01/11/2019
O
SER HUMANO É MAIS SAGRADO DO QUE QUALQUER LEI POR SAGRADA QUE ELA PAREÇA SER
Sexta-Feira
da XXX Semana Comum
Primeira Leitura: Rm 9,1-5
Irmãos, 1 não estou
mentindo, mas, em Cristo, digo a verdade, apoiado no testemunho do Espírito
Santo e da minha consciência: 2 Tenho no coração uma grande tristeza e uma dor contínua,
3 a ponto de
desejar ser eu mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos, os de minha
raça. 4 Eles são israelitas. A eles pertencem a filiação adotiva, a
glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas 5 e também os patriarcas.
Deles é que descende, quanto à sua humanidade, Cristo, o qual está acima de
todos – Deus bendito para sempre! – Amém!
Evangelho: Lc 14,1-6
1
Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos
fariseus. E eles o observavam. 2 Diante de Jesus, havia um hidrópico. 3 Tomando
a palavra, Jesus falou aos mestres da Lei e aos fariseus: “A Lei permite curar em dia de sábado, ou
não?” 4 Mas eles ficaram em silêncio. Então Jesus tomou o homem pela
mão, curou-o e despediu-o. 5 Depois lhes disse: “Se algum de vós tem um filho ou um boi que
caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?” 6 E eles
não foram capazes de responder a isso.
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Aceitar Jesus Como Messias Que
Veio Para Nos Salvar
“Tenho
no coração uma grande tristeza e uma dor contínua, a ponto de desejar ser eu
mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos, os de minha raça. Eles são
israelitas”.
Depois do capitulo oitavo, sobre a vida no
Espirito, São Paulo dedica três capítulos, isto é, do nono ao décimo primeiro
capítulo da Carta aos Romanos, para expressar a dor que sente pela obstinação
de seu povo de Israel e para refletir sobre o seu futuro.
São Paulo se sente judeu e desejaria que
todos os seus “irmãos de raça e sangue” aceitassem Cristo, como ele o fez. Mas
não é assim na realidade. São Paulo chama
os judeus de irmãos, forma muito explícita de amor e de bem-querer. Mas so
mesmo tempo, sente uma dor profunda por vê-los, como irmãos, afastados de
Cristo. A maioria do povo eleito ficou
fora da Igreja cristã, no sentido de não aceitar Cristo como Messias: “Tenho
no coração uma grande tristeza e uma dor contínua”. Mas ao mesmo
tempo, São Paulo reconhece que Israel tem valores muito ricos que deixou em
herança para a Igreja: “A eles pertencem
a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas e
também os patriarcas”. Desde povo nasceu o Messias, Jesus. São Paulo não
consegue entender como esse povo não aceitou Jesus, o Messias?!
Nós olhamos com respeito para este mistério
de obstinação. Jesus nasceu no povo judeu, da família judia, descendente da
casa de Davi. Seus primeiros seguidores eram judeus. Creram nele, mas a maioria
o recusou. Respeitamos sua sensibilidade e lhes agradecemos pela herança que
nos deixaram: os Salmos, sua capacidade de oração, sua veneração pela Palavra
de Deus, os livros inspirados do Antigo Testamento, suas festas, as grandes
categorias da aliança, do memorial ou da assembleia (Qahal). Seria bom se todos
aceitassem Jesus Cristo como Salvador, o Messias esperado por séculos.
Também experimentamos dor pela falta de
crença ou de fé de muitos na sociedade de hoje, pela perda da fé e dos valores
cristaos que resulta na corrupção sem tamanho e sem limite, na violência que
termina no assassinato de tantas pessoas, especialmente muitos jovens e
mulheres vítimas da violência desenfreda e na desigualdade gritante em que
poucos retém muito, e a maioria ficam sem nada.
Cada família deve desempenhar seu papel pela
mudança ou melhroria da sociedade do ponto de vista ético. Jesus cresceu na
família de muitos valores a ponto de ele ter crescido na graça e na sabedoria
diante de Deus e diante dos homens (Cf. Lc 2,52). Uma família que não tem lugar
para Deus, e para a ética, prepara o terreno ou espaço para a agressão, a
violência, a briga, a desunião, a discórdia, a injustiça, a desonestidade e
assim por diante.
A família é a
primeira e insubstituível escola criadora de humanidade, exemplo e estímulo
para as relações comunitárias mais amplas, justas, verdadeiras, mediante a
transmissão de virtudes e valores pelos pais. Numa sociedade que corre o perigo
de ser cada vez mais despersonalizada e massificada, e, portanto, inumana e
desumanizadora, a família possui e comunica, portanto, hoje energias/forças
formidáveis capazes de tirar o homem do anonimato, de mantê-lo consciente de
sua dignidade pessoal, de enriquecê-lo com profunda humanidade mediante a
vivencia de valores. Por isso, a família, ainda que relativizada, mantém todo
seu valor singular. Família é o lugar onde a vida começa e o amor jamais
termina.
Por isso, o Papa João Paulo II tinha razão ao dizer: “O futuro da humanidade passa pela família”.
É Preciso Fazer o Bem Em
Qualquer Lugar e Momento
Continuamos escutando as últimas e
importantes lições de Jesus na sua última viagem para Jerusalém (Lc
9,58-19,28), pois lá ele será crucificado, morto e glorificado.
Na passagem do evangelho de hoje, Jesus quer
nos relembrar que o ser humano é mais sagrado e importante do que qualquer lei
por sagrada que ela pareça ser, pois em cada ser humano há o hálito divino (Gn
2,7) que o torna o templo do Espírito Santo (1Cor 3,16-17; 6,19).
“Aconteceu que, num dia de sábado,
Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus...”, assim o
evangelista Lucas nos relatou.
Era sábado (shabbat). O Sábado era o
dia em que o povo eleito comemorava os grandes benefícios de Deus: a criação
(Ex 20,8-11) e a libertação da escravidão do Egito (Dt 5,12-15). Era o dia o
qual o Senhor abençoava acima de outros dias da semana (Jubileus 2,31s). Era o
dia de reconhecimento de que Deus santificava o povo (cf. Ex 31,13; cf. Hb
4,9). No Sábado os judeus costumavam comer festivamente.
E nesse dia (Sábado) os judeus costumavam
convidar as pessoas para a refeição festiva, mas não era qualquer convidado. O
convidado de honra para a refeição festiva, além de escribas e fariseus,
segundo o evangelho de hoje, era Jesus, pois ele era tratado como mestre. Jesus
tinha fama na região toda (Lc 7,17). O povo considerava Jesus como o grande
profeta (Lc 7,16; 24,19). Durante este tipo de refeição, costumavam aparecer
algumas pessoas sem ser convidadas para ver o convidado de honra (cf. Lc 7,37).
Podemos entender porque um hidrópico se encontrou nessa refeição.
“Diante de Jesus,
havia um hidrópico”, prossegue Lucas. Para os fariseus e
escribas qualquer doença era fruto do pecado cometido e consequentemente, era
castigado por Deus. E a causa da hidropisia, segundo eles, era a luxúria. Em
vez de se concentrar na refeição, os fariseus e escribas ficam olhando para
Jesus e o hidrópico para observar o que Jesus vai fazer com o hidrópico, pois curar
um doente faz parte dos 39 trabalhos proibidos no Sábado.
Qual é a posição de Jesus diante de um
necessitado como esse hidrópico? Ele quer ajudar e curar o hidrópico mesmo
sendo proibido, pois no Sábado. Mas antes de curá-lo Jesus lança uma pergunta bem
fundamental com o intuito de que os fariseus e escribas possam refletir sobre a
pergunta: “A Lei permite curar em dia de sábado, ou não? ... Se algum
de vós tem um filho ou um boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia
de sábado?”. Trata-se de uma nova maneira de conceber o “descanso” do
Sábado, ou do domingo, no nosso caso, como cristãos. Com essa afirmação Jesus
quer dizer aos fariseus e escribas e a todos nós que o Sábado
ou o Domingo (para
nós) é o dia da benevolência divina, o dia da redenção, da libertação, da
misericórdia de Deus para os pobres, os excluídos, os perdidos, os pecadores,
da ressurreição (para nós cristãos) e assim por diante. É o dia, por
excelência, para fazer o bem, curar, salvar, ajudar, se solidarizar. É um dia
de abertura aos demais: vida de família e de comunidade. É um dia de “saber
descansar juntos”, cultivando valores humanos importantes. É um dia de caridade
para partilhar o que somos e temos. Ao contrário, os fariseus e os
escribas se preocupam com o descanso no Sábado e esquecem a vontade salvífica e
amorosa de Deus pelo homem.
O homem hidrópico foi libertado por Jesus de
sua hidropisia. A cura é sinal bastante evidente de que Deus está com Jesus e
que Jesus age em virtude e no poder de Deus (At 10,38). Se curar um doente
fosse proibido por Deus no Sábado, o homem não ficaria libertado de sua
hidropisia.
Deus “pensa” na salvação do homem
eternamente. Cada um de nós, seres humanos, está no pensamento de Deus, desde o
princípio, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn1,26;
3,22b). Para Deus ninguém é anônimo, pois Ele chama
cada um de nós pelo nome (cf. Is
43,1). O
nome de cada um de nós está tatuado nas palmas das mãos de Deus (cf.
Is 49,16). E
o nome significa pessoa. Em cada nome está a missão de cada um. Em função da
importância do homem, Deus até enviou seu Filho unigênito para salvar a
humanidade (cf. Jo 3,16). E por causa do amor sem limite de Deus
pelo ser humano, o salmista chegou a fazer uma pergunta retórica em forma de
oração: “Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso nome em toda a
terra! Vossa majestade se estende, triunfante, por cima de todos os céus...
Quando contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas
que lá fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os
filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles?” (Sl 8,2.4-5).
Jesus põe o ser humano acima de qualquer lei
por sagrada que ela pareça ser. Que lugar ocupa o ser humano nas nossas
atividades pastorais, nos movimentos, na política, na economia e assim por
diante? De que maneira tratamos o ser humano que para Deus ele está acima de
tudo? As regras são importantes desde que ajudem o ser humano a se desenvolver
para viver na sua dignidade. Será que somos escravos das regras e das normas litúrgicas
esquecendo o ser humano? Será que ao colocar as normas acima do ser humano, sem
querer, manifestamos nosso pouco amor pelas pessoas? Será que sabemos acolher
as pessoas ou nos preocupamos com nossas “atividades pastorais?”.
Na sua
Carta Apostólica, Dies Domini, o Papa João Paulo II escreveu: “O domingo, de
fato, recorda, no ritmo semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo. É a
Páscoa da semana, na qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a
morte, o cumprimento n'Ele da primeira criação e o início da « nova criação »
(cf. 2 Cor 5,17). É o dia da evocação adorante e grata do primeiro dia do mundo
e, ao mesmo tempo, da prefiguração, vivida na esperança, do « último dia »,
quando Cristo vier na glória (cf. Act 1,11; 1 Tes 4,13-17) e renovar todas as
coisas (cf. Ap 21,5).[Dies Domini,no.1]... “Há-de-se implorar a graça da
descoberta sempre mais profunda deste dia, não só para viver em plenitude as
exigências próprias da fé, mas também para dar resposta concreta aos anseios
íntimos e verdadeiros existentes em todo ser humano. O tempo dado a Cristo,
nunca é tempo perdido, mas tempo conquistado para a profunda humanização das
nossas relações e da nossa vida” (no.7) ... “Recebendo o Pão da
vida, os discípulos de Cristo preparam-se para enfrentar, com a força do
Ressuscitado e do seu Espírito, as obrigações que os esperam na sua vida
ordinária. Com efeito, para o fiel que compreendeu o sentido daquilo que
realizou, a Celebração Eucarística não pode exaurir-se no interior do templo.
Como as primeiras testemunhas da ressurreição, também os cristãos, convocados
cada domingo para viver e confessar a presença do Ressuscitado, são chamados,
na sua vida quotidiana, a tornarem-se evangelizadores e testemunhas. A oração
depois-da-comunhão e o rito de conclusão — a bênção e a despedida — hão-de ser,
sob este aspecto, melhor entendidos e valorizados, para que todos os
participantes na Eucaristia sintam mais profundamente a responsabilidade que
daí lhes advém. Terminada a assembleia, o discípulo de Cristo volta ao seu
ambiente quotidiano, com o compromisso de fazer, de toda a sua vida, um dom, um
sacrifício espiritual agradável a Deus (cf. Rom 12,1). Ele sente-se devedor
para com os irmãos daquilo que recebeu na celebração, tal como sucedeu com os
discípulos de Emaús que, depois de terem reconhecido Cristo ressuscitado na «
fracção do pão » (cf. Lc 24,30-32), sentiram a exigência de ir imediatamente
partilhar com seus irmãos a alegria de terem encontrado o Senhor (cf. Lc
24,33-35)” (n. 45).
A partir de tudo que foi dito vem a pergunta:
De que maneira nós vivemos o nosso Domingo, que é o Dia do Senhor e também é o
dia da Igreja? Nós simplesmente cumprimos preceito ao ir à igreja aos domingos
ou será que temos consciência de vamos escutar as lições do Senhor através de
Sua Palavra proclamada e medita durante a celebração dominical?
Para
Rezar e Refletir:
“Quando contemplo o firmamento, obra de
vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me
então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com
eles? Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso
nome em toda a terra!” (Sl 8).
“Que
é o homem, de quem cuidas? Um ponto de poeira num cosmos de luz. Mas, no ponto
que sou eu, há outra criação ainda mais maravilhosa do que o firmamento e as
estrelas. O prodígio do meu corpo, o segredo das minhas células, o relâmpago
que há nos meus nervos, o palácio do meu coração... E a animação da minha alma,
a centelha do meu entendimento, o frêmito do meu sentimento, o pilar da minha
fé. O milagre que está dentro de mim, bem como a Sua assinatura a ele aposta.
Sorrio em reconhecimento quando vejo que fizeste de mim o rei da tua criação,
inferior tão-somente, a Ti mesmo. Conheço a minha pequenez e a minha grandeza,
a minha dignidade e a minha insignificância... Grande é o Teu nome, ó Senhor,
por toda a terra... Quando encontro uma dificuldade na vida e penso em Ti, não
é para pedir-Te que a remova, mas para que me dês forças para enfrentá-la; não
é para impor-Te a minha solução, mas para que eu tome a Tua como minha. Eis por
que És a minha fortaleza: porque És o meu ser” (Carlos
G. Vallés: Busco Tua Face, Senhor. Ed. Loyola).
P. Vitus Gustama,svd
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