08/06/2020
SER FELIZ NO CRITÉRIO DE JESUS
Segunda-Feira da X Semana Comum
Naqueles
dias, 1 o profeta Elias, tesbita de Tesbi de Galaad, disse a Acab: “Pela vida
do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos nem orvalho
nem chuva, senão quando eu disser!” 2 E
a palavra do Senhor foi dirigida a Elias nestes termos: 3 “Parte daqui e toma a
direção do oriente. Vai esconder-te junto à torrente de Carit, que está
defronte ao Jordão. 4 Lá beberás da torrente. E eu ordenei aos corvos que te
deem alimento”. 5 Elias partiu e fez como o Senhor lhe tinha ordenado, e foi
morar junto à torrente de Carit, que está defronte do Jordão. 6 Os corvos
traziam-lhe pão e carne, tanto de manhã como de tarde, e ele bebia da torrente.
Evangelho: Mt 5,1-12
Naquele tempo: 1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se.
Os discípulos aproximaram-se, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4
Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5 Bem-aventurados os
mansos, porque possuirão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a
Deus. 9 Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de
Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque
deles é o Reino dos Céus. 11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e
perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de
mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.
Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vós.
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Entre Providência e Avareza
Humana
Durante alguns dias leremos as leituras do
Antigo Testamento na segunda parte do Livro dos Reis. Os livros dos Reis, na
Bíblia hebraica, formavam um só livro sem divisão. A divisão em dois livros é
tardia. E seu objetivo material é a história de Israel e de Judá e, mais
concretamente, de seus reis, desde Salomão até os últimos reis de Israel e de
Judá. O conteúdo global dos livros dos Reis é a história dos reis de Israel e
de Judá, desde a morte de Davi até o exílio para Babilônia, que vão desde 970
a.C, aproximadamente, até 561 a.C. Apesar de sua finalidade teológica os livros
dos Reis são o mais importante documento bíblico para a reconstituição
histórica do período que vai desde o reinado de Salomão até a destruição de
Jerusalém em 587 a.C.
“Pela
vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos nem
orvalho nem chuva, senão quando eu disser!”, assim lemos no texto da
Primeira Leitura de hoje.
Este período da história do povo de Deus dura
três séculos: do ano 935 a.C, ano do cisma entre o Reino Norte e Sul, até o ano
586, ano da destruição de Jerusalém pelo rei Nabuconosor. Neste período há a decadência humana e
religiosa do povo de Deus: a idolatria, as divisões, as injustiças sociais
arruínam lentamente as relações humanas no seio do povo de Israel e se torna
presa fácil dos grandes impérios vizinhos.
Durante este período surgem os profetas que
intervém como defensores da fé no Deus único (monoteísmo) e da justiça social:
Elias, Eliseu, Isaias, Amós.
A primeira Leitura de hoje nos relatou:
“Naqueles dias, o profeta Elias disse a Acab: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes
anos nem orvalho nem chuva, senão quando eu disser!”.
Acab (Heb. “irmão do pai”) é o sétimo rei de
Israel após a divisão do reino, na mesma época em que o profeta Elias
desenvolveu seu ministério. Ele governou Israel de 874 a 853 a.C. Acaba foi um
dos piores reis do Norte (1Rs 16,30-33). Seus crimes não eram apenas políticos.
Sua culpa maior foi permitir a propagação da adoração a Baal. Sua hábil
politica internacional é interpretada negativamente devido às graves
consequências da adoração mista.O rei Acab é um dos reis que se aproveitam do
poder para se enriquecer, explorando o povo simples. Enquanto seus súditos
vivem na miséria, sob o jugo de impostos demasiado onerosos, Acab vive na
mordomia. Além do mais, Acab construiu um templo para Baal e obriga seus súditos a fazer culto
idolátrico.
O profeta Elias se apresenta diante do rei
Acab proclamando a soberania do Deus de Israel (Javé) sobre a natureza. Somente
o Deus da Israel é o Deus verdadeiro, o único que pode dar a chuva e tirá-la.
Por isso, Elias, o profeta de Deus, pode anunciar um período de seca de dois
anos. As palavras de Elias seguramente provocam a fúria do rei Acab. E Elias,
pela ordem do Senhor, se esconde e o próprio Deus vai garantir sua
subsistência: “Parte daqui e toma a
direção do oriente. Vai esconder-te junto à torrente de Carit, que está
defronte ao Jordão. Lá beberás da torrente. E eu ordenei aos corvos que te deem
alimento”.
Duas lições que podemos tirar da Primeira
leitura. Primeira lição, a
providência divina existe e está aberta para quem acredita firmemente em Deus a
exemplo do profeta Elias. Deus salva. E salvar é criar e recriar continuamente.
Somos fruto do amor de Deus. O Criador poderia contentar-se com dar existência
às coisas, abandonando-as a sua sorte. Mas Deus que gera vida por amor
continuará amando o que ele gerou, pois ali persiste de alguma maneira sua
própria vida, pois somos “sopro de Deus” (Cf. Gn 2,7; 1Cor 3,16-17). Na criação
por amor, a vida é chamada a ser tão duradoura como o amor que a gerou, pois o
amor não abandona aquele que ele gerou; seria como abandonar-se a si mesmo.
Tudo isto simplesmente chama-se de a PROVIDENCIA
DIVINA. Providência é atributo pelo qual Deus concebe o plano das coisas e
dirige-lhe a execução, determinando cada criatura e para todo o universo o fim
a seguir, bem como os meios necessários para sua realização.
A segunda lição é o perigo da avareza encarnada na vida do rei Acab e
sua esposa, Jezabel (muito longe do significado do seu nome. “Jezabe” em
hebraico significa “virtuosa”). Sabemos muito bem que por natureza o ser humano
procura apropriar-se das coisas no intuito de usá-las para vida durante sua
passagem neste mundo. É uma aspiração legítima. Mas se a cobiça dos bens
materiais for exagerada, se for excessivo o apego a eles, os bens materiais
deixarão seu caráter de meio. Consequentemente, o ser humano deste tipo não
estará mais exercendo um direito e sim será vítima de um vício hediondo chamado
a AVAREZA.
A avareza é um desvio do significado de infinito para o finito, é uma
transposição do absoluto para o relativo. Não podemos nos esquecer que todos os
bens materiais que adquirimos aqui neste mundo, vão ficar aqui neste mundo. E
tudo que tem o caráter divino: amor, bondade, solidariedade, hospitalidade,
compaixão etc. (cf. Mt 25,31-45), será levado para a eternidade, pois será
reconhecido pelo próprio Deus. Podemos entender aquilo que Jean de La Fontaine dizia: "A avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo." Ou nas palavras de Plutarco: "A avareza é um tirano bem cruel; manda
ajuntar e proíbe o uso daquilo que se junta; visita o desejo e interdiz o gozo".
O avarento vive como pobre e morre como rico.
Somos Chamados a Ser Felizes
O texto lido no evangelho de hoje é o início
do Sermão da Montanha (Mt 5-7). O texto do evangelho deste dia é conhecido com
as Bem-aventuradas. Através destas bem-aventuranças logo percebemos que o
projeto de Jesus para os homens é a felicidade. Jesus quer que todos sejam
felizes. As bem-aventuranças são descrições das qualidades que devem ser
encontradas na vida dos que se submetem à soberania de Deus. Elas são também
uma declaração das bênçãos ou uma proclamação da felicidade (não só promessas
da felicidade) que já experimentam em parte e que irão gozar mais plenamente na
vida futura todos os que revelem tais virtudes. As bem-aventuranças refletem a
própria experiência, perpassada pelo sofrimento e pela perspectiva da cruz.
Jesus é, por isso, garantia e modelo da existência feliz.
Quais são pessoas declaradas felizes por
Jesus e por quê?
Jesus declara felizes àqueles que mantêm viva
a confiança em Deus apesar de serem indefesos, oprimidos, marginalizados e
perseguidos por causa do bem praticado e do amor vivido até o fim.
Os felizes são os que têm coração pobre, um
coração centrado em Deus e que se traduz no amor ao próximo e que rejeitam toda
espécie de idolatria. Os pobres em espírito são aqueles se submetem
interiormente, sem resistência à vontade de Deus. O espírito de humilde
submissão à vontade de Deus, nasce da fé inabalável na soberania e na
misericórdia de Deus e que se traduz em atitudes e condutas de bondade e de
mansidão, de misericórdia e de compaixão, de tolerância e de compreensão na
convivência com os outros. Esta atitude de humildade diante de Deus, nascida da
fé, se traduz em atitudes e condutas de desapego aos bens materiais, de
bondade, de partilha que é a alma do projeto/plano de Deus, e de solidariedade.
É ser pobre no espírito, e não é pobre de espírito.
Os felizes são os mansos que por não
responderem à violência com violência, mas que estão prontos a perdoar. Jesus
declara felizes não os que são mansos por temperamento, mas os que, apesar de
não disporem de meios para fazer valer seus direitos, não são violentos nem
agressivos, mas pacientes e indulgentes. Eles acreditam que a vida baseada no
princípio “olho por olho” só resulta na cegueira, e na cegueira nada se vê. Só
escuridão. O manso aceita o tempo de
Deus e a maneira de Deus. Por isso, o manso não é um fraco, mas um crente que
tem força da alma. A mansidão é o sinal visível da benevolência e do respeito.
Em Cristo encontramos o modelo perfeito da mansidão: “... aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração...” (cf. Mt 11,29).
Os felizes são os indefesos que não têm como
defender seus direitos por falta de recursos, mas que esperam somente a
intervenção divina. Os felizes são os que não pactuam com a maldade, com a
divisão, com a malícia, nem se deixam levar pela lógica da dominação e do
autoritarismo. Jesus declara felizes os que estão aflitos(v.5) por
experimentarem a ausência da justiça de Deus mas continuam esperando em Deus
pois só Ele pode converter a tristeza em alegria e o pranto em canto.
Os felizes são os que têm um coração cheio de
misericórdia para com os semelhantes. Um misericordioso é aquele que é capaz de
amar até a pessoa que não merece ser amada do ponto de vista humano. Mas por
acreditar na misericórdia de Deus, ele sempre quer o bem da mesma. Os
misericordiosos são aqueles que, efetivamente, abrem seu coração para os outros
e executam gestos concretos para aliviar sua aflição. Os felizes não são os
que, por índole natural, têm um coração sensível e sentimentos de compaixão,
mas os que fazem gestos concretos de misericórdia, ajudando e servindo os
necessitados.
Os felizes são os promotores da paz que
procuram criar laços de amizade e banir toda espécie de ódio, ajudar a superar
as divisões para que mundo seja cada vez mais fraterno, e mais humano. Santo
Agostinho dizia: “Não basta ser pacífico. É necessário ser promotor da paz.
Quem são os pacíficos? Não os pacifistas, mas os promotores da paz. Não basta
estar disposto a perdoar ou ignorar os inimigos, é preciso amá-los e ter
compaixão por eles. Não odeias aos cegos, mesmo que ames a luz. Da mesma forma,
deves amar a paz sem odiar os que fazem guerra”. Aos construtores da paz é
feita a promessa solene de que no juízo final lhes será dado o maior de todos
os títulos: “Serão chamados filhos de Deus”.
Os felizes são os perseguidos por causa da
justiça, por causa do bem que fazem, por viverem retamente. Quem sempre faz o
bem, muitas vezes acaba sendo perseguido e crucificado como Jesus. Mas ele é
feliz, pois até o fim ele é capaz de dizer sim para o bem e dizer não para o
mal. Quem pára de crescer neste espírito das bem-aventuranças, começa a morrer.
Quem, ao anunciar o Evangelho, for aplaudido por todos e, sobretudo, pelos
donos de poder, pode estar certo de que ele ainda não é o profeta verdadeiro,
pois ele deixou de ser o sal da terra para converter-se em adoçante. No caso de
perseguição (como também na primeira bem-aventurança), a promessa é formulada
no presente: “Deles é o Reino dos céus”. O reino lhes pertence desde agora
Portanto, as bem-aventuranças são uma
proclamação de amizade de Deus para as pessoas que participaram do espírito
dessas bem-aventuranças e são um programa da vida de cada cristão (vocação á
felicidade é para todos), e também são uma celebração da felicidade como dom ou
graça presente, como uma realidade já presente e não apenas como algo depois da
morte ou uma recompensa futura pela carência na terra. Se entendêssemos as
bem-aventuranças somente como uma compensação para depois da morte, elas seriam
“ópio do povo”. Em outras palavras, somos felizes já na medida em que
pertencemos a Deus no presente que se traduz na vivência da fraternidade
universal. Então, também o futuro de Deus nos pertence. A partir daí, o céu é a
experiência de compartilhar a alegria, a paz e o amor de Deus na plena
capacidade humana e vivida entre os homens.
Será que posso me declarar que sou um dos
bem-aventurados na declaração de Jesus?
P. Vitus
Gustama,svd
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