


E o publicano? Por que Jesus o justifica na sua oração? Qual é a sua virtude se ele é um publicano (um pecador público)?


A lei dizia que, para salvar-se, o publicano deveria restituir tudo o que roubou e mais 20 ou 25% dos juros e ainda deveria abandonar imediatamente a sua profissão como cobrador de impostos. Condições tão difíceis de ser cumpridas que os rabinos concordavam em afirmar que para os publicanos a salvação era praticamente impossível. É claro que o publicano não é um santo; pelo contrário, ele é chamado, literalmente “o pecador”, não “um pecador”. É um ladrão diplomado, um explorador nojento. Ele sabe disto e nem procura a mínima desculpa. Ele reconhece diante de Deus quem ele é realmente. Ele nem tem a coragem de levantar os olhos para o céu e de erguer as mãos, como era praxe, para rezar. Ele olha para o chão e bate no peito como aquele que está numa situação de desespero, suplica com a fórmula do pecador que não sabe fazer o elenco de seus pecador, dizendo: ”Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!” (cf. Sl 51,3). É a oração do pobre que confia totalmente em Deus. Sua “segurança” é a misericórdia de Deus. A Primeira Leitura nos diz: “A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento” (Eclo 35,21-22ª). O humilde se sente muito pequeno e limitado diante da santidade de Deus. Ao lado da sarça ardente da santidade de Deus, sente-se vivamente o limite de ser criação e o peso do próprio pecado. Quem confessa sua pobreza e sua incapacidade ou sua pecaminosidade, confiando ilimitadamente na ação salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo, obtém a vida nova em Deus. Nele Deus se glorifica.


O mistério do amor, quando presente na prece, preocupa o coração da pessoa antes de inundá-lo de alegria (cf. Lc 1,29; 5,8;18,3; Mt 8,8). O temor da santidade de Deus revela a transparência e a verdade de uma consciência frágil ou de ser pecador. A ausência de temor a Deus (como aconteceu com o fariseu) dá margem à indiferença diante dele, ao risco de desprezá-lo, à perda do bom senso. A proximidade da santidade de Deus faz perceber entre sua luz e a sombra do pecado entre os meandros do coração. Este é o indício do verdadeiro encontro com Deus numa verdadeira oração. A única riqueza do cobrador de impostos é uma consciência verdadeira, que se torna espaço vital para acolher a dádiva de Deus com sua misericórdia e sua justiça. O cobrador de impostos descobre imediatamente a presença libertadora do amor e se abre à confiança e ao poder renovador da prece.


A lição final da parábola (v.14 a), introduzida com força e autoridade (Eu vos digo …): “Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não”.


O segredo da justificativa interior é a humildade. A humildade gera a verdade. O orgulho, no entanto, é a raiz de toda falsidade. Quando a pessoa não aceita a si própria e a seus limites, termina por aceitar qualquer compromisso para alcançar as próprias intenções: o seu coração torna-se uma central desordenada de pensamentos e de palavras distorcidas e enganadoras. A humildade do cobrador de impostos torna possível um grande desejo de autenticidade, que faz surgir uma visão verdadeira de si e o torna disponível ao perdão de Deus, ao dom de sua graça. A humildade abre o coração à luz que vem de Deus e é fonte de paz. A humildade é a pureza na oração: Deus é Deus e o ser humano é apenas um pobre mendicante de misericórdia. A humildade na oração e na vida é o terreno livre para acolher a semente da justiça. O terreno fértil da santidade.


A sentença final (v.14b) é uma adição que já encontramos em Lc 14,11 (cf. Mt 23,12). Ali tem um nítido sentido escatológico: na hora do Julgamento final “todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”. Aqui temos o mesmo sentido, dado ao discurso sobre o Dia do Filho do Homem (Lc 17,22-37). O julgamento e a ação de Deus se qualificam por um reviravolta total da situação do homem que está diante dele (cf. Lc 1,51-53).


A nossa vida de cada dia, com certeza, facilmente nos desgasta, se não pomos amor em todos os nossos atos, mesmo nos mais simples e humildes. O egoísmo nos fecha os olhos e só os abrimos para ver o que nos interessa. A vaidade nos faz perder tempo em coisas fúteis e sem valor. O exagerado cuidado das coisas terrenas pode levar-nos a esquecer os valores espirituais. O farisaísmo, infelizmente, continua vivo. Ele é uma atitude religiosa que nos impede ver-nos como somos e que deturpa nossa relação com Deus e com os irmãos. Uma falsa humildade é a forma mais refinada de orgulho.


O publicano não deve ser considerado como um modelo de vida virtuosa. Ele é somente a imagem da única atitude certa que o homem deve assumir diante de Deus. É o pobre que sabe poder oferecer a Deus só o seu coração. O homem, na verdade, não possui nada que o torne digno da complacência divina. O universo todo é de Deus. Ele que o criou. Tudo é presente de Deus. E sabemos que cada vez que viemos para a igreja para falar com Deus, na verdade, viemos para escutá-Lo porque só Ele tem palavra da vida eterna. E cada vez que viemos para oferecer algo a Deus, na verdade, viemos para receber a Sua bênção para que possamos sair do templo/igreja firmes e esperançosos.


Sempre que nós rezamos de verdade, a nossa oração é eficaz não porque modificamos Deus, mas porque nos modificamos, assim saímos diferentes do que entramos. O mais difícil da oração não é tanto saber se Deus nos escuta, mas conseguir que nós O escutemos. Não peçamos a Deus que governe a nossa vida e o mundo através de milagres; peçamos-Lhe o milagre de amar e nós veremos que nosso amor transforma as pessoas e o mundo. Por isso, se a nossa oração nos afasta dos homens, isto significa que não nos encontramos ainda com Deus dos homens mas com a nossa fantasia. Rezemos diante de Deus como uma criança, mas logo voltemos à nossa vida com nossa responsabilidade de adultos.


Por tudo isto, pedimos a Deus que tenhamos um coração de uma criança diante Dele para sermos capazes de nos abandonarmos totalmente nas mãos de Deus porque o resto Ele é que vai tomar conta; um coração de irmão diante do nosso próximo, porque cada um é irmão de muitos pelo simples fato de chamar Deus de “Pai Nosso” e um coração de juiz para nós mesmos para sabermos distinguir o que é certo e o que é errado, o que pode ser mudado e o que não pode e sabedoria para distinguir os dois.
P. Vitus Gustama,SVD

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