Dia de Finados, 02/11/2019
DIA
DE FINADOS
- A morte põe termo à vida do homem, enquanto tempo aberto à aceitação ou à rejeição da graça divina, manifestada em Jesus Cristo. O Novo Testamento fala do juízo, principalmente na perspectiva do encontro final com Cristo na sua segunda vinda. Mas também afirma, reiteradamente, a retribuição imediata depois da morte de cada qual, em função das suas obras e da sua fé”, diz Catecismo da Igreja Católica (n.1021).
- Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através duma purificação (611), quer para entrar imediatamente na felicidade do céu, quer para se condenar imediatamente para sempre (idem n.1022).
- “O cristão, que une a sua própria morte à de Jesus, encara a morte como chegada até junto d'Ele, como entrada na vida eterna” (idem n.1020).
O dia de finados é o dia de saudade porque
ele nos leva às nossas raízes familiares. Ele leva as pessoas à memória
familiar. Cada um de nós sempre tem algum lugar especial no coração para a
lembrança daqueles que conviveram conosco, mas partiram antes de nós. Por isso,
neste dia as lágrimas rolam dos olhos espontaneamente. A lágrima é a única
linguagem que é capaz de expressar toda a nossa emoção e todo o nosso
sentimento. Neste dia, cada um leva as flores ao cemitério para enfeitar o
túmulo do ente querido por um dia e acende umas velas. Levar flores aos túmulos
é um rito muito significativo. Além de ser uma expressão de gratidão e de
reconhecimento pelo que Deus realizou, por sua graça naqueles que nos
precederam na fé, as flores simbolizam, principalmente, o jardim, o paraíso, a
felicidade eterna, que todos desejam aos seus entes queridos, como também nós
desejamos para nós mesmos que estamos peregrinando neste mundo.
Dia de Finados é o dia especial em que todos
nós somos chamados a voltar para a raiz familiar. É o dia em que todos nós
voltamos a sentir, de uma maneira especial, a presença de todos os membros de
nossa família que já partiram. Por algum instante visitamos, na memória, o
passado no qual convivíamos e que no presente estão ausentes fisicamente. É um
dia de saudade dos que conviveram conosco, mas partiram antes de nós. É o dia
de saudade porque quando a morte atinge nossos entes queridos, uma parte de nós
se vai com eles. Nós nos unimos à sua entrega total e sabemos que também nós
estamos partindo (morrendo). Algo de nós se vai para sempre quando uma pessoa
amada morre.
A partir da morte percebemos que a vida é um
mosaico de tempos diversos. Cada momento é assinalado por algo que se deixa ou
por algo que se descobre. Cada momento comporta a separação daquilo que se era,
para se aventurar em direção do que se pode vir a ser. Nesta dinâmica universal
e constitutiva da vida, relação e separação, encontro e despedida, nascimento e
morte, não se excluem, mas se atraem. A relação atrai a separação. O encontro
atrai a despedida. O nascimento atrai a morte. Aquele que é capaz de acolher,
saberá também se separar, assim como a separação é pré-requisito de qualquer
encontro. Talvez na linguagem bíblica possamos dizer: “Tudo tem seu tempo. Há
um momento oportuno para cada coisa de baixo do céu: tempo para nascer, e tempo
para morrer... Tempo para chorar, e tempo para rir... Tempo para dar abraços, e
tempo para afastar dos abraços” (Ecl 3,1-2.4.5b). Cedo ou tarde chegará o momento
de dizer “adeus”: o amor ganha, então, as feições da dor. E repentinamente o
passado reaparece com suas recordações, o presente se impregna de solidão e o
futuro se desdenha repleto de incertezas para quem não se prepara e não sabe
lidar com tudo isso. Um poeta espanhol escreveu: “Partiremos, quando nascermos, caminharemos
enquanto vivermos, e chegaremos no momento em que morrermos”.
O Dia de finados quer nos relembrar que a
vida é sempre uma partida. Há uma partida para os olhos que se fecham, para os
ouvidos que se cansam e para o corpo que envelhece. A condição humana é ser passageiro, ser
transitório, ser limitado. Estamos sempre na saudação dos que chegam, no
nascimento, e da despedida dos que partem sem volta para este mundo
fisicamente, na morte. Em tudo há um adeus. E ninguém tem poder de parar o
tempo. Todo nascimento é uma referência existencial à morte que é seu termo. Em
outras palavras, a chegada será sempre uma partida. Um encontro será sempre uma
despedida. Em cada nascimento esconde-se a morte.
Precisamos afirmar que hoje celebramos a vida e não a morte. Não
celebramos o culto à morte e sim o culto à vida. “Creio na comunhão dos santos!
Creio na ressurreição da carne! Creio na vida eterna!”, professamos no nosso
Credo. Por isso, as leituras deste dia falam da ressurreição e da vida. Uma das
referências onipresente nas leituras é a ressurreição de Cristo da qual
participam os cristãos que aceitam Cristo e vivem conforme seus ensinamentos. Não
é por acaso, se seguir cronologicamente o calendário, que logo depois da
Solenidade de Todos os Santos, comemoramos o Dia de Finados. Isto significa que
a vida não termina na morte e sim na comunhão com Deus eternamente. A morte biológica
é inevitável. O corpo segue ou obedece à lei biológica em que tudo que nasce,
morre; cada encontro é seguido pela despedida. Para cada semear há momento para
colher “Para tudo há um tempo, para cada coisa há
um momento debaixo dos céus”, diz o Livro de Eclesiastes (3,1). A
morte biológica é uma certeza para quem vive. Quem vive não precisa provar de
que nasceu nem precisa provar a existência dos pais. E quem vive não precisa
duvidar da morte.
Se a morte é a certeza, a imortalidade é a
esperança. A teologia da esperança nos leva à verdade que nós existimos no
mundo, mas acima do mundo, no tempo, mas acima do tempo. O nosso Credo termina
com uma afirmação de esperança: “Creio
na ressurreição da carne e na vida eterna”. E o prefácio da missa destaca a
crença cristã: “Senhor,
para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada...”.
Esta certeza parte da ressurreição de Jesus Cristo. “Eu sou a ressurreição e a vida;
quem crê em Mim, ainda que tenha morrido viverá; e aquele que vive e crê em
Mim, nunca morrerá”, diz o Senhor (Jo 11,25s). Cristo ressucitado é a melhor e a única
resposta válida para a pergunta sobre a morte. Por isso, para nós cristãos,
Jesus ressuscitado é a razão última do nosso viver, lutar, morrer e de nossa
esperança para a vida eterna. A esperança cristã da ressurreição e vida sem fim
se fundamenta na ressurreição de Cristo. Por isso, saõ Paulo afirma
categoricamente: “Se cristo não ressuscitou, vazia é a nossa
pregação, vazia também é a vossa fé” (1Cor 15,14). Por isso, olhando para todos os túmulos, que
possamos dizer: “Tudo isto vai ser vencido. Um dia, os túmulos se abrirão à voz
de Deus. Mais do que para os cemitérios, caminhemos para Deus”
A partir da teologia da esperança, o dia de
finados é também, e principalmente, o dia da esperança. O filósofo Aristóteles
chama a esperança como “sonho de quem está acordado”. De onde vem esta
esperança? Ela vem das próprias palavras de Jesus Cristo: “Eu sou a
ressurreição e a vida. Quem crer em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo
11,25) e da sua própria ressurreição: “Se Cristo não ressuscitasse seria vã a
nossa pregação e seria vã a vossa fé” (1Cor 15,14). Por isso, crer em Jesus
Cristo, o Ressuscitado, significa jamais parar de existir. A partir da
ressurreição do Senhor em quem acreditamos, não vivemos mais para morrer e sim
morremos para viver. A vida não mais pertence à morte e sim a morte pertence à
vida. A vida é real, enquanto que a morte é passageira. Temos que abraçar o que
é real, e largar o que é passageiro. Dizia muito bem Tertuliano, um dos padres
da Igreja dos primeiros séculos: “A esperança cristã é a ressurreição dos
mortos; tudo o que somos nós o somos enquanto acreditamos na ressurreição”. A
ressurreição de Cristo coloca o ser humano na dimensão de salvação, anunciando
que a vida é mais forte do que a morte, que a nova vida nasce da morte, assim como
cada dia é precedido pela noite.
Para nós que acreditamos no Deus da Vida a morte é o caminho que
termina em Deus, de onde, um dia, saímos e um outro dia voltaremos. Isto significa
que nós pertencemos ao Senhor: “Se vivemos, é para o Senhor, que
vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer
morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). A vida que nos foi dada não pertence ao
homem, mas a Deus. Essa pertença a Deus
é o que torna a vida algo sagrado. E para todos os homens, a vida temporal é
dada como semente de vida eterna (cf.
1Cor 15,35-58). Por isso, morrer significa entregar totalmente a vida a Deus. O
mesmo Senhor que nos criou por amor, nos acolhe também para um amor infinito,
para uma perfeita comunhão com Ele, para uma eternidade (cf. Jo 14,1-6). É uma
partida com chegada definitiva. São Pedro expressa esta realidade nestas
palavras: “Fugindo da corrupção, nos tornamos participantes da natureza
divina” (2Pd 1,4). Para nós, morrer é entregar a vida para Deus a exemplo
de Jesus Cristo, que ao entregar a vida totalmente à vontade de Deus, ele
experimentou a ressurreição. A ressurreição de Jesus é a mensagem mais clara
sobre o futuro do homem (cf. 1Cor 15,12-19).
A Igreja sempre acredita na imortalidade da
alma. Por isso, no Credo professamos: “Creio na comunhão dos santos... Creio na
ressurreição da carne... Creio na ressurreição da carne...Creio na remissão dos
pecados”. Este Credo se baseia sobre a ressurreição de Jesus. Até São Paulo
chegou a dizer que se Cristo não ressuscitasse, seria vã a nossa pregação e
seria vã também a nossa fé (cf. 1Cor 15,14). A ressurreição do Senhor vem nos
dizer que o homem não nasce para morrer, mas nasce para ressuscitar, para
viver. A vida não pertence à morte e sim a morte pertence à vida. Por isso, um
cristão nunca morre, e sim ele nasce duas vezes: nasceu do ventre materno pela
primeira vez e nasce para a vida eterna pela segunda vez. A morte é considerada
como uma passagem para a vida. O destino do homem, então, não é o cemitério.
Não estamos caminhando para o cemitério, mas para a Casa do Pai que está pronto
para nos acolher e abraçar (cf. Jo 14,1-6).
E nós que ainda nos resta a vida, o que
devemos fazer?
Em
primeiro lugar,
precisamos valorizar a presença, pois ela é um dom. Muitas vezes sentimos a
importância de uma pessoa somente na sua ausência. Precisamos estar conscientes
de que como é bom estarmos juntos enquanto for dado a nós o dom de convivência,
pois vai chegar um dia em que seremos obrigados a viver de outra maneira.
Em
segundo lugar, não precisamos
acumular as flores para formar um dia uma coroa de flores para um caixão, pois
uma flor oferecida para uma pessoa viva vale muito mais do que uma coroa de
flores para um morto. Que a coroa de flores oferecida na morte de alguém
represente todas as flores dadas durante a vida daquele que já se foi.
Em
terceiro lugar, não precisamos
esperar alguém morrer para elogiá-lo ou para falar de suas virtudes. É bom
elogiarmos quem merece ser elogiado enquanto ele estiver convivendo conosco.
Pois um elogio sincero dado para um vivo vale muito mais do que um elogio
triste para um caixão. Perdoemo-nos mutuamente enquanto estivermos vivos, pois
como é bom experimentarmos o que é que a ressurreição ou a libertação enquanto
para nós é dado o dom de viver um pouco mais.
Em
quarto lugar, como é triste morrer
sem ter sabido viver e ao mesmo tempo como é triste viver sem aprender a
morrer. Para vivermos melhor e com outra intensidade precisamos aprender a
morrer. É o paradoxo da vida: para viver verdadeiramente precisamos aprender a morrer.
Precisamos aprender a morrer de nosso
egoísmo, de nossa prepotência, de nosso rancor, de nossa falta de perdão, de
nossa vingança, de nossa soberba que mata a caridade e a fraternidade, de nossa
preguiça de rezar e de participar do banquete celeste aqui na terra que é a
eucaristia. Em outras palavras, precisamos aprender a morrer de nossa morte
para que possamos ressuscitar para uma vida com Deus.
Para olhar o mundo, a nós mesmos e todos os
acontecimentos na plenitude da verdade não há ponto de observação melhor que o
da morte. A partir dali tudo é visto em sua justa perspectiva. Visto a partir
desse ponto, tudo ganha seu justo valor. Olhar a vida a partir da morte nos
ajuda extraordinariamente a vivermos bem e a valorizarmos cada segundo de nossa
vida. A morte nos impede que nos prendamos às coisas, e nos impede que fixemos
aqui embaixo a morada de nosso coração esquecendo que “não temos aqui
residência permanente” (cf. Hb 13,14). Não é a morte que é absurda, mas a vida
sem a morte.
Neste Dia de Finados, cada ser humano, cada
homem e cada mulher é convidado a considerar sua peregrinação terrena não como
um fim em si, mas como caminho que guia à vida sem fim: a vida com Deus. Ele
também é convidado a viver sua existência cotidiana como um mistério a ser
descoberto e não apenas como um problema para ser resolvido. Quanto mais se
mergulha no mistério da vida, mais se descobre o mistério do homem e o mistério
de Deus.
Que os que nos precederam descansem em paz
(RIP) e que nós, que ainda estamos peregrinando neste mundo, vivamos em paz
para que possamos alcançar a morada eterna, a casa do Pai do céu. Assim seja.
P.
Vitus Gustama,SVD
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